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O EVANGELHO DA VERDADE 1 Prólogo A proclamação 2 da verdade é uma alegria para aqueles que receberam graça do pai da verdade, · para que possam aprender a conhecê-lo 3 mediante o poder da Palavra 4 que emanou na plenitude 5 que está no intelecto e no pensamento 6 do pai - a Palavra, - que é dita o "salvador": pois esse é o termo para a obra que ele 7 devia realizar para resgatar os que tinham tombado ignorantes do pai; · ao passo que o termo "proclamação" se refere à manifestação da esperança, uma descoberta para os que estão procurando por ele. I. A ORIGEM DA IGNORÂNCIA A criação Visto que a totalidade 8 tinha procurado por aquele do qual emanara, e a totalidade estava dentro dele - o inconcebível incontido, que é superior a todo pensamento 9 - ignorância do pai causava agitação e medo. E a agitação tornou-se densa como a cerração, de modo que ninguém podia enxergar. - Assim a incorreção 10 encontrou força e trabalhou em sua matéria 11 no vazio. Sem ter aprendido a conhecer a verdade, ela passou a residir em uma forma modelada 12 , preparando por meio do poder 13 , na beleza, um substituto para a verdade. A irrealidade da criação Ora, para o inconcebível incontido isto não era humilhante; pois a agitação e o esquecimento e a forma modelada de engano eram como nada, enquanto a verdade estabelecida é imutável, imperturbável, e não pode ser embelezada. Por essa razão, desprezem a transgressão, visto que ela não tem raiz 14 . Esquecimento Ela habitava numa cerração, no que diz respeito ao pai, preparando, enquanto aí habitava, produtos e esquecimento e medos, de modo que por meio deles pudesse seduzir aqueles do meio 15 e tê-los cativos. O esquecimento que pertence à incorreção não é aparente; não é (?) [...] com o pai. Não foi na companhia do pai que o esquecimento surgiu, e certamente, então, não foi por causa dele! Ao contrário, o que vem a ser dentro dele é conhecimento, que apareceu de forma que esquecimento perecesse e o pai viesse a ser conhecido. Visto que esquecimento surgiu porque o pai era desconhecido, desde o momento em que o pai vem a ser conhecido, não haverá mais esquecimento. II. DESCOBERTA DO PAI O Jesus crucificado é deus por dentro É para os perfeitos 16 que esta, a proclamação daquele que eles buscam, se deu a conhecer, mediante as mercês do pai. Por esta, o mistério escondido Jesus Cristo iluminou aqueles que estavam, por causa do esquecimento, nas trevas. Ele os alumiou e lhes deu um caminho, e o 1 Ou "Proclamação de verdade" Nenhum título é dado nos MSS. O título atual foi suprido pelos estudiosos modernos, em concordância com uma afirmação de Sto. Ireneu (cf a introdução ao GTr). 2 "proclamação" (gr.: euaggelion): a palavra grega pode ser também traduzida por "evangelho" O título joga com esses dois sentidos. 3 "pai... ele" [ ou "progenitor..."]: linguagem cristã antropomórfica tradicional em referência à deidade mais alta é usada nesta obra. 4 "Palavra" (grego Logos): ou "expressão verbal". 5 "plenitude": jargão valentiniano para o universo espiritual. 6 Ou "pensar"; cf. BJn 4,26s. 7 "ele": a linguagem cristã antropomórfica tradicional em referência ao princípio mediador (Palavra, filho) usada nesta obra. 8 totalidade": jargão gnóstico para a soma total da realidade espiritual derivada do éon Barb ēlō ou princípio segundo; aqui se refere especialmente à realidade espiritual enquanto alienada de sua fonte. 9 cf. BJn 3,22-26. 10 "incorreção": personificação feminina correspondente tanto à sabedoria quanto a Ialdaba ōth no mito gnóstico. Nesta seção (17, 4-17s) é um equivalente alegórico da produção de laldabaōth e da criação do universo e do gênero humano no mito gnóstico. 11 "sua matéria": o universo material, que pertencia à transgressão. 12 jargão judeu e cristão para o corpo humano, baseado no fato de que o criador modelou Adão da terra. A palavra (gr.: plasma) também significa "ficção, fabricação". 13 "o poder": cf. BJn 10,20s. 14 "raiz": fonte. 15 I. é, cristãos cornuns (?). Na teologia valentiniana posterior, "o meio" é o reino do "justo", que pode vacilar entre o bem e o mal, distinto do reino dos espirituais (valentinianos) e do pai; cf. IrPt 1.7.1. O ensino do próprio Valentino a respeito desta questão não é conhecido. 16 "os perfeitos": os eleitos escolhidos para a salvação.

O Evangelho Da Verdade

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Page 1: O Evangelho Da Verdade

O EVANGELHO DA VERDADE1

Prólogo

A proclamação2 da verdade é uma alegria para aqueles que receberam graça do pai da verdade, ·

para que possam aprender a conhecê-lo3 mediante o poder da Palavra

4 que emanou na plenitude

5

que está no intelecto e no pensamento6 do pai - a Palavra, - que é dita o "salvador": pois esse é o

termo para a obra que ele7 devia realizar para resgatar os que tinham tombado ignorantes do pai; ·

ao passo que o termo "proclamação" se refere à manifestação da esperança, uma descoberta para os que estão procurando por ele.

I. A ORIGEM DA IGNORÂNCIA

A criação Visto que a totalidade

8 tinha procurado por aquele do qual emanara, e a totalidade estava dentro dele

- o inconcebível incontido, que é superior a todo pensamento9 - ignorância do pai causava agitação e

medo. E a agitação tornou-se densa como a cerração, de modo que ninguém podia enxergar. - Assim a incorreção

10 encontrou força e trabalhou em sua matéria

11 no vazio. Sem ter aprendido a conhecer

a verdade, ela passou a residir em uma forma modelada12

, preparando por meio do poder13

, na beleza, um substituto para a verdade.

A irrealidade da criação Ora, para o inconcebível incontido isto não era humilhante; pois a agitação e o esquecimento e a forma modelada de engano eram como nada, enquanto a verdade estabelecida é imutável, imperturbável, e não pode ser embelezada. Por essa razão, desprezem a transgressão, visto que ela não tem raiz

14.

Esquecimento Ela habitava numa cerração, no que diz respeito ao pai, preparando, enquanto aí habitava, produtos e esquecimento e medos, de modo que por meio deles pudesse seduzir aqueles do meio

15 e tê-los

cativos. O esquecimento que pertence à incorreção não é aparente; não é (?) [...] com o pai. Não foi na companhia do pai que o esquecimento surgiu, e certamente, então, não foi por causa dele! Ao contrário, o que vem a ser dentro dele é conhecimento, que apareceu de forma que esquecimento perecesse e o pai viesse a ser conhecido. Visto que esquecimento surgiu porque o pai era desconhecido, desde o momento em que o pai vem a ser conhecido, não haverá mais esquecimento.

II. DESCOBERTA DO PAI

O Jesus crucificado é deus por dentro É para os perfeitos

16 que esta, a proclamação daquele que eles buscam, se deu a conhecer,

mediante as mercês do pai. Por esta, o mistério escondido Jesus Cristo iluminou aqueles que estavam, por causa do esquecimento, nas trevas. Ele os alumiou e lhes deu um caminho, e o

1 Ou "Proclamação de verdade" Nenhum título é dado nos MSS. O título atual foi suprido pelos estudiosos modernos,

em concordância com uma afirmação de Sto. Ireneu (cf a introdução ao GTr). 2 "proclamação" (gr.: euaggelion): a palavra grega pode ser também traduzida por "evangelho" O título joga com esses

dois sentidos. 3 "pai... ele" [ ou "progenitor..."]: linguagem cristã antropomórfica tradicional em referência à deidade mais alta é usada

nesta obra. 4 "Palavra" (grego Logos): ou "expressão verbal".

5 "plenitude": jargão valentiniano para o universo espiritual.

6 Ou "pensar"; cf. BJn 4,26s.

7 "ele": a linguagem cristã antropomórfica tradicional em referência ao princípio mediador (Palavra, filho) usada nesta

obra. 8 “totalidade": jargão gnóstico para a soma total da realidade espiritual derivada do éon Barbēlō ou princípio segundo;

aqui se refere especialmente à realidade espiritual enquanto alienada de sua fonte. 9 cf. BJn 3,22-26.

10 "incorreção": personificação feminina correspondente tanto à sabedoria quanto a Ialdabaōth no mito gnóstico. Nesta

seção (17, 4-17s) é um equivalente alegórico da produção de laldabaōth e da criação do universo e do gênero humano

no mito gnóstico. 11

"sua matéria": o universo material, que pertencia à transgressão. 12

jargão judeu e cristão para o corpo humano, baseado no fato de que o criador modelou Adão da terra. A palavra (gr.:

plasma) também significa "ficção, fabricação". 13

"o poder": cf. BJn 10,20s. 14

"raiz": fonte. 15

I. é, cristãos cornuns (?). Na teologia valentiniana posterior, "o meio" é o reino do "justo", que pode vacilar entre o

bem e o mal, distinto do reino dos espirituais (valentinianos) e do pai; cf. IrPt 1.7.1. O ensino do próprio Valentino a

respeito desta questão não é conhecido. 16

"os perfeitos": os eleitos escolhidos para a salvação.

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caminho é a verdade, sobre a qual ele os instruiu. Por essa razão, incorreção ficou furiosa com ele e o perseguiu. Ela foi submetida por ele e se tornou inativa. Ele foi pregado a uma árvore

17 e se tornou

fruto do conhecimento do pai. Entretanto, ele não causou ruína porque foi comido. Antes, àqueles que comeram dele, ele deu a possibilidade de que, quem quer que ele descobrisse dentro de si mesmo, se alegrasse na descoberta dele. Quanto a ele, eles o descobriram dentro deles - o inconcebível incontido, o pai, que é perfeito, que criou a totalidade.

Existência dentro do pai Porque a totalidade estava dentro dele e a totalidade tinha necessidade dele

18 - visto que ele retivera

dentro de si seu acabamento, que ele não dera à totalidade - o pai não estava relutante; pois que inveja pode haver entre ele e seus próprios membros? Pois se este reino tinha [...] a eles, eles não seriam capazes de [...] o pai, retendo o acabamento deles dentro de si mesmo, porquanto [foi] -lhes dado na forma de retorno a ele em conhecimento e acabamento. Ele é quem criou a totalidade, e a totalidade está nele. E a totalidade estava com necessidade dele: assim como alguém que é desconhecido de algumas pessoas poderia desejar se tornar conhecido, e assim ser amado por elas. Pois de que necessitaria a totalidade senão do conhecimento do pai?

O salvador como mestre Ele se tornou um guia

19, em paz e ocupado com as classes. Ele se apresentou e pronunciou a

palavra como um mestre. As pessoas autodesignadas sábias vieram a ele, testaram-no, mas ele as refutou, pois eram vazias; e elas o desprezaram, pois não eram verdadeiramente inteligentes. Depois delas todas, vieram também os pequenos, aos quais pertence o conhecimento do pai. Depois que foram confirmados e aprenderam sobre as manifestações exteriores do pai, eles obtiveram conhecimento, ficaram conhecidos; eles foram glorificados, eles deram glória.

III. PREDESTINAÇÃO PARA A SALVAÇÃO

O livro dos vivos Em seus corações apareceu o livro vivo dos vivos, que está escrito no intelecto e pensamento do pai. E desde a fundação da totalidade ele tem estado entre os seus incompreensíveis: e ninguém tinha sido capaz de pegá-lo, porquanto foi ordenado que quem quer que o pegasse seria condenado à morte. Nada teria sido capaz de aparecer entre os que acreditavam na salvação, se esse livro não tivesse se apresentado.

A crucifixão e a publicação do livro Por isso o misericordioso e fiel Jesus tornou-se paciente e aceitou os sofrimentos a ponto de pegar aquele livro: porquanto ele sabia que sua morte significaria vida para muitos. Antes que uma declaração de última vontade

20 seja aberta, a extensão da fortuna de propriedade do falecido

permanece em segredo; assim também, a totalidade estava oculta. Visto que o pai da totalidade é invisível - e a totalidade deriva dele, de quem tudo emanou - Jesus apareceu, envolveu-se naquele documento, foi pregado a um pedaço de madeira e publicou o edito do pai na cruz. Ó, tão grande lição! Mergulhando na morte, trajado de vida eterna, tendo despido os trapos corrompidos

21, ele

vestiu a incorruptibilidade, algo que ninguém pode tirar dele. Tendo entrado nos desabitados caminhos do medo, ele escapou das garras daqueles que tinham sido desnudados pelo esquecimento, pois ele era conhecimento e cumprimento, e lia até o fim o conteúdo [deles] [...]. Quando [...] instruem quem quer que possa aprender. E os que quiserem aprender, [a saber] os vivos inscritos no livro dos vivos, aprendem sobre si mesmos, recuperando sua origem no pai, e voltando para ele.

Predestinação dos eleitos Visto que o acabamento da totalidade está no pai, a totalidade deve ir para ele. Então, ao obter conhecimento, todos recebem, individualmente, o que lhes pertence, e o trazem para si mesmos

22.

Pois quem quer que não possua conhecimento está com falta, e o que falta a essa pessoa é importante, visto que a coisa que falta a essa pessoa é o que completaria a pessoa

23. - Visto que o

acabamento da totalidade reside no pai, e a totalidade deve ir para ele e todos receberem o que é

17

"uma árvore": jargão cristão para a cruz, mas aqui também contrastada com a árvore do conhecimento do bem e do

mal, Gn 2,17, que, na leitura não-gnóstica, "causou a ruína" de Eva e Adão. 18

"tinha necessidade dele": tinha falta dele; cf. nota 24a. 19

Ou "pedagogo", um escravo instruído que acompanhava os alunos na sala de aula e supervisionava sua conduta.

20

Ou "testamento". 21

"trapos corrompidos": a imagem do corpo humano como vestimenta da alma era um clichê platônico. 22

"e o trazem para si mesmos": ou "e ele os traz para si mesmo". 23

"o que completaria a pessoa": ou "o que o completaria".

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deles, ele inscreveu essas coisas de antemão, tendo-as preparado para atribuição àqueles que (finalmente) emanaram dele.

Chamado dos eleitos Aqueles cujos nomes ele conheceu de antemão foram chamados no fim, como pessoas que têm conhecimento. É o nome destes últimos que o pai chamou. Pois aquele cujo nome não foi falado não possui conhecimento. Como é que uma pessoa poderia ouvir, se o nome dessa pessoa não foi lido em voz alta? Pois quem quer que tenha falta de conhecimento até o fim, é uma forma modelada de esquecimento, e perecerá junto com ela. Se não fosse assim, por que essas pessoas desprezíveis não têm nome? Por que não possuem a faculdade de fala?

Resposta ao chamado De modo que quem quer que tenha conhecimento é do alto: e, se chamado, ouve, responde, e se volta para aquele que está chamando; e vai até ele. E sabe como aquele é chamado

24. Tendo

conhecimento, aquela pessoa faz a vontade daquele que chamou; deseja agradá-lo; e obtêm repouso. O nome daquele se torna seu próprio nome. Os que obtêm conhecimento desse modo sabem de onde vieram e para onde irão; sabem da maneira como um homem que, depois de ter se intoxicado, se recupera da sua intoxicação: tendo voltado a si, faz com que os seus permaneçam em repouso

25.

Ele trouxe muitos de volta da transgressão, indo adiante deles nos caminhos dos quais se tinham desviado depois de aceitar a incorreção por causa das profundezas daquele que circunda todos os caminhos, ao passo que nada o circunda. Era positivamente extraordinário que estivessem no pai sem ter conhecimento dele e que só eles fossem capazes de emanar, considerando que não eram capazes de perceber e reconhecer aquele em quem estavam.

Conteúdos do livro Pois se sua vontade não tivesse emanado dele [...]

26 Pois ele a revelou para conferir um

conhecimento em harmonia com todas as suas emanações, quer dizer, conhecimento do livro vivo, um conhecimento que no fim apareceu aos éons

27 na forma de [passagens de texto de] ele.

Quando ele é manifesto, eles falam: eles não são lugares para uso da voz, nem são textos mudos para alguém ler em voz alta, e assim pensar no vazio; antes, são textos da verdade, que falam e sabem apenas de si mesmos. E cada texto é uma verdade perfeita - como um livro que é perfeito e consiste em textos escritos com unidade, escrito pelo pai para os éons: de modo que através de suas passagens de texto os éons possam vir a ter conhecimento do pai.

IV. SALVAÇÃO

O advento da Palavra Sua

28 sabedoria medita sobre a Palavra.

Seu ensino o29

proclama. Seu conhecimento {o}

30 revelou.

Sua paciência é uma coroa nele. Sua alegria está em harmonia com ele. Sua glória o exaltou. Seu modo de ser o manifestou. Seu repouso o tomou para si. Seu amor o vestiu com um corpo. Sua fé o guardou.

Colheita dos eleitos Desta maneira a Palavra do pai vai para a totalidade, sendo a fruição [de] seu coração e uma manifestação exterior de sua vontade, suportando pessoalmente a totalidade e escolhendo-a, e

24

Ou "sabe como ele é chamado". 25

"Permanecer em repouso" é jargão filosófico para o estado de permanência, não-mudança, e ser real, em contraste ao

que existe na instabilidade, mudança e transformação. 26

Uma ou mais palavras estão inadvertidamente omitidas aqui. 27

Ou “reinos eternos” No mito gnóstico, os éons são emanações do princípio primeiro e compõem a estrutura do

universo espiritual, o qual só contém éons. 28

“Sua”: a tradução da palavra copta aqui, e em toda a passagem (23,18-31s), pode ser traduzida, no inglês, tanto pelo

adj. pos. neutro (“its”) como pelo adj. pos. masculino “his” (dele). Em português, o adjetivo possessivo acompanha o

gênero do objeto possuído.

(Nota completada pela Trad.). 29

“o”: aqui e em toda a passagem (23,18-31s) a palavra copta pode ser traduzida pelo pronome neutro em inglês. 30

Por inadvertência, o MS omite esta palavra.

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também tomando a manifestação externa da totalidade e purificando-a, trazendo-a de volta para o pai, para a mãe, Jesus do infinito da suavidade. E o pai descobre seu seio - agora, seu seio é o espírito santo, e revela seu segredo -, seu segredo é seu filho, a fim de que das entranhas do pai eles (a totalidade) aprendam a conhecê-lo, e os éons não fiquem mais cansados de procurar pelo pai, possam repousar nele, e saber que ele é repouso, pois ele supriu a falta

31 e aniquilou o reino das aparências. O reino das aparências, que pertence a ela (a

falta), é o mundo, no qual ela serviu.

Desaparecimento do mundo material Pois onde há inveja e disputa há falta, mas onde existe unidade há acabamento. - Considerando que a falta veio a existir porque o pai não era conhecido, a partir do momento em que o pai é conhecido, a falta não existirá. Como acontece com a ignorância de uma pessoa (de uma outra) - quando a outra se torna conhecida, a ignorância vai-se embora espontaneamente; e como acontece com a escuridão, que se vai embora quando aparece a luz: assim também a falta vai-se embora com o acabamento, e então, desse momento em diante, o reino das aparências não mais se manifesta, mas, ao contrário, irá embora com a harmonia da unidade. Pois agora seus negócios estão dispersos. Mas quando a unidade completar todos os caminhos, é na unidade que todos se reunirão, e é mediante o conhecimento que todos se purificarão, passando da multiplicidade para a unidade, consumindo como fogo a matéria dentro de si mesmos, e a escuridão mediante a luz, e a morte mediante a vida. Assim, visto que essas coisas aconteceram a cada um de nós, convém a nós meditar sobre a totalidade, de modo que esta casa seja santa e tranqüilamente concentrada na unidade.

A parábola dos potes É como pessoas que se mudaram para uma casa nova. Tinham alguns potes que não estavam bons e se quebraram; mas o dono da casa não sofreu perda nenhuma; ao contrário, o dono ficou contente porque em vez dos potes avariados havia (agora) uns inteiros que eles iriam usar. Pois esse é o julgamento que veio do alto, tendo julgado todos – uma espada de dois fios, desembainhada, cortando daqui e dali, desde que a Palavra, que está no coração daqueles que a falam, se apresentou. Ela não é apenas um som, mas tornou-se um corpo. Uma grande perturbação surgiu entre os potes; pois alguns vazaram até secar, alguns estão pela metade, alguns estão bem cheios, alguns transbordaram, alguns foram lavados, e ainda outros se quebraram.

Lamentação e queda da incorreção Todos os caminhos se moveram e ficaram perturbados, pois não tinham nem base, nem estabilidade; e incorreção ficou excitada, não sabendo o que fazer; - [ela] estava perturbada, lamentava-se e gritava que não entendia nada, visto que conhecimento, que pretendia a destruição dela e de todas as suas emanações, tinha se aproximado dela. Incorreção está vazia, sem nada dentro de si. Verdade se apresentou: todas as suas emanações a reconheceram, e saudaram o pai em verdade e poder (tão) perfeitos que ela os pôs em harmonia com o pai. Pois todo mundo ama verdade, visto que verdade é a boca do pai; sua língua é o espírito santo. Quem quer que se apegue à verdade apega-se à boca do pai; é de sua língua que essa pessoa receberá o espírito santo, quer dizer, a revelação do pai e a manifestação dele a seus éons. Ele revelou seu segredo; ele se liberou

32. Pois quem, a não ser o pai somente, contém (qualquer coisa)?

Ser potencial e ser real Todos os caminhos

33 são suas emanações. - Eles sabem que emanaram dele como filhos que

estavam dentro de um homem maduro mas sabiam que não tinham ainda recebido forma nem lhes tinha sido dado nome. É quando recebem impulso para conhecimento do pai que ele dá à luz cada um. - Do contrário, embora estejam dentro dele, eles não o reconhecem. - O pai mesmo é perfeito e tem conhecimento de cada caminho que está em si. Se ele quer, o que ele quer aparece, quando ele lhe dá forma e nome. E ele lhe dá nome, e faz com que eles venham à existência. Aqueles que ainda não vieram a ser não têm conhecimento daquele que os põe em ordem. Agora, não estou dizendo que aqueles que não vieram a ser não são nada: ao contrário, digo que eles existem dentro dele, que pode querer que eles venham a ser, se ele quiser num tempo futuro, por assim dizer. Antes que todas as coisas tenham aparecido, ele tem conhecimento pessoal daquilo que vai produzir. Mas o fruto que ainda não apareceu não reconhece nada nem é de forma alguma ativo. Assim também, todos os caminhos que residem no pai derivam do existente, aquele ser que a si mesmo fez permanecer em repouso saindo do não-existente. Pois aquilo que não tem raiz também não tem fruto: verdadeiramente, embora ele possa pensar consigo mesmo: “Eu vim a ser”, em

31

"falta": no mito gnóstico, o poder que está faltando por ter sido roubado por laldabaōth de sua mãe sabedoria. Em

GTr, a falta é mútua, entre a plenitude divina e o éon individual. 32

Ou "ele explicou-o" (para essa tradução, cf. possivelmente Jo 1, 18). 33

“caminhos”: este termo obscuro aparentemente se refere aos éons ou éons potenciais.

Page 5: O Evangelho Da Verdade

seguida murchará espontaneamente. Por conseguinte, o que era inteiramente não-existente não virá a ser. O que, então, ele quer que aquilo pense? Isto: “Eu vim a ser (apenas) à maneira de sombras e aparições noturnas”. Ó a luz que brilha no medo daquela pessoa, ao saber que é nada!

A situação de pesadelo e o despertar Assim eles não tinham conhecimento do pai, uma vez que ele era quem eles não viam. Visto que ele era objeto de medo e agitação e instabilidade e incerteza e divisão, havia muita futilidade agindo entre eles por causa dele, e (muita) ignorância vazia – como quando a gente cai em sono profundo e se vê no meio de pesadelos: correndo para algum lugar – sendo perseguido e não podendo escapar – em luta corpo a corpo – sendo surrado – caindo de um lugar alto – sendo soprado para cima pelo vento, e sem asas; às vezes, também, parece que a gente está sendo assassinada, embora ninguém esteja nos dando caça – ou matando o vizinho cujo sangue nos mancha inteiros: até que, passando por todos esses sonhos, a gente acorda. Os que estão no meio de todas essas aflições não vêem nada, pois essas coisas (de fato) não são nada. Assim são aqueles que rejeitaram a falta de conhecimento como sono, considerando-a como nada. Nem consideram eles seus outros produtos como sendo coisas reais. Ao contrário, eles as afastam como um sonho à noite, e consideram conhecimento do pai como sendo a luz. Dessa forma é que cada pessoa agia enquanto estava sem conhecimento: como se estivesse dormindo. E a pessoa que tem conhecimento é como alguém que acordou. Ótimo para a pessoa que retorna e acorda! E bem-aventurado seja aquele que abriu os olhos do cego! E o espírito ativo se apressou após aquela pessoa quando a pessoa acordou; tendo ajudado o que estava prostrado no chão, ele o fez forte bastante para ficar em pé; pois essa pessoa ainda não tinha se levantado.

V. A INTERVENÇÃO DO PAI

Mediação do filho Conhecimento vindo do pai e a aparição de seu filho deu-lhes meio de compreender. Pois quando eles o viram e ouviram, ele os deixou provar e cheirar a si mesmo e tocar o filho bem-amado, depois que ele apareceu para contar-lhes sobre o pai, o incontido, e tinha inspirado neles o que estava no pensamento

34 (do pai), fazendo a sua vontade. Quando muitos receberam a luz, eles se converteram

a ele, pois eram estrangeiros e não viram sua imagem e não o tinham reconhecido. Matéria {...}

35 pois ele viera saindo dela numa semelhança carnal sem que coisa alguma bloqueasse

seu progresso – pois incorruptibilidade é equivalente a inapreensibilidade36

– falando ademais em termos novos enquanto, contudo, falando sobre o que estava no coração do pai, pois ele produzira a Palavra que não tem defeito; e luz proclamou de sua boca. E sua voz deu à luz a vida. Ele lhes deu pensamento e inteligência e misericórdia e salvação e o espírito poderoso da infinitude e suavidade do pai, tendo feito cessar tormentos e punições: pois foram eles que se extraviaram da presença de certos outros, que não alcançaram misericórdia, na incorreção e escravidão

37. E, aliado com poder, ele os desacorrentou e os repreendeu por meio do

conhecimento.

Uma parábola de ovelhas Ele se tornou um caminho para aqueles que se tinham extraviado e conhecimento para aqueles que estavam sem conhecimento; descoberta para os que estavam procurando, e força para os que estavam tremendo; pureza para os que estavam conspurcados: visto que é ele quem é o pastor

38 que

deixou para trás noventa e nove ovelhas que não se tinham extraviado, e foi procurar por aquela que se extraviara. Ele se alegrou quando a encontrou, pois 99 é um número expresso com um gesto da mão esquerda. Mas quando 1 é encontrado, a soma total transfere-se para a mão direita

39. Dessa

forma, a coisa que precisava de um, isto é, toda a mão direita, move o que faltava, torna-o da parte da mão esquerda para transferi-lo para a mão direita. E assim o número se torna 100. Este é um

34

Ou "pensar". 35

Uma ou mais palavras estão inadvertidamente omitidas aqui. 36

Cf. RR 87,17s. 37

“escravidão”: clichê platônico para o corpo material. 38

“o” pastor conhecido dos leitores de Mt 18,12s. 39

Os romanos usavam um sistema de gestos numéricos no qual de um até noventa e nove podiam ser expressos por

noventa e nove posturas diferentes só da mão esquerda. A partir de cem, as posturas eram feitas pelos dedos da mão

direita. Assim, noventa e nove é “um número expresso com um gesto da mão esquerda” enquanto cem é um gesto da

mão direita. Independentemente desses gestos numéricos, a “esquerda” era supersticiosamente considerada como

sinistra, e a “direita” como auspiciosa. Assim a “transferência” do gesto numérico para a mão direita é uma mudança

auspiciosa.

Page 6: O Evangelho Da Verdade

símbolo das formas faladas desses números. O pai é aquele que, mesmo no Sabat, quando a ovelha

40 que ele encontrara caiu no fosso, cuidou dela e a manteve viva, depois de tirá-la do fosso.

Compreendei o sentido interior41

, pois vós sois os filhos de compreensão interior. O que é o Sabat? Aquele dia em que a salvação não pode ficar inativa. Falai de (a perspectiva de) o dia superior, no qual não há noite; e da estrela que não se põe, visto que é perfeita. Falai, portanto, a partir do coração, pois sois vós o dia que é perfeito, e é dentro de vós que habita a estrela que não se põe. Falai da verdade com aqueles que a procuram, e de conhecimento com aqueles que pecaram no meio da sua incorreção

42.

VI. DEVERES DOS ELEITOS Afirmai os pés daqueles que tropeçaram, e estendei as mãos para os que estão doentes. Alimentai os que estão com fome, e aos que estão cansados dai repouso; e despertai aqueles que desejam se levantar, e erguei-vos de vosso sono. Pois sois vós inteligência desembainhada. Se fortalecimento é assim, é verdadeiramente forte. Concentrai a atenção em vós mesmos. Não concentreis a atenção nos outros

43, isto é, naqueles que

expelistes. Não volteis a comer o que vomitastes. Não vos torneis consumido pelas traças; não vos torneis infestado de vermes; pois vós já o

44 lançastes fora. Não vos torneis o lugar do diabo, pois vós

já o reduzistes a zero. Não fortaleçais os elementos que vos impedem – aqueles que caem – supondo que isto é um tipo de aperfeiçoamento. Pois o licencioso é nada. Trata esse mais energicamente do que o justo, visto que o licencioso age na suposição de ser licencioso, ao passo que o justo age em relação aos outros na suposição de ser justo. Quanto a vós, portanto, fazei a vontade do pai, pois sois oriundos dele.

VII. O PAI E OS ELEITOS

A fragrância do pai Pois o pai é suave e em sua vontade é bondade; - ele tem conhecimento dos vossos, em quem vós confiais. Pois pelos seus frutos os vossos são conhecidos: para o pai seus filhos são eles mesmos sua fragrância, pois eles são da beleza de sua face. Por isso o pai ama sua fragrância e a manifesta por toda parte. E quando ela se mistura com a matéria ela transmite sua fragrância à luz, e por seu silêncio ele a faz superior de todas as maneiras a todo som. Pois não é o ouvido que sente a fragrância, mas é o espírito

45 que possui a faculdade de sentir e aspira a fragrância para si mesmo

por si mesmo e submerge na fragrância do pai; assim ele a alimenta e a leva àquele46

do qual ela emanou, a fragrância fria original. E ela é uma forma modelada dotada de alma, sendo como que um liquido frio que se entranhou na terra solta; e aqueles que a vêem supõem que lá há (somente) terra. Mais tarde, ela se reevapora quando uma rajada (de vento) a retira e ela se torna cálida. Fragrâncias frias, portanto, resultam de divisão. Por essa razão, veio a fé e pôs fim à divisão, e trouxe a cálida plenitude do amor, a fim de que a frieza não retorne: antes, é unidade de pensamento perfeito.

A restauração da falta pelo pai Este é o relato da boa nova da descoberta da plenitude, para aqueles que se esforçam por obter a salvação que vem do alto. Sua esperança, em direção da qual se esforçam, está se esforçando (em direção a eles): ela é a imagem deles, a luz na qual não há sombra. Quão verdadeiramente, nesse tempo, a plenitude está a caminho de vir! A falta que é própria do reino da matéria não resultou da infinitude do pai, já que ele veio conferir tempo à falta. Naturalmente, não se poderia propriamente dizer que o incorruptível “viria” dessa forma. Antes, a profundeza do pai é imensa, e não é com ele que o pensamento da incorreção reside. É uma coisa que caiu (?)

47, que pode facilmente ser posta

em pé mediante a descoberta daquele que veio para aquele que ele traria de volta. Pois restauração se chama arrependimento. A razão pela qual incorruptibilidade exalou-se e seguiu aquele que pecara era para que aquele tal obtivesse repouso. Pois o remanescente da luz, dentro da

40

“a” ovelha conhecida dos leitores de Mt 12,11. 41

No MS o resto da sentença está escrito na trigésima oitava linha da página com uma indicação de que fora

inadvertidamente omitida e deveria ser inserida entre as linhas 22 e 23. 42

Para a linha 38, ver acima depois da linha 22. 43

Ou “outras coisas”. 44

Ou, em vez do pronome masculino, o neutro, em inglês. 45

Ou “corrente de vento”, talvez significando respiração; pneuma, em grego. 46

Ou "onde". 47

Tradução incerta.

Page 7: O Evangelho Da Verdade

falta, é perdão – a Palavra da plenitude. Pois o médico corre para onde está a doença48

esse é o desejo do médico. Uma pessoa que tem alguma coisa errada, portanto, não esconderá o fato, pois um tem o que o outro necessita. Assim a plenitude, que não tem defeitos, supre a falta dessa pessoa {com}

49 o que tem dado de modo a suprir o que aquela pessoa necessita, a fim de que aquela pessoa

assim receba graça. Enquanto na necessidade, esta pessoa não tinha graça. Por esta razão, era diminuição que residia onde não havia graça. Quando a porção diminuída foi recebida, aquele que dela necessitava foi manifestamente urna plenitude. E esta é a descoberta sobre a luz da verdade que se levantou sobre tal pessoa: que ela é imutável.

Unção do eleito Por causa da vinda de Cristo (o ungido), foi dito publicamente: Buscai, e aqueles que estão perturbados receberão restauração, e ele os ungirá com ungüento. O ungüento é a misericórdia do pai, que será misericordioso com eles; e aqueles que ele ungiu são os aperfeiçoados. Pois é o pote cheio que é revestido (com lacre). Mas quando o revestimento do pote se estraga, ele vaza, e a causa de sua imperfeição está no fato de não estar revestido: pois nesse caso uma rajada (de vento) e o poder do que está com ele o fará evaporar-se. Enquanto naquele que não tem defeitos, nenhum lacre é quebrado; nem esses vazam de forma alguma. Antes, o pai, visto que é perfeito, o supre de novo com qualquer coisa que lhe falte.

Uma alegoria do paraíso Ele é bom. Ele conhece suas plantas, pois foi ele que as plantou em seu paraíso (jardim). Ora, seu paraíso é seu reino de repouso: ele é a perfeição dentro do pensamento do pai, e elas (as plantas) são a expressão verbal de sua meditação

50. Cada uma de suas expressões verbais é produto de sua

vontade e manifestação de sua fala. Desde o tempo em que elas constituíram a profundidade de seu pensamento, discurso pronunciado as manifestou, e intelecto pronunciando o discurso, e beleza silenciosa. Ele (o discurso) foi chamado pensamento, visto que elas habitavam nela (beleza silenciosa) sem se tornar manifestas. Então aconteceu que ele foi pronunciado no princípio, quando aprouve à vontade daquele que quis.

A incompreensível vontade do pai Ora, vontade é aquilo no qual o pai repousa. E nada se passa, a não ser o que lhe agrada, nem coisa alguma acontece sem a vontade do pai. Melhor, sua vontade é incompreensível. Sua vontade está em sua marca, e ninguém pode entendê-lo; nem existe ele de modo que eles possam observá-lo a fim de apoderar-se dele. Ao contrário, quando ele quer, o que quer é isto mesmo que a vista não seja absolutamente agradável na presença de deus: a vontade do pai. Pois ele conhece o princípio e o fim de tudo. Pois, no fim deles, ele os acolherá. Ora, o fim é recepção de conhecimento dele que está oculto, e ele é o pai, de quem veio o início e para quem retornará tudo o que dele emanou. E eles apareceram de forma que haja glória e alegria em seu nome.

VIII. O PAI E O FILHO

O nome do pai Ora, o nome do pai é o filho. É ele quem, no início, nomeou o que emanou dele, permanecendo sempre o mesmo. E ele o gerou como filho e lhe deu seu nome, que ele possuía. É ele em cuja proximidade o pai tem todas as coisas: ele tem o nome, e ele tem o filho. Este último pode ser visto; mas o nome é invisível, pois ele somente é o mistério do invisível, que vem aos ouvidos que estão plenamente cheios dele, por causa dele. E, contudo, o nome do pai não é falado. Antes, é manifesto em um filho. Portanto, grande é o nome! Quem, então, pode pronunciar este nome, o grande nome, senão somente ele que possui o nome e os filhos do nome em quem o nome do pai repousou e quem, por sua vez, repousou no seu nome! Visto que o pai não é gerado, é ele que sozinho o deu à luz para si mesmo, como um nome, antes de ter posto os éons em ordem, a fim de que o nome do pai fosse supremo sobre eles como senhor. E este é o nome verdadeiro, confirmado por sua ordem em perfeito poder. Pois este nome não resulta de palavras e atos de nomear, mas, antes, seu nome é invisível. Ele, somente, lhe deu um nome, pois só ele o viu, e era ele somente que era capaz de nomeá-lo: pois o que não existe não tem nome – realmente, como seria nomeado o não-existente? –, mas o que

48

Este dito é atribuído a Jesus por Sto. Efraim Sírio, padre da Igreja Síria no século IV (Syr. Evang. Concord. Expos.,

cap. 17); consta como n. 176 [A 176] na coleção de ditos atribuídos a Jesus que não estão no Novo Testamento

canônico, organizada por A. Resch (Agrapha [Leipzig: Henrichs, 1906]). 49

Por inadvertência o MS omite esta palavra. 50

Possivelmente uma referência à interpretação alegórica de Gn 2,8, do brilhante exegeta de Alexandria, Fílon Judeu (c.

30 a.C.-c. 45 d.C.) que se encontra em sua obra Questions and Answers on Genesis 1.6 (trad. R. Marcus; Philo,

Supplement I; Loeb Classical Library; Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1953): “E suas idéias o Criador

plantou como árvores na coisa mais soberana, a alma racional”.

Page 8: O Evangelho Da Verdade

existe, existe simultaneamente com o seu nome. E somente ele o conhece e {...}51

para ele somente dar-lhe um nome. Ele é o pai: seu nome é o filho. Assim, ele não o escondeu na ação, antes, ele existia. Somente o filho deu nomes. Assim o nome pertence ao pai, da mesma forma como o nome do pai é o filho, o bem-amado. Pois onde iria ele encontrar um nome exceto vindo do pai? Todavia, talvez alguém diga a um outro: “Quem poderia nomear alguém que preexistia antes dele? Os filhos não recebem nomes de seus pais?” Primeiro, precisamos considerar a questão do tipo de coisa que é um nome. Pois ele é o nome verdadeiro. Assim é ele quem é o nome vindo do pai; pois é ele que existe como o nome mais grandioso. Por conseguinte, ele não obteve o nome por empréstimo – à diferença dos outros, os quais recebem todos, individualmente, os seus nomes conforme são criados. Mas este aqui é o mais grandioso dos nomes. Não há nenhum outro ser que lhe tenha conferido. Antes, ele é inominável e indescritível até o tempo em que somente o perfeito falou dele. E é este último que é capaz de dizer seu nome e vê-lo. Portanto, quando lhe aprouve que seu nome pronunciado fosse seu filho, e quando ele, que emanou das profundezas, lhe deu seu nome ele falou de seus segredos, sabendo que o pai é isento de mal. Precisamente por esta razão ele o produziu – a fim de que falasse a respeito do lugar do qual ele tinha emanado e seu reino de repouso, e para que ele glorificasse a plenitude, a grandeza de seu nome, e a suavidade do pai.

IX. Repouso

Proclamação do lugar de repouso Todos, individualmente, falarão a respeito do lugar de onde emanaram e da sorte de acordo com a qual receberam seu estabelecimento no estado de repouso. Eles se apressarão em retornar e receber daquele lugar no qual eles (certa vez) permaneceram em repouso, provando dele e sendo alimentados e crescendo.

Repouso no pai E seu próprio reino de repouso é sua

52 plenitude. Assim, todas as emanações do pai são plenitudes;

e ele é a raiz de todas as suas emanações, naquele (lugar) onde ele fez tudo brotar e lhes deu seus destinos. Assim cada um é manifesto a fim de que a partir de seu próprio pensamento {...}

53. Pois

eles enviam seu pensamento para onde está sua raiz, a raiz deles que os leva para as alturas até o pai. Eles aderem à cabeça dele, que é repouso para eles. Eles se mantêm junto dele de modo que, por assim dizer, recebem de sua face algo como beijos, embora não dêem esta impressão. Pois eles nem se superaram a si mesmos, nem ficaram abaixo da glória do pai. E eles não pensam nele como amargo, cruel ou colérico: ao contrário, que ele é sem maldade, imperturbável, suave, conhecendo todos os caminhos antes de eles terem vindo a ser. E ele não precisa ser instruído. Assim são aqueles que têm bens do alto, da incomensurável grandeza, esforçando-se em vista do solitário e perfeito, ele que é mãe para eles. E eles não descerão ao Hades, nem têm inveja ou queixas; nem a morte está dentro deles. Antes, eles repousam naquele ser que se dá repouso a si mesmo, e nas proximidades da verdade eles não estão nem cansados nem enredados. Mas é precisamente eles que são a verdade. E é neles que o pai habita, e é no pai que eles estão, sendo perfeitos, não-divididos no que é verdadeiramente bom, e não transmitindo defeito a coisa alguma, mas, ao contrário, transmitindo repouso e revigorados em espírito. E é à raiz deles que escutarão, estando ocupados com as coisas nas quais se pode encontrar a própria raiz e não prejudicar a própria alma.

Conclusão Este é o lugar dos bem-aventurados. Este é o lugar deles. Quanto aos outros, então, deixai que saibam, em seus próprios lugares, que não me cabe dizer mais, pois estive no lugar de repouso. Não, é lá que habitarei, continuamente ocupado com o pai da totalidade e os verdadeiros irmãos, sobre os quais se derrama o amor do pai e entre os quais não há falta dele; que verdadeira e obviamente habitam na vida eterna e verdadeira, e falam da luz que é perfeita e cheia da semente do pai, e que está no seu coração e na plenitude. Nisto se regozija seu espírito, e glorifica aquele em quem habita. Pois ele é bom, e seus filhos são perfeitos e dignos de seu nome. Verdadeiramente, são filhos desse tipo que o pai ama.

51

O texto copta está corrompido; uma ou mais palavras podem ter sido inadvertidamente omitidas aqui. 52

“seu (dele... dele”: ou “deles... deles”). 53

Uma ou mais palavras foram inadvertidamente omitidas aqui.