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5/22/2018 oEvangelhoSegundooEspiritismo-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/o-evangelho-segundo-o-espiritismo-561d48fe8fb14 1/2  NUMA LINGUAGEM SIMPLIFICADA Adaptação: L. NEILMORIS

o Evangelho Segundo o Espiritismo

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  • NUMA LINGUAGEM SIMPLIFICADA

    Adaptao:

    L. NEILMORIS

  • 2 Allan Kardec

    O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    Allan Kardec

    Verso digital Numa Linguagem Simplificada

    Adaptada por:

    Louis Neilmoris

    Ttulo original em francs:

    LEVANGILE SELON LE SPIRITISME

    Lanado em abril de 1864

    Paris, Frana

    Revisada em 2011 Brasil

  • 3 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    NUMA LINGUAGEM SIMPLIFICADA

    Allan Kardec

    Adaptao:

    Louis Neilmoris

  • 4 Allan Kardec

    Nota da adaptao

    A proposta deste trabalho trazer ao meio popular o consolo e a iluminao

    de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, do memorvel Codificador Allan

    Kardec. Um livro revolucionrio, cuja essncia resgata abertamente a mensagem de

    Jesus Cristo.

    Mas, convenhamos, as tradues brasileiras, at ento disponveis, ainda

    oferecem grande massa popular graves obstculos para uma perfeita compreenso,

    no por falha dos tradutores muito pelo contrrio --, mas pela fidelidade com que verteram dos originais em francs para o portugus, mantendo a elevada elocuo.

    Kardec, eminente autoridade em lingustica, evidentemente, s poderia escrever

    altura do superior nvel cultural de seus contemporneos. Desta forma, e nada mais

    justo, as verses procuram sempre equilibrar a linguagem.

    Esta adaptao procura simplificar o texto utilizando-se de vocbulos mais

    comuns, mais atualizados, no entanto, sem alterar o teor da argumentao.

    As novas verdades que a maravilhosa Doutrina Esprita nos traz devem

    estar ao alcance de todos, por uma questo de respeito e de amor.

    Louis Neilmoris

  • 5 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    O Evangelho

    Segundo o

    Espiritismo

    COM EXPLICAES DAS MXIMAS MORAIS DO CRISTO

    EM CONCORDNCIA COM O ESPIRITISMO E SUAS APLICAES

    S DIVERSAS CIRCUNSTNCIAS DA VIDA

    P O R

    ALLAN KARDEC

  • 6 Allan Kardec

    Sumrio

    Nota de apresentao 4

    Prefcio 10

    Introduo 11

    I Objetivo desta obra. II Autoridade da Doutrina Esprita. Controle universal do ensino dos Espritos. III Notcias histricas. IV Scrates e Plato, precursores da ideia crist e do Espiritismo.

    Captulo I NO VIM DESTRUIR A LEI 29 As trs revelaes: Moiss, Cristo, Espiritismo Aliana da Cincia e da Religio Instrues dos Espritos: A nova era.

    Captulo II MEU REINO NO DESTE MUNDO 36 A vida futura A realeza de Jesus O ponto de vista Instrues dos Espritos: Uma realeza terrestre.

    Captulo III H MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI 41 Diferentes estados da alma na erraticidade Diferentes categorias de mundos habitados Destinao da Terra. Causas das misrias humanas Instrues dos Espritos: Mundos inferiores e mundos superiores Mundos de expiaes e de provas Mundos regeneradores Progresso dos mundos.

    Captulo IV NINGUM PODER VER O REINO DE DEUS SE NO NASCER DE NOVO 49

    Ressurreio e reencarnao A reencarnao fortalece os laos de famlia, ao passo que a unicidade da existncia os rompe Instrues dos Espritos: Limites da encarnao Necessidade da encarnao.

    Captulo V BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS 58 Justia das aflies Causas atuais das aflies Causas anteriores das aflies Esquecimento do passado Motivos de resignao O suicdio e a loucura Instrues dos Espritos: Bem e mal sofrer O mal e o remdio A felicidade no deste mundo Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras Se fosse um homem de bem, teria morrido Os tormentos voluntrios A desgraa real A melancolia Provas voluntrias. O verdadeiro cilcio Devemos pr fim s provas do prximo? Ser lcito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperana de cura? Sacrifcio da prpria vida Proveito dos sofrimentos para os outros.

    Captulo VI O CRISTO CONSOLADOR 77 O jugo leve Consolador prometido Instrues dos Espritos: Advento do Esprito de Verdade.

  • 7 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    Captulo VII BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPRITO 81 O que se deve entender por pobres de esprito: 1 e 2. Aquele que se eleva ser rebaixado: 3 a 6. Mistrios ocultos aos doutos e aos prudentes: 7 a 10. Instrues dos Espritos: O orgulho e a humildade Misso do homem inteligente na Terra.

    Captulo VIII BEM-AVENTURADOS OS QUE TM O CORAO PURO 90 Simplicidade e pureza de corao Pecado por pensamentos. Adultrio Verdadeira pureza. Mos no lavadas Escndalos. Se a sua mo motivo de escndalo, cortem-na Instrues dos Espritos: Deixem que as criancinhas venham a mim Bem-aventurados os que tm os olhos fechados.

    Captulo IX BEM-AVENTURADOS OS QUE SO BRANDOS E PACFICOS 98 Injrias e violncias Instrues dos Espritos: A afabilidade e a doura A pacincia Obedincia e resignao A clera.

    Captulo X BEM-AVENTURADOS OS QUE SO MISERICORDIOSOS 103 Perdoem, para que Deus os perdoe Reconciliao com os adversrios O sacrifcio mais agradvel a Deus O argueiro e a trave no olho No julguem, para no serem julgados. Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado Instrues dos Espritos: Perdo das ofensas A indulgncia permitido repreender os outros, notar as imperfeies do prximo, divulgar o mal dos outros?

    Captulo XI AMAR O PRXIMO COMO A SI MESMO 112 O mandamento maior. Fazermos aos outros o que queiramos que os outros nos

    faam. Parbola dos credores e dos devedores Dai a Csar o que de Csar Instrues dos Espritos: A lei de amor O egosmo A f e a caridade Caridade para com os criminosos Deve-se expor a vida por um malfeitor?

    Captulo XII AMEM OS SEUS INIMIGOS 121 Retribuir o mal com o bem Os inimigos desencarnados Se algum bater na sua face direita, apresentem tambm a outra Instrues dos Espritos: A vingana O dio O duelo.

    Captulo XIII QUE A MO ESQUERDA NO SAIBA O QUE MO DIREITA D 130 Fazer o bem sem ostentao Os infortnios ocultos O bolo da viva Convidar os pobres e os estropiados. Dar sem esperar retribuio Instrues dos Espritos: A caridade material e a caridade moral A beneficncia A piedade. Os rfos Benefcios pagos com a ingratido Beneficncia exclusiva.

    Captulo XIV HONREM SEU PAI E SUA ME 144 Piedade filial Quem minha me e quem so meus irmos? Parentesco corporal e parentesco espiritual Instrues dos Espritos: A ingratido dos filhos e os laos de famlia.

    Captulo XV FORA DA CARIDADE NO H SALVAO 151 De que precisa o Esprito para ser salvo. Parbola do bom samaritano O maior mandamento Necessidade da caridade, segundo S. Paulo Fora da Igreja no h salvao; Fora da verdade no h salvao. Instrues dos Espritos: Fora da caridade no h salvao.

  • 8 Allan Kardec

    Captulo XVI NO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMON 156 Salvao dos ricos Preservar-se da avareza Jesus em casa de Zaqueu Parbola do rico mau Parbola dos talentos Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da misria Desigualdade das riquezas Instrues dos Espritos: A verdadeira propriedade Emprego da riqueza. Desprendimento dos bens terrenos Transmisso da riqueza.

    Captulo XVII SEJAM PERFEITOS 168 Caracteres da perfeio O homem de bem Os bons espritas Parbola do semeador Instrues dos Espritos: O dever A virtude Os superiores e os inferiores O homem no mundo Cuidar do corpo e do esprito.

    Captulo XVIII MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS 177 Parbola do festim de bodas A porta estreita Nem todos os que dizem Senhor! Senhor! entraro no reino dos cus Muito se pedir quele que muito recebeu Instrues dos Espritos: Ser dado quele que tem Pelas suas obras que se reconhece o cristo.

    Captulo XIX A F TRANSPORTA MONTANHAS 185 Poder da f A f religiosa. Condio da f inabalvel Parbola da figueira que secou Instrues dos Espritos: A f: me da esperana e da caridade A f humana e a divina.

    Captulo XX OS TRABALHADORES DA LTIMA HORA 191 Instrues dos Espritos: Os ltimos sero os primeiros Misso dos espritas Os obreiros do Senhor.

    Captulo XXI HAVER FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS 196 Conhece-se a rvore pelo fruto Misso dos profetas Prodgios dos falsos profetas No crimes em todos os Espritos Instrues dos Espritos: Os falsos profetas Caracteres do verdadeiro profeta Os falsos profetas da erraticidade Jeremias e os falsos profetas.

    Captulo XXII NO SEPAREM O QUE DEUS JUNTOU 204 Indissolubilidade do casamento O divrcio.

    Captulo XXIII ESTRANHA MORAL 207 Odiar os pais Abandonar pai, me e filhos Deixar aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos No vim trazer a paz, mas, a diviso.

    Captulo XXIV NO PONHAM A CANDEIA DEBAIXO DO ALQUEIRE 214 Candeia sob o alqueire. Por que Jesus fala por parbolas No vo ter com os gentios No so os que gozam sade que precisam de mdico. Coragem da f Carregar sua cruz. Quem quiser salvar a vida vai perd-la.

    Captulo XXV BUSQUEM E ACHARO 220 Ajuda-te a ti mesmo que o cu te ajudar Observem os pssaros do cu No se afadiguem pela posse do ouro.

    Captulo XXVI DEEM GRATUITAMENTE O QUE DE GRAA RECEBERAM 224

    Dom de curar Preces pagas Mercadores expulsos do templo Mediunidade gratuita.

  • 9 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    Captulo XXVII PEAM E OBTERO 228 Qualidades da prece Eficcia da prece Ao da prece. Transmisso do pensamento Preces compreensveis Da prece pelos mortos e pelos Espritos sofredores Instrues dos Espritos: Maneira de orar Felicidade que a prece proporciona.

    Captulo XXVIII COLETNEA DE PRECES ESPRITAS 238 Prembulo.

    I PRECES GERAIS Orao dominical Reunies espritas Para os mdiuns.

    II PRECES POR AQUELE MESMO QUE ORA Aos anjos guardies e aos Espritos protetores Para afastar os maus Espritos Para pedir a correo de um defeito Para pedir a fora de resistir a uma tentao Ao de graas pela vitria alcanada sobre uma tentao Para pedir um conselho Nas aflies da vida Ao de graas por um favor obtido Ato de submisso e de resignao Num perigo iminente Ao de graas por haver escapado a um perigo hora de dormir Prevendo prxima a morte.

    III PRECES POR ALGUM Por algum que esteja em aflio Ao de graas por um benefcio concedido a algum Pelos nossos inimigos e pelos que nos querem mal. Ao de graas pelo bem concedido aos nossos inimigos Pelos inimigos do Espiritismo Por uma criana que acaba de nascer Por um agonizante.

    IV PRECES PELOS QUE J NO SO DA TERRA Por algum que acaba de morrer Pelas pessoas a quem tivemos afeio Pelas almas sofredoras que pedem preces Por um inimigo que morreu Por um criminoso Por um suicida Pelos Espritos penitentes Pelos Espritos endurecidos.

    V PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS Pelos doentes Pelos obsidiados.

  • 10 Allan Kardec

    PREFCIO

    Os Espritos do Senhor, que so as virtudes dos Cus, igual a um imenso

    exrcito que se movimenta ao receber as ordens do seu comando, espalham-se por toda

    a superfcie da Terra e, semelhantes a estrelas cadentes, vm iluminar os caminhos e

    abrir os olhos aos cegos.

    Eu vos digo, em verdade, que so chegados os tempos em que todas as coisas

    ho de ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissolver as trevas, confundir

    os orgulhosos e glorificar os justos.

    As grandes vozes do Cu ressoam como sons de trombetas, e os cnticos dos

    anjos se lhes associam. Ns convidamos vocs, todos vocs, para o divino concerto.

    Tomai da lira, fazei vossas vozes um s som, e que, num hino sagrado, elas se estendam

    e repercutam de um extremo a outro do Universo.

    Homens, irmos a quem amamos, aqui estamos junto de vs. Amai-vos,

    tambm, uns aos outros e dizei do fundo do corao, fazendo as vontades do Pai, que

    est no Cu: Senhor! Senhor!... E podereis entrar no reino dos Cus.

    O Esprito de Verdade

    Nota A instruo acima, transmitida por via medinica, resume a um tempo o verdadeiro carter do Espiritismo e a finalidade desta obra; por isso foi colocada aqui como prefcio.

  • 11 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    INTRODUO

    I OBJETIVO DESTA OBRA

    Podemos dividir em cinco partes as matrias contidas nos Evangelhos: os

    atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predies; as palavras que foram

    tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; e o ensino moral. As quatro

    primeiras tm sido objeto de controvrsias; porm a ltima, esta se conservou

    constantemente inatacvel. Diante desse cdigo divino, a prpria incredulidade se

    curva. terreno onde todos os cultos podem se reunir, bandeira sob o qual todos

    podem se colocar quaisquer que sejam suas crenas pois jamais ele foi matria das disputas religiosas, que sempre e por toda a parte se originaram das questes

    dogmticas1. Alis, se as seitas discutissem o ensino moral do Evangelho, nisso elas

    teriam encontrado sua prpria condenao, visto que, na maioria, as religies se

    agarram mais parte mstica do que parte moral, que exige de cada um a reforma

    de si mesmo. Para os homens, em particular, aquele cdigo uma regra de proceder

    que abrange todas as circunstncias da vida privada e da vida pblica, o princpio

    bsico de todas as relaes sociais que se fundam na mais rigorosa justia. ,

    finalmente e acima de tudo, o roteiro infalvel para a felicidade futura, o

    levantamento de uma ponta do vu que nos esconde a vida que vir. Essa parte a

    que ser objeto exclusivo desta obra.

    Tudo mundo admira a moral evanglica; todos lhe proclamam a

    sublimidade e a necessidade; muitos, porm, assim se pronunciam por f, confiados

    no que ouviram dizer, ou firmados em certos provrbios que se tornaram comuns.

    No entanto, poucos a conhecem a fundo e menos ainda so os que a compreendem e

    lhe sabem deduzir as consequncias. A razo maior est na dificuldade que o

    entendimento do Evangelho apresenta que, para o maior nmero dos seus leitores,

    incompreensvel. A forma alegrica e o intencional misticismo da linguagem fazem

    que a maioria o leia por alvio de conscincia e por dever, como leem as preces, sem

    as entender, isto , sem proveito. Passam-lhes despercebidos os ditados morais,

    espalhados aqui e ali, intercalados na massa das narrativas. Ento, impossvel de se

    apanhar seu conjunto e tom-los para objeto de leitura e meditaes especiais.

    certo que muito j foi escrito de moral evanglica; mas, o arranjo em

    moderno estilo literrio lhe tira a simplicidade natural que, ao mesmo tempo, lhe

    constitui o encanto e a autenticidade. Outro tanto cabe dizer-se das mximas

    destacadas e reduzidas sua mais simples expresso proverbial. Desde logo, j no

    passam de resumos, privados de uma parte do seu valor e interesse, pela ausncia

    dos acessrios e das circunstncias em que foram enunciadas.

    1 Dogmtico: relativo a Dogma, regra ou preceito religioso Nota desta Edio (N. E.)

  • 12 Allan Kardec

    Para prevenir esses inconvenientes, reunimos nesta obra os artigos que

    podem compor, a bem dizer, um cdigo de moral universal, sem distino de culto.

    Nas citaes, conservamos o que til ao desenvolvimento da ideia, pondo de lado

    unicamente o que se no prende ao assunto. Alm disso, respeitamos

    escrupulosamente a traduo de Sacy, assim como a diviso em versculos. Contudo,

    em vez de nos prendermos a uma ordem cronolgica impossvel e sem vantagem

    real para o caso, grupamos e classificamos metodicamente as mximas, segundo as

    respectivas naturezas, de modo que decorram umas das outras, tanto quanto

    possvel. A indicao dos nmeros de ordem dos captulos e dos versculos permite

    se recorra classificao vulgar, em sendo oportuno.

    Esse, entretanto, seria um trabalho material que, por si s, apenas teria

    utilidade secundria. O essencial era coloc-lo ao alcance de todos, mediante a

    explicao das passagens obscuras e o desdobramento de todas as consequncias,

    tendo em vista a aplicao dos ensinos a todas as condies da vida. Foi o que

    tentamos fazer, com a ajuda dos bons Espritos que nos assistem.

    Muitos pontos dos Evangelhos, da Bblia e dos autores religiosos em geral

    s so incompreensveis, alguns at parecendo irracionais, por falta da chave que

    permita que se apreenda seu verdadeiro sentido. Essa chave est completa no

    Espiritismo, como j o puderam reconhecer os que o tm estudado seriamente e

    como todos, mais tarde, ainda melhor o reconhecero. O Espiritismo se acha por

    toda a parte na antiguidade e nas diferentes pocas da Humanidade. Por toda a parte

    se lhe descobrem os vestgios: nos escritos, nas crenas e nos monumentos. Essa a

    razo por que, ao mesmo tempo em que rasga horizontes novos para o futuro,

    projeta luz no menos viva sobre os mistrios do passado.

    Como complemento de cada ensinamento, acrescentamos algumas

    instrues escolhidas, dentre as que os Espritos ditaram em vrios pases e por

    diferentes mdiuns. Se elas fossem tiradas de uma fonte nica, talvez tivesse sofrido

    uma influncia pessoal ou a do meio, enquanto a diversidade de origens prova que

    os Espritos do indistintamente seus ensinos e que ningum a esse respeito goza de

    qualquer privilgio.2

    Esta obra para uso de todos. Dela podem todos buscar os meios de

    confortar com a moral do Cristo o respectivo proceder. Aos espritas oferece

    aplicaes que lhes pertencem de modo especial. Graas s relaes estabelecidas,

    doravante e permanentemente, entre os homens e o mundo invisvel, a lei

    evanglica, que os prprios Espritos ensinaram a todas as naes, j no ser letra

    morta, porque cada um a compreender e se ver incessantemente compelido a bot-

    2 Sem dvida, poderamos ter apresentado sobre cada assunto o maior nmero de comunicaes obtidas

    numa poro de outras cidades e centros, alm das que citamos. Porm, tivemos de evitar a monotonia

    das repeties inteis e limitar a nossa escolha s que se enquadravam melhor no plano desta obra tanto pelo fundo quanto pela forma , reservando para as prximas publicaes as que no puderam caber aqui. Quanto aos mdiuns, preferimos preservar seus nomes. Na maioria dos casos, no os designamos a

    pedido deles prprios e, assim sendo, no convinha fazer excees. Ao demais, os nomes dos mdiuns

    nenhum valor teriam acrescentado obra dos Espritos. Ento, mencion-los no seria mais do que

    satisfazer ao amor-prprio, coisa a que os mdiuns verdadeiramente srios nenhuma importncia ligam.

    Eles compreendem que, por ser meramente passivo o papel que lhes toca, o valor das comunicaes em

    nada lhes exalta o mrito pessoal; e que seria infantil envaidecerem-se de um trabalho de inteligncia ao

    qual apenas mecnico o servio que prestam.

  • 13 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    la em prtica, a conselho de seus guias espirituais. As instrues que vm dos

    Espritos so verdadeiramente as vozes do cu que vm esclarecer os homens e

    convid-los prtica do Evangelho.

    II AUTORIDADE DA DOUTRINA ESPRITA CONTROLE UNIVERSAL DO ENSINO DOS ESPRITOS

    Se a Doutrina Esprita fosse de opinio puramente humana, no ofereceria

    por garantia seno as luzes daquele que a houvesse concebido. Ora, ningum, neste

    mundo, poderia alimentar fundadamente a pretenso de possuir, com exclusividade,

    a verdade absoluta. Se os Espritos que a revelaram se houvessem manifestado a um

    s homem, nada lhe garantiria a origem, pois seria preciso acreditar, sob palavra,

    naquele que dissesse ter recebido deles o ensino. Admitida, de sua parte, sinceridade

    perfeita, quando muito poderia ele convencer as pessoas de suas relaes;

    conseguiria correligionrios, mas nunca chegaria a unificar todo o mundo.

    Quis Deus que a nova revelao chegasse aos homens por mais rpido

    caminho e mais autntico. Logo, encarregou os Espritos de lev-la de um canto a

    outro, manifestando-se por toda a parte, sem conferir a ningum o privilgio de lhes

    ouvir a palavra. Um homem pode ser ludibriado, pode enganar-se a si mesmo; j no

    ser assim, quando milhes de criaturas veem e ouvem a mesma coisa. Isso uma

    segurana para cada um e para todos. Ao demais, pode fazer-se que desaparea um

    homem; mas no se pode fazer que desapaream as coletividades; podem queimar-se

    os livros, mas no se podem queimar os Espritos. Ora, queimassem-se todos os

    livros e a fonte da doutrina no deixaria de conservar-se inesgotvel, pela razo

    mesma de no estar na Terra, de surgir em todos os lugares e de poderem todos

    dessedentar-se nela. Faltem os homens para difundi-la: haver sempre os Espritos,

    cuja atuao a todos atinge e aos quais ningum pode atingir.

    So, pois, os prprios Espritos que fazem a propagao, com o auxlio dos

    inmeros mdiuns que, tambm eles, os Espritos, vo gerando de todos os lados. Se

    tivesse havido unicamente um intrprete, por mais favorecido que fosse, o

    Espiritismo mal seria conhecido. Qualquer que fosse a classe a que pertencesse, tal

    intrprete teria sido objeto das prevenes de muita gente e nem todas as naes o

    teriam aceitado, ao passo que os Espritos se comunicam em todos os pontos da

    Terra, a todos os povos, a todas as seitas, a todos os partidos, e todos os aceitam. O

    Espiritismo no tem nacionalidade e no faz parte de nenhum culto existente;

    nenhuma classe social o impe, visto que qualquer pessoa pode receber instrues

    de seus parentes e amigos de alm-tmulo. Preciso que seja assim, para que ele

    possa conduzir todos os homens fraternidade. Se no se mantivesse em terreno

    neutro, alimentaria as divergncias, em vez de apazigu-las.

    A fora do Espiritismo reside nessa universalidade do ensino dos Espritos

    e, tambm, a causa de sua to rpida propagao. Enquanto a palavra de um s

    homem, mesmo com o concurso da imprensa, levaria sculos para chegar ao

    conhecimento de todos, milhares de vozes se fazem ouvir simultaneamente em todos

    os recantos do planeta, proclamando os mesmos princpios e transmitindo-os aos

    mais ignorantes, como aos mais letrados, a fim de que no haja deserdados. uma

  • 14 Allan Kardec

    vantagem de que no gozara ainda nenhuma das doutrinas surgidas at hoje. Se o

    Espiritismo, portanto, uma verdade, no teme o malquerer dos homens, nem as

    revolues morais, nem as subverses fsicas do globo, porque nada disso pode

    atingir os Espritos.

    Entretanto, essa no a nica vantagem que lhe decorre da sua excepcional

    posio. Ela lhe faculta inatacvel garantia contra todos os atritos que pudessem

    provir, seja da ambio de alguns, seja das contradies de certos Espritos. Tais

    contradies, no h como negar, so um obstculo; mas que traz consigo o

    remdio, ao lado do mal.

    Sabemos que os Espritos, em virtude da diferena entre as suas

    capacidades, longe se acham de estar, individualmente considerados, na posse de

    toda a verdade; que nem a todos dado penetrar certos mistrios; que o saber de

    cada um deles proporcional sua purificao; que os Espritos vulgares no sabem

    mais do que muitos homens; que entre eles, como entre estes, h presunosos e

    falsos sbios, que julgam saber o que ignoram; sistemticos, que tomam por

    verdades as suas ideias; enfim, que s os Espritos da categoria mais elevada, os que

    j esto completamente desmaterializados, se encontram despidos das ideias e

    preconceitos terrenos; mas, tambm sabido que os Espritos enganadores no

    temem em tomar nomes que lhes no pertencem, para impingirem suas fantasias.

    Da resulta que, com relao a tudo o que seja fora do mbito do ensino

    exclusivamente moral, as revelaes que cada um possa receber tero carter

    individual, sem cunho de autenticidade; que devem ser consideradas opinies

    pessoais de tal ou qual Esprito e que imprudente fora aceit-las e propag-las

    levianamente como verdades absolutas.

    O primeiro exame comprovado e sem contradio, o da razo, ao qual

    necessrio que se submeta tudo o que venha dos Espritos sem exceo. Toda teoria em evidente incoerncia com o bom-senso, com uma lgica rigorosa e com os

    dados positivos j adquiridos, deve ser rejeitada, por mais respeitvel que seja o

    nome que traga como assinatura. Porm, esse exame ficar incompleto em muitos

    casos, por efeito da falta de luzes de certas pessoas e das tendncias de muitos a

    tomar as prprias opinies como juzes nicos da verdade. Assim sendo, o que faro

    aqueles que no depositam confiana absoluta em si mesmos? Buscar o parecer da

    maioria e tomar por guia a opinio desta. De tal modo que se deve proceder em

    face do que digam os Espritos, que so os primeiros a nos fornecer os meios de

    consegui-lo.

    A melhor comprovao a concordncia dos ensinamentos dos Espritos.

    Importa, no entanto, que ela se d em determinadas condies. A mais fraca de todas

    ocorre quando um mdium, a ss, interroga muitos Espritos acerca de um ponto

    duvidoso. evidente que, se ele estiver sob o imprio de uma obsesso, ou lidando

    com um Esprito mistificador, este lhe pode dizer a mesma coisa sob diferentes

    nomes. Tampouco garantia alguma suficiente haver na conformidade que apresente

    o que se possa obter por diversos mdiuns, num mesmo centro, porque podem estar

    todos sob a mesma influncia.

    Uma s garantia sria existe para o ensino dos Espritos: a concordncia

    entre as revelaes que eles faam espontaneamente, servindo-se de grande

    nmero de mdiuns estranhos uns aos outros e em vrios lugares.

  • 15 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    V-se bem que no se trata aqui das comunicaes referentes a interesses

    insignificantes, mas do que respeita aos princpios mesmos da doutrina. A

    experincia prova que, quando um ensinamento novo tem de ser enunciado, isso se

    d espontaneamente em diversos pontos ao mesmo tempo e de modo idntico, seno

    quanto forma, quanto ao fundo.

    Se, portanto, for agradvel a um Esprito formular um sistema incomum,

    baseado unicamente nas suas ideias e com excluso da verdade, pode ter-se a certeza

    de que tal sistema ficar circunscrito e cair, diante das instrues dadas de todas as

    partes, conforme os mltiplos exemplos que j se conhecem. Foi essa unanimidade

    que derrubou por terra todos os sistemas parciais que surgiram na origem do

    Espiritismo, quando cada um explicava sua maneira os fenmenos, e antes que se

    conhecessem as leis que regem as relaes entre o mundo visvel e o mundo

    invisvel.

    Essa a base em que nos apoiamos, quando formulamos um princpio da

    doutrina. No porque esteja de acordo com as nossas ideias que o temos por

    verdadeiro. No nos colocamos, absolutamente, como rbitro supremo da verdade e

    a ningum dizemos: Creia em tal coisa, porque somos ns que dizemos. A nossa opinio no passa, aos nossos prprios olhos, de uma opinio pessoal, que pode ser

    verdadeira ou falsa, visto no nos considerarmos mais infalvel do que qualquer

    outro. Tambm no porque um princpio nos foi ensinado que, para ns, ele

    exprime a verdade, mas porque recebeu a aprovao da concordncia.

    Na posio em que nos encontramos, a receber comunicaes de perto de

    mil centros espritas srios, disseminados pelos mais diversos pontos da Terra,

    achamo-nos em condies de observar sobre que princpio se estabelece a

    concordncia. Essa observao que nos tem guiado at hoje e a que nos guiar

    em novos campos que o Espiritismo ter de explorar. Porque, estudando atentamente

    as comunicaes vindas tanto da Frana como do estrangeiro, reconhecemos, pela

    natureza toda especial das revelaes, que ele tende a entrar por um novo caminho e

    que lhe chegou o momento de dar um passo para diante. Essas revelaes, feitas

    muitas vezes com palavras disfaradas, tem frequentemente passado despercebidas a

    muitos dos que as receberam. Outros se julgaram os nicos a possu-las. Tomadas

    isoladamente, para ns, elas no teriam nenhum valor; somente a coincidncia lhes

    imprime seriedade. Depois, chegado o momento de serem entregues publicidade,

    cada um se lembrar de haver obtido instrues no mesmo sentido. Esse movimento

    geral, que observamos e estudamos, com a assistncia dos nossos guias espirituais,

    que nos auxilia a julgar da oportunidade de fazermos ou no alguma coisa.

    Essa verificao universal uma garantia para a unidade futura do

    Espiritismo e anular todas as teorias contraditrias. A que, no futuro, se

    encontrar o critrio da verdade. O que deu lugar ao xito da doutrina exposta em O

    LIVRO DOS ESPRITOS e em O LIVRO DOS MDIUNS foi que em toda a parte todos

    receberam diretamente dos Espritos a confirmao do que esses livros contm. Se

    de todos os lados tivessem vindo os Espritos contradiz-la, h muito aquelas obras

    haveriam experimentado a sorte de todas as concepes fantsticas. Nem mesmo o

    apoio da imprensa as salvaria do naufrgio, ao passo que, privadas como se viram

    desse apoio, elas no deixaram de abrir caminho e de avanar rapidamente. que

    tiveram o auxlio dos Espritos, cuja boa vontade no s compensou, como tambm

  • 16 Allan Kardec

    superou o malquerer dos homens. Assim acontecer a todas as ideias que, vindo dos

    Espritos ou dos homens, no possam suportar a prova desse confronto, cuja fora a

    ningum certo contestar.

    Suponhamos que alguns Espritos se agradem em ditar, sob qualquer ttulo,

    um livro em sentido contrrio; suponhamos mesmo que, com inteno agressiva,

    objetivando desacreditar a doutrina, a malevolncia suscitasse comunicaes

    duvidosas; que influncia poderiam exercer tais escritos, desde que de todos os lados

    os desmentissem os Espritos? com a adeso destes que se deve garantir aquele

    que queira lanar, em seu nome, um sistema qualquer. Do sistema de um s ao de

    todos, medeia a distncia que vai da unidade ao infinito. O que os argumentos dos

    detratores podero conseguir sobre a opinio das massas, quando milhes de vozes

    amigas, provindas do Espao, se faam ouvir em todos os recantos do Universo e no

    seio das famlias, a infirm-los? A esse respeito, a teoria j no foi confirmada pela

    experincia? Que feito das inmeras publicaes que traziam a pretenso de

    arrasar o Espiritismo? Qual a que, sequer, lhe retardou a marcha? At agora, no se

    considera a questo desse ponto de vista, sem contestao um dos mais graves. Cada

    um contou consigo, sem contar com os Espritos.

    O princpio da concordncia tambm uma garantia contra as alteraes

    que poderiam sujeitar o Espiritismo s seitas3 que se propusessem apoderar-se dele

    em proveito prprio e acomod-lo vontade. Quem quer que tentasse desvi-lo do

    seu providencial objetivo, malsucedido se veria, pela razo muito simples de que os

    Espritos, em virtude da universalidade de seus ensinos, faro cair por terra qualquer

    modificao que se divorcie da verdade.

    De tudo isso ressalta uma verdade capital: a de que aquele que quisesse se

    opor corrente de ideias estabelecida e aprovada poderia, certo, causar uma

    pequena perturbao local e momentnea; nunca, porm, dominar o conjunto,

    mesmo no presente, nem, ainda menos, no futuro.

    Tambm ressalta que as instrues dadas pelos Espritos sobre os pontos

    ainda no esclarecidos da Doutrina no constituiro lei, enquanto essas instrues

    permanecerem isoladas; com efeito, que elas no devem ser aceitas seno sob todas

    as reservas e a ttulo de esclarecimento.

    Da a necessidade da maior prudncia em dar-lhes publicidade; e, caso se

    julgue conveniente public-las, importa no as apresentar seno como opinies

    individuais, mais ou menos provveis, porm, carecendo sempre de confirmao.

    Essa confirmao que se precisa aguardar, antes de apresentar um princpio como

    verdade absoluta, a menos se queira ser acusado de leviandade ou de credulidade

    irrefletida.

    Os Espritos superiores agem com extrema sabedoria em suas revelaes.

    No atacam as grandes questes da Doutrina seno gradualmente, medida que a

    inteligncia se mostra apta a compreender verdade de ordem mais elevada e quando

    as circunstncias se revelam propcias emisso de uma ideia nova. Por isso que

    logo de princpio no disseram tudo, e tudo ainda hoje no disseram, jamais cedendo

    impacincia dos muito afoitos, que querem os frutos antes de estarem maduros.

    Assim, seria intil pretender se adiantar ao tempo que a Providncia determinou

    3 Seita: pequena corrente religiosa N. E.

  • 17 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    para cada coisa, porque ento os Espritos verdadeiramente srios negariam a sua

    colaborao. Os Espritos levianos, pouco se preocupando com a verdade, a tudo

    respondem; da vem que, sobre todas as questes prematuras, h sempre respostas

    contraditrias.

    Os princpios acima no resultam de uma teoria pessoal: so consequncia

    forada das condies em que os Espritos se manifestam. evidente que, se um

    Esprito diz uma coisa de um lado, enquanto milhes de outros dizem o contrrio

    algures, a presuno de verdade no pode estar com aquele que o nico ou quase o

    nico de tal parecer. Ora, pretender algum ter razo contra todos seria to ilgico

    da parte dos Espritos, quanto da parte dos homens. Os Espritos verdadeiramente

    ajuizados, se no se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questo, nunca

    a resolvem de modo absoluto; declaram que apenas a tratam do seu ponto de vista e

    aconselham que se aguarde a confirmao.

    Por grande, bela e justa que seja uma ideia, impossvel que desde o

    primeiro momento rena todas as opinies. Os conflitos que da decorrem so

    consequncia inevitvel do movimento que se opera; eles so mesmo necessrios

    para maior realce da verdade e convm se produzam desde logo, para que as ideias

    falsas prontamente sejam postas de lado. Os espritas que a esse respeito

    alimentassem qualquer temor podem ficar perfeitamente tranquilos: todas as

    pretenses isoladas cairo, pela fora mesma das coisas, diante do enorme e

    poderoso critrio da concordncia universal.

    No ser opinio de um homem que se aliaro os outros, mas voz

    unnime dos Espritos; no ser um homem, nem ns, nem qualquer outro que

    fundar a ortodoxia4 esprita; tampouco ser um Esprito que se venha impor a quem

    quer que seja: ser a universalidade dos Espritos que se comunicam em toda a

    Terra, por ordem de Deus. Esse o carter essencial da Doutrina Esprita; essa a sua

    fora, a sua autoridade. Quis Deus que a sua lei assentasse em base incerta e por isso

    no lhe deu por fundamento a cabea frgil de um s.

    Diante de to poderoso tribunal, onde no se conhecem tramas, nem

    rivalidades invejosas, nem seitas, nem naes, que viro quebrar-se todas as

    oposies, todas as ambies, todas as pretenses supremacia individual; que nos

    quebraramos ns mesmos, se quisssemos substituir os seus decretos soberanos

    pelas nossas prprias ideias. S Ele decidir todas as questes litigiosas, impor

    silncio s discordncias e dar razo a quem a tenha. Diante desse imponente

    acordo de todas as vozes do Cu, que pode a opinio de um homem ou de um

    Esprito? Menos do que a gota dgua que se perde no oceano, menos do que a voz da criana que a tempestade abafa.

    A opinio universal, eis o juiz supremo, o que se pronuncia em ltima

    instncia. Formam-na todas as opinies individuais. Se uma destas verdadeira,

    apenas tem na balana o seu peso relativo. Se for falsa, no pode prevalecer sobre

    todas as demais. Nesse imenso agrupamento, as individualidades se apagam, o que

    constitui novo insucesso para o orgulho humano.

    J se desenha o harmonioso conjunto. Este sculo no passar sem que ele

    resplandea em todo o seu brilho, de modo a dissipar todas as incertezas, pois daqui

    4 Ortodoxia: sistema rigoroso e intolerante N. E.

  • 18 Allan Kardec

    at l potentes vozes tero recebido a misso de se fazerem ouvir, para congregar os

    homens sob a mesma bandeira, uma vez que o campo se ache suficientemente

    lavrado. Enquanto isso se no d, aquele que flutue entre dois sistemas opostos pode

    observar em que sentido se forma a opinio geral; essa ser a indicao certa do

    sentido em que se pronuncia a maioria dos Espritos, nos diversos pontos em que se

    comunicam, e um sinal no menos certo de qual dos dois sistemas prevalecer.

    III NOTCIAS HISTRICAS

    Para bem compreendermos algumas passagens dos Evangelhos,

    necessrio conhecer o valor de muitas palavras empregadas neles frequentemente e

    que caracterizam o estado dos costumes e da sociedade judia naquela poca. Como

    essas palavras j no tem mais para ns o mesmo sentido, foram com frequncia mal

    interpretadas, causando isso uma espcie de incerteza. Alm do mais, a compreenso

    delas explica o verdadeiro sentido de certos ensinamentos que, primeira vista,

    parecem estranhos.

    Escribas A princpio, esse era o nome dado aos secretrios dos reis de Jud e a certos chefes dos exrcitos judeus. Mais tarde, foi aplicado especialmente aos

    doutores que ensinavam a lei de Moiss e a interpretavam para o povo. Faziam

    causa comum com os fariseus e partilhavam dos mesmos costumes, bem como da

    antipatia que aqueles tinham aos inovadores. Da por que Jesus os envolvia na

    reprovao que lanava aos fariseus.

    Essnios ou esseus Era uma seita judia fundada cerca do ano 150 antes de Jesus Cristo, no tempo dos macabeus, e cujos membros, habitando uma espcie de

    mosteiros, formavam entre si uma associao moral e religiosa. Diferenciavam-se

    pelos costumes pacficos e por virtudes sinceras, ensinavam o amor a Deus e ao

    prximo, a imortalidade da alma e acreditavam na ressurreio. Viviam em

    celibato5, condenavam a escravido e a guerra, repartiam seus bens uns com os

    outros e viviam da agricultura. Contrrios aos saduceus sensuais, que negavam a

    imortalidade; tambm contrrios aos fariseus de rgidas prticas exteriores e de

    virtudes apenas aparentes, nunca os essnios tomaram parte nas disputas que

    tornaram aquelas duas outras seitas rivais. Pelo tipo de vida que levavam,

    assemelhavam-se muito aos primeiros cristos, e os princpios da moral que

    professavam faziam muitas pessoas suporem que Jesus, antes de dar comeo sua

    misso pblica, pertencera quela comunidade. certo que Jesus deve ter conhecido

    os essnios, mas nada prova que tivesse se filiado a eles, sendo, pois, apenas uma

    hiptese tudo quanto se escreveu a esse respeito6.

    Fariseus (do hebreu parush, diviso, separao) A tradio era parte importante da teologia dos judeus. Consistia numa coleo das interpretaes sucessivamente

    5 Celibato: condio de solteiro e de no envolvimento sexual N. E. 6 O livro A MORTE DE JESUS, supostamente escrita por um essnio, obra inteiramente falsa, cujo nico

    fim foi servir de apoio a uma opinio. Ela traz em si mesma a prova da sua origem moderna.

  • 19 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    dadas ao sentido das Escrituras e tornadas artigos de dogma. Constitua entre os

    doutores assunto de discusses interminveis, as mais das vezes sobre simples

    questes de palavras ou de formas, no gnero das disputas teolgicas e das sutilezas

    do ensinamento religioso da Idade Mdia7. Da, diferentes seitas surgiram, cada uma

    das quais pretendia ser o dono da verdade, detestando-se umas s outras, como

    costuma acontecer. Entre essas seitas, a mais influente era a dos fariseus, que teve

    por chefe Hillel8, doutor judeu nascido na Babilnia, fundador de uma escola

    clebre, onde se ensinava que s se devia depositar f nas Escrituras. Sua origem

    de 180 ou 200 anos antes de Jesus Cristo. Os fariseus, em diversas pocas, foram

    perseguidos, especialmente sob Hircano soberano pontfice e rei dos judeus , Aristbulo e Alexandre, rei da Sria. Este ltimo, porm, lhes concedeu honras e

    restituiu os bens, de sorte que eles readquiriram o antigo poderio e o conservaram

    at queda de Jerusalm, no ano 70 da era crist, poca em que se lhes apagou o

    nome, em consequncia da disperso dos judeus.

    Participavam ativamente das controvrsias religiosas. Eram servis

    cumpridores das prticas exteriores do culto e das cerimnias; cheios de um zelo

    ardente de cime religioso, inimigos dos inovadores, afetavam grande severidade de

    princpios; mas, sob as aparncias de cautelosa devoo, ocultavam costumes

    depravados, muito orgulho e, acima de tudo, excessiva nsia de dominao. Tinham

    a religio mais como meio de chegarem a seus fins, do que como objeto de f

    sincera. Da virtude nada possuam, alm das exterioridades e da ostentao;

    entretanto, por umas e outras, exerciam grande influncia sobre o povo, a cujos

    olhos passavam por criaturas santas. Da serem muito poderosos em Jerusalm.

    Acreditavam, ou, pelo menos, fingiam acreditar na Providncia, na

    imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreio dos mortos. (Cap.

    IV, n 4.) Jesus, que prezava sobretudo a simplicidade e as qualidades da alma, que,

    na lei, preferia o esprito que vivifica, letra que mata, se aplicou, durante toda a

    sua misso, a lhes desmascarar a falsidade, pelo que tinha neles inimigos ferozes.

    Essa a razo por que os fariseus se ligaram aos prncipes dos sacerdotes para incitar

    o povo contra Jesus para elimin-lo.

    Nazarenos Na antiga lei, era o nome dado aos judeus que faziam voto, perptuo ou temporrio, de guardar perfeita pureza. Eles se comprometiam a observar a

    castidade, a se guardar de bebidas alcolicas e a conservar a cabeleira. Sanso,

    Samuel e Joo Batista eram nazarenos.

    Mais tarde, os judeus deram esse nome aos primeiros cristos, em

    referncia a Jesus de Nazar.

    Essa denominao tambm foi dada a uma seita falsa dos primeiros sculos

    da era crist, a qual, do mesmo modo que os ebionitas, de quem adotavam certos

    princpios, misturava as prticas do mosasmo com os dogmas cristos, seita essa

    que desapareceu no sculo quarto.

    7 Essa matria (filosofia religiosa) recebeu o nome de escolstica N. E. 8 No confundir esse Hillel que fundou a seita dos fariseus com o seu homnimo que viveu duzentos anos

    mais tarde e estabeleceu os princpios religiosos e sociais de um sistema todo de tolerncia e amor,

    sistema hoje conhecido por Hilelismo. A Editora da FEB, 1947.

  • 20 Allan Kardec

    Portageiros (Cobradores de impostos) Eram os arrecadadores de baixa categoria, encarregados principalmente da cobrana dos tributos de entrada nas

    cidades. Suas funes correspondiam mais ou menos dos empregados de alfndega

    e recebedores dos direitos de barreira. Compartilhavam do desprezo que pesava

    sobre os publicanos em geral. Essa a razo por que, no Evangelho, se depara

    frequentemente com a palavra publicando ao lado da expresso gente de m vida.

    Tal qualificao no implicava a de debochados ou vagabundos. Era um termo de

    desprezo, sinnimo de gente de m companhia, gente indigna de conviver com

    pessoas distintas.

    Publicanos Eram assim chamados, na antiga Roma, os cavalheiros arrendatrios das taxas pblicas, incumbidos da cobrana dos impostos e das rendas de toda

    espcie, quer em Roma mesma, quer nas outras partes do Imprio. Eram como os

    recolhedores gerais e arrematadores de taxas do antigo regime na Frana e que ainda

    existem em algumas regies9. Os riscos a que estavam sujeitos faziam que os olhos

    se fechassem para as riquezas que muitas vezes adquiriam e que, da parte de alguns,

    eram frutos de exaes e de lucros escandalosos. O nome de publicano se estendeu

    mais tarde a todos os que superintendiam os dinheiros pblicos e aos agentes

    subordinados. Hoje esse termo se emprega em sentido ofensivo, para designar os

    financistas e os agentes pouco escrupulosos de negcios. Diz-se por vezes: vido como um publicano, rico como um publicano, com referncia a riquezas de mau quilate.

    De toda a dominao romana, o imposto foi o que os judeus mais

    dificilmente aceitaram e o que mais irritao causou entre eles. Da nasceram vrias

    revoltas, fazendo-se do caso uma questo religiosa, por ser considerada contrria

    Lei. Constituiu-se, mesmo, um partido poderoso, a cuja frente se ps um certo Jud,

    apelidado o Gaulonita, tendo por princpio o no pagamento do imposto. Os judeus,

    pois, detestavam a este e, como consequncia, a todos os que eram encarregados de

    arrecad-lo, donde a averso que votavam aos publicanos de todas as categorias,

    entre os quais podiam encontrar-se pessoas muito estimveis, mas que, em virtude

    das suas funes, eram desprezadas, assim como os que com elas mantinham

    relaes, os quais se viam atingidos pela mesma reprovao. Os judeus de destaque

    consideravam um comprometimento ter com eles intimidade.

    Saduceus Seita judia, que se formou por volta do ano 248 antes de Jesus Cristo e cujo nome lhe veio do de Sadoc, seu fundador. No acreditavam na imortalidade,

    nem na ressurreio, nem nos anjos bons e maus. Entretanto, acreditavam em Deus;

    nada, porm, esperando aps a morte, s o serviam tendo em vista recompensas

    temporais, ao que, segundo eles, se limitava a providncia divina. Assim pensando,

    entendiam que o objetivo essencial da vida era a satisfao dos sentidos fsicos. Em

    relao s Escrituras, apegavam-se ao texto da lei antiga. No admitiam a tradio,

    nem interpretaes quaisquer. Colocavam as boas obras e a observncia pura e

    simples da Lei acima das prticas exteriores do culto. Eram, como se v, os

    9 Logicamente, Kardec fala de uma prtica comum em seu tempo N. E.

  • 21 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    materialistas, os destas10 e os sensualistas da poca. Seita pouco numerosa, mas que

    contava em seu seio importantes personagens e se tornou um partido poltico oposto

    constantemente aos fariseus.

    Samaritanos Aps a separao das dez tribos, Samaria se tornou a capital do reino separado de Israel. Foi destruda e reconstruda vrias vezes e se tornou, sob os

    romanos, a cabea da Samaria, uma das quatro divises da Palestina. Herodes chamado de O Grande a embelezou de suntuosos monumentos e, para homenagear Augusto (o imperador romano daquele tempo), lhe deu o nome de

    Augusta, em grego Sebaste.

    Os samaritanos estiveram quase constantemente em guerra com os reis de

    Jud. Eternizou-se entre os judeus e samaritanos uma averso profunda, datando da

    poca da separao, e cada um evitava qualquer relao com o outro povo. Os

    samaritanos, para tornarem maior a diviso e no precisarem vir a Jerusalm pela

    celebrao das festas religiosas, construram para si um templo particular e adotaram

    algumas reformas. Somente admitiam o Pentateuco11, que continha a lei de Moiss,

    e rejeitavam todos os outros livros que a esse foram acrescentados depois. Seus

    livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta antiguidade. Para

    os judeus ortodoxos, eles eram falsificados e, portanto, desprezados, amaldioados e

    perseguidos. A incompatibilidade das duas naes tinha, pois, por fundamento nico

    a divergncia das opinies religiosas; se bem fosse a mesma a origem das crenas de

    uma e outra. Eram os protestantes desse tempo.

    Ainda hoje se encontram samaritanos em algumas regies do Levante,

    particularmente em Nablus e em Jafa. Observam a lei de Moiss com mais rigor que

    os outros judeus e s entre si contraem alianas.

    Sinagoga (do grego synagog, assembleia, congregao) Um nico templo havia na Judeia, o de Salomo, em Jerusalm, onde se celebravam as grandes cerimnias

    do culto. Os judeus iam l todos os anos em peregrinao para as festas principais,

    como as da Pscoa, da Dedicao e dos Tabernculos. Por ocasio dessas festas

    que Jesus tambm costumava ir l. As outras cidades no possuam templos, mas,

    apenas, sinagogas: edifcios onde os judeus se reuniam aos sbados, para fazer

    preces pblicas, sob a chefia dos ancies, dos escribas, ou doutores da Lei. Nelas

    tambm se realizavam leituras dos livros sagrados, seguidas de explicaes e

    comentrios, atividades das quais qualquer pessoa podia participar. Por isso que

    Jesus, sem ser sacerdote, ensinava aos sbados nas sinagogas. Desde a runa de

    Jerusalm e a disperso dos judeus, as sinagogas, nas cidades por eles habitadas,

    servem-lhes de templos para a celebrao do culto.

    Terapeutas (do grego therapeutai, formado de therapeuein, servir, cuidar, isto :

    servidores de Deus, ou curadores) Eram correligionrios judeus contemporneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham muita

    10 Desta, relativo ao Desmo, que uma filosofia que acredita que Deus existe somente pela razo lgica

    das coisas e no pelo ensinamento religioso, que o desta sempre rejeita N. E. 11 Pentateuco; os cinco primeiros livros da Bblia (GNESE, XODO, LEVTICO, NMEROS, e

    DEUTERONMIO), cuja autoria se atribui a Moiss N. E.

  • 22 Allan Kardec

    relao com os essnios, cujos princpios adotavam, aplicando-se, como esses

    ltimos, prtica de todas as virtudes. Eram de extrema severidade na alimentao.

    Tambm celibatrios, votados contemplao e vivendo vida solitria, constituam

    uma verdadeira ordem religiosa. Flon, filsofo judeu platnico, de Alexandria, foi o

    primeiro a falar dos terapeutas, considerando-os uma seita do judasmo. Eusbio, S.

    Jernimo e outros Pais da Igreja pensam que eles eram cristos. Fossem tais, ou

    fossem judeus, o que evidente que, do mesmo modo que os essnios, eles

    representam o trao de unio entre o Judasmo e o Cristianismo.

    IV SCRATES E PLATO, PRECURSORES DA IDEIA CRIST E DO ESPIRITISMO

    Pelo fato de Jesus ter conhecido a seita dos essnios, seria errneo concluir-

    se que Ele retirou Sua doutrina dessa seita e que, se tivesse vivido noutro meio, teria

    professado outros princpios. As grandes ideias jamais surgem de sbito. As que

    assentam sobre a verdade sempre tm antecessores que preparam parcialmente os

    caminhos. Depois, chegando o tempo, Deus envia um homem com a misso de

    resumir, coordenar e completar os elementos espalhados, de reuni-los em corpo de

    doutrina. Desse modo, no surgindo bruscamente, a ideia, ao aparecer, encontra

    espritos dispostos a aceit-la. Tal o que se deu com a ideia crist, que foi

    pressentida muitos sculos antes de Jesus e dos essnios, tendo por principais

    precursores12 Scrates e Plato.

    Scrates, como o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, nenhum texto

    deixou escrito. Como o Cristo, teve a morte reservada aos criminosos, vtima do

    fanatismo, por haver atacado as crenas que encontrara e colocado a virtude real

    acima da hipocrisia e da falsidade das formas; por haver, numa palavra, combatido

    os preconceitos religiosos. Do mesmo modo que Jesus, a quem os fariseus acusavam

    de estar corrompendo o povo com os ensinamentos que ministrava, tambm ele foi

    acusado, pelos fariseus do seu tempo visto que sempre os houve em todas as pocas por proclamar o dogma da unidade de Deus, da imortalidade da alma e da vida futura. Assim como a doutrina de Jesus s a conhecemos pelo que escreveram

    seus discpulos, da de Scrates s temos conhecimento pelos escritos de seu

    discpulo Plato. Julgamos conveniente resumir aqui os pontos de maior

    importncia, para mostrar a concordncia deles com os princpios do Cristianismo.

    Aos que considerarem essa comparao uma profanao e pretendam que

    no pode haver igualdade entre a doutrina de um pago e a do Cristo, diremos que

    no era pag a de Scrates, pois que visava combater o paganismo; que a de Jesus,

    mais completa e mais apurada do que aquela, nada tem que perder com a

    comparao; que a grandeza da misso divina do Cristo no pode ser diminuda;

    que, ao demais, trata-se de um fato da Histria, que ningum conseguir apagar. O

    chegou a um ponto em que a luz emerge por si mesma de sob o alqueire. Ele se acha

    maduro bastante para encar-la de frente; tanto pior para os que no ousem abrir os

    olhos. Chegou o tempo de se considerarem as coisas de modo amplo e elevado, no

    12 Precursor: anunciador, aquele que vem antes com a misso de preparar o caminho para a mensagem

    que vir; como Joo Batista, que veio prenunciar a vinda do Cristo N. E.

  • 23 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    mais do ponto de vista mesquinho e acanhado dos interesses de seitas e de elites.

    Alm disso, estas citaes provaro que, se Scrates e Plato pressentiram a ideia

    crist, em seus escritos tambm se nos deparam os princpios fundamentais do

    Espiritismo.

    RESUMO DA DOUTRINA DE SCRATES E DE PLATO

    I O homem uma alma encarnada. Antes da sua encarnao, existia unida aos tipos primordiais das ideias do verdadeiro, do bem e do belo; separa-se deles, encarnando, e, recordando o seu passado, mais ou menos atormentada pelo desejo de voltar a ele.

    No se pode emitir mais claramente a distino e independncia entre o

    princpio inteligente e o princpio material. , alm disso, a doutrina da

    preexistncia da alma; da vaga intuio que ela guarda de outro mundo, a que

    almeja; da sua sobrevivncia ao corpo; da sua sada do mundo espiritual, para

    encarnar, e da sua volta a esse mesmo mundo, aps a morte. , finalmente, o grmen

    da doutrina dos Anjos decados.

    II A alma se transvia e perturba, quando se serve do corpo para considerar qualquer objeto; tem tontura, como se estivesse bbada, porque se prende a coisas que esto, por sua natureza, sujeitas a mudanas; ao passo que, quando contempla a sua prpria essncia, dirige-se para o que puro, eterno, imortal, e, sendo ela dessa natureza, permanece a ligada, por tanto tempo quanto possa. Interrompem ento os seus transviamentos, pois que est unida ao que imutvel e a esse estado da alma que se chama sabedoria.

    Assim, o homem ilude a si mesmo quando considera as coisas de modo

    terra-a-terra, do ponto de vista material. Para apreciar com justeza, tem de ver as

    coisas do alto, isto , do ponto de vista espiritual. Ento, aquele que est de posse da

    verdadeira sabedoria, tem de isolar do corpo a alma, para ver com os olhos do

    Esprito. o que ensina o Espiritismo. (Cap. II, n 5.)

    III Enquanto tivermos o nosso corpo e a alma se achar mergulhada nessa corrupo, nunca possuiremos o objeto dos nossos desejos: a verdade. Com efeito, o corpo nos proporciona mil obstculos pela necessidade em que nos achamos de cuidar dele. Ao demais, ele nos enche de desejos, de apetites, de temores, de mil iluses e de mil tolices, de maneira que, com ele, se nos torna impossvel ser ajuizados, sequer por um instante. Mas, se no nos possvel conhecer puramente coisa alguma, enquanto a alma nos est ligada ao corpo, de duas uma: ou jamais conheceremos a verdade, ou s a conheceremos aps a morte. Libertos da loucura do corpo, conversaremos ento, lcito esper-lo, com homens igualmente libertos e conheceremos, por ns mesmos, a essncia das coisas. Essa a razo por que os verdadeiros filsofos se exercitam em morrer e a morte no se lhes afigura, de modo nenhum, temvel.

    Est a o princpio das faculdades da alma escurecidas por causa dos rgos

    corporais e o da expanso dessas capacidades depois da morte. Mas trata-se apenas

    de almas j depuradas; o mesmo no se d com as almas impuras. (ver O CU E O

    INFERNO, 1 Parte, cap. II; 2 Parte, cap. I.)

  • 24 Allan Kardec

    IV A alma impura, nesse estado, se encontra oprimida e se v de novo arrastada para o mundo visvel, pelo horror do que invisvel e imaterial. Ento, diz-se, erra em torno dos monumentos e dos tmulos, junto aos quais j se tm visto tenebrosos fantasmas, quais devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem estarem ainda inteiramente puras, que ainda conservam alguma coisa da forma material, o que faz que a vista humana possa perceb-las. No so as almas dos bons; so, porm, as dos maus, que se veem foradas a vagar por esses lugares, onde arrastam consigo a pena da primeira vida que tiveram e onde continuam a vagar at que os apetites inerentes forma material de que se revestiram as reconduzam a um corpo. Ento, sem dvida, retomam os mesmos costumes que durante a primeira vida constituam objeto de suas predilees.

    No somente o princpio da reencarnao se acha a claramente expresso,

    mas tambm o estado das almas que se mantm sob o jugo da matria descrito qual

    o mostra o Espiritismo nas evocaes. Mais ainda: no tpico acima se diz que a

    reencarnao num corpo material consequncia da impureza da alma, enquanto as

    almas purificadas se encontram isentas de reencarnar. Outra coisa no diz o

    Espiritismo, acrescentando apenas que a alma, que tomou boas resolues na

    erraticidade e que possui conhecimentos adquiridos, traz, ao renascer, menos

    defeitos, mais virtudes e ideias intuitivas do que tinha na sua existncia precedente.

    Assim, cada existncia lhe marca um progresso intelectual e moral. (ver O CU E O

    INFERNO, 2 Parte: Exemplos.)

    V Aps a nossa morte, o gnio (daimon, demnio), que nos fora designado durante a vida, leva-nos a um lugar onde se renem todos os que tm de ser conduzidos ao Hades13, para serem julgados. As almas, depois de haverem estado no Hades o tempo necessrio, so reconduzidas a esta vida em mltiplos e longos perodos.

    a doutrina dos Anjos guardies, ou Espritos protetores, e das

    reencarnaes sucessivas, em seguida a intervalos mais ou menos longos de

    erraticidade.

    VI Os demnios ocupam o espao que separa o cu da Terra; constituem o lao que une o Grande Todo a si mesmo. Como a divindade nunca entra em comunicao direta com o homem, por intermdio dos demnios que os deuses entram em contato e se entretm com ele, quer quando acordado, quer durante o sono.

    A palavra daimon14, da qual fizeram o termo demnio, no era, na

    antiguidade, tomada no mal sentido, como nos tempos modernos. No designava

    exclusivamente seres maldosos, mas todos os Espritos, em geral, dentre os quais se

    destacavam os Espritos superiores, chamados deuses, e os menos elevados, ou

    demnios propriamente ditos, que comunicavam diretamente com os homens.

    Tambm o Espiritismo diz que os Espritos povoam o espao; que Deus s se

    comunica com os homens por intermdio dos Espritos puros, que so os

    encarregados de transmitir Suas vontades; que os Espritos se comunicam com eles

    durante a viglia e durante o sono. Ponham Esprito em lugar da palavra demnio e

    vocs tero a doutrina esprita; ponham a palavra anjo e tero a doutrina crist.

    13 Hades; Segundo a mitologia grega uma espcie de inferno N. E. 14 Na lngua grega, a palavra daimon tem o significado de esprito, conselheiro espiritual, guia, mentor,

    gnio, defensor. Ao ser traduzido para o latim (demonium) e finalmente para nosso idioma (demnio),

    ganhou um sentido pejorativo (anjo do mal) N. E.

  • 25 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    VII A preocupao constante do filsofo (tal como o compreendiam Scrates e Plato) a de tomar o maior cuidado com a alma, menos pelo que respeita a esta vida, que no dura mais que um instante, do que tendo em vista a eternidade. Desde que a alma imortal, no ser prudente viver visando eternidade?

    O Cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.

    VIII Se a alma imaterial, aps essa vida, tem de passar a um mundo igualmente invisvel e imaterial, do mesmo modo que o corpo, decompondo-se, volta matria. No entanto, muito importa separar bem a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimente, como Deus, de cincia e pensamentos, da alma mais ou menos maculada de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se para o divino e a prendem nos lugares da sua estada na Terra.

    Scrates e Plato, como se v, compreendiam perfeitamente os diferentes

    graus de desmaterializao da alma. Insistem na diversidade de situao que resulta

    para elas da sua maior ou menor pureza. O que eles diziam, por intuio, o

    Espiritismo o prova com os inmeros exemplos que nos pe sob as vistas. (O CU E

    O INFERNO, 2 Parte.)

    IX Se a morte fosse o fim completo do homem, os maus ganhariam muito com a morte, pois se veriam livres ao mesmo tempo do corpo, da alma e dos vcios. Aquele que fortalecer a alma, no de ornatos estranhos, mas com os que lhe so prprios, s esse poder aguardar tranquilamente a hora da sua partida para o outro mundo.

    Isso equivale a dizer que o materialismo, com o proclamar para depois da

    morte o nada, anula toda responsabilidade moral posterior, sendo,

    conseguintemente, um incentivo para o mal; que o mau tem tudo a ganhar do nada.

    Somente o homem que se livrou dos vcios e se enriqueceu de virtudes, pode esperar

    com tranquilidade o despertar na outra vida. Por meio de exemplos, que todos os

    dias nos apresenta, o Espiritismo mostra quo penoso , para o mau, o passar desta

    outra vida, a entrada na vida futura. (O CU E O INFERNO, 2 Parte, cap. I.)

    X O corpo conserva bem impressos os vestgios dos cuidados de que foi objeto e dos acidentes que sofreu. D-se o mesmo com a alma. Quando despida do corpo, ela guarda, evidentes, os traos do seu carter, de suas afeies e as marcas que lhe deixaram todos os atos de sua vida. Assim, a maior desgraa que pode acontecer ao homem ir para o outro mundo com a alma carregada de crimes. Vs, Clicles, que nem tu, nem Plux, nem Grgias podereis provar que devamos levar outra vida que nos seja til quando estejamos do outro lado. De tantas opinies diversas, a nica que permanece inabalvel a de que mais vale receber do que cometer uma injustia e que, acima de tudo, devemos cuidar, no de parecer, mas de ser homem de bem. (Colquios de Scrates com seus discpulos, na priso.)

    Aqui nos deparamos com outro ponto capital, confirmado hoje pela

    experincia: o de que a alma no purificada conserva as ideias, as tendncias, o

    carter e as paixes que teve na Terra. Esta mxima: mais vale receber do que

    cometer uma injustia, no inteiramente crist? O mesmo pensamento exprimiu

    Jesus, usando desta figura: Se algum vos bater numa face, apresentai-lhe a outra. (Cap. XII, n 7 e 8.)

    XI De duas uma: ou a morte uma destruio absoluta, ou passagem da alma para outro lugar. Se tudo tem de extinguir-se, a morte ser como uma dessas raras noites que passamos sem sonho e sem nenhuma conscincia de ns mesmos. Todavia, se a morte apenas uma

  • 26 Allan Kardec

    mudana de morada, a passagem para o lugar onde os mortos se tm de reunir, que felicidade a de encontrarmos l aqueles a quem conhecemos! O meu maior prazer seria examinar de perto os habitantes dessa outra morada e distinguir l, como aqui, os que so dignos dos que se julgam tais e no o so. Mas, tempo de nos separarmos, eu para morrer, vs para viverdes. (Scrates aos seus juzes.)

    Segundo Scrates, os que viveram na Terra se encontram aps a morte e se

    reconhecem. Mostra o Espiritismo que continuam as relaes que entre eles se

    estabeleceram, de tal maneira que a morte no nem uma interrupo, nem a

    extino da vida, mas uma transformao, sem soluo de continuidade. Se Scrates

    e Plato tivessem conhecido os ensinos que o Cristo difundiu quinhentos anos mais

    tarde e os que agora o Espiritismo espalha, e no teriam falado de outro modo.

    Entretanto, no h nisso nada que surpreenda, se considerarmos que as grandes

    verdades so eternas e que os Espritos adiantados ho de t-las conhecido antes de

    virem Terra, para onde as trouxeram; que Scrates, Plato e os grandes filsofos

    daqueles tempos bem podem, depois, ter sido dos que auxiliaram o Cristo na sua

    misso divina, escolhidos para esse fim precisamente por se acharem, mais do que

    outros, em condies de lhe compreenderem as sublimes lies; que, finalmente,

    pode dar-se faam eles agora parte do grupo dos Espritos encarregados de ensinar

    aos homens as mesmas verdades.

    XII Nunca se deve retribuir com outra uma injustia, nem fazer mal a ningum, seja qual for o dano que nos tenham causado. Poucos, no entanto, sero os que admitam esse princpio, e os que se desentenderem a tal respeito nada mais faro, sem dvida, do que se votarem desprezo mtuo uns aos outros.

    No est a o princpio de caridade, que prescreve no se retribua o mal

    com o mal e se perdoe aos inimigos?

    XIII pelos frutos que se conhece a rvore. Toda ao deve ser qualificada pelo que produz: qualific-la de m, quando dela provenha mal; de boa, quando d origem ao bem.

    Este ditado: Pelos frutos que se conhece a rvore, se encontra muitas vezes repetida textualmente no Evangelho.

    XIV A riqueza um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza no ama a si mesmo, nem ao que seu; ama a uma coisa que lhe ainda mais estranha do que o que lhe pertence. (Cap. XVI.)

    XV As mais belas preces e os mais belos sacrifcios alegram menos Divindade do que uma alma virtuosa que faz esforos por se lhe melhorar. Seria uma coisa grave os deuses dispensassem mais ateno s nossas oferendas, do que nossa alma; se tal se desse, poderiam os mais culpados conseguir que eles se lhes tornassem propcios. Mas, no: verdadeiramente justos e retos s o so os que, por suas palavras e atos, cumprem seus deveres para com os deuses e para com os homens. (Cap. X, n 7 e 8.)

    XVI Chamo de homem vicioso a esse amante vulgar, que mais ama o corpo do que a alma. O amor est por toda parte na Natureza, que nos convida ao exerccio da nossa inteligncia; at no movimento dos astros o encontramos. o amor que orna a Natureza de seus ricos tapetes; ele se enfeita e fixa morada onde se lhe deparem flores e perfumes. ainda o amor que d paz aos homens, calma ao mar, silncio aos ventos e sono dor.

  • 27 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    O amor, que h de unir os homens por um lao fraternal, uma

    consequncia dessa teoria de Plato sobre o amor universal, como lei da Natureza.

    Por que Scrates disse que o amor no nem um deus, nem um mortal, mas um grande demnio, isto , um grande Esprito que preside ao amor universal, essa proposio lhe foi atribuda como crime.

    XVII A virtude no pode ser ensinada; vem por dom de Deus aos que a possuem.

    quase a doutrina crist sobre a graa; mas, se a virtude um dom de

    Deus, um favor e, ento, podemos perguntar por que no concedida a todos. Por

    outro lado, se um dom, carece de mrito para aquele que a possui. O Espiritismo

    mais explcito, dizendo que aquele que possui a virtude a adquiriu por seus esforos,

    em existncias sucessivas, livrando-se pouco a pouco de suas imperfeies. A graa

    a fora que Deus permite ao homem de boa vontade para se apagar do mal e

    praticar o bem.

    XVIII disposio natural em todos ns a de nos apercebermos muito menos dos nossos defeitos, do que dos outros.

    Diz o Evangelho: Enxergam a palha que est no olho do prximo e no veem a trave que est no vosso. (Cap. X, n 9 e 10.)

    XIX Se os mdicos so malsucedidos, tratando da maior parte das molstias, que tratam do corpo, sem tratarem da alma. Ora, no se achando o todo em bom estado, impossvel que uma parte dele passe bem.

    O Espiritismo fornece a chave das relaes existentes entre a alma e o

    corpo e prova que um reage sobre o outro constantemente. Abre, assim, novo rumo

    para a Cincia, ao mostrar a verdadeira causa de certas doenas e ao apontar os

    meios de combat-las. Quando a Cincia levar em conta a ao do elemento

    espiritual na economia, menos frequentes sero os seus maus xitos.

    XX Todos os homens, a partir da infncia, muito mais fazem de mal, do que de bem.

    Essa sentena de Scrates fere a grave questo da predominncia do mal na

    Terra, questo que no tem soluo sem o conhecimento da pluralidade dos mundos

    e da destinao do planeta terreno, habitado apenas por uma frao mnima da

    Humanidade. Somente o Espiritismo resolve essa questo, que se encontra explicada

    aqui adiante, nos captulos II, III e V.

    XXI Ajuizado sers, no supondo que sabes o que ignoras.

    Isso se aplica aos que criticam aquilo de que desconhecem at mesmo os

    primeiros termos. Plato completa esse pensamento de Scrates, dizendo:

    Tentemos, primeiro, se for possvel, torn-los mais honestos nas palavras; se no o forem, no nos preocupemos com eles e no procuremos seno a verdade. Cuidemos

    de nos instruir, mas no nos injuriemos. assim que os espritas devem proceder

  • 28 Allan Kardec

    com relao aos seus contraditores de boa ou m-f. Se Plato revivesse hoje,

    acharia as coisas quase como no seu tempo e poderia usar da mesma linguagem.

    Tambm Scrates encontraria criaturas que zombariam da sua crena nos Espritos e

    que o qualificariam de louco, assim como ao seu discpulo Plato.

    Foi por haver professado esses princpios que Scrates se viu

    ridicularizado, depois acusado de impiedade e condenado a beber cicuta15. To certo

    que, levantando contra si os interesses e os preconceitos que elas ferem, as grandes

    verdades novas no se podem firmar sem luta e sem fazer mrtires.

    15 Cicuta; veneno a que Scrates foi condenado a beber para cumprir sua pena de morte N. E.

  • 29 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    Captulo I

    NO VIM DESTRUIR A LEI

    AS TRS REVELAES: MOISS, CRISTO, ESPIRITISMO.

    ALIANA DA CINCIA E DA RELIGIO

    INSTRUO DOS ESPRITOS

    A NOVA ERA

    1. No pensem que eu vim destruir a lei ou os profetas: no os vim destruir, mas cumpri-los; pois, em verdade vos digo que o cu e a Terra no passaro, sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um nico iota e um nico ponto.

    (MATEUS, 5: 17 e 18)16

    MOISS

    2. Na lei mosaica, h duas partes distintas: a lei de Deus, promulgada no monte

    Sinai, e a lei civil ou disciplinar, decretada por Moiss. Uma invarivel; a outra,

    apropriada aos costumes e ao carter do povo, se modifica com o tempo.

    A lei de Deus est formulada nos dez mandamentos seguintes:

    I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servido. No tenham

    diante de mim outros deuses estrangeiros. No faam imagem esculpida, nem figura alguma do que est em cima do cu, nem embaixo na Terra, nem do que quer que esteja nas guas sob a terra. No adorarem a eles e no lhes prestem culto soberano

    17.

    16 As referncias bblicas usadas aqui obedecem a seguinte ordem: nome do livro; aps a vrgula vem o nmero do captulo; depois dos dois pontos, os versculos. Por exemplo: MATEUS, 5: 17 e 18 pode ser interpretado assim: livro de MATEUS; captulo 5; versculos 17 e 18. Os versculos tambm pode vir

    seguidos, por exemplo, versculos 1 a 4 (portanto: versculos 1, 2, 3 e 4) N. E. 17 Allan Kardec cita a parte mais importante do primeiro mandamento, e deixa de transcrever as seguintes

    frases: ... porque eu, o Senhor vosso Deus, sou Deus zeloso, que puno a maldade dos pais nos filhos, na terceira e na quarta geraes daqueles que me aborrecem, e uso de misericrdia at mil geraes daqueles

    que me amam e guardam os meus mandamentos. (xodo, 20:5 e 6.) Nas tradues feitas pelas Igrejas Catlica e protestantes, essa parte do mandamento foi truncada para harmoniz-la com a doutrina da

    encarnao nica da alma. Onde est na terceira e na quarta geraes, conforme a traduo Brasileira da Bblia, a Vulgata Latina (in tertiam et quartam generationem), a traduo de Zamenhof (en la tria kaj

    kvara generacioj), mudaram o texto para at terceira e quarta geraes. Esses textos truncados que aparecem na traduo da Igreja Anglicana, na Catlica de Figueiredo, na Protestante de Almeida e outras,

    tornam monstruosa a justia divina, pois que filhos, netos, bisnetos, tetranetos inocentes teriam de ser

    castigados pelo pecado dos pais, avs, bisavs, tetravs. Foi uma infeliz tentativa de acomodao da Lei

  • 30 Allan Kardec

    II. No pronunciem em vo o nome do Senhor, vosso Deus. III. Lembrem-se de santificar o dia do sbado. IV. Honrem vosso pai e a vossa me, a fim de viver longo tempo na terra que o Senhor

    vosso Deus vos dar. V. No matem.

    VI. No cometam adultrio. VII. No roubem.

    VIII. No prestem testemunho falso contra o vosso prximo. IX. No desejem a mulher do vosso prximo. X. No cobicem a casa do vosso prximo, nem o servo, nem a serva, nem o boi, nem o

    asno, nem qualquer das coisas que pertenam ao outro.

    Essa lei para todos os tempos e todos os pases e, por isso mesmo, uma

    lei divina. Todas as outras so leis que Moiss decretou, porque se via obrigado a

    conter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indisciplinado, no qual tinha

    ele de combater profundos abusos e preconceitos, adquiridos durante a escravido

    do Egito. Para impor autoridade s suas leis, Moiss precisou atribuir origem divina,

    do mesmo modo que todos os legisladores dos povos primitivos fizeram. A

    autoridade do homem precisava apoiar-se na autoridade de Deus; mas, s a ideia de

    um Deus terrvel podia impressionar criaturas ignorantes, um povo pouco

    desenvolvido em senso moral e em sentimento de uma justia reta. evidente que

    aquele que inclura, entre os seus mandamentos, este ditado: No matarem; no causem dano ao vosso prximo, no poderia contradizer-se, fazendo da exterminao um dever. Ento, as leis mosaicas, propriamente ditas, revestiam um

    carter essencialmente transitrio.

    O CRISTO

    3. Jesus no veio destruir a lei, isto , a lei de Deus; veio cumpri-la, isto ,

    desenvolv-la, dar-lhe o verdadeiro sentido e adapt-la ao grau de adiantamento dos

    homens. Por isso que nessa lei nos deparamos com o princpio dos deveres para

    com Deus e para com o prximo a base da doutrina Crist. Sobre as leis de Moiss, propriamente ditas, ao contrrio da lei divina, ele as modificou

    profundamente, tanto na substncia, quanto na forma. Combatendo constantemente

    o abuso das prticas exteriores e as falsas interpretaes, Jesus no podia reform-las

    de uma forma mais radical do que reduzindo toda a lei num nico preceito: Amar a Deus acima de todas as coisas e o prximo como a si mesmo, e acrescentando: a esto toda a lei e os profetas.

    Por estas palavras: O cu e a Terra no passaro sem que tudo esteja

    vida nica. O texto certo que, por merc de Deus, j est reproduzido pelas edies recentssimas a que

    nos referimos tradues Brasileira e de Zamenhof , que conferem com S. Jernimo, mostra que a Lei ensina veladamente a reencarnao e as expiaes e provas. Na primeira e segunda geraes, como

    contemporneos de seus filhos e netos, o Esprito culpado ainda no reencarnou, mas, um pouco mais

    tarde na terceira e quarta geraes j ele voltou e recebe as consequncias de suas faltas. Assim, o culpado mesmo, e no outrem, paga sua dvida. Logo, tem-se de excluir a 1 e 2 geraes e expressar

    na 3 e 4, como realmente o original. Achamos conveniente acrescentar aqui esta nota, para facilitar a compreenso do estudioso

    que confronte a sua traduo da Bblia com a citao do Mestre. A Editora da FEB, 1947.

  • 31 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    cumprido at o ltimo iota, Jesus quis dizer que necessrio que a lei de Deus tivesse cumprimento integral, isto , fosse praticada na Terra inteira, em toda a sua

    pureza, com todas as suas ampliaes e consequncias. Efetivamente, de que serviria

    haver sido promulgada aquela lei, se ela devesse constituir privilgio de alguns

    homens, ou, sequer, de um nico povo? Como todos os homens so filhos de Deus,

    todos, sem distino nenhuma, so tratados com igualdade.

    4. Mas, o papel de Jesus no foi o de um simples legislador moralista, tendo por

    exclusiva autoridade a sua palavra: cabia a Ele dar cumprimento s profecias que

    anunciaram a Sua vinda; Sua autoridade vinha da natureza excepcional do seu

    Esprito e da Sua misso divina. O Cristo veio ensinar aos homens que a verdadeira

    vida no a que se passa na Terra e sim a que vivida no reino dos cus; veio

    ensinar o caminho que nos conduz a esse reino, os meios de se reconciliarem com

    Deus e de pressentirem esses meios na marcha das coisas futuras, para a realizao

    dos destinos humanos. Entretanto, Ele no disse tudo, e sobre muitos pontos,

    limitou-se a lanar a semente de verdades que, segundo Ele prprio, ainda no

    podiam ser compreendidas. Falou de tudo, mas em termos mais ou menos

    subentendidos. Para compreendermos o sentido oculto de algumas palavras suas, se

    fazia necessrio que novas ideias e novos conhecimentos lhes trouxessem a chave

    indispensvel, ideias que, porm, no podiam surgir antes que o esprito humano

    alcanasse certo grau de maturidade. A Cincia tinha de contribuir poderosamente

    para a abertura e o desenvolvimento de tais ideias. Importava, pois, dar tempo para a

    Cincia progredir.

    O ESPIRITISMO

    5. O Espiritismo a cincia nova que vem revelar aos homens, por meio de provas

    irrecusveis, a existncia e a natureza do mundo espiritual e as suas relaes com o

    mundo corpreo. Ele nos mostra a espiritualidade, no mais como coisa

    sobrenatural, mas ao contrrio, como uma das foras vivas e sempre atuantes da

    Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenmenos at hoje incompreendidos

    e, por isso, jogados para o domnio do fantstico e do maravilhoso. a essas

    relaes que o Cristo menciona em muitas circunstncias e da vem que muito do

    que Ele disse permaneceu incompreendido ou falsamente interpretado. O

    Espiritismo a chave com o auxlio da qual tudo se explica de modo fcil.

    6. A lei do Antigo Testamento teve em Moiss a sua personificao; a do Novo

    Testamento est no Cristo. O Espiritismo a terceira revelao da lei de Deus, mas

    no est personificada em nenhuma individualidade, porque fruto do ensino dado

    no por um homem, e sim pelos Espritos, que so as vozes do Cu, em todos os

    pontos da Terra, com a cooperao de uma multido infinita de intermedirios. , de

    certa maneira, um ser coletivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo

    espiritual, cada um dos quais traz o tributo de suas luzes aos homens, para lhes

    tornar conhecido esse mundo e a sorte que os espera.

  • 32 Allan Kardec

    7. Assim como o Cristo disse: No vim destruir a lei, porm cumpri-la, tambm o Espiritismo diz: No venho destruir a lei crist, mas dar-lhe execuo. Nada ensina em contrrio ao que Cristo ensinou; mas, desenvolve, completa e explica, em

    termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma simblica. Vem

    cumprir, nos tempos profetizados, o que o Cristo anunciou e preparar a realizao

    das coisas futuras. Ele , pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o

    anunciou, para a regenerao que se opera e prepara o reino de Deus na Terra.

    ALIANA DA CINCIA E DA RELIGIO

    8. A Cincia e a Religio so as duas alavancas da inteligncia humana: uma revela

    as leis do mundo material e a outra as leis do mundo moral. Tendo, no entanto, essas

    leis o mesmo princpio, que Deus, no podem contradizer-se. Se uma fosse a

    negao da outra, necessariamente uma delas estaria em erro e a outra com a

    verdade, pois Deus no pode pretender a destruio de sua prpria obra. A

    incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de ideias vem apenas

    de uma observao defeituosa e de excesso de exclusivismo, de um lado e de outro.

    Da um conflito que deu origem incredulidade e intolerncia.

    Chegou o tempo em que os ensinamentos do Cristo precisam ser

    completados; em que o vu lanado intencionalmente sobre algumas partes desse

    ensino tem de ser levantado; em que a Cincia, deixando de ser exclusivamente

    materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religio,

    deixando de ignorar as leis orgnicas e imutveis da matria, como duas foras que

    so, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestaro mtuo auxlio.

    Ento, no mais desmentida pela Cincia, a Religio adquirir inabalvel poder,

    porque estar de acordo com a razo, j se lhe no podendo mais opor a irresistvel

    lgica dos fatos.

    A Cincia e a Religio at hoje no puderam entender-se, porque,

    encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, se rejeitavam entre si.

    Faltava preencher o vazio que as separava, um trao de unio que as aproximasse.

    Esse trao de unio est no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e

    suas relaes com o mundo corpreo, leis to imutveis quanto as que regem o

    movimento dos astros e a existncia dos seres. Uma vez que essas relaes foram

    comprovadas pela experincia, se fez nova luz: a f caminhou para a razo; esta

    nada encontrou de contraditria na f: o materialismo foi vencido. Mas, nisso, como

    em tudo, h pessoas que ficam atrs, at serem arrastadas pelo movimento geral, que

    as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. toda uma revoluo

    que neste momento se opera e trabalha os espritos. Aps uma elaborao que durou

    mais de dezoito sculos, chega ela sua plena realizao e vai marcar uma nova era

    na vida da Humanidade. As consequncias so fceis de prever: acarretar para as

    relaes sociais modificaes inevitveis, s quais ningum ter fora para se opor,

    porque elas esto nos desgnios de Deus e brotam da lei do progresso, que lei de

    Deus.

  • 33 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

    INSTRUES DOS ESPRITOS

    A NOVA ERA

    9. Deus nico e Moiss o Esprito que Ele enviou em misso para tornar a

    Divindade conhecida no s dos hebreus, como tambm dos povos pagos. O povo

    hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para se revelar por Moiss e pelos

    profetas, e as atribulaes que esse povo passou destinavam-se a chamar a ateno

    geral e a fazer cair o vu que ocultava a divindade aos homens.

    Os mandamentos de Deus, revelados por intermdio de Moiss, contm a

    semente da mais ampla moral crist. Porm, os comentrios da Bblia limitavam seu

    sentido, porque, praticada em toda a sua pureza, no teriam ento compreendido.

    Mas, nem por isso os dez mandamentos de Deus deixavam de ser um como rosto

    brilhante, igual a um farol destinado a clarear a estrada que a Humanidade tinha de

    percorrer.

    A moral que Moiss ensinou era apropriada ao estado de adiantamento em

    que se encontravam os povos que ela se colocou a regenerar, e esses povos,

    semisselvagens quanto ao aperfeioamento da alma, no teriam compreendido que

    se pudesse adorar a Deus de outro modo que no por meio de sacrifcios, nem que se

    devesse perdoar a um inimigo. notvel que do ponto de vista da matria e mesmo

    do das artes e das cincias, a inteligncia deles se achava muito atrasada em

    moralidade e no teriam se convertido pela fora de uma religio inteiramente

    espiritual. Era necessria para eles uma representao semimaterial, igual a que a

    religio hebraica apresentava. Os holocaustos18 lhes falavam aos sentidos, do mesmo

    passo que a ideia de Deus lhes falava ao esprito.

    O Cristo foi o iniciador da mais pura, da mais sublime moral, da moral

    evanglico-crist, que ir renovar o mundo, aproximar os homens e torn-los

    irmos; que h de fazer brotar em todos os coraes a caridade e o amor ao prximo

    e estabelecer entre os humanos uma solidariedade comum; de uma moral, enfim, que

    h de transformar a Terra, tornando-a morada de Espritos superiores aos que hoje a

    habitam. a lei do progresso, a que a Natureza est submetida, que se cumpre, e o

    Espiritismo a alavanca que Deus utiliza para fazer a Humanidade avanar.

    So chegados os tempos em que as ideias se desenvolvero, para que se

    realizem os progressos que esto nos planos de Deus. Elas tm de seguir a mesma

    rota que percorreram as ideias de liberdade, suas anunciadoras. Contudo, no creiam

    que esse desenvolvimento se efetue sem lutas. No; para atingirem a maturidade,

    aquelas ideias precisam de abalos e discusses, a fim de que atraiam a ateno das

    massas. Uma vez isso conseguido, a beleza e a santidade da moral tocaro os

    espritos, que ento abraaro uma cincia que lhes d a chave da vida futura e abre

    as portas da felicidade eterna. Moiss abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o

    Espiritismo a concluir.

    Um Esprito israelita. (Mulhouse, 1861)

    18 Holocausto: forma de culto em que, para agradar Divindade, se faz uso de sacrifcios de animais (e

    at de pessoas, em certas seitas) N. E.

  • 34 Allan Kardec

    10. Um dia, Deus, em sua inesgotvel caridade, permitiu que o homem visse a

    verdade atravessar as trevas. Esse dia foi o da vinda do Cristo. Depois da luz viva, as

    trevas voltaram. Aps alternativas de verdade e obscuridade, o mundo novamente se

    perdia. Ento, semelhantemente aos profetas do Antigo Testamento, os Espritos se

    puseram a falar e a vos advertir. O mundo est abalado em seus fundamentos; o

    trovo retumbar. Sejam firmes!

    O Espiritismo de ordem divina, pois que se sustenta nas prprias leis da

    Natureza, e estejam certos de que tudo o que de ordem divina tem objetivo grande

    e til. O vosso mundo se perdia; a Cincia, desenvolvida custa do que de ordem

    moral, mas conduzindo ao bem-estar material, revestia-se em proveito do esprito

    das trevas. Como vocs sabem, cristos, o corao e o amor tm de caminhar unidos

    Cincia. Ah! Passados dezoito sculos e apesar do sangue de tantos mrtires, o

    reino do Cristo ainda no veio. Cristos, voltem para o Mestre, que vos quer salvar.

    Tudo fcil para aquele que cr e ama; o amor o enche de inexplicvel alegria. Sim,

    meus filhos, o mundo est abalado; os bons Espritos voz dizem isso

    constantemente; dobrem-se rajada que anuncia a tempestade, a fim de no serem

    derrubados, isto , preparem-se e no imitem as virgens loucas, que foram

    apanhadas desprevenidas com a chegada do esposo.

    A revoluo que se prepara antes moral do que material. Os grandes

    Espritos, mensageiros divinos, sopram a f, para que todos vs, obreiros

    esclarecidos e ardorosos, faam ouvir a vossa voz humilde, pois voc so o gro de

    areia; mas, sem gros de areia, no existiriam as montanhas. Assim, pois, que estas

    palavras Somos pequenos caream de significao. A cada um a sua misso, a cad