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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
O formato neofordista e infotaylorista da educação a distância: a tutoria e a
degradação da profissão docente
Rafael Aroni1
Resumo
Na esteira da precarização dos infroproletários é analisada a recente
industrialização na expansão do ensino superior a distância e reflexos
na degradação dos docentes em tutores. Através da metodologia de
etnografia e entrevistas semi-dirigidas, em Instituição Superior
Privada, no ano de 2011, aponta-se: o histórico da reestruturação
imposta ao ensino superior, às representações dos papéis e
conformação de precárias identidades coletivas (tutores) e os impactos
para saúde dos professores. Portanto, buscou-se apresentar efeitos na
(des)estruturação da educação superior a distância privada, enquanto
expressão contemporânea inscrita na mundialização do capital,
monitorada por instituições internacionais e dirigida por diretrizes
governamentais, no aprofundamento da reforma neoliberal para
educação.
Palavras-chave: Educação a distância, tutor, degradação da
identidade docente.
abstract
In the wake of the precariousness of infoproletarian is analyzed
industrialization in the recent expansion of higher education in
distance mode and effects on degradation of teachers in tutors.
Through ethnographic methodology and semi-directed in Private
Higher Institution, in 2011, points out: the historic restructuring
imposed on higher education, the papers and representations of
precarious conformation of collective identities (tutores) and the
impacts for health teachers. Therefore, we sought to present effects in
(un) structuring of private higher distance education, while
contemporary expression entered in the globalization of capital,
monitored by international institutions and directed by government
guidelines, the deepening of neoliberal reform to education.
Keywords: distance education, tutor, teacher identity degradation.
Introdução
As primeiras décadas do século XXI marcam novas facetas do processo de
transformações do ensino superior brasileiro. Oscila por todo o país o véu da aparente
democratização ao acesso, via expansão de vagas privadas, com especial atenção para as
modalidades semi-presenciais e a distância. Dessa forma, o marketing midiático
instantâneo captura sonhos e projetos à marcha de desregulação e degradação na
qualidade da educação ofertada. Operam-se nos bastidores, em laboratórios de
informáticas improvisados entre alunos/clientes e “colaboradores tutores”, a
1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, Professor de Sociologia na Rede
Pública do Estado de São Paulo. Email: [email protected]
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
configuração de uma matriz de ensino inscrita na lógica da mundialização do capital,
pela mercadorização do direito social à educação pública gratuita e de qualidade, em
serviço privado, aligeirado e ofertado em larga escala, noções presentes no projeto
hegemônico de globalização econômica da sociedade da informação (LIMA, 2006,
2007 e 2011).
De forma breve, ao caracterizar-se o fenômeno com alguns dados do Censo do
Ensino Superior Brasileiro, para os períodos de 2000 a 2010, tem-se o aumento de
202% no número de Instituições de Ensino Superior privadas no país, com a
manutenção da desigual estrutura na oferta de vagas entre o sistema público, com média
de 12% das vagas, e privado, média de 88% (Ver Tabela 1), para o mesmo período.
Como apontado no Relatório Final da CPI do Ensino Superior Privado (Suplemento
Diário Oficial do Estado de São Paulo, Fevereiro de 2012) tem-se a inversão da lógica
prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (n.º 9.394/1996): “... o ensino
superior privado se expandiu como complementar ao público, mas hoje é o público que
está se tornando complementar ao privado, por omissão ou incapacidade dos governos
federal, estadual e municipal para suprir a demanda por vagas no ensino superior”.
Uma imediata contradição que esconde outra falsa aparência, no caso da omissão
ou falta de iniciativa do Estado. Tem-se na atualidade, a perspectiva do reordenamento
do Estado (LIMA, 2006) com forte participação no aprofundamento de políticas
públicas de financiamento na estruturação e manutenção de instituições privadas de
ensino superior (PEREIRA, 2007). Este fenômeno merece mais estudos para se analisar
em que medida tais ações não contrariam o artigo 213 da Constituição Federal de 1988,
uma vez que instituições privadas de capital estrangeiro, que visam o lucro (empresas
transnacionais articuladas ao capital financeiro mundial), sugam de forma predatória
recursos públicos, via FIES, PROUNI. E mais recentemente, por via indireta pela
Medida Provisória n.º 559 (12/06/12), que instituiu o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), que
perdoará as dívidas no valor de R$ 15 bilhões de imposto de renda, INSS e cota patronal
de instituições superiores privadas nacionais e estrangeiras, em troca da oferta de bolsas
de estudo pelo PROUNI2, novas dimensões do aprofundamento da privatização do
setor.
2 Mais informações sobre PROIES, disponíveis em: “Governo veta emenda e permite instituições
estrangeiras no Proies”, disponível em: <http://www.horadopovo.com.br/2012/07Jul/3076-25-07-
2012/P4/pag4a.htm>, acessado em: 17, jul., 2012.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
Segundo a estudiosa sobre a questão, Kátia Lima aponta a continuidade da
mercantilização do setor e abertura para o capital internacional:
No que se refere à área de Educação, o Governo Lula da Silva implementou a
mesma pauta apresentada pelos organismos internacionais e realizada pelo
governo Cardoso: a) o estabelecimento de parcerias público-privadas para o
financiamento e a execução da política educacional brasileira: do combate ao
analfabetismo à educação fundamental, do ensino médio e da educação
superior e b) a abertura do setor educacional, especialmente da educação
superior, para a participação das empresas e grupos estrangeiros, estimulando
a utilização das tecnologias da informação e da comunicação na educação
através da educação a distância (2006, p.7; grifos nossos).
Ainda nesta perspectiva é possível remeter ao longo processo de ambivalência, em
que políticas públicas para educação garantem a expansão de instituições privadas,
como por exemplo, ao se observa o artigo 16 da LDB (n.º 9394/96):
Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I - as instituições de ensino mantidas pela União;
II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa
privada;
III - os órgãos federais de educação. (grifos nossos)
Tabela 1 – Número de Instituições de Ensino Superior, período de 2000 a 2010.
IES * Público Privado Total Brasil
2000 176 15% 1.004 85% 1.180 100%
2001 183 13% 1.208 87% 1.391 100%
2002 195 12% 1.442 88% 1.637 100%
2003 207 11% 1.652 89% 1.859 100%
2004 224 11% 1.789 89% 2013 100%
2005 231 11% 1.934 89% 2.165 100%
2006 248 11% 2.022 89% 2.270 100%
2007 249 11% 2.032 89% 2.281 100%
2008 236 10% 2.016 90% 2.252 100%
2009 245 11% 2069 89% 2.314 100%
2010 278 12% 2.100 88% 2.378 100%
* IES – Instituições de Ensino Superior com cursos
presenciais e a distância.
Fonte:< http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse.. Acesso em:
11, jul., 2012.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
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USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
Cabe ainda destacar outros dados para caracterizar a expansão do ensino
superior brasileiro a distância, segundo o MEC3:
O total de vagas ofertadas para ingressantes e veteranos aumentou de
6.430, em 2000, para 1.643.118, em 2010. Aumento de 24.414%;
Em 2002, havia 46 cursos de graduação na modalidade a distância. No
princípio da segunda década de 2010 são 930 cursos, ou seja, o aumento
foi de 2.022%;
No período que abrange 1998 a 2011, apenas 271 cursos a distância
tiveram aprovação do parecer de credenciamento, pelo Conselho
Nacional de Educação.
Frente ao panorama da educação superior privada na modalidade a distância no
Brasil, busca-se nesta comunicação apresentar brevemente os bastidores dos efeitos de
degradação nas condições de vida e trabalho dos profissionais envolvidos. Assim, o
presente artigo divide-se em três itens. Na primeira etapa faz-se uma síntese dos
principais estudos sobre a conjuntura da comercialização do ensino superior a distância
e paralelos aos desafios para o pensamento social de interpretação das metamorfoses nas
categorias profissionais envolvidas, inscritos em processos análogos à organização do
trabalho fordista e taylorista. Segundo item caracteriza-se a partir de observações
etnográficas e resultado de três entrevistas com professores tutores, realizadas em
Instituição de Ensino Privado, do interior de São Paulo, no ano 2011, as principais
dimensões de estranhamento e alienação do trabalho informacional, no processo de
ressignificação dos papéis e formação da precária identidade coletiva dos profissionais
envolvidos. Por último, apresentam-se resultados da entrevista a partir da orientação
teórica da psicopatologia dejouriana, sobre dimensões de sofrimento, angústias e
contradições enfrentadas pelos docentes na condição da degradação de suas identidades.
3 Os dados consultados foram: Sinopses do Censo do Ensino Superior, entre os anos de 2000 a 2010,
disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em: 05, fev., 2012;
Pareceres de credenciamento EaD, disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12939:pareceres-de-
credenciamento-ead&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 06, fev., 2012.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
Da democratização do acesso ao ensino superior ou da industrialização do acesso
ao serviço pago de educação?
Para a elaboração da perspectiva histórica da reestruturação político e econômica
imposta ao ensino superior privado a distância, articulou-se: a apresentação dos
fundamentos da sociologia do trabalho, os quais atualizam análises das metamorfoses
do estranhamento e alienação nos trabalhos informacionais (ANTUNES, 2009) e a
configuração de uma nova categoria de trabalhadores, o cibertariado (HUWS, 2009);
com a revisão histórica do processo em debate, a expansão do ensino superior privado
na modalidade a distância, formulada e imposta por organismos internacionais, Banco
Mundial, UNESCO e OMC (PEREIRA, 2007) e engendradas pelo Estado brasileiro
(LIMA, 2006), na transformação do direito a educação verdadeiramente pública e
democrática, em serviço comercial a ser explorado de forma predatória pelo capital
monopolista financeiro mundial em crise4.
Na sociologia do trabalho os processos de organização das atividades laborais
em que as atividades eram mecânicas, intensamente controladas para o máximo de
produtividade e com jornadas de trabalho exageradas, fenômeno caracterizado como o
modelo fordista e taylorista (GOUNET,1999). As metamorfoses impostas na relação de
trabalho, principalmente, no setor da prestação de serviços, no campo informacional, faz
pensar a permanência de alguns elementos deste processo. Assim, a nova perspectiva
traçada pelas emblemáticas interpretações propostas na coletânea “Infoproletários:
degradação real do trabalho virtual” (ANTUNES & BRAGA, 2009) sobre a obscura
condição de vida e trabalhadores da linha de operação das tecnologias informacionais
(telemarketing e callcenter), aponta perspectivas para se analisar outras categorias de
infoproletários, as novas e precárias categorias de tutores a distâncias, tutores
presenciais, professores conteudistas e professores ministrantes.
Das reflexões de Antunes (2009) apontam-se os fundamentos sociológicos da
multidimensionalidade do processo de desnacionalização e financeirização, promovidas
pelas tecnologias informacionais, principalmente do setor bancário, pela globalização
econômica, enquanto imposição de novas sociabilidades, com o: “(...) controle e gestão
do trabalho, das novas formas de obtenção do consentimento à exploração econômica,
da produção de novas e precárias identidades coletivas, das desigualdades de gênero,
4Apontam-se a necessidade de estudos sobre a dimensão político econômica, expressos em documentos
como prospectos de grupos financeiros que engendram a modernização conservadora do ensino superior
privado brasileiro, para segunda década do século XXI.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
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das trajetórias profissionais... as formas de ser do cibertariado” (p.9), dimensões as
quais estão sendo reproduzidos na (des)estruturação do ensino superior privado a
distância brasileiro, pela transposição da ideologia financeira, a uma legítima educação
bancária feita pelos banqueiros mundiais. Com traços neofordistas na produção
estandartizada de conteúdos que teriam efeitos pedagógicos padronizados, e traço
infotaylorista, no controle informacional tecnológico na intensificação da produção e
reprodução do conhecimento acrítico, descontextualizado e sem potencial de
transformar a realidade da sociedade capitalista em crise.
Como sustenta a teoria crítica frankfurtiana, não se omite o potencial de
emancipação humana pelos aparatos tecnológicos, contudo, o paradoxo é a utilização
deles pela ordem burguesa, para o adestramento, docilidade e total controle, em se
cooptar e forjar as falsas consciências positivamente unidimensionais nos trabalhadores
(MARCUSE, 1967).
Assim, a principal contribuição de ANTUNES (2009) ao se pontuar novos eixos
na precarização estrutural do trabalho, reverbera o ideário neoliberal, em que as
tecnologias do século XXI buscam através de suas magias fetichizadas, imporem as
condições de trabalho do século XIX, com:
(...) intensa e brutal emulação do teleoperador [...], com técnicas gerenciais
tayloristas de controle sobre o trabalhador; associa o serviço em grupo com
individualização das relações trabalhistas, estimula a cooperação ao mesmo
tempo em que fortalece a concorrência entre os teleoperadores, dentre tantas
outras alterações, ampliando as formas mais complexificadas de
estranhamento e alienação contemporânea do trabalho (ANTUNES,
2009, p.10).
Da coletânea de dez artigos, destaca-se a contribuição do ensaio de Ursula
Huws, (2009) “A construção de um cibertariado? Trabalho virtual num mundo real.”
que problematiza a necessidade de se avançar as análise sobre a identidade constitutiva
dos trabalhadores da economia informacional. A partir de leitura de uma série estudos
sobre trabalhadores de escritório a autora aponta que a principal característica para se
identificar estes trabalhadores e mesmos os trabalhadores de tecnologia da informação
seria a roupa, a condição de colarinho branco, contudo, a aparência de uma
indumentária sofisticada oculta o processo de degradação subjacente ao espaço do
escritório. Fenômeno apontado nos estudos de Harry Braverman – Labor and Monopoly
Capital, de 1974. Assim, a autora sugere seis dimensões para se caracterizar a condição
do cibertariado, ou proletário de escritório:
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Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
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Trabalhadores de escritório podem ser definidos, no mínimo, de seis
maneiras diferentes: a) em termos da relação funcional de seu trabalho com o
capital; b) em termos de sua ocupação (seu lugar na divisão técnica do
trabalho); c) sua relação social com a produção (a propriedade ou não dos
meios de produção); d) seu lugar na divisão social do trabalho (inclusive a
divisão de gênero do trabalho no lar); e) as rendas comparadas (e, em
consequência, sua posição no mercado enquanto consumidores); f) seu status
social (BRAVERMAN,1974, p.45).
Destas dimensões, destacam-se duas as quais serão objeto de análise no próximo
item, a relação social com a produção e reprodução de conhecimento por tutores com
novas dimensões de alienação e estranhamento no e pelo trabalho virtual e o status
social da posição destes trabalhadores no mercado de trabalho local, que oculta à
condição de degradação da condição de docente.
Articula-se a estes fundamentos as análises empreendidas da conjuntura do
aprofundamento da reforma neoliberal para educação. Assim, a assistente social Larissa
Pereira (2007) em sua tese de doutorado examina os documentos que estabeleceram
diretrizes do processo de mercantilização da educação por organismos internacionais
(Banco Mundial, UNESCO, OMC) para regiões periféricas e subdesenvolvidas. Este
processo resulta da reação da burguesia internacional frente à crise ao padrão de
acumulação fordista e keynesiano, da década 1970, em que a reestruturação produtiva, o
reordenamento do papel Estado, expressões da emergência do neoliberalismo. Para a
educação superior, os interesses do capital monopolista financeiro convergem na busca
aos fundos públicos para recompor sua taxa de acumulação. Assim tem-se que:
Com a crise do pós-1970, a burguesia passa a disputar o fundo público, como
pressuposto apenas para o capital, num explícito retrocesso no que diz
respeito aos sistemas de proteção social construídos ao longo dos “Trinta
anos Gloriosos do capitalismo”. Assim, todas as esferas da vida social –
inclusive as políticas sociais, até então relativamente desmercadorizadas e
tradutoras dos direitos sociais conquistados através de árduas lutas desde o
final do século XIX – passam a ser alvo do processo de valorização do
capital, com um crescente processo de mercantilização (PEREIRA, 2007,
p.70).
Resumidamente, a ofensiva do capital financeiro internacional com a
mercantilização do direito a educação inicia-se com a nova orientação do Banco
Mundial, que a partir da década de 1980, defende diretrizes da universalização do
ensino fundamental para países em desenvolvimento, em simultaneidade a privatização
do ensino secundário e perseguição às universidades públicas, como lócus de
privilegiados e ineficientes. Deste período a diretriz central é a conformação de uma
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educação voltada para formação de trabalhadores flexíveis com valores favoráveis ao
mercado.
Para a década de 1990, o Banco Mundial atualiza a perspectiva neoliberal para
educação, com o termo ideológico da sociedade do conhecimento. Assim, a única forma
dos países periféricos alcançarem padrões satisfatórios de integração à globalização,
seria com a oferta massificada do comércio do serviço de educação. Um novo padrão de
dependência cultural, social, econômica está se forjando com as necessidades das
instituições de ensino superior de países periféricos importarem pacotes tecnológicos e
de conhecimento para qualificação dos trabalhadores. Para Pereira (2007) este comércio
da educação como serviço só foi possível pelo acordo comercial, firmado pelos países
membros da OMC, em 1995, “Acordo Geral sobre Comércio em Serviços (AGCS)”, o
qual estabeleceu a mercadorização dos serviços historicamente reivindicados como
direitos sociais, como educação, saúde, saneamento e outros.
Com a educação no AGCS corre-se o risco da sua transformação em um
processo de simples comercialização, onde grupos internacionais ou grupos
nacionais a eles coligados seriam os vendedores, enquanto os países,
principalmente os em desenvolvimento,passariam a ser meros compradores
de pacotes de serviços diretos (por exemplo, cursos profissionalizantes, de
graduação, aperfeiçoamento e pós-graduação, etc) e complementares (por
exemplo, sistemas de avaliação e certificação), além de “bens de consumo
educacionais” (por exemplo, livros e materiais didáticos, cadernos, lápis,
mapas, equipamento científico, uniformes etc.). Tal perspectiva fere a
soberania e a autonomia das nações, num caminho que pode levar à perda da
diversidade cultural e dos valores locais (SIQUEIRA, 2004: 155).
Por último, a autora Lima (2011) reafirma o reordenamento do Estado brasileiro
na articulação as diretrizes dos agentes internacionais para estruturação na desregulação
e privatização do setor educacional, em específico, pela modalidade à distância pública
e privada.
Se nas IES privadas a massificação e a mercantilização do ensino encontram
intenso ponto de articulação, nas IES públicas, ainda que parte significativa
dos cursos à distância não seja pago, está presente a mesma lógica de
massificação do ensino norteadora (1) das políticas dos organismos
internacionais; (2) do setor de “serviços educacionais” e (3) do governo
federal. (...) Não se trata, portanto, de algo imposto de fora para dentro ou de
uma pretensa autonomia dos empresários do setor educacional ou dos reitores
das universidades públicas, mas de um compartilhamento de concepções e de
projetos, de políticas governamentais estabelecidas em parceria com esses
organismos (local e internacional) através da adequação da educação à nova
fase de acumulação do capital (LIMA, 2011, 43).
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A indecente tutorização do trabalho e vida docente
Nesta seção, destacam-se as dimensões da ressignificação das representações
dos papéis dos docentes e conformação de precárias identidades coletivas como tutores.
Assim, busca-se caracterizar a partir de observações etnográficas e do resultado de três
entrevistas semi-estruturadas, realizadas em Instituição de Ensino Privado, do interior
de São Paulo, no ano 2011, as principais dimensões de estranhamento e alienação do
trabalho informacional, para tutores a distância.
Inicialmente, ao revisar referenciais de Marx (2004) para o estranhamento do
trabalho humano, temos o processo em que o produto do trabalho e o ato de produção
são externos e estranhados ao trabalhador, e lhes causa estranhamento de sua própria
essência humana. O trabalho passa a ter e ser na atividade vital o meio para suprir
necessidades e não um fim para suprimir a essência de sua existência humana (fantasias
e necessidades vitais).
Através do trabalho estranhado o homem engendra, portanto, não apenas sua
relação com o objeto e o ato de produção enquanto homens que lhe são
estranhos e inimigos; ele engendra também a relação na qual outros homens
estão para a sua produção e o seu produto, e a relação na qual ele está para
com estes outros homens (MARX, 2004, p.87).
Assim, as dimensões de alienação e estranhamento no e pelo trabalho virtual,
centram-se na relação social da produção e reprodução do conhecimento humano,
mediado pelos atuais tutores através de ferramentas tecnológicas. A faceta fundamental
deste processo é a dimensão de estranhamento do ato de produzir um pensamento que
desencadearia a aprendizagem, posto que não existe mais autonomia, liberdade crítica e
criativa a este ato do espírito, uma vez que ele passa a ser disciplinado, conformado e
vigiado pela lógica política econômica do capital.
Outra dimensão do estranhamento é a mercantilização do conhecimento
enquanto processo de desvalorização do componente humano, até então detentor e
produtor do conhecimento, o docente. A medição via recursos tecnológicos, inscreve
estes sujeitos históricos ao gradativo processo de transformarem-se em mercadorias com
menor valor, na medida em que cristalizam seus pensamentos em conteúdos
interacionais, os quais passam a ser trocados sem o reconhecimento de sua origem.
Conteúdos que passam paulatinamente a serem fetichizados exteriorizados em
detrimento dos profissionais, que agora, são contidos a minúsculas baias, ou em certas
ocasiões, a laboratórios compartilhados em tempo parcial, entre alunos/clientes e
docentes degradados.
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Assim, degradação está no controle do tempo de pensamento, nos procedimentos
de pensamento, na disciplina e vigilância nas formas de mediatizar um pensamento em
mensagem que aparentemente motive o interlocutor aluno, a não se enxergar tão e
verdadeiramente solitário diante de uma máquina. O controle via plataforma de
interação supostamente com perspectiva pedagógica, aponta para a dimensão do
armazenamento ilimitado de interações e conteúdos informacionais, os quais
possibilitarão no futuro, a composição de banco de dados de feedbacks automáticos, e
eliminará gradualmente o trabalho vivo desta fantasmagórica rede depositário virtual de
conhecimento e interações humanas, na qual a construção do conhecimento é mera
transferência na relação sinalagmática entre prestação dinheiro e contraprestação
“acesso à educação”.
Cabe salientar outras dimensões observadas em campo, como a perda da
autonomia na seleção dos conteúdos curriculares abordados, bem como na elaboração
de atividades práticas, além do enxugamento das matrizes curriculares. Portanto,
aponta-se para a fragmentação fordista no trabalho docente. Os reflexos indicam o fim
da auto-reflexão crítica sobre processos sociais, e completa extinção da articulação de
lutas sociais, a partir do ensino superior. O ensino superior configura-se nesse processo
tão somente um monopé, ensino que visa lucro, sem extensão e pesquisa.
Outras dimensões observadas na ressignificação do trabalho docente pelo
neoliberalismo é o rebaixamento das titulações de mestre e doutores que passam a ser
igualada a de especialistas, uma vez que quando contratados como “colaboradores”
tutores, recebem o mesmo salário da menor titulação, nova expressão da metamorfose
na degradação do trabalho docente, e conformação do cibertariado. Contudo, no
contexto regional analisado, para o grupo de aproximadamente 50 tutores, pela
inexistência de programas de pós-graduação (o mais próximo dista 30 quilômetros), o
efeito observado para o status social foi o inverso. Como todos os mestres e doutores
vieram de outras universidades (na maioria pública) e os especialistas foram formados
na própria instituição privada, a lógica foi que estes passaram a ser socializados como
iguais em titulação e reconhecimento acadêmico àqueles. Observou-se que os docentes
com maior titulação que não aceitaram essa equiparação no tratamento e no contrato de
trabalho foram demitidos.
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Quanto aos resultados da aplicação de três entrevistas semi-estruturadas, elas
permitiram captar as representações dos docentes5sobre as dimensões do trabalho de
tutoria. A caracterização do perfil dos professores degradados em tutores, dois são do
sexo masculino, com faixa etária entre 30 a 40 anos. Já a tutora está na faixa etária entre
20 e 30 anos. Priorizou-se esta amostra por se tratar de três situações distintas. Um tutor
exerce exclusivamente o tutoria semipresencial, um segundo a tutoria “home office” (a
domicílio), e o terceiro acumula o trabalho nas duas modalidades.
A tutoria semipresencial prevê a necessidade do profissional estar
presencialmente na instituição de ensino superior, disponível para interagir com os
alunos. No caso da tutoria “home office”, o tutor não tem a obrigação semanal de estar
na instituição, entretanto, necessita estar logado no ambiente diariamente em horários
pré-definidos pela instituição.
Em comum nos relatos destacados a seguir tem-se a representação da indefinição
das atribuições do profissional, que deixa de ser um professor para ser um funcionário
colaborador, mediador de conteúdo e monitor de atividades. Desta sorte, destacam-se as
dimensões do excesso de atividades como: correções de trabalhos, provas, TCC,
orientação de Estágio Supervisionado e orientações para alunos. Em alguns casos os
tutores acumulam mais de um semestre simultaneamente.
Das entrevistas destacam-se o primeiro trecho em que a ideologia dominante
busca estabelecer o diferencial entre a modalidade presencial e a distância, ao seduzir
pela ideia de que o curso a distância é mais fácil, quando e se oculta à degradação da
condição do docente transvestido em tutor:
[...] pouca valorização da função do tutor (isso ocorre na grande maioria das
instituições), a desorganização que existe em algumas instituições que
fornecem cursos a distância, o fato de que muitas vezes a EaD é vista como
uma modalidade de ensino mais fácil, e por isso, muitos alunos não se
esforçam e se dedicam como na modalidade presencial, etc (Tutor, faixa
etária 20 a 30 anos).
Outra dimensão da representação do tutor que trabalha nas duas modalidades é a
dificuldade que muitos encontram em delimitar tempo de descanso quando se trabalha
em casa, lócus de descanso e reprodução da força de trabalho:
5A identidades dos profissionais entrevistados serão preservadas diante da vigilância das Instituições sobre as opiniões dos profissionais que trabalham nesta modalidade de educação.
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Como já relatei, trabalhar em casa tem seus benefícios, pois a pessoa pode ser
organizar como bem entender, realizando a tutoria nos horários que lhe forem
mais convenientes, etc.. No entanto, deve-se tomar cuidado com essa
situação, visto que muitas vezes a pessoa que atua como tutor home office
também possui outro emprego, e o momento dedicado para a tutoria home
office acaba tomando o lugar do momento que seria dedicado ao descanso.
Conheço muitas pessoas que ficam viciadas em tutoria e entram no ambiente
virtual a todo instante querendo responder a dúvida dos alunos, e não
conseguem desligar. Eu sinceramente não acho isso nada saudável (Tutor,
faixa etária 20 a 30 anos).
A representação do trabalho enquanto vício reportaria ao aspecto negativo da
atividade, reforça a percepção do trabalho alienado, no qual o profissional não se
realiza.
Outras representações relatadas pelo tutor home office é o número reduzido de
profissionais envolvido nesta modalidade e o acúmulo de funções a ser desempenhada
pelo profissional.
[...] devido à complexidade que envolve a Gestão no modelo educacional à
distância, considero reduzida a equipe de pessoas envolvidas neste processo,
ou seja, há uma demanda de atribuições bastante significativa para os
profissionais que atuam neste modelo (Tutor, faixa etária 30 a 40 anos).
Por último, a representação do tutor que trabalha somente com atividade
semipresencial caracteriza o processo da fragmentação do trabalho docente subsumido a
maior controle e vigilância em todas as interações realizadas no ambiente virtual de
trabalho.
Há rotina estabelecida por contratado de tempo indeterminado com oito horas
de trabalho diárias. Em geral ocupa-se um período da manhã e toda à tarde.
Diante de do excesso de alunos e das atividades a serem orientadas, sempre
levamos trabalho para os finais de semana. Tento evitar os trabalhos aos
domingos, mas quando estamos em época de correções, não há como não ser
feito. Não posso prejudicar os alunos. Isto prejudica muito a organização da
minha vida particular.
Por se tratar de um trabalho intelectual e manual, em que se pensa muito em
reelaborar conteúdos em mensagens assimiláveis pelos alunos e por outro
lado fica-se o dia todo martelando o teclado, procuro fazer intervalos.
Imagine ficar oito horas em frete a uma tela de computador, sem liberdade
para pensar, sendo vigiado e disciplinado a produzir e interagir. Tendo todas
as suas atividades registradas, principalmente as interações. É muito tenso.
Às vezes se criam conflitos com alunos que interpretam de forma equivocada
uma mensagem (Tutor, faixa etária 30 a 40 anos).
Cenas cotidianas da vida tutoriada: da insaúdavel condição de trabalho real no
mundo virtual
Neste último item apresentam-se resultados das três entrevistas semi-
estruturadas a partir da orientação teórica da psicopatologia dejouriana, sobre dimensões
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de sofrimento, angústias e contradições enfrentadas pelos docentes na condição da
degradação de suas identidades enquanto professores tutores.
Nesta aproximação inicial aos fundamentos teóricos de Christophe Dejours,
formado em psicanálise e psicossomática, salienta-se que suas pesquisas e escritos sobre
as diferentes dimensões do sofrimento no trabalho permitem interpretações que
desnaturalizam as reações frente às condições de degradação no mundo do trabalho. O
texto “Por um novo conceito de Saúde” (DEJOURS, 1986) introduz as categorias de
análise que apontam para dissociação entre o estado de bem estar idealizado e os relatos
de sofrimento dos trabalhadores sobre suas rotinas. Três são as dimensões do
sofrimento, o fisiológico, quando o funcionamento do organismo está desequilibrado
por diversos fatores, o psicossomático, quando há abalos nas “relações que existem
entre o que se passa na cabeça das pessoas e o funcionamento de seus corpos”
(DEJOURS, 1986, p. 2) e por último, a psicopatologia do trabalho, ou seja, justamente
para os efeitos deletérios do trabalho, da organização, da divisão e dos conteúdos de
tarefas, que levam ao não reconhecimento do trabalhador na essência das atividades e
posterior adoecimento. Em contrapartida, reforça-se a concepção de Marx (2004) do
trabalho enquanto processo mediador e construtor da essência humana. Trabalho não
alienante é um elemento fundamental para vida humana.
Em outro escrito (DEJOURS, 1992) é aprofundado os estudos sobre os efeitos
do modelo taylorista aos trabalhadores. Dejours sustenta a ruptura no aparelho mental
com a supressão da dimensão intelectual das atividades a serem executadas, na
formação do “operário-macado de Taylor”.
Uma vez conseguida a desapropriação do know-how, uma vez desmantelada
a coletividade operária, uma vez quebrada a livre adaptação da organização
do trabalho às necessidades do organismo, uma vez realizada a toda poderosa
vigilância, não restam senão corpos isolados e dóceis, desprovidos de toda
iniciativa. A última peça do sistema pode ser introduzida sem obstáculos: é
preciso adestrar, treinar, condicionar esta força potencial que não tem mais
forma humana. [...] É precisamente isto que deve ser estudado pela
psicopatologia do trabalho; o que acontece com a vida psíquica do
trabalhador desprovido de sua atividade intelectual pela organização
científica do trabalho? (DEJOURS, 1992, p. 42 e 43).
Nesse sentido busca-se apresentar trechos de relatos dos tutores que indiquem para
potenciais reverberações à saúde pela intensificação de atribuições. A tutora que exerce
trabalho presencial na instituição e trabalho home officie aponta para a sobrecarga de
trabalho para a função de tutor, que para além da atribuição pedagógica, passa a ser uma
espécie de contato imediato para resolução problemas de todas as naturezas entre os
alunos e a instituição. Para atividade home office a entrevistada reforça o primeiro
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relato, ao confirmar dificuldades em se conciliar em um mesmo ambiente trabalho e de
descanso.
Outra angústia é em relação a própria organização da educação a distância,
que está no começo e que em muitos estabelecimentos de ensino ainda não se
estruturou adequadamente. Cria-se uma impressão de que é mais fácil
trabalhar a distância, supervisionar ou mesmo gerenciar, no entanto, para que
isso ocorra é necessário o trabalho e o diálogo constante das partes
envolvidas, e quando isso não ocorre, todo o processo é prejudicado, e como
é o tutor quem trabalha e responde ao aluno, é sempre ele quem irá sofrer
com as reclamações.
Meu bem estar psíquico e social é afetado primeiramente por conta da tutoria
que exerço em casa, visto que uso as horas que normalmente estaria
descansando, passeando, final de semana, feriado, etc., para cumprir os
prazos de correção das atividades e responder aos alunos. Na tutoria
presencial o bem-estar também é prejudicado por conta dos prazos de
correção: você começa a ser cada vez mais rápido e a executar seu trabalho
de forma cada vez mais automática, deixando a desejar no quesito: qualidade
de interação e auxiliar aluno na construção do conhecimento (Tutor, faixa
etária dos 20 aos 30 anos).
O tutor que exerce somente atividade a domicílio reforça a ansiedade pela
sobrecarga de trabalho.
Na realidade, preocupo-me sempre em atender prontamente às demandas. Isso, às
vezes em momentos de acúmulo de atribuições, há uma sensação de ansiedade
Por último o tutor em caráter exclusivo na instituição apresenta um panorama
indicativo para possibilidade do adoecimento dos docentes, principalmente nos
momentos em que finalizam os bimestres, em que há maior acúmulo de correções de
trabalhos.
Como trabalhamos em um laboratório de informática improvisado na
instituição, lembra-se muito um telemarkting ou linha de produção, são
aproximadamente 50 computadores distribuídos por três bancadas. A sala
tem vitrôs, mas sempre estão encobertos por cortinas, o ambiente sempre está
com ar condicionado ligado. Então a única “janela” são os monitores ou os
espaços entre os monitores.
No início havia muita ansiedade pelas atividades a serem desenvolvidas,
contudo, quando se estabeleceu uma rotina semestral, em que basicamente há
maior demanda pelo trabalho nas correções, é notável a fadiga que muitos
profissionais sentem. Muitos ficam gripados, com dores nas costas ou mesmo
estafados mentalmente. O trabalho poderia ser remunerado por peça, e não
por hora aula, uma vez que se trabalha muito mais neste período.
Procuro desligar aos finais de semana. Outra estratégia de sobrevivência é
que se acabam automatizando alguns procedimentos, acredito que seja até
uma defesa do organismo frente ao excesso de trabalho (Tutor, faixa etária 30
a 40 anos).
Destaca-se do relato a estratégia de automatizar procedimentos, muito próximo a
concepção de alienação estranhamento de Marx (2004) como tentativa de fugir do
trabalho degradante. Em comum aos três trechos destacados estão dimensões de
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ansiedade em relação ao ambiente de trabalho e a atividade intelectual alienante. Há
contribuições Dejours (1992) no sentido de se pensar como essas ansiedades afetam o
funcionamento do aparelho mental, esquematicamente ele apresenta três possibilidades
de ansiedade:
a) Ansiedade relativa à degradação do funcionamento mental e do equilíbrio
psicoafetivo [...]
b) Ansiedade relatia à degradação do organismo [...]
c) Ansiedade gerada pela “disciplina da fome”. (DEJOURS, 1992, p. 77 e 78).
Assim, há necessidade de se aprofundar os estudos para se captar nuances das
dimensões da ansiedade gerada pelo aparato tecnológico na conformação de educadores
e alunos inscritos na modalidade a distância. Portanto, pode-se inferir de forma
preliminar que ao se analisar o trabalho a distância na instituição e a domicílio, pela
perspectiva djoriana, existe o abalo ao bem-estar psíquico, com a desorganização da
vida privada, e o abalo ao bem-estar social, com a pouca autonomia na organização das
atividades do trabalho. Forjam-se uma categoria de infoproletários mediadores ou
orientadores de conteúdos e atividades, docentes degradados, sem autonomia de serem
si mesmos, verdadeiros educadores com individualidades e postura crítica.
Conclusão
No presente artigo buscou-se apresentar discussões referentes ao
aprofundamento do projeto neoliberal para educação superior a distância. A partir de
referenciais sociológicos problematizaram-se os efeitos de degradação nas condições de
vida e trabalho dos profissionais envolvidos. Inicialmente foi realizada revisão
bibliográfica sobre a conjuntura da comercialização do ensino superior a distância. A
partir dos resultados da etnografia e aplicação de três entrevistas semi-estruturadas, para
profissionais tutores de uma instituição de ensino superior, no ano 2011, apontou-se nos
relatos experiências de estranhamento e alienação na atividade informacional. Outra
importante dimensão do processo é a ressignificação dos papéis historicamente
construídos, como o de docência, e a formação da precária identidade coletiva, pela
indefinida atividade atribuída aos tutores. Por fim, apontou-se para dimensões da
discussão dejoriana, das possíveis psicopatologias emergentes do mundo trabalho de
tutoria virtual.
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