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Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 1 O GRUPO CAMALOTE E SUA CONFIGURAÇÃO NA DANÇA SUL-MATO- GROSSENSE MESTIÇA: APONTAMENTOS SEMIÓTICOS Jefferson Machado BARBOSA 1 LIMBERTI, R. C. P 2 RESUMO: Este paper tem como foco principal fazer uma reflexão de textos artístico- culturais que compõem a cultura mestiça de Mato Grosso do Sul, em particular os textos de cultura produzida no Estado pelo Grupo de Dança Parafolclórica Camalote. Grupo visto aqui como “texto”, enquanto memória da cultura e que faz tradução intersemiótica da cultura popular sul-mato-grossense para palcos de contextos nacionais e internacionais. Busca-se, assim, analisar os códigos semióticos das danças produzidas pelo Grupo Para-Folclórico Camalote, a luz da Semiótica da cultura, com vistas à constituição de um corpus composto por: vídeos e fotos, gentilmente cedidas pelos integrantes do Grupo Camalote e o acompanhamento do espetáculo de dez anos, intitulado: Encontros Culturais - Pelos Caminhos de Piabirú A História e o Sagrado se encontram no Folclore. Nossa abordagem teórica é sustentada pela Semiótica da Cultura ou Semiótica Russa, apoiados, principalmente em: Lotman (1.978); Chacarosqui (2.008); Machado (2.007), além de considerar ainda, trabalhos teóricos de Sigrist (2.000/2.002), fundadora do Grupo Para-Folclórico Camalote. Palavras-Chave: Semiótica da Cultura; Cultura Sul-Mato-Grossense; Grupo Camalote. INRODUÇÃO 1 Aluno regular do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) na área de concentração em Linguística Aplicada e Transculturalidade. Bolsista CAPES. Email: [email protected]. O artigo é resultado das discussões durante a disciplina no Programa de Mestrado em Letras, Fundamentos Semióticos, ministrada pela Profª. Rita de Cássia Pacheco Limberti. 2 Docente do Programa de Mestrado em Letras da Faculdade de Artes, Comunicação e Letras (FACALE) da Universidade Federal da Grande Dourados.

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O GRUPO CAMALOTE E SUA CONFIGURAÇÃO NA DANÇA SUL-MATO-

GROSSENSE MESTIÇA: APONTAMENTOS SEMIÓTICOS

Jefferson Machado BARBOSA1

LIMBERTI, R. C. P2

RESUMO: Este paper tem como foco principal fazer uma reflexão de textos artístico-

culturais que compõem a cultura mestiça de Mato Grosso do Sul, em particular os

textos de cultura produzida no Estado pelo Grupo de Dança Parafolclórica Camalote.

Grupo visto aqui como “texto”, enquanto memória da cultura e que faz tradução

intersemiótica da cultura popular sul-mato-grossense para palcos de contextos

nacionais e internacionais. Busca-se, assim, analisar os códigos semióticos das danças

produzidas pelo Grupo Para-Folclórico Camalote, a luz da Semiótica da cultura, com

vistas à constituição de um corpus composto por: vídeos e fotos, gentilmente cedidas

pelos integrantes do Grupo Camalote e o acompanhamento do espetáculo de dez anos,

intitulado: Encontros Culturais - Pelos Caminhos de Piabirú – A História e o Sagrado

se encontram no Folclore. Nossa abordagem teórica é sustentada pela Semiótica da

Cultura ou Semiótica Russa, apoiados, principalmente em: Lotman (1.978);

Chacarosqui (2.008); Machado (2.007), além de considerar ainda, trabalhos teóricos

de Sigrist (2.000/2.002), fundadora do Grupo Para-Folclórico Camalote.

Palavras-Chave: Semiótica da Cultura; Cultura Sul-Mato-Grossense; Grupo

Camalote.

INRODUÇÃO

1Aluno regular do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Grande Dourados

(UFGD) na área de concentração em Linguística Aplicada e Transculturalidade. Bolsista CAPES. Email:

[email protected]. O artigo é resultado das discussões durante a disciplina no Programa de

Mestrado em Letras, Fundamentos Semióticos, ministrada pela Profª. Rita de Cássia Pacheco Limberti. 2 Docente do Programa de Mestrado em Letras da Faculdade de Artes, Comunicação e Letras (FACALE)

da Universidade Federal da Grande Dourados.

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Em comemoração aos dez anos de sua existência em 2013, o Grupo Parafolclórico de

danças regionais populares do Estado de Mato Grosso do Sul, Grupo Camalote,

apresentou o espetáculo intitulado Encontros Culturais - Pelos Caminhos de Piabirú3 –

A História e o Sagrado se encontram no Folclore.

O interesse em analisar os Códigos Semióticos da dança sul-mato-grossense,

representado pelo Grupo de Dança Parafolclórica4 Camalote, surgiu durante o

acompanhamento do espetáculo acima mencionado. Desse modo, o nosso palco de

análise semiótica é o espetáculo apresentado no teatro Glauce Rocha, situado em

Campo Grande-MS, fotos e vídeos, estes últimos cedidos gentilmente pelos integrantes

do Grupo Camalote.

A saber, o espetáculo dirigido por Marlei Sigrist5 teve a duração de aproximadamente

1h e 30min, dividido em cinco partes, sendo elas: I - Ponto de partida: caminhos da

memória cultural; II - Centro do continente – Reminiscência; III - Explorando o cerrado

– Espaço ampliado; IV - Fronteiras culturais – A diversidade e V - Um paraíso entre a

Cordilheira e o Cerrado – Pantanal.

O artigo está dividido em três partes. No primeiro momento traçamos breve abordagem

sobre a Semiótica Russa da Cultura. Na sequência, apresentamos alguns aspectos

relativos ao Folclore de Mato Grosso do Sul e por fim uma análise semiótica com

relação ao espetáculo do Grupo Camalote.

1 DESENHANDO O GRUPO CAMALOTE6

(...) Tem cheiro de camalote

Tem gosto de Tarumã

Pantaneiro, chegou a hora de você cantar

Pantaneira, chegou a hora de você dançar

Me mostre essa ciranda nascida no pantanal (...)

(Trecho da Música Ciranda Pantaneira/

Grupo Acaba).

3 O termo piabiru, na língua tupi significa caminho de grama amassada. Apresentamos no decorrer da

discussão a proposta do espetáculo Pelos Caminhos de Piabirú. 4 De acordo com Sigrist (2002), grupo parafolclórico é fundamentado na perspectiva do multiculturalismo

crítico e dialoga com áreas do conhecimento como: Folclore, Arte, Educação Física e Ciências Sociais.

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É com a sensação de estar contemplando o céu espelhado no mar que cumpro a grata,

honrosa e responsiva tarefa de apresentar uma discussão acerca do Grupo de Danças

ParaFolclóricas intitulado Camalote7, que se edifica como ícone representativo da

cultura popular sul-mato-grossense. O trecho da música como epígrafe (Ciranda

Pantaneira do disco Canta-Dores do Pantanal / 1979, depois remasterizados em CD), é

bastante sugestivo no sentido de refletir o camalote descendo o rio, trazendo consigo

muita cultura, por sua vez mestiça, viva e recheada por mosaicos culturais, andando nas

águas do saber ancestral, até se fazer em danças, que representa o folclore de Mato

Grosso do Sul.

O grupo Camalote, como é mais conhecido popularmente, antigo Grupo Sarandi

Pantaneiro- é uma entidade de caráter cultural vinculada ao Ponto de Cultura Camalote

e à Comissão Sul-Mato-Grossense de Folclore. Conforme nos lembra em conversas

informais, um dos integrantes mais antigos do Grupo, senhor R.C.S.8 “o objetivo não é

formar bailarinos, mas sim dançarinos amantes e conhecedores do folclore, que

transmitirão para seus filhos e netos a cultura de nossa terra”. (R.C.S. 10/10/2013).

Nessa perspectiva, o intuito do Grupo é a preservação e a divulgação das danças

folclóricas ocorridas em Mato Grosso do Sul e suas ligações com o universo imaginário

das lendas e das festas de cunho popular. Seu trabalho é desenvolvido pelo sistema de

projeção do folclore, preocupando-se com a linguagem cênica, porém, sem subordinar-

se às regras técnicas e acadêmicas para manter vínculo com o popular e com a

espontaneidade de quem dança.

A ideia do grupo surgiu a partir no momento em que Marlei Sigrist começou a caminhar

pelo chão batido de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de construir todo o

conhecimento prático e teórico acerca da cultura popular do Estado. Desse modo, a

pesquisadora advoga que havia muitas danças tradicionais, executadas principalmente,

em festas/bailes rurais. No início, o grupo era pequeno, formando apenas por alguns

membros da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e chamava-se

Sarandi Pantaneiro. (SIGRIST, p. 09-21, 2000).

Após, já consolidado como Grupo Camalote, porém, pouco reconhecido, surgiu um

convite para o Grupo participar do Eco Rio (1992), foi quando o grupo ganhou

expansão regional, nacional e internacional. Em 2003, pelo projeto Soluções

Inteligentes de Movimento - SIM, executado pela Fundação Barbosa Rodrigues e a Rede

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Municipal de Ensino – REME, o Grupo desfilou no dia 26 de agosto de 2003 no

aniversário de Campo Grande-MS. A temática do desfile desse ano foi relativa ao

folclore sul-mato-grossense, os dançarinos – em sua maioria, professores - ficaram

entusiasmados e assim decidiram estruturar o grupo, foi quando nasceu o Grupo de

Danças Para-Folclóricas Camalote. (SIGRIST, M. Entrevista ao Programa Primeira

Pessoa. TV Educativa Brasil Pantanal, 04/03/2013).

Atualmente, o Grupo de Dança Parafolclórica Camalote conta com a direção Profª.

Msc. Marlei Sigrist, pesquisadora e referência nacional quando se trata da cultura

regional popular de Mato Grosso do Sul. Marlei, assim como é mais conhecida, é, antes

de tudo, “Arte-Educadora”, logo, é professora adjunta aposentada pela Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Possui experiência nas áreas de Antropologia,

com ênfase em Etnologia, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura popular,

folclore, folkcomunicação9 e por fim, orientou pesquisa educacional e Arte, na produção

de roteiros e direção de espetáculos musicais, modalidade de danças populares.

Recentemente, Marlei, dedica-se ao campo das ideias, políticas, pesquisas e projetos

culturais.

2 CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO: SEMIÓTICA RUSSA DA

CULTURA

No século XX, a consciência semiótica teve uma evolução, uma retomada com a

atividade da Escola de Tártu de Moscou na Estônia, denominada pelo professor Iurí

Lotmán de Escola de Moscou. Lotmán - assim como é mais conhecido, principalmente

pelos membros da academia - reuniu outros estudos da semiótica, formando assim um

circulo de estudos em torno do que chamaram de Modelização Semiótica.

(MACHADO, 2003, p. 34).

O circulo de estudos de Moscou tinha como objetivos, estudar e compreender as

relações da comunicação, os mecanismos geradores do signo na cultura, enquanto a

semiótica da comunicação da cultura busca entender um conjunto unificado de sistemas,

em outras palavras, um grande texto. Dessa maneira, no período de 50 e 60, os

estudiosos que formavam a Escola de Moscou ou Circulo de estudos de Moscou eram

9 É uma área de pesquisa de Comunicação que contempla marginalizados proposta do Luiz Beltrão de

Andrade Lima (1918 – 1986). Disponível em: http://www.alaic.net/portal/revista/r8-9/ccientifica_06.pdf.

Último acesso em 08 de outubro de 2013 às 10h: 24 min.

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agregados do Lotman, que teve significativa contribuição para tal grupo de estudos .

(MACHADO, 2003).

No decorrer das discussões do Circulo de estudos de Moscou, Lotman conceituou

“Linguagem” numa perspectiva distinta dos estudos estruturais, ou seja, de Ferdinand

de Saussure. Nesse sentido, para Lotman (1978, p.37) considerou: I- Línguas naturais;

mais poderoso sistema de comunicação da coletividade humana, uma vez que possui

sua própria estrutura. II- Línguas artificiais; metalinguagens das descrições científicas,

exemplo sinais de trânsito ou línguas de sinais. E por fim, III – Línguas secundárias; ou

sistema modalizantes secundários, são as estruturas de comunicação que sobrepõem ao

nível linguístico natural. Desse modo, as Artes Verbais e Não Verbais fazem parte dessa

última categoria postulada por Lotman.

O foco de nosso estudo está direcionado para os sistemas modalizantes secundários, que

dentro de uma cultura são considerados textos. No pensamento “Bakhtiniano”, que

muito influenciou os estudos do Circulo de Moscou, embasados na ideia de

Dialogismo10

, toda cultura é um grande texto permeado de textos, ou seja, todo texto

dialoga com outro texto.

Seguindo essa linha de raciocínio, a dança é composta de outros textos, como por

exemplo: a música, as danças folclóricas, os figurinos, a expressão corporal, etc. Ainda,

seguindo a linha de pensamento de Lotman (1978), para realizar o processo de tradução

de determinada cultura, no caso de nosso estudo, da cultura sul-mato-grossense, é

necessário passar pela fronteira onde será filtrada e adaptada para fazer parte da

semiosfera.

Em outras palavras, para entender a dança sul-mato-grossense, em específico do Grupo

Camalote, é necessário que se entenda os códigos semióticos da dança de tal região,

bem como dominar determinados conceitos próprios de dada cultura. Segundo Lotman

(1978, p.38) “é ler os sistemas de signos, que não é tarefa tão simples quanto parece”.

De fato, tal tarefa se torna complexa e, sobretudo difícil que Lotman (1978), por sua

vez, salienta que para compreender os sistemas de signos de uma cultura

“desconhecida” é necessário se alfabetizar semioticamente, isto é, adquirir repertório

para poder ler os códigos semióticos de determinada cultura.

10

BAKHTIHN, M. Mikhail Bakhtin: Teoria e Diálogo. Disponível em:

http://odialogismobakhtiniano.blogspot.com.br/2012/11/mikhail-bakhtin-e-teoria-do-dialogo.html. Último

acesso: 18/01/2013 às 10h: 35min.

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3 FOLCLORE SUL-MATO-GROSSENSE: UMA CULTURA MESTIÇA!

Como o foco de nossa discussão é tratar da representação do Grupo de Dança

Parafolclórica Camalote para o cenário sul-mato-grossense, para explicitar sobre tal

temática, numa perspectiva folclórica, tomaremos com base, o livro referência no

assunto, denominado: Chão Batido: A cultura popular de Mato Grosso do Sul –

Folclore – Tradição, lançado no ano de 2000, de autoria de Marlei Sigrist. Para se

chegar ao formato desse livro foram aproximadamente 15 anos. Desse modo, Sigrist

(2000), propôs-se a sair pelos caminhos sul de Mato Grosso do Sul e conhecer a cultura

popular dessa gente. No primeiro momento, a pesquisadora organizou todo o material

que acabou virando apostilas para sala de aula e alguns cursos para docentes que estão

atuando na rede de ensino. “O primeiro formato da apostila foi denominado pela

investigadora como: Cadernos de cultura popular”, mas, segundo Sigrist (2000), “ainda

não estava pronto para ser um livro”. Desse modo, a autora foi retrabalhando os textos,

ampliando e fez ainda algumas discussões dentro de cada assunto exposto, até que os

textos tomaram o formato de livro. (SIGRIST, 2000, p.17-24).

Curiosamente, o livro surgiu pela necessidade de apresentar, principalmente, ao quadro

docente11

de Mato Grosso do Sul como se constitui a cultura mestiça do estado, bem

como a sua riqueza e diversidade. De acordo com Sigrist (2000, p. 19), “antes de sua

obra, havia alguns textos isolados, que mostravam algumas curiosidades sobre tal

assunto, mas, que não mergulhavam sob a ótica da teoria do folclore”.

A dança, através do Grupo de Dança Parafolclórica Camalote, é um meio de

comunicação pelo qual se apresenta a cultura mestiça popular de Mato Grosso do Sul.

Desse modo, tal grupo se edifica como ícone representativo da cultura de MS. O grupo

Camalote possui trinta e seis integrantes permanentes, mais os “amigos do camalote”12

e

um repertório de trinta e duas danças, incluindo danças tradicionais e outras criadas

baseado nas lendas do estado, por exemplo: Minhocão e Pé de garrafa que são

narrativas, o grupo construiu uma dança representativa, que funciona ainda, como forma

de divulgação dessas narrativas.

11

Segundo Marlei Sigrist, como trabalhar a cultura brasileira em sala de aula, isolando a cultura sul-mato-

grossense? É necessário que os professores conheçam e mostrem aos alunos a cultura de Mato Grosso do

Sul. 12

As pessoas que se envolvem em atividades diversas nos espetáculos do Grupo Camalote.

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A cultura popular sul-mato-grossense está tão impregnada nos moradores, que, muitas

vezes, algumas sutilezas se tornam invisiblizadas, nesse sentido é necessário que o

sujeito que reside no estado de MS se (re) alfabetize sobre sua cultura mestiça e popular

para se (re) conhecer. A cultura é então importante porque é parte do ser humano, é ele

que constrói o seu modo de fazer e resolver as coisas, assim, apropria-se de algumas

formas peculiares. É justamente essas particularidades que vão desenhando a face do

sujeito sul-mato-grossense, criando assim, a identidade diversa do povo que habita o

MS.

4 ANÁLISE DOS CÓDIGOS SEMIÓTICOS DA DANÇA DO GRUPO

PARAFOLCLÓRICO CAMALOTE

A princípio, antes de tratar, especificamente, da análise da dança do Grupo de Dança

Parafolclórica Camalote enquanto representação de código da dança sul-mato-

grossense, para melhor compreensão, é necessário apresentar uma árvore genealógica da

análise da Semiótica da Cultura Russa ora proposta.

1. Danças Folclóricas 4. Expressão corporal

2. Música 3. Figurinos

Na representação da árvore genealógica acima, pode-se notar que a semiosfera,

conforme propõe Lotman, é o grande texto que comporta vários textos, chamados ainda

de linguagens que atuam enquanto estrutura de determinada época, que armazenam e

transferem de geração a geração determinadas informações. Em outras palavras, uma

forma de catalogar a cultura sul-mato-grossense.

As linguagens que selecionamos para nossa análise são: 1. Danças Folclóricas: Que leva

em consideração toda uma história de evolução até chegar à inscrição do Grupo

Camalote, a história do Grupo e as pesquisas acerca de danças folclóricas do estado de

MS. 2. Música: Como a música se comunica enquanto elemento de cultura. Em

Semiosfera

Língua materna

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consonância, tem-se o 3. Figurino: como foi pensado e qual diálogo faz com o

espetáculo e 4. Expressão corporal: o corpo enquanto expressão da cultura sul-mato-

grossense. Por fim, no centro do espaço semiosférico do Grupo Camalote está a sua

língua materna que traduz os códigos semióticos da dança.

Nosso foco central de análise está voltado, especificamente, para duas partes do

espetáculo, pois não se propõe aqui, uma análise exaustiva. Assim, abordaremos os

respectivos momentos do espetáculo: Parte 1: Caminhos da memória cultural e Parte 2:

Reminiscência.

A figura 1, a seguir, representa o Caminho de Piabirú, uma viagem proposta durante o

espetáculo pelo Grupo de Danças Parafolclóricas Camalote, desde o período Pré-

Colombiano até os dias atuais, usando a dança como meio de divulgação dessa história,

porém, utilizando da liberdade criativa para compor os pontos principais e a forma de

apresentação das danças.

Figura 01. Cor. Fonte: http://www.infoescola.com/historia/caminho-do-peabiru/

O caminho de piabiru era uma estrada misteriosa utilizada pelos antigos indígenas,

antes do “descobrimento” e da colonização de europeus. “Esse caminho era amplamente

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conhecido pelos índios, que o indicavam aos viajantes”. (COLAVITE e BARROS,

2009, p.88 apud MOTA 2005, p.2).

A designação lexical de piabiru, na língua tupi significa caminho de grama amassada

construído pelos incas que ligava os oceanos Atlântico e Pacífico, conectando o império

inca ao povo guarani. Nesse sentido, o termo piabiru é bastante sugestivo no sentido de

refletir os intercâmbios entre culturas latino-americanas decorrentes do convívio de

culturas mestiças. (GALDINO, 2002).

Como se observa na figura 1, o trajeto abrangia todo o litoral de S.Vicente da capitania,

o interior de São Paulo, norte de Santa Catarina, Oeste do Paraná, Mato Grosso do Sul

(seguindo o rio Paraguai), parte do Paraguai, Bolívia, até atingir o Perú. Todas as fontes

historiográficas antigas apontam a região de São Vicente como portal desse caminho

pré-colonial.

A primeira parte do espetáculo, denominada Caminhos da Memória Cultural tratava da

questão da Amazônia e dos contatos que aconteciam desde 8 mil. a. C, quando o clima

da Amazônia se tornou muito úmido e os povos Aruak (os Terena, por exemplo,

descendem dos Aruak) tiveram que migrar para o Sul. Devido a essa locomoção, os

povos andinos da região da Amazônia construíram fortalezas comerciais e militares, das

quais tinham como serventia, a troca de produtos da selva (aves exóticas, mel, ouro,

resinas, coca) com os produtos da serra (batatas, milhos e outros). Na época, a

circulação dos povos se dava através de caminhos interligados que atravessou o

continente da América do Sul, esses caminhos, considerados pelos Aruak como

sagrado, possibilitaram a exploração por expedições europeias. (COLAVITE e

BARROS, 2009 apud MOTA 2005).

A dança denominada O Condor - coreografada pelo professor Marcelo Souza - foi à

primeira selecionada pelo Grupo de Danças Parafolclóricas Camalote para retratar a

Memória da época dos caminhos sagrados. Condor é uma ave sagrada dos Andes, é um

dos filhos do Sol, no Peru representa o Mundo Superior. No figurino, observou-se o uso

de material de baixo custo, como por exemplo, o saco de lixo, para fabricação da asa do

condor. A cor do saco, preto, já faz relação direta com a cor da ave Condor. Dessa

maneira, as cores predominantes desse figurino eram: preto, cor de pele e dourado,

justamente, as cores da ave Condor.

Para melhor visualização, a seguir a foto 01.

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Foto 01. Cor. Dança Condor. Fonte: Caroline Cavalcante do Nascimento.

No que se refere à expressão corporal, notou-se que os movimentos davam prioridade

aos braços, pelo visto, o objetivo era dar ideia da ave Condor voando sob a Cordilheira

dos Andes. Observou-se ainda, que os movimentos foram adaptados para uma técnica

mais contemporânea, de modo que o coreógrafo tentou extrair dos bailarinos –

aparentemente, ainda amadores – movimentos que os seus próprios corpos pudessem

executar. A música selecionada foi à instrumental, certamente, pensada para dar leveza

à coreografia e, mais especificamente, a representação do pássaro Condor.

Curiosamente, a ideia defendida por Mikhail Bakhtin de dialogismo, faz relação direta

com a dança Condor, uma vez que a ave Condor é ícone representativo de uma

determinada época. Enquanto que as aves típicas de Mato Grosso do Sul, como Tuiuiú e

a Arara, também são ícones representativos do Estado.

A segunda dança, ainda na primeira parte do espetáculo, para retratar Os Caminhos da

Memória cultural foi a Festa do Sol dos Incas. De acordo com Cestari (2012, p. 01) “a

cerimônia tem o objetivo de atrair o sol”, uma vez que a data da festa coincide com o

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solstício de inverno no Hemisfério Sul, segundo a autora, “dia em que o astro se

encontra mais distante do eixo da Terra”.

Durante a apresentação da segunda dança, pode-se observar uma verdadeira festa dos

incas, da qual participavam muitos povos ligados ao Império. A dança foi coreografada

pelos integrantes do Grupo Camalote. Notou-se ainda, a constante suplica pela volta do

Sol. Como se pode notar na foto 02, as cores predominantes dos trajes dos dançarinos

eram compostas, principalmente, por vermelho, amarelo e azul. Nesse sentido, podemos

fazer relação com as cores do sol e do céu.

Foto 02. Cor. Dança Festa do Sol dos Incas. Fonte: Suzane Costa.

Sigrist (2002, p.47) nos lembra que:

A festa é um tipo de ritual que mantém uma oposição à rotina, traduzindo-se

em mensagens das relações sociais. Na festa, a sociedade homenageia ou

rememora personagens ou acontecimentos com os quais ela se identifica nos

momentos de rotina e, ao mesmo tempo, aproveita para aliviar suas tensões

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Nessa perspectiva, a dança Festa do Sol dos Incas, nada mais era que um ritual,

estruturado, com um código específico, cujo objetivo era obsecrar a volta do Sol. No

que se refere à expressão corporal, notou-se que os movimentos dessa dança davam

ideia de drama, sofrimento, apelo, com objetivo de que, por meio desse ritual (dança)

estruturado a sol retornaria. A música era de estilo andino, tocada com a utilização de

instrumentos como: flauta de pã13

, usada principalmente na Bolívia, Perú, Chile,

Argentina e Equador, a quena14

, o charango15

e o tambor.

A dança que encerrou a primeira parte do espetáculo foi intitulada As Amazonas. Para

compor essa dança - a integrante do Grupo e coreógrafa formada em Artes Cênicas

Suzane Costa - selecionou apenas pessoas do sexo feminino, pois, reza a lenda que

antigamente havia uma tribo indígena de nação Tupi, composta, unicamente, de

mulheres livres e autônomas, sem maridos, excelentes arqueiras e guerreiras na defesa

de sua gente, da floresta e de suas riquezas: as chamadas Icamiabas.

No livro designado Lendas e Mitos da Amazônia, que resulta de concurso temático

realizado no de 1985, o organizador da obra, José Coutinho de Oliveira reúne narrativas

dos mitos e lendas amazônicos, das quais, chamamos a atenção para a lenda das

Icamiabas - Lenda tradicional da Amazônia, recontada por Esperança Alves,

pesquisadora e produtora cultural das danças de povos da Amazônia, Pará e Maranhão.

De acordo com Esperança Alves, as Icamiabas em noites de lua cheia faziam um ritual

sagrado para a Deusa mãe-lua, chamada Iacy-uaruá, que significa Espelho da Lua. Os

convidados dessa cerimônia sagrada eram os indígenas Guacaris, vizinhos e amantes

das bélicas.

A princípio, as Icamiabas foram “batizadas” de “Amazonas” pelo Frei Gaspar de

Carvajal, cronista da épica viagem do espanhol Francisco de Orellana, que entraria para

história como o primeiro contato da “civilização” com a Amazônia.

13

Instrumento musical constituído por um conjunto de tubos fechados numa extremidade, ligados uns aos

outros em feixe ou lado a lado. FONTE: http://www.panradio.de/pt/flauta_de_pa.htm. Acessado em

18/01/2014 às 10h:17min. 14

Instrumento musical da família das flautas executado através do sopro. A quena, qina ou kena é feita de

bambu, madeira ou acrílico. FONTE: http://pt.cyclopaedia.net/wiki/Quena. Acessado em 18/01/2014 às

10h: 23min. 15

O charango ou quirquincho, do Quechua kirkinchu, tatu é um pequeno instrumento de cordas Sul-

americano da família do alaúde, de semelhança ao cavaquinho. Tem aproximadamente 66 cm de

comprimento, tradicionalmente feito com a carapaça das costas de um tatu. FONTE:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Charango. Acessado em 18/01/2014 às 10h: 31min.

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Observe a seguir, a Foto 03.

Foto 03. Cor. Dança As Amazonas. Fonte: Suzane Costa.

A dança As Amazonas contou com o figurino feito de penas, cocar, objetos estes, típicos

da cultura indígena latino-americana. Nas mãos, as dançarinas utilizavam uma arma de

longa haste e com uma ponta aguda, popularmente conhecida como flecha. A flecha,

arma que representa guerra e luta, pode-se também representar a antiga nação de

mulheres guerreiras da mitologia grega.

No que se refere à expressão corporal, notou-se que a maior parte dos movimentos,

concentrava-se nos braços, com a flecha apontada para um suposto “invasor”, assim, a

flecha representa ainda a proteção, bem como os movimentos de defesa das tribos de

Icamiabas composta apenas por mulheres guerreiras. A música foi uma mistura de

instrumental com gritos de guerra das dançarinas que representavam As Amazonas.

A relação da dança com o povo sul-mato-grossense se dá no sentido do estado possuir

um número expressivo de indígenas, que, conforme Urquiza (2013) há em MS, pelo

menos oito etnias indígenas reconhecidas, sendo elas: Atikun, Guarani kaiowá, Guarani

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Ñandeva, Guató, kadiwéu, Kiniquinau, Ofaié e terena. O índio do Centro Oeste possui

sua cultura e seu modo de viver, muitas vezes, diferente do não-índio. Nesse sentido, a

dança só reforça essa diversidade cultural mestiça de povos existentes em Mato Grosso

do Sul.

A segunda parte do espetáculo, intitulada Centro do Continente – Reminiscência. Desse

modo, o que há presente na contemporaneidade na região de MS16

é a figura do

indígena, com seus costumes, mitos, crenças, criados a partir de uma presença de

viajantes e bandeirantes europeus, que deram início ao período de exploração da região,

em especial, na figura da onça pintada. Sobejou o fetiche regional da fauna sul-mato-

grossense, evidenciada na figura da onça pintada. Diante dessa realidade construída

culturalmente, a figura do índio e da onça pintada são ícones, símbolos recorrentes,

motivo de fotos, filmagens, histórias e dentre outros. Para representar toda essa

historicidade que se tornou código da cultura popular de MS, o Grupo Camalote

selecionou duas danças que exploravam essa memória, sendo elas: Guaicuru e Onça

Pintada.

A dança Guaicuru é a referência aos povos indígenas da região, recordado na

apresentação do Grupo Camalote através do Guaicuru. De acordo com a pesquisadora

Sigristi (2002) por três séculos, os indígenas e seus cavalos apavoravam espanhóis e

portugueses nos arredores do Pantanal, sem jamais se render aos colonizadores. Assim,

os Guaicurus eram índios guerreiros, temíveis que insistiam complicar a vida de quem

se abusasse a vaguear pela região. A seguir, veja a foto 04.

16

Mato Grosso do Sul.

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Foto 04. Cor. Dança Guaicuru. Fonte: Maria Ivonete Simocelli.

A dança Guaicuru foi coreografada pelo professor Marcelo Souza. Essa parte do

espetáculo contou apenas com pessoas do sexo masculino, diferentemente da dança

anterior, As Amazonas, representada somente por mulheres, ditas guerreiras.

No que se refere à expressão corporal, observou-se na dança Guaicuru maior

concentração de movimentos fortes, marcados principalmente pelo braço e pé, dando

ideia de guerreiros, de grandes lutadores indígenas. Essa ideia de defensores, lutadores,

que a tribo Guaicuru construiu ao longo de sua historicidade é apresentada por Carlito:

(...) Nem sedentários, nem completamente nômades, outras tribos, como a

dos Guaicuru, também seguiam o fluxo das águas acompanhando a caça que

deslocava-se no movimento das enchentes e vazantes. Viventes em terra,

esses seminômades caçadores e coletores constituíam em bandos de ferozes

guerreiros que causavam apreensão entre os demais grupos nativos da região,

a quem faziam cativos (CARLITO, 2007, p 01).

Nota-se que a história dos índios Guaicuru está intrinsecamente relacionada com a

história do povo sul-mato-grossense, sobretudo do Brasil. O filme Brava Gente

Brasileira, dirigido por Lúcia Murat, faz diálogo com a Dança Guaicuru proposta pelo

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Grupo Camalote. Desse modo, o filme narra a história ocorrida no Forte Coimbra, no

Pantanal do atual Mato Grosso do Sul, no final do século XVIII, luta ocorrida entre os

índios Guaicuru e os “Colonizadores” que ocupavam o Forte. Diante dessa realidade de

dois mundos que se cruzam, porém não se “tocam”, os índios Guaicuru desconstruíram

a imagem de submissão aos desbravadores que avançavam sobre suas terras.

A musicalidade foi à instrumental, em consonância com gritos de guerra dos índios

guaicurus. Já o figurino foi representado por poucas pinturas, porém específicas da tribo

guaicuru. Além de objetos utilizados pelos índios Guaicuru, como a flecha, arma típica

que representa a luta do povo indígena.

A segunda dança dessa parte do espetáculo que procurou contemplar a Centro do

Continente – Reminiscência foi a da Onça Pintada, coreografada por Suzane Costa.

Segundo Koch “No mato sem cachorro [mas com onças]... Atravessar sertões inóspitos,

em guerra contra os índios, era um verdadeiro martírio para bandeirantes descalços, mal

equipados e famintos” (2008, p. 01).

A onça pintada é destaque para a fauna sul-mato-grossense, nesse sentido, torna-se

ícone representativo. Canto (2012, p.01), por sua vez, nos fornece dados pertinentes

acerca onça pintada/jaguar, maior felino das Américas, terceiro do mundo, segundo o

estudioso é: Um animal elegante, admirado pelo seu porte e beleza e ao mesmo tempo

temido e odiado ao longo de muitas gerações de humanos que habitaram o

continente americano. Povos originários e depois os colonizadores europeus

conviveram com este que é o maior felino das Américas de maneira, no

mínimo, pouco amistosa.

Além dos dados característicos, observou-se que durante a apresentação da dança

intitulada Onça Pintada, a bailarina que a representou procurou fazer movimentos, de

modo que desse ideia da onça pintada caminhando pelas matas de MS. Assim, a

bailarina observava e acompanhava a vítima, no caso a plateia, esperando o momento

exato de atacar.

Observem a Foto 05:

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Foto 05. Cor. Dança da Onça Pintada. Fonte: Eliseu Araújo.

A dança da Onça Pintada foi apresentada pela sua relevância que possui pelos campos

Sul de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, localidades onde se encontram o Pantanal,

região que abriga esse tipo de espécie. Nesse sentido, o Grupo Camalote procurou criar

uma dança da Onça Pintada pela representação simbólica que ela representa para a

cultura sul-mato-grossense, seja no artesanato, na música, nos vídeos, nas artes visuais e

até mesmo, na ideia de pessoas de outras localidades que se referem ao Estado de MS,

como “terra de índio e de onça”.

Por fim, entendemos que a escolha da onça pintada é justamente por representar

simbolicamente a figura do animal pantaneiro que habitam a região do Pantanal, que

vão desde as Aves (Arara azul, Tuiuiú, Garça-branca, Tucano, Periquito, Seriema,

Papagaio, etc); Os Mamíferos (Lobo-Guará, Tamanduá, Macaco-prego, Quati, Tatu,

Bicho-preguiça, etc); Peixes (Piranha, Pacu, Pintado, Dourado, etc); até chegar aos

Répteis (Jacaré-do-Pantanal, Cobra Boca-de-sapo, Jabuti, Sucuri, etc).

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CONSIDERAÇÕES EM PROCESSO

Diante dessa realidade de dança mestiça presente no cenário de Mato Grosso do Sul,

entende-se que é o código híbrido que dialoga com diversas culturas, sendo paraguaia,

indígena, boliviana, árabe, brasileira, etc. Visto que dentro da semiosfera sul-mato-

grossense há fronteiras que se entrecruzam. Nessa perspectiva é impossível mapear uma

dança como pronta, acabada, pois como a identidade, a dança é texto que está em

processo de construção, todavia, funciona para os sujeitos que habitam o MS como

texto, enquanto memória da cultura.

Acreditamos que é a mestiçagem que unge os elos de intermediação da cultura sul-

mato-grossense, pois privilegia um conjunto de procedimentos formais caracterizados

pelo cruzamento de elementos artísticos de múltiplas origens, o que inclui a forte

presença da contradição, do paradoxo, do desequilíbrio, gerando no receptor certo

estranhamento no que diz respeito aos valores, modelos e referências que se encontram

integrados nas práticas culturais.

O grupo Camalote na contemporaneidade é considerado símbolo representativo da

cultura sul-mato-grossense, reconhecido nacionalmente e internacionalmente, o Grupo

aborda danças de cunho popular, danças mestiças, pois nos espetáculos se observa a

presença de culturas diferentes em constante dialogo, sendo elas: brasileiras, paraguaias,

indígenas, bolivianas, africanas, árabes, etc. É por esse motivo que o Grupo Camalote

pode ser considerado como um gerador de códigos de danças multiculturais, que ora é

paraguaio, ora brasileiro, portanto mestiço.

REFERÊNCIAS

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http://www.cartacapital.com.br/colunistas/sustentabilidade/onca-pintada-a-hora-da

extincao-ou-da-preservacao. Último acesso em 20/12/2013 às 13h: 26min.

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________________. Entrevista ao Programa Primeira Pessoa. TV Educativa Brasil

Pantanal, 04/03/2013.

URQUIZA, A. H. A. Povos indígenas do Mato Grosso do Sul – alguns aspectos

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http://www.mcdb.org.br/materias.php?subcategoriaId=23. Último acesso em

20/12/2013 às 13h: 30min.

1 Possui mestrado pela Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Centro de Ciências Humanas (1998).

Atualmente é professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Tem experiência nas áreas de

Antropologia, com ênfase em Etnologia, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura popular, folclore;

Comunicação, atuando no tema folkcomunicacao; Educação, com pesquisa educacional e Arte, na produção de

roteiros e direção de espetáculos musicais, modalidade danças populares.(Texto retirado da Plataforma Lattes, último

acesso: 05/12/2013 às 00 h: 41min). 1 No decorrer do texto o leitor poderá se deparar com “Grupo Camalote” ou “Grupo de Danças Parafolclóricas

Camalote”, ambas as terminologias são utilizadas aqui como sinônimo. 1 O nome é inspirado em uma flor aquática do Pantanal. De acordo com o Dicionário Botânico da língua portuguesa,

camalote é uma planta ervaçal à beira dos rios. Ilhota flutuante formada de troncos soltos, raízes e plantas aquáticas e

que desce os grandes rios à mercê da corrente.