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O HOMEM CONSTRÓI SUA CULTURA E O SIGNIFICADO RELIGOSO DO
MUNDO
Zelinda Macari Tochetto
Resumo O ser humano pressente que o cosmos goza de estabilidade que advém de fontes poderosas que vão além do esforço humano. Para conseguir explicar, cria a religião objetivando sacralizar o universo e seus mistérios e explicar o que a razão humana não entende. Nasce então “a idéia do sagrado” O homem o concebe como algo que transcende a vida normal. O homem é um ser cultural e esta premissa o faz buscar sentido para o universo de coisas que o rodeia. Enquanto constrói os significados vai adquirindo hábitos que são culturais e religiosos. Se o ser humano e o mundo são culturais, a compreensão do sagrado também é cultural. Cria o homem uma relação de reciprocidade entre ele e o mundo projetando uma forma de viver para si e os outros. O homem religioso guarda determinados lugares sagrados porque estes são a manifestação do sagrado. Ali ele expressa sua fé organiza seus ritos através do universo simbólico religioso. Neste recinto aquele que crê, simbolicamente, pode comunicar-se com a divindade. A Tradição Religiosa se constitui transmitindo, oral ou escrita, a riqueza cultural religiosa que uma geração herdou das anteriores: as experiências sagradas experimentadas pelos antepassados perenizando-as. As Religiões se caracterizam pelas diferentes maneiras de vivenciar o sagrado perante o mundo, contribuindo com isso, na construção de uma sociedade melhor. A Escola Pública participa desta construção quando inclui o Ensino Religioso na educação integral do aluno.
Palavras chave: homem. cultura. sagrado.religião.
Abstract
The human being foresees that the cosmos enjoys of stability that comes from powerful sources that goes beyond human efforts. In order to be able to explain, the humanity creates the religion with the objective to make sacred the universe and its mysteries and to explain what human sense doesn’t understand. So it’s born the “idea of sacred”. The human conceives it as something that goes beyond the normal life. The human is a cultural being, and this assumption makes we search the sense to the universe of things that surrounds us. While we build the meanings, we acquire habits which are cultural and religious. If humans and the world are culture, the understanding of sacred is also culture. The human creates a relationship of reciprocity between we (the humans) and the world, projecting a way of living for himself and others. The religious man keeps some places as sacred because it is the way that sacred comes to life. At those places, we show our faith and organize our rites trough the symbolic religious universe. At those places, the ones who feel, metaphorically can communicate with the deity. The Religious Tradition hands down, orally or in scripts, the rich religious culture that a generation inherited from the previous one: the knowledge of sacred experiments done by this generation’s ancestors, making them last forever. The Religions are distinguished by the difference in the way that it sees the sacred in this world, contributing in the construction of a better society. The Public School participates of this construction when it includes the Religious Teaching in the student’s qualification.
Key words: human. culture. sacred. religion.
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I - INTRODUÇÃO
As aulas da disciplina de Ensino Religioso, nas escolas estaduais ainda são
realizadas através de práticas tradicionais onde o tempo é ocupado para transmitir
eventos religiosos e valores morais, sustentados geralmente pela doutrina cristã
fazendo com que se simplifique o entendimento do sagrado e considerando-o como
objeto verdadeiro, apenas, para algumas tradições religiosas. Então, sentiu-se a
necessidade de buscar subsídios que atendam as Diretrizes Curriculares da
disciplina, que definem como centro dos conteúdos o “sagrado” porque ele
contempla algo presente em todas as manifestações religiosas.
A escolha do tema O Sagrado surgiu da necessidade de compreender este
fenômeno, sua implicação na cultura do povo e como ele interfere na construção da
vida de cada um.
O foco da disciplina do Ensino Religioso pontua o sagrado que procura
garantir a reflexão sobre a pluralidade desse assunto, numa perspectiva de
compreender a expressão religiosa pessoal e a do outro, a diversidade do
conhecimento humano, diferentes formas de viver o sagrado e sua expressão no
universo cultural em diferentes grupos sociais.
Pressupõe-se que o sagrado é um dos elementos que constroem o mundo, e
que se apresenta como uma realidade totalmente diferente da realidade natural. Ele
é a manifestação de algo diferente que não pertence ao mundo profano. É uma
experiência vivenciada pelo homem religioso que a partir do momento da
assimilação da mesma, faz dela uma opção de vida. O sagrado e o profano são
duas maneiras diferentes de viver, assumidas pelo homem religioso ao longo de sua
história.
O objetivo é fazer uma reflexão acerca do sagrado e dos termos que
envolvem o campo do sagrado e, por meio da leitura, buscar um domínio teórico e
conceitual, construindo um diálogo com vários teóricos que se debruçaram sobre
esse tema. Outro objetivo é transformar essa abordagem teórica numa produção de
material pedagógico, usando uma linguagem acessível aos alunos de 5ª série e
construindo questões pertinentes a reflexão sobre o campo do sagrado.
Estes pesquisadores criaram formulações que entendem o sagrado como um
dos elementos que acompanha a ação cultural do homem na construção do mundo.
Se a construção do mundo é cultural, a compreensão e a explicação do sagrado é
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uma questão da cultura de cada povo. Cria-se então entre o ser humano e o
sagrado uma relação intrínseca com o racional e o irracional. Aceitá-lo, ou não, está
ligado diretamente à consciência religiosa de cada indivíduo. Com este suporte
teórico é possível pensar a função e a influência do sagrado na vida das pessoas
O trabalho teve como primeiro momento fazer a leitura, fichamento e
produção de um material teórico procurando dialogar com teóricos sobre o campo do
sagrado e conceitos relacionados a ele.
No momento seguinte foi transformar essa abordagem teórica numa produção
de material didático-pedagógico usando uma linguagem acessível aos alunos e
construindo atividades pertinentes à reflexão, com os alunos, sobre o tema
abordado.
Refletindo sobre os conceitos que envolvem o sagrado percebeu-se que na
vida do ser humano, determinados lugares são escolhidos como sagrados, porque o
homem necessita deles para manifestar a sua fé no divino e organizar os seus ritos.
Ao se reunir com seus semelhantes para reverenciar a divindade, o homem
transforma estes lugares em sagrados que passam a ser habitados por um universo
simbólico, resultado da fé que cultiva alimentada pelo mito, que é um dos suportes
importante na constituição do sagrado.
A vida é toda intermediada por símbolos. No contexto da cultura existem
universos simbólicos diferentes uns dos outros. É por meio do universo simbólico
religioso que o homem expressa, de forma racional, sua idéia de sagrado que se faz
presente na linguagem, nas cores, nos gestos, nas palavras, nas vestimentas, nos
sons, nas construções dos templos, músicas sacras, preces, mantras...
A missão principal de uma tradição religiosa é passar, de forma oral ou
escrita, tudo aquilo que uma geração herda das gerações anteriores. É a
transmissão das narrativas, dos valores espirituais, da fé, da memória, dos rituais,
dos costumes que sustentam as experiências sagradas experimentadas pelos
antepassados fazendo com que se perenizem.
As diferentes maneiras de vivenciar o sagrado são representadas no mundo
pelas tradições religiosas (religiões) que, usam seus espaços sagrados, seus rituais,
seus símbolos e seus textos sagrados para tornar concreta e racional a experiência
religiosa. O sagrado é muito mais que religião. Ele não se esgota apenas em uma ou
outra denominação religiosa, porque isso seria relativizar as instituições religiosas.
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As Diretrizes Curriculares propõem que no processo de ensino e
aprendizagem, na disciplina de Ensino Religioso deva buscar a construção e
produção do conhecimento, enfatizando o debate, o confronto de idéias, as
hipóteses possíveis, bem como a exposição competente dos conteúdos
formalizados sobre a cultura dos povos e a construção do sagrado.
II Contribuições Teóricas
1- O Sagrado
Segundo Berger, (1985 p. 48) o homem pressente que o Cosmos goza de
uma estabilidade que advém de fontes poderosas que vão além do esforço humano
e para conseguir explicar, ou justificar isso, cria a religião com a finalidade de
sacralizar o universo e seus mistérios e ao mesmo tempo, explicar a essa
complexidade que a razão humana não consegue entender. Nasce então à idéia do
sagrado O homem o concebe como um poder misterioso que está fora do
entendimento humano que transcende a vida normal, mas que, ao mesmo tempo, há
uma relação de proximidade entre eles. O sagrado não se faz presente na rotina do
cotidiano e sim, em lugares e situações significativas.
Assim o Cosmos postulado pela religião transcende e ao mesmo tempo incluí
o homem. O homem enfrenta o sagrado como uma realidade imensamente
poderosa distinta dele. Essa realidade a ele se dirige, no entanto, e coloca a sua
vida numa ordem, dotada de significado. (BERGER, 1985. p. 39).
Otto (2006, p.173) diz que entre o homem e o sagrado há uma relação
intrínseca com o racional e o irracional e aceitá-lo ou não está diretamente ligado à
consciência religiosa Como lemos no Evangelho de Lucas (1987 cap. 9, 20)
“Perguntou-lhes então: “E vós, quem dizeis que eu sou? “Pedro respondeu: “O
Cristo de Deus...”
Como vemos o profeta, o vidente, o pregador, ou discípulo fala sobre o Deus,
(o Sagrado). Na sua resposta está presente um caráter dogmático. Ele não está
interessado em provar o que diz. Ao mesmo tempo os que o ouvem aceitam-no, pois
o que foi anunciado foi dito com clareza e obviamente bem entendido e para o qual
não se exige comprovação porque o ouvinte faz o seu próprio juízo – inspiração
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sobrenatural. Se o ouvinte possui dentro de si o sentimento religioso (o irracional) as
idéias do divino, do sagrado são entendidas e subseqüentemente ocorre a adesão
ao anúncio e este passa a ser aceito racionalmente como verdadeiro (OTTO 2006
p.174).
Desde os primórdios, através de estudos dos pesquisadores sabemos que o
homem vive em grupo. É no grupo (sociedade) que ele se forma como pessoa,
constrói sua personalidade, cria seus projetos de vida e os leva a frente Há uma
relação de reciprocidade entre o homem e a sociedade: por ser ela um produto
humano é um fenômeno dialético, isto quer dizer que, simultaneamente um age
sobre o outro; um constrói e reconstrói o outro e, ao mesmo tempo um depende do
outro.
Esta ação de construir a sociedade e construir-se, o homem projeta um
mundo para si e para os seus buscando atender suas necessidades antropológicas.
Estas necessidades são atendidas quando ele pode exteriorizar-se através das
atividades físicas e mentais que se materializam pelas ações objetivas de fabricar
instrumentos, objetos, utensílios, inventando a língua, construindo valores, fundando
instituições, enriquecendo o mundo e criando sua cultura. Cultura que é um conjunto
de saberes, regras, normas, hábitos que passam de geração em geração e se
constitui um valor cognitivo, técnico e mitológico pela sua complexidade. (BERGER,
1985. p.17)
A religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser (...) é a ousada tentativa de conceber o universo interior como humanamente significativo. (BERGER, 1985. p. 41).
O homem constrói um mundo que não se repete e para tanto, instável, isto é,
destinado a mudar. Toda ação humana sofre a influência do homem, da época, do
lugar onde ocorre e dos meios que são utilizados, fazendo com que o significado, a
compreensão e a explicação do mundo não sejam as mesmas para todos em
diferentes épocas e lugares. O homem é cultural e esta premissa o faz buscar
sentido para o universo de coisas que o rodeia. Enquanto ele constrói os
significados vai adquirindo hábitos e construindo conceitos culturais e religiosos e
que não são universais e nem eternos. Por isso, a grande dificuldade de entender
porque o povo hindu reverencia os animais, os povos cristão-católicos sacralizam o
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pão apresentando-o como corpo se Deus e os mulçumanos defendem a poligamia.
Neste sentido a ação do homem de construir o mundo é cultural. Se a construção do
mundo é cultural a compreensão e a explicação do sagrado é uma questão de
cultura porque ele também faz parte da construção do mundo.
É importante refletir que, se a constituição humana é cultural e sustentada
pelas diferenças, (porque ela se constitui na soma do tempo, lugar, hábitos, crença,
valores...) é necessário pensar no outro, não o aproximando aos nossos conceitos e
valores, mas pensá-lo enquanto outro culturalmente diferente, inclusive no contexto
religioso.
A realidade cotidiana é interpretada e recebe sentido, na medida em que
corresponde às expectativas do homem e nesta perspectiva a sociedade passa a
atuar no Cosmos construindo e reconstruindo-o em benefício do coletivo. Para
Berger (1985. p.20) “É trabalhando juntos que os homens fabricam instrumentos,
inventam línguas, aderem a valores, concebem instituições...”.
E se o sagrado também constrói o mundo, Eliade nos leva a refletir que o
sagrado manifesta-se sempre como uma realidade totalmente diferente da nossa
realidade natural. Ele é a manifestação de algo diferente e que não pertence ao
nosso mundo profano. É uma experiência vivenciada pelo homem religioso e que a
partir do momento que assimilou a experiência faz dela uma opção de vida. Porque
o sagrado e o profano são duas maneiras diferentes de viver assumidas pelo
homem religioso ao longo de sua história. (ELIADE, 1992. p.20)
O profano é o comum o corriqueiro, o sagrado é incomum, especial, dá
significado particular a vida. É uma experiência que se manifesta e ao mesmo tempo
se esconde no mundo visível. O homem religioso interpreta a experiência do
sagrado dentro do seu contexto cultural. O sagrado se manifesta em todas as
culturas com algo que transcende o cotidiano. É aquilo que mantém a relação do
homem com o Transcendente e só pode ser avaliado, interpretado e entendido
dentro do contexto da cultura de cada religião. (ELIADE, 1992. p.26)
Rudolf Otto (2006, p. 155) contribui com a idéia de que o sagrado, embora
meio confusa, já estava presente nas práticas, no princípio da evolução histórico-
religiosa. Os primitivos acreditavam nos mortos, cultuavam seus antepassados,
tinham a crença na alma e a cultuavam, praticavam o feiticismo, adoravam coisas da
natureza, boas ou más, que eram favoráveis e lhe traziam benefícios ou não.
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Podemos dizer que o sagrado começa a ser entendido quando se exterioriza
e se materializa através da paisagem religiosa como a estrutura do templo, da igreja,
e dos ambientes naturais destinados ao culto. É entendido como um sistema
simbólico na cultura do nosso dia-a-dia. Pode ser reconhecido através das escrituras
sagradas, das tradições orais e dos Mitos. Reconhecido também, quando nos
remete ao sentimento religioso de caráter transcendental e irracional. É uma
inspiração que se faz presente na experiência religiosa criando uma sintonia entre o
sentimento religioso e o fenômeno religioso
O sagrado se constitui como uma presença, por meio do Mito.
Considerando as reflexões de Mircea (1992, p.86) “O mito revela a
sacralidade absoluta porque relata a atividade criadora dos deuses, desvenda a
sacralidade da obra deles (...) descreve as diversas e às vezes dramáticas irrupções
do sagrado do mundo”.
Assim o Mito se constitui como uma história verdadeira e preciosa pelo
caráter religioso e de exemplar significado. É aceito como uma história sagrada que
conta como foi criando algo que não existia nos primeiros tempos e essa existência
passa a ser transmitida de uma geração a outra e assim se torna a palavra dita. Mas
esta palavra dita, necessariamente não representa à lógica, e sim a idéia de
irracionalidade, isto é, que não se explica, mas que se significa. É sempre uma
narrativa de “criação” que pode ser o Cosmos ou uma parte dele, o nascimento de
uma espécie qualquer, um comportamento humano, ou uma instituição. Sendo ele
uma história que conta a forma como o mundo começou a existir o homem passa
explicar e justificar esse mundo e nesse processo vai obtendo a resposta da
pergunta: Porque e como as coisas começaram e vieram a existir?
O Mito é sagrado porque os personagens são sempre seres sobrenaturais
que dão caráter de sacralidade que fundamenta a existência do mundo. É
verdadeiro porque relata realmente o que aconteceu e esses acontecimentos são
comprovados pela própria existência do mundo que aí está. Desta forma ele é a
razão da intervenção da divindade no mundo. Pelo fato dele manifestar o poder da
divindade, passa a ser um modelo exemplar de todos os ritos e de todas as
atividades humanas significativas como: na alimentação, no casamento, no trabalho,
na educação, na arte, nas atividades sociais, militares, culturais econômicas e até
nas ações filosóficas.
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A partir do momento que o homem toma conhecimento do Mito, este de certa
forma, exerce um poder que o conduz a vivenciá-lo através das práticas do dia-a-
dia, dos cultos e ritos, manifestações religiosas, etc. Por isso ele é uma
manifestação da fé. Se revelar a fé, não a revela como objeto, nem como conceito e
muito menos como idéia, mas é um modo de significação do mundo. (SIMÕES,
1994. p.43)
Estas ações religiosas se encontram no nível da ação do homem e se
constituem em gestos e palavras, que manifestam diferentes atitudes religiosas
interiores carregadas de significado. São atitudes que fazem parte do campo
religioso e que vão sendo constituídas dentro de um contexto simbólico. Na medida
em que os indivíduos delas participarem compreenderão o porquê delas existirem e
o porquê de terem tal significado. O que não ocorre com as pessoas que são alheias
ou que não fazem parte desse contexto.
Sendo o Mito é um dos suportes muito importante, para não dizer o
fundamental, na constituição do sagrado ele se faz presente em um número
significativo de religiões. Os mais conhecidos abordam os temas como: a criação e
origem do mundo, origem do ser humano, da natureza e surgimento de cultos, o
mito da morte, do acaso, do outro mundo, do fim do mundo e etc.
A revelação da sacralidade do mundo, feita através do Mito, sempre
acompanhou o mais longínquo começo das religiões. Até o momento, o Mito
conseguiu resistir. Embora posteriormente a sua criação, com o avanço das
Ciências, foram introduzidas na História da Humanidade, novações, novas
descobertas, outros postulados, novas teorias, que, na maioria das vezes são
contrárias às verdades que ele ensina.
O sagrado busca dar sentido ao Cosmos. É impossível fazer comparações
entre o Mito e a Ciência. São dois enfoques, são duas teorias opostas que observam
o Universo. Possuem objetos diferentes. A Ciência apresenta o enfoque científico do
Cosmos e o Mito apresenta o enfoque do significado do Cosmos. Comparar o Mito
com a Ciência é a mesma coisa quando alguém afirma que “o céu é azul” e o outro
contesta dizendo que “a floresta é verde”. Não é a mesma discussão. Por mais
semelhantes que sejam não são a mesma coisa.
Optando-se pela perspectiva mitológica discute-se o Cosmos com as regras
da construção do Mito, que é uma forma de conhecimento. Optando-se pelo
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conhecimento científico as regras serão da racionalidade da própria Ciência. São
dois diálogos diferentes, o mitológico e o científico.
Desde a filosofia clássica até a ciência moderna tem-se procurado desbancar
a mitologia, com o discurso de que a racionalidade científica sobrepujaria as
convicções da fé, fazendo com que essas intervenções marcassem o
desmerecimento do fenômeno religioso. Isso ocorre porque não está sendo levada
em conta a complexidade que compõe o sagrado.
Os estudiosos do campo religioso se preocupam em compreender a
dimensão do sagrado em suas múltiplas dimensões, tanto na questão da percepção
individual e subjetiva de que existe um mundo que não faz parte do mundo profano,
quanto nas inúmeras manifestações que podem ser de ordem ritualística,
doutrinária, ética, social, econômica e política que compõem os rostos visíveis das
religiões. O grande desafio que está posto à Ciência é de não questionar a validade
e veracidade de um ou outro discurso religioso, sob pena de perder sua validade
científica. (MARTELLI, 1995. p.89)
Pelo fato do campo do sagrado ser multidimensional, um só ponto de vista
não dá conta de uma compreensão satisfatória. Faz-se necessário lançar mão de
um conjunto de disciplinas como a Sociologia, a História, a Psicologia, a
Antropologia etc. para uma compreensão mais ampla possível do sagrado.
É preciso levar em conta que o ser humano caracteriza-se, pela modificação,
pela experiência, pela construção, em fim, pela buscar de uma vida melhor. Ele
deseja satisfazer sua ânsia de incompletude. Atingir a perfeição. Tudo isso faz parte
da cultura e cada vez que o homem melhora ou modifica o mundo ocorre um
processo de mudança da cultura. Neste mesmo processo está implícita a
compreensão do sagrado, que vai modificando e sendo construído na reorganização
e modificação da sociedade.
2. Espaço Sagrado
“Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; Tira as sandálias de teus
pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa”. (Êxodo, cap.3,5)
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O espaço significa uma dimensão infinita que pode ser medida. Tudo o que
existe constrói o espaço: o ar, líquidos, pessoas, natureza, água, terra, objetos, tudo.
O universo que é finito está dentro do espaço infinito. (PASTRO, 1999. p.13)
No sentido religioso quando se fala de espaço refere-se ao Universo, ao
Cosmos, um lugar finito e é nesse espaço finito que o sagrado, para se tornar
concreto e perceptível ao homem, manifesta-se e para se tornar presente utiliza-se
das coisas que compõe o espaço.
Para o homem religioso, no universo existem lugares sagrados que são
diferentes uns dos outros porque têm significados diferentes. O que torna estes
lugares diferentes é o fato de lá ocorrer à revelação da divindade - o sagrado. A
revelação pode ser um sinal qualquer; qualquer coisa desde que não pertença a
este mundo profano As primeiras religiões já consideravam sinal tudo o que
despertasse o sentimento do sagrado no ser humano.
O anseio, o sussurro no coração, a voz interior, a consciência religiosa podem
ser considerados testemunhos interiores do sagrado, mas isto não basta. É
necessário que ele se revele exteriormente em sinais como: eventos, fatos, pessoas,
etc. Esta manifestação é caracterizada como divinação que não pode ser fruto do
entusiasmo fantasioso, misticismo ou romantismo, como também não tem nada
ligado às leis naturais e muito menos explicações racionais, mas o que interessa é o
seu significado no contexto em que ocorre reconhecido pela consciência religiosa
amadurecida. O homem religioso deve ter o cuidado em diferenciar os elementos
religiosos, que fazem parte da experiência religiosa, dos elementos que são comuns
a experiência humana condicionada à cultura. (OTTO, 2006. p. 180)
Devem ser observados alguns critérios para distinguir uma experiência da
outra: a experiência do sagrado se manifesta com inteira independência das
influências sociais, culturais, econômicas e psicológicas. Não se funda numa
impressão passageira puramente subjetiva, mas nasce da convicção de um
encontro com uma realidade superior, (divina) que impõe com autoridade, uma
mensagem ou uma mudança de vida, atingindo o homem no seu mais profundo ser,
transformando-o interiormente e através dele transforma a sociedade. Por isso não
se confunde com experiências humanas que estão envolvidos elementos de
estética, de moral ou ligado ao social. (ELIADE, 1992. p.61)
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E hoje, com as mudanças sociais, especialmente as condições particulares de
trabalho, da vida criada pela industrialização, urbanização e do grande avanço da
tecnologia, a experiência do sagrado torna-se cada vez mais difícil de ser
identificada.
A dessacralização (a não importância do sagrado) criada pelo mundo
moderno vem dificultando a prática religiosa, envolvendo excessivamente as
pessoas no trabalho, no consumo, na busca do bem-estar material inibindo o
sentimento religioso e fazendo com que a consciência religiosa fique embotada na
mente humana. (ELIADE,1992. p.19)
Todas as religiões possuem seus espaços sagrados, seus templos, igrejas,
capelas impregnados de símbolos, lugar santo, aonde o homem religioso vai com a
sua comunidade construir uma relação com a divindade por meio de imagens,
gestos, cantos, orações e rituais próprios. Podemos dizer que para as religiões o
espaço sagrado é marcado por uma experiência sagrada.
Determinados lugares são escolhidos como sagrados porque o homem
necessita deles para manifestar a sua fé no divino e organizar os seus ritos. Ao se
reunir com seus semelhantes para reverenciar a divindade, estes lugares se
transformam em sagrados e são habitados por um universo simbólico, resultado da
fé que cultiva.
As religiões participam de espaços diferentes daqueles das aglomerações
humanas comuns. Determinados espaços, que no mundo eram profanos, para as
religiões transformam-se em sagrados porque lá a pessoa sentiu e vivenciou a
presença do Transcendente, do seu Deus. Neste recinto, aquele que crê, tem a
possibilidade de simbolicamente, comunicar-se com o divino. A sua fé e os rituais de
que participa, criam um ambiente sagrado que a divindade pode descer a Terra e o
homem pode subir ao Céu. Este sentimento, esta consciência é que se denomina de
“experiência do transcendente”.
No espaço sagrado o homem religioso vive o tempo sagrado que sempre se
torna presente e atuante. É retomado de forma circular com intenção de renovar o
mundo periodicamente e essa renovação se faz presente através dos ritos. Temos
como exemplo, no cristianismo os ciclos litúrgicos que são naturais e marcados,
revivem e comemoram a experiência do Cristo. Eles são circulares. Enquanto que o
tempo profano é contínuo, é seqüencial e não tem retorno.
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Por isso é natural que o homem religioso sacralize certos objetos e certos
tempos para com eles e neles, de forma particular, criar uma relação como sagrado.
...o sagrado influencia a compreensão do mundo e a maneira como o homem religioso vive seu cotidiano. Assim, o que para alguns é normal e corriqueiro, para outros é encantador, sublime, extraordinário, repleto de importância e, portanto, merecedor de tratamento diferenciando (DIRETRIZES CURRICULARES, 2006. p.25)
Os lugares sagrados (santos) que as religiões preservam não são produto da
fantasia geral das massas, mas sim visões de natureza profética – vivência da
experiência do sagrado. Somente o vidente tem a experiência original do sagrado.
Segundo Otto “Somente quando e onde esse ser ‘revelou’, por intermédio daquele, é
que se cria um culto e uma comunidade cultural” (2006, p.163). O sagrado sempre
tem um vidente. Sem ele não existe sagrado. A experiência, o assombro surge das
profundezas psíquicas do vidente e sua eclosão é quase toda involuntária que
desperta um imaginário próprio do momento, mas que para ele é inexplicável. O
vidente, neste estado, pode manifestar seus sentimentos exclamando: “O que é
isso?” “Que lugar é esse?” Há uma sensação de que ali algo não é natural, mas
ligado ao transcendente. Tal experiência basta para marcar o lugar sagrado e
transformá-lo em local de adoração inclusive dar início a cultos... E para melhor
elucidar nada melhor do que nos diz o livro do Gênesis: “como é arrepiante este
lugar. É aqui que mora Elohin”. (GÊNESIS, cap. 28,17)
Nestes sentimentos de estranheza e de mistério, Otto (2006) observa que não
é sentir a sensação de que naquele momento há a presença de fantasmas, mas sim
a presença da dúvida, isto é a presença de algo que está ali, mas inexplicável. Uma
sensação de respeito misturado com medo, incerteza e ao mesmo tempo é sentir
verdadeiramente o sagrado – “numinoso”.
3. Universo Simbólico
Um símbolo é aquilo que une duas coisas separadas, que ao mesmo tempo
se admiram. Uma parte do símbolo remete a outra, como exemplo: o luar é uma
realidade específica que tem suas próprias características, mas que nos leva a
outros significados: beleza, saudade, lembrança, mistério... O símbolo é um
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elemento do mundo real que recebe outro significado “transiginificado”, isto é algo
que vai além do seu sentido material.
O simbólico, antes de tudo visa esclarecer a dimensão transcendente da vida
humana, como também a continuidade da religião, que depende da vitalidade com
que os símbolos são vivenciados.
O que diferencia o ser humano das outras espécies é a capacidade de
produzir símbolos e construir o mundo, em experiências empíricas e sensoriais que
só existem na sua imaginação e transcendência.
A vida humana é toda intermediada por símbolos. No contexto da cultura
existem universos simbólicos diferentes entre eles. É por meio do universo simbólico
religioso que o homem expressa, de forma racional, sua idéia de sagrado.
O simbólico, no campo do sagrado está presente: na linguagem, cores,
gestos, palavras, vestimentas, sons, nas construções dos templos, músicas sacras,
preces, mantras... Toda religião é constituída por um universo cultural simbólico que
liga o ser humano com o Mistério, com o Transcendente, com a Divindade. Este
contato é mantido pelos mitos (histórias sagradas) que são construídos sobre
códigos simbólicos e de rituais que envolvem e mantém vivo o desejo que o ser
humano tem de relacionar-se com a divindade. Cada religião agrega aos símbolos,
significados diferentes e particulares. Com já mencionamos, a compreensão dos
significados destes símbolos é possível no contexto da cultura em que surgiram
estes símbolos.
As Diretrizes Curriculares (2006, p.28) do Ensino Religioso quando remetem à
idéia do simbólico o fazem afirmando que: “Os símbolos são linguagens que
expressam sentidos, comunicam e exercem papel relevante para a vida imaginativa
e para a constituição das diferentes religiões no mundo”.
4. O rito sagrado
É através do rito sagrado que o homem concretiza e reflete sobre o mito. Ele
torna presente as energias míticas dos primeiros tempos. Através dele o homem
repete a ação da divindade, reconhece o sagrado na origem das coisas. O começo
do universo se torna presente nas celebrações rituais dando sentido às atividades
no tempo e espaço profanos.
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A maioria das religiões é marcada por três ritos fundamentais onde estão
incorporados todos os demais:
Os ritos de passagem são aqueles que marcam a passagem do homem de
determinado momento da vida para outro, como o nascimento, casamento, iniciação
da puberdade, morte etc. Estes ritos são cerimônias rituais de significados
simbólicos.
Os ritos de participação permitem que o homem ou a sua comunidade entre
em contato com a divindade pela oração, sacrifício, consagrações, etc.
Os ritos oracionais são aqueles que evocam, agradecem, louvam ou pedem a
divindade ajuda e proteção. São comuns em todas as religiões como missa, culto,
novenas, romarias, etc.
O homem moderno, como ainda tem na sua origem traços míticos e
religiosos, quer assumir uma atitude de “a-religioso” e passa a ter uma vivência
disfarçada de ritos que são desacralizados porque estão apenas relacionados com
bens materiais e nada têm a ver com o sagrado, como a festa da passagem do ano
novo, casamento, nascimento, etc... (ELIADE, 1992. p.19)
5. Tradições Religiosas
As diferentes maneiras de vivenciar o sagrado são representadas no mundo
pelas tradições religiosas (religiões) que, usam seus espaços sagrados, seus rituais,
seus símbolos e seus textos sagrados para tornar concreta e racional a experiência
do sagrado.
Uma religião geralmente nasce de uma experiência extraordinária do sagrado
experimentada por determinada pessoa. Como? Com o passar do tempo a
experiência passa a ser conhecida, ganha espaço, ganha credibilidade e aumentam
os adeptos. É necessário então institucionalizá-la, criando normas que regularize a
doutrina, se defina os princípios, a prática do culto e formação da comunidade
religiosa.
A religião não é um fenômeno que ocorre individualmente nas pessoas, não é
apenas uma fé individual, mas exige o compromisso de um grupo, de um povo que
acredita na mesma fé, absorve os mesmos princípios, segue as mesmas normas
constituindo assim um fato social, que se faz presente no mundo através do homem,
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no seu viver cotidiano. Há uma relação bem próxima entre a religião e a prática da
solidariedade social. A existência da religião dentro da sociedade se justifica se ela
estiver envolvida com as atividades humanas e que se propõe construir a ordem de
um mundo sagrado, capaz de se manter presente apesar da ameaça do caos.
Qualquer que seja a religião, qualquer que seja sua legitimação, ela se justifica na
prática coletiva. (BERGER, 1985. p.85)
A escolha da crença é pessoal, mas a prática é coletivamente. A fé se
concretiza convivendo com os outros. Pressupõe-se como requisito primordial a
prática coletiva, o compromisso de viver a fé no sagrado que se manifestou no meio
povo. Então, o coletivo se reúne entorno da crença, do sistema de normas, dos ritos
e principalmente em torno das histórias sagradas, que relatam a origem do Universo,
da Terra e do Homem, inclusive a contundente dúvida que perturba o ser humano: o
significado do pós-morte.
Por isso Berger diz que a sociedade é constituída de pessoas que se unem
perante a morte. E estas pessoas aceitam e aderem à religião na medida em que ela
orienta e significa o fenômeno da morte. Os seres humanos se envolvem na
materialidade da vida até que em determinado momento, se deparam como
fenômeno da morte. Quando isso acontece retoma seus velhos propósitos e procura
buscar no coletivo, novamente, motivos que justifiquem sua existência e explique e
signifique o fim da vida. (BERGER, 1985. p. 64)
A missão principal de uma tradição religiosa é passar, de forma oral ou
escrita, tudo aquilo que uma geração herda das gerações anteriores. É a
transmissão das narrativas, dos valores espirituais, da fé, da memória, dos rituais,
dos costumes que sustentam as experiências sagradas experimentadas pelos
antepassados fazendo com que se perenizem.
As expressões do sagrado diferem de cultura para cultura, ou seja, sua
apreensão pode ser realizada somente de acordo com cada realidade. As religiões
se apresentam como modalidades do sagrado que se revelam em tramas históricas
e em espaços de representações marcados por rupturas. São realidades
estruturadas conforme uma ontologia original. (DCE ,2006. P.25)
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III – Contribuições práticas
A pesquisa teórica conduziu-nos à produção de uma Unidade Didática que foi
planejada para Colégio Estadual Tancredo Neves e executada no mesmo, junto aos
alunos da 5ª série do período da manhã, tendo como título “As manifestações do
sagrado e o respeito à diversidade religiosa.”
O Colégio Estadual Tancredo Neves, Ensino Fundamental e Médio, está
localizado na Região Sudoeste do Estado do Paraná, no município de Francisco
Beltrão, na zona norte da cidade, distante mais de 7 km do centro desta, tendo o
Bairro Pinheirinho como centro de mais 8 bairros, conhecida como Cidade Norte.
A região Sudoeste iniciou o processo de colonização na década de 1950 pela
organização da estrutura fundiária em pequenas propriedades agrícolas. Somente a
partir da década de 1970 com o processo de industrialização do país acentuando o
êxodo rural, aglomerando um número maior de pessoas ao redor das cidades
buscando novas oportunidades de trabalho, com rendas fixas, mensais, diárias,
semanais, aconteceu o processo político na busca e incentivo para a industrialização
do município, proporcionando maior número de empregos para atender a demanda
da região.
A região onde está localizado o Colégio foi privilegiada pela sua estrutura
geográfica para desenvolver e criar um parque industrial, oportunidade que deu
origem a outros bairros, totalizando atualmente uma população de mais de 20.000
habitantes.
As famílias que ali se estabeleceram na sua maioria constituem-se da classe
trabalhadora, empregados de agroindústrias nos setores avícolas, madeireiro e
laticínio, como também do pequeno comércio e de alguns serviços. (PROJETO
POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2008)
Conforme dados obtidos através de entrevistas e questionários feitos junto
aos alunos da 5ª série e suas famílias, percebeu-se que a região abrangida pelo
Colégio apresenta uma realidade multicultural tendo como ponto forte o religioso.
Um número significativo de alunos, desta turma, vive dentro de uma estrutura
familiar composta por pai, mãe e filhos, embora a mãe também trabalhe fora e
moram na própria casa.
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A maioria das famílias é seguidora da religião católica, mas há uma presença
significativa de outras religiões, principalmente as pentecostais.
Estas famílias demonstraram ter uma vivência religiosa muito forte. Os pais
dizem (independente da religião) “que o sagrado faz parte da vida das pessoas e
este sagrado é vivenciado na religião”. “É necessário seguir uma religião porque ela
dá sentido e direção para a vida e ajuda a enfrentar as dificuldades”.
A família envolve os filhos com o sagrado desde o nascimento e a partir do
momento que começam a entender as coisas são introduzidos nos ensinamentos da
religião através da catequese e escolinhas bíblicas. Este aprendizado é entendido,
pelos pais, como a contribuição da religião na educação dos filhos. Dizem eles que
“É bom freqüentar a igreja (lugar sagrado) porque lá se venera e vivencia o sagrado
que é representado em símbolos, ritos, orações e cânticos, os quais, por sua vez,
contribuem para alimentar e reforçar o sentimento religioso”.
Tanto os pais como os filhos consideram a igreja como local sagrado, além de
considerarem outros lugares como sagrado, nos mais diversos espaços como a
casa de cada pessoa, o local de trabalho, a escola. Alguns alunos consideram ainda
a floresta, os rios, as montanhas, enfim, a natureza como um todo.
Para a disciplina de Ensino Religioso ao abordar os lugares sagrados em
diferentes culturas surge uma oportunidade de um trabalho interdisciplinar com
Geografia que poderá auxiliar na compreensão daquele lugar como sagrado e a
História contribuirá ao mostrar as circunstâncias históricas que envolvem os povos e
suas crenças, o surgimento destas culturas religiosas e como foram instituídos os
símbolos destas crenças.
Os filhos manifestam uma grande ligação afetiva com os pais. Procuram
seguir suas orientações e quando não estão na escola, no horário contrário e os pais
estão trabalhando, eles ficam em casa, fazendo tarefas e cumprindo as
determinações pré-definidas com os pais. Aprendem com os mais velhos a prática
do bem e da religião seguindo seus exemplos e conselhos.
Percebeu-se que os valores religiosos têm uma grande influência na
manutenção da família. A crença no sagrado (Deus) possibilita uma convivência
salutar entre pais e filhos embora com algumas dificuldades com os filhos
adolescentes. Mas sentem que atualmente, com todos os avanços da técnica e do
conhecimento há um certo afastamento de Deus. A vida moderna tornou tudo muito
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fácil e dispensa com a maior naturalidade a prática da religiosidade. O Ser Superior
foi substituído pelos bens materiais e, segundo eles, por dispensar Deus da vida, o
resultado está na diminuição da religiosidade do povo, nas muitas doenças
desconhecidas e na violência presentes no mundo. Esta realidade preocupa muito
fazendo-os temer pelo futuro e pela educação de seus filhos. Sentem-se
angustiados e buscam na religião explicações, apoio e conforto para suas angústias.
A sociedade pós-industrial contribuiu para a dessacralização e as mudanças
sociais por causa das diferentes condições de trabalho promovidas pela
industrialização, urbanização e tecnificação fazendo com que a experiência do
sagrado se tornasse cada vez menos possível deixando um vazio e uma angústia
existencial na vida do ser humano. Paradoxalmente percebe-se um declínio das
práticas religiosas, mas ao mesmo tempo aumenta a “fome” pelo sobrenatural, pela
busca da transcendência.
Perceber-se que há uma relação muito forte entre religiosidade e a diminuição
do estado de ansiedade que as pessoas são submetidas quando os pais se
manifestaram dizendo que a vivência da religião ou “experiência religiosa” serve
para superar o estresse provocado pelas insatisfações de muitas necessidades que
a sociedade de consumo cria atualmente.
Para Capra (1997) é extremamente útil e estimulante estudar a complexidade
do envolvimento entre meio ambiente, mente e corpo e espírito. Vivemos numa
sociedade que enfatiza excessivamente valores de peso monetário e menospreza o
comportamento e o efeito que provoca nas pessoas, em relação à aquisição de
renda, de consumo e de investimento. Esta sociedade esquece-se de lidar com os
valores subjacentes ao contexto cultural provocando muitos problemas sociais e
econômicos que têm suas raízes nos dolorosos ajustamentos de pessoas aos
valores da nossa época.
A sociedade está constituída sobre a premissa do “ter” em detrimento do “ser”
e sua evolução, inclusive o sistema econômico está ligado a valores que são usados
para todas as manifestações. Os valores que inspiram a vida determinam a visão de
mundo e um estilo de conduta. Influenciam, inclusive na organização e
administração dos princípios religiosos, dos desempenhos científicos e dos usos e
das finalidades das tecnologias.
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Esta sociedade se ocupa na produção, distribuição e consumo das riquezas
sob os conceitos de eficiência, produtividade e lucro. Cria um padrão de vida
associado ao consumo que por sua vez é associado a um padrão máximo de
produção. Esta realidade torna evidente que dinheiro e bens materiais, por si só, não
proporcionam a satisfação interior das pessoas. Os seres humanos aspiram também
ao espiritual. Por isso precisam buscar valores e estilos de vida que sejam
profundamente humanos.
Outro ponto levantado pelos alunos foi que sua religião é portadora da
verdade. Em Costella (2004) buscamos esclarecer este pensamento. No cenário
mundial que vem diariamente revolucionar nossos hábitos mentais e sociais
apresentando novas tecnologias de comunicação de multimídias é fundamental que
as culturas e as religiões quando tratam de seus princípios e fundamentos devem
fazê-los de forma a reconhecer que “não existe uma única verdade, reconhecida por
todos: mas diferentes verdades, e vias de salvação” (COSTELLA, 2004. p.100).
Cada religião possui seus fatos e seus valores que fazem parte do universo cultural
humano, mas estes fatos e estes valores organizam a vida particular dos seguidores
a partir do ponto de vista da religião.
Poucos alunos manifestaram que na escola não haveria a necessidade do
Ensino religioso, eles freqüentam a catequese e a escolhinha bíblica e isto é
suficiente.
A relação educativa na escola entre professor do Ensino Religioso e aluno
não deve oscilar entre catequese, cultura e informação objetiva. A religião é
confissão de fé ou de crença. Ao Ensino Religioso interessa os fatos religiosos e
momentos significativos no decorrer da vida do povo. Aquilo que para a religião é
objeto de fé para a disciplina passa a ser objeto de estudo.
O Ensino Religioso tem como objetivo apresentar fatos religiosos levando o
aluno a identificá-los, descrevê-los e compará-los para poder diferenciá-los e,
posteriormente, entender os significados e os valores que sustentam as religiões.
A Unidade Didática buscou oferecer aos alunos uma oportunidade para que
fossem capazes de entender a diversidade cultural e que o religioso representa um
dos elementos na constituição do sujeito. Sob este ponto de vista o conteúdo
trabalhado pretendeu contribuir para o desenvolvimento do ser humano.
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Ao tratarmos o assunto “as manifestações do sagrado e o respeito à
diversidade religiosa”, os alunos foram muito receptivos. Ouviram com muito
interesse, participaram das discussões e fizeram todas as atividades. Este
envolvimento parece estar ligado ao ambiente religioso em que estão envolvidas as
famílias destes alunos e também da boa aceitação que a disciplina está tendo na
escola, pois a maioria manifestou gostar, aprovar e considerá-la necessária.
Afirmaram que aprendem sobre a vida, sobre outras religiões, conhecê-las e
respeitá-las. Lembrando que quando falam de outras religiões estão se referindo às
religiões que têm sua origem no Cristianismo.
A aprendizagem ocorre quando o trabalho e a relação educativa que
acontecem na sala de aula constroem-se no convívio do professor com seus alunos.
Neste aspecto é fundamental a ação valorativa do universo cultural do próprio aluno
partindo das manifestações religiosas ou expressões do sagrado que são
conhecidas ou pouco conhecidas por eles, para que este conhecimento empírico
passe para um conhecimento mais elaborado, superando o nível do senso comum.
Os alunos manifestaram espontaneamente o que sabiam e o que julgavam
ser bom e correto, no campo do religioso. Foram categóricos ao afirmar sobre a
necessidade da religiosidade na vida das pessoas, mas apresentaram
desconhecimento e muitas dúvidas quanto ao direito, a liberdade de escolha da
religião e a validade da existência de outras religiões. Quanto às manifestações
religiosas não há uma disputa entre os alunos e sim uma aceitação e até
convivência pacífica quando se trata de religiões cristãs. Sobre as religiões de
matrizes africanas manifestaram descrença, pouco caso e cinismo. Pela sua forma
de se expressarem, demonstraram não considerá-las como religiões. A
compreensão que eles têm, quando falam sobre o Candomblé, por exemplo, é de
uma atitude equivocada. A maioria não conhece a religião e o que sabem é o que
está presente no senso comum do povo: feitiçaria, macumba, expressão do mal, etc.
Esta forma de conceber outras religiões abre espaço para a semente da intolerância
religiosa.
É uma realidade, não podemos negar que na convivência entre grupos
diferentes, muitas vezes, manifesta-se o preconceito e trabalhar para superá-lo é um
dos grandes desafios da escola, que tem a oportunidade de usar seu espaço para
por em discussão o sagrado através do currículo da disciplina do Ensino Religioso.
No Ensino Religioso o foco precisa ser os pontos semelhantes entre as religiões e
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enaltecê-los, deixando as diferenças de lado. Por exemplo, a idéia de que Deus é de
todos e não só de um único povo. Ao estudar as religiões deve ter como intuito a
melhor convivência com os diferentes e não embasar seus futuros ataque que em
nada favorecem a tolerância religiosa.
Este trabalho se consolidará na medida em que o corpo docente também
contribua para que, no cotidiano da escola, o respeito à diversidade seja vivenciado,
favorecendo o respeito à diversidade cultural religiosa e suas relações éticas sociais,
procurando adotar medidas de repúdio a qualquer manifestação de preconceito e
discriminação. Envolto neste ambiente, o aluno começa a construir o seu saber e a
entender como é constituída nossa cultura marcada inclusive pelo religioso.
As Diretrizes Curriculares da disciplina de Ensino Religioso afirmam que o
processo de ensino aprendizagem deve orientar-se pela construção e produção do
conhecimento que tem como base o debate, apresentação de hipóteses divergentes,
provocação da dúvida, o confronto de idéias e de informações discordantes,
estabelecendo assim, uma relação saudável frente ao que o aluno conhece e as
manifestações do sagrado levando-o a perceber que o sagrado não se caracteriza
como uma propriedade de um grupo exclusivo, mas faz parte da construção
histórico-social do patrimônio cultural da humanidade.
Outro desafio da disciplina de Ensino Religioso será trazer os alunos para
uma reflexão sobre o respeito da liberdade de consciência e à escolha da religião
que o cidadão tem, apostando que isso impregne o cotidiano deles. Valorizar todos
os aspectos pertinentes ao campo do sagrado e da diversidade sociocultural, além
de perceber que o sagrado é muito mais que religião. Ele não se esgota apenas em
uma ou outra denominação religiosa, porque isso seria relativizar as instituições
religiosas. O sagrado não é delimitado exclusivamente pelo religioso. São conceitos
muito afins, mas um não esgota o outro. O sagrado está no religioso, mas o religioso
não contempla todo o sagrado.
Estão lançados, neste cenário, desafios também às religiões que procurem
em seus projetos de ressurgimento da espiritualidade primar pela dignidade humana
no mundo contemporâneo.
Como o Ensino Religioso tornou-se obrigatório nas escolas públicas, o
professor que administra esta disciplina deve dominar um conhecimento,
entendendo que o sagrado é o centro das diferentes manifestações religiosas,
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permitir a reflexão sobre a realidade desse assunto por ser um conteúdo complexo,
buscado entender sua própria religiosidade e a do outro através das diferentes
formas de ver o sagrado.
IV – CONCLUSÃO
Se, de alguma forma este trabalho contribuiu para compreender melhor o
campo do sagrado e as implicações que ele tem no percurso da vida das pessoas
religiosas, sabemos que ele não se encerra aqui, pois o tema é complexo e permite
muitos olhares.
O primeiro olhar permitiu considerar que o suporte teórico é primordial para
entender a complexidade da significação do sagrado.
Ao ser focalizada a questão teórica conclui-se que o homem é cultural e esta
premissa o faz buscar e dar sentido para o universo de coisas que estão no seu
entorno. Enquanto constrói os significados vai incorporando hábitos e construindo
conceitos culturais e religiosos que não são universais e nem eternos. Esta ação
criativa da cultura inclui a compreensão e a explicação do sagrado.
Como o sagrado também faz parte da significação do mundo, ele se
manifesta como uma realidade diferente da realidade natural. É algo que não
pertence ao mundo profano. É uma experiência vivenciada pelo homem religioso
que a partir do momento que assimilou esta experiência faz dela uma opção de vida.
Porque o sagrado e o profano são duas maneiras que diferem na forma de viver,
assumidas pelo homem religioso. A experiência do sagrado se exterioriza, quando
passa a ser entendida através da paisagem religiosa como os templos, as igrejas, as
manifestações religiosas e os ambientes naturais destinados ao culto.
Toda religião é constituída por um universo cultural simbólico que liga o ser
humano com o Transcendente. O simbólico religioso está presente: na linguagem da
comunicação sagrada, nas cores, nos gestos, nos textos sagrados, nas vestes, nas
construções dos templos, músicas sacras, preces e nos rituais. Os espaços
sagrados são representados pelos templos, igrejas, grupas etc. Estes lugares
impregnados de símbolos são freqüentados pelo homem religioso juntamente com
sua comunidade. Os símbolos e os rituais, reflexo da cultura de cada povo,
permitem que o homem construa uma relação de mistério, de respeito, de proteção,
de receio, com a divindade
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O sagrado se constitui pelo Mito, presente em um número significativo de
religiões. Não é oportuno fazer comparações entre o Mito e a Ciência. Pois, são dois
diálogos diferentes, o mitológico e o científico.
Em relação ao público envolvido na unidade didática usa-se concluir que os
valores religiosos hoje, ainda têm grande influência na manutenção da família. A
crença no sagrado possibilita uma convivência salutar entre pais e filhos embora se
percebam algumas dificuldades com os filhos adolescentes. As chamadas
tecnologias da comunicação foram incorporadas no cotidiano das pessoas e
contribuem na globalização do campo religioso também. Essas tecnologias fazem
parte, principalmente na vida dos jovens, inclusive na dimensão religiosa. As
linguagens do computador, da internet e de outras tecnologias de informação estão
mudando nas pessoas, a maneira de estar no mundo, além de mudarem a forma
das religiões se apresentarem e se constituírem no mundo.
Parece contraditório, mas esses avanços da técnica e do conhecimento há
por parte das pessoas, um certo afastamento de Deus. A vida moderna tornou tudo
muito fácil, cômodo e superficial que dispensa com a maior naturalidade a busca e a
prática da religiosidade. A divindade foi substituída pelos bens materiais, pelo
consumismo, a busca do prazer, o desrespeito a natureza e a vida. Essas escolhas
trazem os resultados que a sociedade vivencia no presente: a ausência da
espiritualidade nas pessoas, o surgimento de inúmeras doenças desconhecidas a
violência e a banalização da vida e muitos outros.
Esta realidade preocupa muitos pais, fazendo-os temer pelo futuro e pela
educação de seus filhos. Estes se sentem angustiados e procuram buscar na
religião explicações, apoio e conforto para suas angústias. Isso faz com que exista
uma relação muito forte entre religiosidade e a diminuição do estado de ansiedade a
que são submetidos. A vivência da religião ou “experiência religiosa” ajuda a superar
o estresse provocado pelas insatisfações de muitas necessidades que a sociedade
de consumo cria hoje.
Quanto às manifestações religiosas pode-se dizer que há uma aparente e
silenciosa aceitação e até convivência pacifica quando se trata de religiões cristãs.
Sobre as religiões afro-brasileiras as manifestações são de descrença e até de
deboche. Não são conhecidas, por isso não são levadas à sério e permitindo muitas
situações de intolerância religiosa principalmente da parte de evangélicos e
católicos.
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O desafio da disciplina de Ensino Religioso será trazer os alunos para uma
reflexão sobre o respeito à liberdade de consciência e à escolha da religião que o
cidadão tem superar o preconceito, apontando, numa proposta que, no cotidiano da
escola, se oportunize a prática da convivência da diversidade cultural religiosa
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