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O Imortal Vanessa Orgélio

O Imortal

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1º e 2º capítulos de O Imortal

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A todos que me deram apoio e me incentivaram a continuar.

À minha mãe que ficou tão empolgada com essa estória.

E ao meu esposo Rodrigo que contribui com tantas idéias.

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O Imortal

O suor escorria pelo meu rosto misturado às gotas do sangue que jorrava do ferimento em minha

testa.

O corte em meu braço esquerdo latejava enquanto golfadas de sangue saiam em cada movimento

que eu fazia. Por vários momentos achei que não conseguiria. Ele era bom demais, teve séculos

para praticar. Eu, um rélis mortal, me atrevia a arrancar-lhe a espada (...) mas então, quando

pensei ser meu fim, um brilho diferente surgiu em seu olhar, e a espada, que ele segurava tão

avidamente, caiu de suas mãos.

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O Imortal

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Índice

Prólogo ...............................................................05

Capítulo I – Minha infância.......................................06

Capítulo II – Treinamento..........................................13

Capítulo III –A revelação..........................................30

Capítulo IV – Morfeu.................................................39

Capítulo V – A busca.................................................47

Capítulo VI – O retorno............................................53

Capítulo VII – Rose.....................................................59

Capítulo VIII – Amor .................................................66

Capítulo IX – O Plano..............................................72

Capítulo X – A Fuga...................................................83

Capítulo XI - Esperança?............................................89

Capítulo XII - Vida Nova............................................96

Capítulo XIII - De volta ao Passado................................106

Capítulo XIV – Destino..................................................113

Capítulo XV – A Batalha...............................................121

Capítulo XVI – O Imortal.................................................131

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Prólogo

Destino. Poucas pessoas conhecem o verdadeiro significado desta palavra cruel. Eu sou uma

dessas poucas pessoas. Meu nome é Maxwell. Maxwell de Mount’alt, e sou imortal. Minha história

não é nada feliz e você deve estar se perguntando por que digo isso se a imortalidade é um dom que

muitos gostariam de ter; mas nada nessa vida é de graça. Tudo tem um preço. E o meu foi alto

demais.

Gostaria de conhecer minha história? Então prepare-se para uma longa narrativa, mas de

qualquer forma – que ironia! – tenho toda uma eternidade pra contá-la. No momento quero apenas

que saiba que escrevo essas linhas com as mãos ainda manchadas com o sangue do meu próprio pai.

“A Colina do Refúgio”. Esse nome nunca fez tanto sentido para mim. Daqui vejo as ondas do

mar quebrando aos pés do precipício, uma imagem linda e carregada de lembranças. O mar azul até

aonde a vista alcança encontrando-se com o azul claro do céu, que agora já recebe tons alaranjados

do pôr-do-sol, as aves que voam sem destino... Hoje me sinto como elas, mas nem sempre foi assim.

Olho pro céu, fecho meus olhos e sinto o vento soprar entorpecendo meu corpo com aquela deliciosa

sensação de liberdade. Ah! Liberdade... Palavra esta que lembra minha infância...

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Capítulo I – Minha infância

Tenho poucas recordações de minha tenra infância. Lembro-me de quando tinha cinco anos.

Morava numa cabana com minha mãe. Pouco me lembro de seu rosto. Mas recordo-me de vê-la

pentear os longos cabelos negros perto de sua cama antes de dormir. Seu nome era Hannah e tinha

longos cabelos... É tudo de que me lembro.

Morávamos numa vila quase esquecida chamada “Vanrod” que significa “lugar de refúgio”.

Diziam as velhas histórias que na época em que os grandes e poderosos dragões voavam livres pelo

nosso céu, quando eram os grandes imperadores de nossas terras, quando eram símbolo de orgulho

para nossa nação e desfrutavam de uma liberdade sem perseguições e perigos; dizem que quando

velhos, doentes ou cansados demais para sobreviver com os outros, eles voavam até esse recanto da

natureza para se curarem e do mesmo modo como as águias velhas se refugiam para se renovarem,

eles faziam o mesmo e então voavam de volta à liberdade. Isto, claro, foi há muito tempo, muito antes

de minha mãe nascer, muito antes de meus avós paternos nascerem... Este sempre foi e até hoje é um

lugar de muita paz e tranqüilidade.

Minha mãe tinha que cuidar de mim sozinha e tirava nosso sustento lavando roupas. Não era

algo que rendesse muito dinheiro, mas era assim que mantinha nossa sobrevivência. Ela sempre me

deixava ir ao rio com ela, éramos muito amigos e estávamos sempre juntos. Gostava de pular nas

pedras, correr pelos prados, subir em árvores. E meu lugar preferido era esta colina, no fim da tarde

minha mãe sempre me trazia aqui para vermos juntos o pôr-do-sol. Consigo ainda sentir seu cheiro...

Ela cheirava a jasmim, seu perfume favorito.

Quando eu tinha sete anos, uma mulher estranha veio morar conosco. Minha mãe me disse

que era uma velha amiga e que fora ela quem tinha me visto pela primeira vez, pois fora a parteira

que tinha ajudado minha mãe a me trazer ao mundo. Ela era gentil e eu passei a gostar muito dela,

seu nome era Luna; uma mulher baixa e magra com cabelos castanhos, sem forma e sem brilho. Uma

mulher comum, comum como qualquer camponesa sofrida que tinha que lutar para sobreviver.

Um dia, porém, minha mãe ficou doente e já não podia mais lavar roupas. Vivemos não me

lembro quanto tempo dependendo que Luna nos trouxesse comida e cuidasse de mim. Certo dia ao

retornar para casa depois de colher ameixas, percebi que havia muitas pessoas em nossa pequena

cabana. Lembro-me de que quando entrei as pessoas olhavam pra mim com pena. Ao lado da cama

de minha mãe, completamente desconsolada e triste estava Luna de Mount’alt, a melhor amiga dela,

aquela que havia cuidado de nós até o último instante; e na cama completamente pálido, jazia o

delicado e frágil corpo de minha adorada mãe.

“Pobre Max!” – era o que as pessoas diziam – “O que vai ser desse infeliz menino? Bastardo,

e agora órfão!”

Eu não tinha compreensão do significado da palavra “Bastardo”, mas tinha uma leve

impressão de que “órfão” era uma palavra horrível relacionada ao fato de que eu não veria mais

minha mãe.

E assim sucedeu. Ao mesmo tempo em que as pessoas olhavam pra mim com pena, ninguém se

dignava a me fazer um afago. Naquela tarde corri para cá e chorei ao ver o pôr-do-sol, eu sabia que

nunca mais o veria ao lado de minha mãe.

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Quando a noite já estava alta, ouvi uma voz chamando meu nome. Era Luna. Ela carregava

trouxas com minhas roupas. Disse que iríamos embora e que cuidaria de mim dali pra frente. E então

passei a chamar-me não apenas Maxwell, ou Max – como alguns me chamavam - mas Maxwell de

Mount’alt.

***************

Viajamos para um lugar distante chamado Gilpin. Era um povoado perdido no meio de uma

velha floresta de carvalhos em Walganus, o reino vizinho. O povoado era cercado com muros altos e

as pessoas dali viviam da venda de produtos cultivados ali mesmo. Toda semana os produtos eram

levados de carroça até a corte do rei Edward II para serem vendidos na feira. E quando os

camponeses voltavam era sempre uma grande festa, pois eles voltavam com roupas e outros objetos

necessários para nossa sobrevivência e algumas vezes para nossa diversão.

Os primeiros meses com Luna foi muito difícil. Ela era muito boa e nos entendíamos bem, mas

eu sentia falta de minha mãe. Conforme o tempo foi passando, as lembranças dela foram ficando

cada vez mais distante até chegar ao ponto de eu não lembrar mais de seu rosto. Para todos naquela

aldeia, Luna era minha mãe. E passou a ser pra mim também, acostumei-me a chamá-la assim. Ela

tinha um carinho enorme por mim e tudo que eu podia fazer para recompensá-la pelo apoio que

sempre me dera, eu fazia.

Só uma coisa não mudou. As pessoas continuavam a chamar-me de bastardo. Certa vez

perguntei à Luna o que aquela palavra significava.

“Mãe, sempre ouço as pessoas dizendo que sou filho bastardo. Eu poderia pensar que é

porque você não é minha mãe de verdade, mas nunca esqueci que também me disseram isso no dia em

que minha mãe Hannah morreu. O que isso quer dizer? Por que sou bastardo?”

Ela olhou pra mim com ternura. Toda ternura que poderia existir numa pessoa. Afagou meus

cabelos pretos passando o dedo por entre os cachinhos que ele formava, e disse.

“Não importa o que essa palavra significa meu filho. Importa o que nós somos um para o

outro. Você é meu filho. Eu sou sua mãe. Somos felizes assim não somos?”

“Sim” – respondi.

“Então não importa o que as pessoas possam dizer, você é um garoto lindo. É esperto e muito

corajoso. Um dia será um grande guerreiro!”

“Não quero ser um guerreiro mamãe, quero ser vendedor! Quero ir pra feira toda semana e

trazer presentes pra você!”

Ela sorriu com doçura.

“Tem razão. Você seria um ótimo vendedor, mas ser um guerreiro é muito melhor! Você teria

muito mais honra, e me faria muito mais orgulhosa!”

“O que é honra mãe?”

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“Você é um garotinho muito curioso!” – Ela tocou seu dedo indicador na ponta do meu nariz

em tom brincalhão – “Existem coisas que você vai aprender sozinho durante sua vida! Mas acredite,

você será um homem muito honrado!”

Eu não sabia direito o que um guerreiro fazia. Eu era jovem e não víamos isso no lugar onde

morávamos. Víamos os vendedores, e todas as crianças gostariam de ser como eles. Tampouco sabia

o que era honra, mas acreditava no que Luna dizia. Eu seria um homem honrado! E se ser guerreiro

era o que faria Luna feliz, era isso que eu seria! Um grande guerreiro! O melhor deles!

***************

Eu era como qualquer criança quando nasci. Exceto por uma peculiaridade.Eu nasci com uma

marca; um sinal em minha pele. Mas não era como uma mancha, era como um desenho. Algo tão bem

feito que parecia que um artista a tinha desenhado com uma pena à tinta preta. No entanto era algo

tão embutido em minha pele que realmente apesar de fora do comum, fazia parte de mim.

Desde quando eu morava com minha mãe Hannah eu mantinha minha marca em segredo, mas

quando cheguei à idade dos nove anos, passei a reparar nela com mais atenção. Às vezes eu passava

horas imaginando aquela figura criando vida na pele do meu braço. Ela parecia uma espada e tinha

um dragão ao redor dela. No começo ela era pequena, mas conforme fui crescendo, ela cresceu

comigo e tomou toda parte interna do meu braço direito acima do cotovelo. Comecei a achá-la bonita

e queria que todos a vissem.

Uma vez, quando eu tinha dez anos, estava apaixonado por uma menina que cresceu

brincando comigo. O nome dela era Mary. A gente saia pra passear pela cidade e uma vez eu disse a

ela que seria um grande guerreiro. Ela me disse.

“Guerreiros são corajosos! Duvido que você tenha coragem de sair dos muros do povoado e

se arriscar na floresta!”

Com meu orgulho de menino ferido, respondi.

“Pois como não? É claro que tenho coragem! Vou até o riacho e volto sem nada me

acontecer!”

“Pois essa eu quero ver! E quer saber mais? Vou junto com você!”

“Mas você é uma garota! Garotas não se arriscam em aventuras assim!”

“Não me diga o que não posso fazer! Vou com você e pronto! Já está decidido!”

E assim, quando ninguém estava olhando, no exato momento em que o vigia do portão foi

vencido pelo sono, antes da troca de guarda, nós dois atravessamos os portões sorrateiramente e

sentimos a liberdade de estar do outro lado dos muros do povoado.

Andamos por um tempo distraídos, conversando e brincando, mas depois Mary começou a

ficar com medo.

“Max, isso já está indo muito longe! Logo vai escurecer! Vamos voltar!”

“Está com medo Mary?Eu disse que iria até o riacho, e vou!”

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“Mas nem sabemos se estamos indo para a direção certa! Quero voltar Max! Agora!”

“Agüente um pouco Mary, já posso ouvir o som do rio, já estamos chegando!”

Ela estava assustada, mas ao ouvir o som do riacho também, se acalmou.

Andamos uns poucos minutos passando entre raízes escorregadias pelo limo e de repente

vimos o sol aparecendo por entre os galhos altos dos carvalhos e então chegamos ao rio.

Mary deu um suspiro. - “É lindo!” – e sorriu, mas de repente ficou séria novamente.

“Certo Max, você é corajoso! Eu sei que vai se tornar um grande guerreiro, mas agora vamos

voltar está bem?”

“Eu ainda acho que deveríamos aproveitar. Sempre vivemos na vila e já que corremos o risco

de virmos até aqui, por que não aproveitar para nos refrescarmos?”

“Hum – e fez uma cara de reprovação – não sei se é uma boa idéia...”

“Vamos Mary! Que mal pode acontecer! Eu estou aqui para te proteger – disse me sentindo

superior – só um mergulho e depois vamos embora!”

“Tudo bem – ela disse relutante – acho que está mesmo calor, e um banho no rio não vai fazer

mal algum...”

Ela sentou-se numa pedra próximo à beira molhando apenas os pés, mas eu queria lembrar-

me de como era bom nadar nas águas correntes e tão cristalinas. Queria lembrar-me de Hannah e da

minha liberdade em Vanrod e na Colina do Refúgio. Tirei minhas roupas ficando apenas com as

roupas de baixo e pulei na água me sentindo como se fosse um peixe. Mergulhei bem no fundo e abri

meus olhos. Eu gostava da visão embaçada num rio tão cristalino. O meu fôlego era muito bom e eu

podia ficar muitos minutos lá embaixo sem me preocupar, mas de repente comecei a ouvir muito

distante a voz de Mary me chamando e resolvi então voltar à superfície.

Quando me viu, ela deu um suspiro de alívio e me chamou para sentar ao seu lado. Com a

pele molhada, os cabelos caindo nos olhos e sentindo o calor do sol em contraste com a brisa leve e

refrescante, eu não me importei em não colocar a roupa novamente. Sentei-me ainda pingando ao

lado de Mary com o peso do corpo sobre os braços que estavam voltados para trás. Ela falou alguma

coisa sobre ter ficado preocupada comigo e então notou minha marca. Primeiro ela fez uma

expressão surpresa e depois disse.

“Puxa Max! Que bonito! Quem desenhou isso no seu braço?”

Minha primeira reação foi ficar assustado, por ver que ela havia visto algo proibido, mas

depois senti-me confortável e orgulhoso.

“Você gostou?”

“Sim!” – ela estava com um olhar curioso.

“Eu já nasci com ela e...

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CREC...

“O que é isso?” – ela perguntou já bastante assustada.

O barulho tinha vindo dos arbustos logo à frente. Pra ser sincero eu não sabia a que tipo de

perigo nós estávamos expostos. Poderia tanto ser um pequeno animal correndo nas folhas secas e

quebrando algum galho pelo seu caminho, porém um medo repentino tocou meu coração e eu senti

pela primeira vez aquela área do meu braço onde estava o desenho arder; arder como se eu tivesse

me queimado no fogo e aquilo me assustou muito. Pra piorar uma terrível sensação de que estávamos

sendo observados fez um arrepio percorrer minha espinha.

Eu levantei num pulo e Mary, não sei se por medo, fez um movimento tão rápido quanto o

meu.

“O que foi Max?” – ela perguntou – “O que você viu?”

“Não sei” – para minha vergonha, minha voz estava cheia de medo – “Mas acho melhor

irmos embora logo”

Peguei as mãos de Mary e puxei-a pelo caminho de volta. Começamos andando apenas muito

rápido, mas a sensação de que estávamos sendo observados aumentava a cada passo. De repente

além de “sentir” aquela presença estranha eu também pude “ouvir”. Ouvi passos que não eram os

meus nem os de Mary e ouvi sua respiração calma e uniforme em contraste com a nossa que estava

rápida e entrecortada. Aquilo com certeza foi uma das experiências mais estranhas e assustadoras

que já experimentei. De repente eu comecei a ter meus sentidos muito mais aguçados. Eu “sentia” a

presença de alguém, eu “ouvia” seus passos e respiração. Comecei a puxar Mary ainda mais rápido

por entre as árvores e então comecei a sentir um cheiro... Um cheiro horrível que eu nunca havia

sentido antes e que não podia ser de nenhuma flor exótica ou fruta podre e eu estava assim assustado

e confuso quando vi um vulto por entre as árvores.

O que quer que fosse não estava apenas nos observando, mas nos caçando e eu podia “sentir”

suas intenções. Não podia dizer o que era, mas com certeza era algo cruel que desejava derramar

nosso sangue, meu sangue... Eu podia “sentir...”

Então comecei a correr puxando Mary mais rápido do que ela podia acompanhar. Minha

marca ardia insistentemente embaixo da minha pele e quanto mais podia “sentir, ouvir e cheirar”

mais a dor no meu braço aumentava. Eu corria e gemia de dor, Mary gritava como louca.

Eu via pelo canto dos olhos aquele vulto, aquela imagem fantasmagórica cada vez mais perto

e mais esforço eu fazia para correr por entre as árvores e raízes, e então avistei os portões da aldeia.

Corremos o mais rápido que pudemos e nos lançamos contra os grandes portões de madeira

gritando e implorando para entrar. Eu sabia que fosse o que fosse que estivesse nos seguindo estava

chegando muito perto. Eu ouvia o som da sua respiração, sentia seu cheiro desagradável. Eu estava

quase me contorcendo de dor quando os vigias abriram os portões e nos puxaram para dentro. Mary

estava muito assustada e apesar da dor estar mais fraca, eu ainda estava deitado no chão agarrado

ao meu braço. Luna veio correndo em nossa direção com uma expressão aflita no rosto.

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-Onde estava Maxwell? – ela me levantou do chão. Eu estava assustado demais para

responder. Ela viu que meu sinal estava à mostra e de um preto bem vivo. Ela arregalou os olhos,

cobriu-me com um manto, tomou minhas mãos e foi me guiando até chegar à pequena cabana que

chamávamos de casa.

-O que você pensa que estava fazendo Maxwell? Saindo da segurança da vila pra essa floresta

perigosa levando Mary junto! Além de se arriscar ainda colocou aquela pobre menina em perigo? O

que você estava pensando?

Eu estava confuso e envergonhado, ouvindo tudo que Luna dizia sem olhar em seus olhos.

-O que você estava fazendo sem sua roupa? – ela perguntou com a voz mais amena.

- Eu queria nadar no rio – eu falei sentindo os grandes olhos castanhos de Luna cravados em

mim – Mary quis ir comigo. Tirei a roupa pra nadar e de repente ouvimos um barulho e tinha alguém

nos seguindo... – eu estava aflito e Luna me abraçou.

-O que aconteceu depois? – ela estava com um tom bem mais doce.

-Nós corremos. E eu ouvi! Ouvi coisas que eu não ouvia e senti um cheiro horrível também!

Eu podia sentir que tinha alguém nos caçando! Depois eu vi um vulto pelas árvores e aí minha marca

começou a arder como se estivesse pegando fogo! – eu falava rápido e quase sem respirar, estava

muito aflito.

Ela olhou pra mim com uma expressão rude.

-Voce deixou alguém ver essa marca?

-Mary viu.

Aí ela explodiu.

-Maxwell! Como você pode? Preste muita atenção nas minhas palavras: você não deve deixar

NINGUEM ver essa marca! Nunca mais! Você está expondo sua vida em perigo deste jeito! Nunca

mais faça isso!

Eu não podia entender a Razão daquilo, mas eu estava assustado demais pra perguntar o

porquê.

-está bem mãe – eu falei - me desculpe, não farei isso novamente.

Ela suavizou a expressão do rosto, me abraçou com ternura e disse que me amava.

***************

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Capítulo II - Treinamento

Depois daquele acontecimento, Luna me entregou uma faixa de couro marrom pra que eu

pudesse amarrar em meu braço e esconder minha marca. Eu não tinha permissão de tirá-la na frente

de quem quer que fosse, e então ela me mandou para o meu treinamento.

Naquele tempo era muito difícil, pra não dizer impossível, um menino camponês tornar-se um

cavaleiro. Isso era apenas para os meninos da corte, mas Luna sempre fez de tudo para realizar meus

sonhos. – ou os dela – E mandou-me para a corte a fim de passar uns anos com um amigo que era

instrutor de artes da guerra para soldados e cavaleiros do rei.

Sir Valleck era um homem muito respeitado. Digno de honrarias, mas mesmo assim muito

humilde. Era muitíssimo rico, possuía muitas propriedades e amizades importantes. Era amigo íntimo

do rei Edward II de Walganus. Quando Luna me falava dele, eu o imaginava ser um velho com o

rosto cansado de tantas lutas e bastante rude, mas ao contrário do que imaginei, Sir Valleck apesar

de já ter idade, era jovial e robusto. Tinha muita classe, era muito educado e não era nem um pouco

rude, era gentil e cavalheiro. Tinha os cabelos lisos de um preto tão brilhante e nenhum cabelo

branco sequer, chegavam à altura dos ombros e ele os mantinha presos num rabo de cavalo.

Normalmente o treinamento começava aos sete anos de idade, mas quando fui morar com Sir

Valleck eu já passava dos dez, porém isso nunca me impediu de correr atrás do que eu queria. O fato

de eu ter começado meu treinamento com alguns anos de desvantagem fez com que eu me destacasse

mais em meio a outros tantos que como eu, almejava sua própria espada.

No início, nós servíamos de pajem na casa de nosso senhor. Aprendíamos equitação e manejo

de armas. Treinando todos os dias, desde o alvorecer até o anoitecer. Levantávamos antes do pôr-do-

sol e não tínhamos tempo para flertar com as meninas filhas das criadas. Foi lá que descobri o

significado da palavra bastardo. Eu não tinha pai. Nunca havia conhecido meu pai. Mas

sinceramente aquilo nunca havia me incomodado, até o momento em que me mudei pra casa de Sir

Valleck e permaneci dez anos morando em sua companhia. Era tão diferente ter uma figura

masculina dentro de casa. Era tão agradável conversar com ele.

Ele tinha um filho. Edmond. Que se tornou meu melhor amigo. Tinha a minha idade e

gostávamos de conversar nas madrugadas quando pulávamos a janela do quarto pra sentir o frescor

e a liberdade da noite. Sir Valleck tinha uma filhinha também. Ela tinha quatro anos quando fui

morar lá. Seu nome era Rose. Tinha os olhos da cor da esmeralda e os cabelos negros como a noite, a

pele era branca e aveludada como um pêssego. Se parecia muito com o pai. Era uma menininha ativa

e muito esperta. Gostava muito de falar, e adorava se meter nas minhas conversas com Edmond. Nós

conversávamos tudo que ela queria. Fazíamos suas vontades, brincávamos e quando ela ia pra cama

cansada de tanto se divertir, nós podíamos finalmente fazer as coisas que dois adolescentes gostavam

de fazer. Sir Valleck me tratava como um de seus filhos e aquilo me deixava muito feliz.

Aos quatorze anos, nós já éramos chamados de escudeiros – aprendizes de cavaleiros – e

trabalhávamos como criados domésticos. Servíamos a mesa, acompanhávamos Sir Valleck à caça,

nos ocupávamos de nossos cavalos, limpávamos as armas de nosso senhor e bem mais tarde,

podíamos ir aos torneios acompanhando Sir Valleck para adquirir os conhecimentos do homem de

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guerra. Nessa época ganhei um cavalo. Era o maior e mais bonito cavalo puro-sangue que eu já

havia visto em toda minha vida – e naquele tempo eu já havia visto muitos cavalos bonitos – mas

aquele era diferente. Ele tinha certa magia, certo encanto. Tinha os olhos vivos e o pelo incrivelmente

brilhoso.

“Mãe, como conseguiu comprar esse cavalo? Deve ter custado uma fortuna!”

“Não se preocupe meu filho. Não precisa saber como consegui nem de onde veio. Apenas

aceite, com todo carinho e orgulho que uma mãe pode sentir por um filho. Ele é seu. mas já possui um

nome.”

“E como se chama?”

“Drakôn”

“Drakôn... É um nome forte! Ele é digno desse nome. Drakôn...”

***************

Certa vez, Edmond e eu, ambos com dezessete anos resolvemos quebrar as regras. Era

extremamente proibido sair do feudo de Sir Valleck sem sua companhia e nas poucas vezes que o

fazíamos era apenas para acompanhá-lo em torneios. Às vezes íamos apenas assistir e aprender,

outras vezes éramos nós mesmos os protagonistas da luta.

Mas Edmond e eu queríamos mais! Queríamos sair e nos divertir. Não confiávamos em mais

ninguém e então não iríamos chamar nenhum dos outros aprendizes, iríamos apenas nós dois, só não

sabíamos ao certo ainda para onde poderíamos ir.

Foi numa noite, quando estávamos tramando para onde iríamos, Rose – que agora já tinha 10

anos – entrou no quarto com uma mistura de curiosidade e frustração no seu delicado rostinho.

- Meninos... – ela interrompeu nossa conversa – Me tirem uma dúvida. Eu não consigo

entender...

Nos viramos pra que pudéssemos dar toda a atenção que ela merecia. E então ela sentou na

cama no meio de nós, no entanto era pra mim que ela olhava.

-Eu ouvi os homens da cocheira conversando sobre uma taverna lá em Joppa que está se

tornando muito famosa por causa das dançarinas.

Edmond e eu trocamos olhares, seria uma idéia perfeita! Diversão!

Rose continuou. – Mas eu não consigo entender por que dançarinas prendadas, amantes da

arte da dança e provavelmente do canto também estariam fazendo numa taverna fedida onde só existe

um monte de homens bêbados? – Ela fazia uma carinha de frustração tão linda que era preciso um

grande esforço para não rir.

Edmond soltou uma sonora gargalhada, e os grandes olhos verdes de Rose fizeram uma

expressão de raiva.

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-Ora pequena! –falei delicadamente – Nem todas as dançarinas são prendadas como você

imagina. Algumas realmente preferem dançar em lugares assim.

-Mesmo assim não consigo entender! – e ela cruzou os braços frustrada.

Eu tomei seu rostinho nas mãos. Olhei em seus olhinhos e falei.

-Vou dizer a você algo que minha mãe me disse um dia: Você é uma menininha muito curiosa!

Existem coisas que não dá pra explicar, mas um dia, você irá aprender sozinha.

Ela sorriu. - Sua mãe te disse isso? E você aprendeu sozinho o que queria saber?

-Com certeza. Às vezes não há nada melhor do que você aprender por conta própria. São

coisas que você nunca esquece. – ela sorriu e me abraçou.

-Quer parar de ficar inventando historias pra minha irmã? – Edmond provocou.

Ela mostrou a língua pra ele e eu sorri. – Não estou inventando nada, você que fica ai rindo

dela sem motivos... – Olhei pra ela – Agora acho melhor você ir dormir Rose, já está ficando tarde

pra uma dama estar acordada. – ela me beijou a face.

-Eu amo você Max.

Depois deu um tapa na cabeça do irmão e logo em seguida um beijo em sua testa.

-Também amo você seu bobo!

E então saiu do quarto.

Edmond e eu já tínhamos um curso e naquela noite armamos um plano para conseguir sair em

segredo e voltar sem que ninguém percebesse.

Na noite seguinte estava tudo muito bem programado. Nos recolhemos mais cedo por causa de

uma “indisposição” repentina e logo que a noite cobriu a terra de trevas e a casa mergulhou em

completo silencio, Edmond e eu levantamos e pulamos as janelas sem que ninguém percebesse um

único ruído ou movimento e fomos nos esgueirando até a cocheira onde selamos nosso cavalos e

partimos em direção a nossa aventura que incluiria bebida e mulheres.

***************

No caminho, já bem próximo de Joppa, pegamos uma trilha no meio de um bosque e algo

realmente me chamou a atenção. Enquanto cavalgávamos percebi que há alguns metros adentro do

mato uma luz cálida chamejava ao luar. Era fogo. Uma fogueira. Um acampamento com certeza, mas

quem acamparia no meio do mato tendo uma vila tão perto? Com certeza era preferível andar mais

um pouco e dormir no conforto de uma hospedaria. Talvez fosse alguém sem dinheiro...

Eu olhava para a tênue luz que vinha das chamas completamente absorto em meus

pensamentos e então percebi um par de olhos que me encaravam na escuridão. Pisquei os olhos

pensando ter imaginado, mas os olhos ainda estavam lá. Olhei mais atentamente e um cheiro

desagradável invadiu minhas narinas. Um cheiro que eu já havia sentido antes, só não me lembrava

aonde.

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-Max? O que está olhando?

-Hum? – perguntei voltando a atenção ao caminho e o par de olhos desapareceu. – Não é

nada, apenas tive a impressão de ter visto algo.

-Deve ser o sono! -Edmond brincou e seguimos nosso caminho.

***************

Chegamos à taverna pouco antes da meia-noite. Era um lugar razoável, meio distante do

centro de Joppa. Uma construção de dois andares, poucas janelas e uma porta estreita. Dava pra se

ouvir a música do lado de fora, embora não estivesse muito alta.

-Estou ao mesmo tempo eufórico e preocupado – comentou Edmond na entrada da taverna. Eu

ainda amarrava meu cavalo.

-Preocupado com o que? Por acaso não sabe dançar?

Ele fechou a cara. Edmond era meu amigo há mais de seis anos, mas ainda se invocava

quando eu implicava com ele, ainda não tinha se acostumado com meu jeito de ser, mas nossa

amizade era mais forte do que laços de sangue poderiam ser capazes de criar.

-Voce sabe que não é isso – resmungou.

Coloquei a mão em seus ombros. Meu amigo que não parecia absolutamente nada com o pai –

Edmond era louro e tinha os olhos azuis como a falecida mãe – estava com uma expressão

indecifrável e pensei que fosse remorso por termos fugido dessa maneira. Ele dizia gostar de guerras,

lutas, conquistas, mas era certinho demais para esse mundo.

-Prefere voltar não é?

-Na verdade quero ficar, mas se meu pai descobrir, vai nos castigar severamente, podemos até

ser afastados de nosso treinamento.

Suspirei – Vamos voltar então. – e me voltei para desamarrar Drakôn.

-Não! – ele sussurrou – eu quero ficar! – sua voz saiu meio angustiada. Olhei em seus olhos

azuis e logo percebi sua verdadeira inquietação. Dei um meio sorriso e coloquei minha mão direita

firme em seu ombro esquerdo – queria lhe passar segurança, embora eu mesmo também estivesse

inseguro... e... ansioso.

-Edmond, amigo. – fiz uma pausa – eu também nunca estive com nenhuma mulher, mas acho

que precisamos apenas seguir nossos instintos.

Ele sorriu por perceber que eu havia entendido seu verdadeiro temor e então entramos com

passos firmes na taverna.

***************

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O lugar estava cheio de homens bebendo e rindo alto enquanto umas poucas dançarinas

rodopiavam num pequeno palco. Havia um cheiro estranho ali. Edmond sentou-se numa mesa

enquanto fui ao balcão pedir duas canecas de vinho, Edmond não tirava os olhos das dançarinas.

-Eu quero a morena – ele disse enfim.

-Pra quem estava com medo você está bem saidinho agora não acha? – zombei.

-Não seja implicante. Estamos aqui pra nos divertir. Que mal há em estar curioso? Posso pelo

menos escolher com qual vou descobrir os mistérios de...

Ele falava de uma forma tão inocente e romântica e estava tão crente que era o garanhão do

pedaço... Eu tive que rir, tentei me segurar pra lhe ser solidário, mas acabei soltando uma enorme

gargalhada silenciando seu comentário.

-Está bem meu amigo! – eu olhei para as bailarinas – ela também está olhando pra você!

Talvez tenha sorte!

Ele sorriu – Vamos, me diga! Qual delas você quer Max?

Virei mais minha cadeira e as observei por uns minutos. – Quero a ruiva. A de cabelos

cacheados.

De repente senti novamente aquele cheiro apodrecido e adocicado que eu sentira pelo

caminho.

-O que foi? – Edmond notou.

-Não está sentindo esse cheiro de fruta podre?

Ele riu.

-Fruta podre? É apenas o vinho Max! Não há cheiro de mais nada aqui.

Eu sabia que não era o vinho. Eu sentira aquele cheiro no caminho e sentira ele assim que

entrara aqui e agora o sentira mais forte. Eu estava serio e distraído enquanto tentava me recordar

onde mais eu havia sentido aquele terrível fedor.

Quando voltei meus olhos para as dançarinas a música já tinha acabado e elas se dirigiam as

mesas. Vi que as duas que escolhemos vieram ao nosso encontro. A morena foi até Edmond e a ruiva

veio sentar-se em meu colo.

-E então bonitão... – ela disse deslizando os dedos desde o pé da minha orelha até o maxilar

traçando uma linha e depois contornando meus lábios num toque muito excitante. – Não quer me

pagar uma bebida? – De repente a euforia e preocupação que antes atormentavam Edmond se

apossou de mim por alguns instantes, mas logo desapareceu quando ela passou os braços ao redor de

meu pescoço e mordiscou a ponta da minha orelha. A preocupação foi embora, ficou apenas a

euforia.

Levantei a mão para pedir mais bebida e percebi que Edmond já estava bebendo com a

morena sentada na mesa passando as pernas ao redor da cintura dele. As mulheres eram lindas e

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Vanessa Orgélio

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tinham os movimentos completamente sedutores e excitantes, mas falavam coisas muito obscenas,

mas me esforcei pra não me importar, eu havia ido lá a procura daquilo exatamente. Ela beijava meu

pescoço quando notei que Edmond não estava mais ao meu lado na mesa. Ela percebeu meu susto e

sussurrou em meu ouvido com uma voz sedutora.

-Ele subiu com Scarlet para um lugar mais reservado, você não quer subir também?

Eu a olhei nos olhos castanhos e movimentei minha cabeça afirmativamente. Ela se levantou

do meu colo e me guiou pelas mãos por uma escada estreita até o segundo andar. A escada dava para

um corredor cheio de portas, umas cinco ou seis. Enquanto nos dirigíamos a porta no final do

corredor eu ouvia risos e gemidos em vozes masculinas e femininas. Passamos por uma porta e a

ruiva de quem nem o nome eu sabia apontou.

-Esse é o quarto de Scarlet, seu amigo está aqui, não se preocupe. – Ela abriu a última porta

me deixando ver um quarto pequeno e mal iluminado. Nele continha uma cama e uma pequena

cômoda. Entrei meio sem jeito e antes que ela fechasse a porta eu senti novamente aquele cheiro

desagradável. Eu devo ter feito uma careta, pois ela percebeu meu desconforto.

-O que há de errado? – que voz sedutora ela tinha!

-Não... É nada... Você não está... Sentindo um... Cheiro estranho? – perguntei hesitante.

Ela sorriu amigável. – Você só está nervoso – trancou a porta e pôs a chave na cômoda. Eu

me sentei na cama. – É sua primeira vez. – não era uma pergunta, eu não respondi. – Não se

preocupe, vou lhe ensinar umas coisas que sei que você vai gostar. Não é sempre que tenho a

oportunidade de ensinar a algum jovem a arte de amar...

Ela era claramente mais velha do que eu, mas era incrivelmente bonita. Ela sentou-se em meu

colo de frente para mim.

-O-o que vamos fazer? – gaguejei me sentindo um completo idiota.

-O que vamos fazer? – ela perguntou de volta.

-O que PODEMOS fazer? – refiz a pergunta.

-O que você quiser - ela respondeu e começou a afastar minha roupa até deixar meu peito nu.

Ela foi afastando suavemente minhas roupas deslizando pelos meus braços e depois tirou a pequena

peça que lhe cobria o busto deixando seus seios à mostra. Até aquele momento eu nunca havia visto

seios assim tão de perto e fiquei como um idiota olhando pra eles sem nem mesmo piscar. Ela pegou

minhas mãos a as colocou em cima deles. Ao sentir a pele morna e macia foi como se eu tivesse

levado um choque e acabei soltando um suspiro. Ela voltou a beijar meu pescoço passando dos meus

ombros e descendo pelos meus ainda suaves músculos. Quando foi beijar meu braço direito ela se

afastou um pouco para desamarrar a faixa de couro que o envolvia. Eu hesitei, mas a sensação era

tão deliciosa que ignorei o aviso em minha mente de que não deveria deixá-la fazer aquilo. Ela jogou

a faixa para o lado e me empurrou levemente em direção a cama, vindo em seguida deitar sobre meu

corpo.

Ela guiava minha mão no corpo dela me deixando cada vez mais excitado, e foi então que ouvi

bem ao longe um galopar que se aproximava lentamente. Eu poderia ignorar o barulho, nada mais

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comum que um galopar na estrada, mas incrivelmente eu não conseguia deixar de prestar atenção e

perceber que apesar de escutar as passadas como se já estivessem bem próximas, o cavalo parecia

ainda estar bem longe. E então comecei a ouvir uma respiração que não era nem a minha nem a dela

e aí aquele horrível cheiro adocicado de fruta podre invadiu o ar. A ruiva parecia não se incomodar

com ele. Eu tentei ignorar o som insistente e o cheiro intoxicante, mas não conseguia me concentrar

na mulher à minha frente, e então para meu desespero minha marca começou a arder, a arder muito.

Lembrei-me daquela sensação, a mesma que eu havia sentido naquele episódio do rio quando deixei

Mary ver meu sinal. E então veio a dor, uma dor insuportável em meu braço direito. A ruiva havia

visto o meu sinal. E então lembrei-me do vulto na floresta. Dei um pulo da cama afastando a mulher

que me olhava sem entender. Eu corria risco de vida e precisava sair dali. Eram coisas da minha

história que eu não entendia, mas de qualquer forma eu não me preocupava muito, nesses momentos

eu só me preocupava em fugir e sair ileso aos tais perigos que eu corria embora não soubesse quais.

-Desculpe – falei – mais eu preciso ir! – joguei umas poucas moedas de prata em cima da

cama enquanto pegava minha faixa de couro do chão e saia do quarto sem nem mesmo colocá-la de

volta no braço.

Abri a porta tentando me lembrar qual era o quarto de Scarlet onde Edmond se encontraria.

Num momento de pavor abri a porta num chute. Edmond estava nu sobre o corpo da bela morena.

-Desculpe atrapalhar, mas precisamos sair daqui imediatamente – falei aflito enquanto catava

suas roupas do chão e jogava para ele.

-O que está acontecendo Max? – Edmond se levantou assustado, agarrando com raiva as

roupas que eu lhe atirava, enquanto Scarlet se enrolava nos lençóis – Não está vendo que está

atrapalhando?

-Precisamos ir embora!Vamos homem, Vista-se! Rápido!

-Não vou me vestir! Quero que você me explique o motivo dessa sua intromissão, e se não

tiver um bom motivo...

Ele estava bem bravo. Mas então senti uma pontada mais forte no braço, como se ele estivesse

sendo cortado por uma espada em chamas e me abaixei contorcendo-me de dor. Foi tudo muito

rápido. Abaixei-me, houve um barulho de vidro quebrando, o ar deslocado produzindo um vento tão

forte que chegou a ferir levemente o topo da minha cabeça. E lá estava uma flecha, cravada na

madeira da porta, numa altura, onde caso eu não tivesse me abaixado, não estaria vivo agora. Fosse

quem fosse o atirador, não tinha atirado para errar.

Edmond arregalou os olhos e parou de resmungar vestindo-se rapidamente.

Pela janela quebrada eu pude ver o autor do disparo. Um homem louro, alto e magro com os

cabelos soltos na altura dos ombros. Tinha os traços que me lembrava Sir Valleck apesar de ser

claramente mais fraco. Eu não entendia por que, mas via muito ódio no olhar daquele homem.

Num piscar de olhos, Edmond já estava mais ou menos vestido e corríamos pelo corredor

estreito.

-O que houve?

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-É uma longa história. – na realidade era uma história que nem eu mesmo entendia, mas meu

instinto de preservação sempre falava mais forte. Comecei então a planejar a fuga. – Escute, como o

homem está atrás da taverna, - estávamos descendo as escadas de três em três degraus –Vamos tentar

ser mais rápidos, chegar até a porta e fugir nos cavalos.

-Mas quem é ele? – Edmond perguntou quando chegamos ao pé da escada. E então a porta da

taverna se abriu bruscamente e o louro apareceu bloqueando a saída. Em minha mente formulei um

rápido plano e olhei pra Edmond que havia tido a mesma idéia que eu. Na taverna havia a porta de

entrada que ficava à esquerda da escada onde nos encontrávamos; uma janela do outro lado da sala

de frente pra escada e outra janela à direita da escada ao lado do bar. A janela à direita levava aos

fundos da taverna. Seria mais fácil escapar – ou pelo menos ludibriar o oponente - pela janela a

direita e foi pra lá que corri. O homem correu pelo meio do salão vindo atrás de mim, mas as mesas o

impediam de ser mais rápido. As pessoas da taverna nos olhavam mais curiosas do que assustadas;

obviamente estavam acostumados às confusões e por isso nada faziam pra nos ajudar.

Edmond foi pela esquerda chegando assim pelas costas do adversário e logo quebrando uma

cadeira em sua cabeça. Embora o homem parecesse frágil, ele mal ficou tonto e logo virou-se pra

atacar Edmond. Eu estava ao lado do bar já quase pulando a janela. Agarrei uma garrafa do balcão

e lancei em sua cabeça. Essa não o feriu, foi só o tempo do louro se distrair e Edmond fugir correndo

pela porta. E então pulei a janela dos fundos.

Enquanto eu dava a volta e chagava a lateral da taverna, não sei como, nem com tanta

rapidez, o homem atravessou o salão e pulou a outra janela me interceptando o caminho. Ele olhou

pra mim com ódio e eu senti dor em meu braço. Eu ainda não entendia o que a dor em meu braço

tivesse a ver com o olhar de ódio daquele homem. Ele desembainhou sua espada. Eu estava

desarmado. Que iria fazer? Mas por sorte, havia encostado logo ao meu lado na parede da taverna

uma pá, Era um presente. Aquela pá me serviria de espada, ou escudo – por pouco tempo eu sabia –

mas seria útil. Agarrei a pá com as duas mãos e o home partiu pra cima de mim com sua espada

reluzente. Eu apenas defendia os golpes quando finalmente Edmond surgiu novamente por trás do

homem com um ancinho nas mãos com o qual bateu com muita força na cabeça do nosso oponente.

Ele ficou meio zonzo e me deu as costas para acertar um soco em Edmond. Essa foi a minha deixa pra

pular em suas costas agarrado ao seu pescoço para tentar asfixiá-lo. Ele tentava se soltar dos meus

braços enquanto Edmond lhe dava uma seqüência de socos no estômago. O louro desistiu de tentar se

livrar dos meus braços e com um único golpe na barriga de Edmond lançou-o a metros de distância.

Aquilo me deixou por segundos distraído, e então ele se lançou contra parede me esmagando e

fazendo-me bater a cabeça com força. Caí no chão tonto enquanto Edmond se levantava com sangue

escorrendo de sua boca. Os olhos do adversário refletiram um brilho diferente – foram aqueles olhos

que eu vira pelo caminho. Ele ergueu as mãos como se estivesse segurando algo e então percebi

assustado que Edmond à três metros de distancia do homem era erguido do chão sendo asfixiado. O

homem tinha poderes mágicos e estava enforcando meu amigo.

Eu estava caído e apalpei a terra ao meu redor procurando algo para jogar nele. Encontrei

uma pedra que acertei bem no topo de sua cabeça, mas ele nem se moveu, estava distraído demais, se

divertindo enquanto matava meu melhor amigo. E na minha busca desesperado para encontrar algo

que salvasse a vida de Edmond que a essa altura já estava roxo e quase desmaiando. Encontrei algo

no chão que era melhor do que qualquer pedra ou pá. A espada. Quando pulei em seu pescoço ele

soltou sua espada para impedir que meus braços o sufocassem. Então eu me movi mais rápido do que

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já tinha me movido em toda a minha vida, tomei a espada nas mãos e chamei pelo homem. Ao

perceber que num súbito movimento eu estava de pé ameaçando-o largou Edmond e se virou, mas

quando se virou não me viu, pois eu tinha feito algo que até aquele momento eu nunca fora capaz de

fazer; Senti-me tão leve que saltei tão alto que mais parecia um vôo. Foi apenas o tempo dele olhar

para cima e me ver descendo com toda força com sua espada apontada em sua direção. E então eu a

cravei em seu peito. O homem cambaleou, caiu sobre os joelhos e finalmente tombou vencido.

Eu estava ofegante e confuso, mas mais ainda preocupado com Edmond que ainda estava no

chão. Lá dentro na taverna as pessoas continuavam bebendo e rindo como se nada tivesse acontecido

ali fora. Corri até Edmond para ajudá-lo a se levantar.

-Tudo bem amigo? – Estendi-lhe a mão. Ele massageava o pescoço para melhorar a

respiração. De repente seus olhos se arregalaram na direção do cadáver do louro no chão. Meu

primeiro pensamento foi que não seria possível que aquele homem ainda estivesse vivo, mas me virei

a tempo de ver o corpo do estranho homem desaparecer diante de nossos olhos. Definitivamente

havia magia envolvida naquilo.

- Acabou – dei uns tapinhas amistosos no ombro de Edmond e caminhei em direção a Drakôn.

***************

Chegamos ao meu quarto já perto do amanhecer. Edmond olhava pra mim como que exigindo

explicações. Eu não sabia o que dizer.

-Olha – comecei – eu não fiz nada se é isso que você está pensando.

-Sim! Claro!Eu também não fiz nada graças a você! – me lembrou zombeteiro e bravo ao

mesmo tempo.

-Edmond, estou falando sério. Não sei dizer como nem por que, mas aquele homem me

persegue desde a infância.

Ele ergueu uma sobrancelha incrédulo, mas se sentou numa cadeira e me pediu que o

convencesse. Contei a ele sobre a perseguição na floresta,e que fora depois disso que Luna havia me

enviado para ser treinado com Sir Valleck, mas não contei nada sobre meu sinal. Edmond não era

muito observador e isso era bom. Pra ele, aquela faixa de couro em meu braço fazia parte de mim.

Desde que me conhecera eu a usava e ele nunca me perguntou por que, naquela noite também devido

à adrenalina ele nem reparou que eu a tinha tirado.

Depois do acontecido nem dormimos, mas Sir Valleck não percebeu nosso sono nem nossa

saída durante a noite. Ninguém nos conhecia para nos apontar e nos identificar, ainda mais porque

todo o fato se ocorreu de madrugada numa taverna; mas rumores surgiram de dois jovens que se

meteram numa baita confusão que acabou em morte. Alguém viu-me atacando o louro, mas não o

viram desaparecer. Ninguém nos reconheceria, Sir Valleck nunca saberia, mas Edmond e eu nunca

esqueceríamos o acontecido.

Quanto a mim, estava certo que nunca mais permitiria que outras pessoas vissem a minha

marca. Ela só me trazia problemas. Ainda não sabia que razões me forçavam a escondê-la e ainda

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mais com uma faixa de couro – que diferença faria couro ou tecido? – mas jamais a mostraria

novamente a alguém.

***************