4
DEBATES GA CINT O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional Nº 06 / 2012 A Crise Atual e os Limites Sistêmicos da Economia Instituto de Relações Internacionais de uma bolha de preços de ativos que ocorreu em todo o mundo, tendo começado nos EUA. O crédito fácil e barato permitiu uma alavancagem muito grande, que levou ao crescimento artificial dos preços.Após o estouro, a percepção de que o mercado imobiliário norte-americano entraria em colapso derrubou os preços de outros tipos de ativos. Estes acontecimentos caracterizaram a primeira fase da crise. A segunda, e mais aguda, ocorreu com a quebra do sistema financeiro. A intervenção dos governos, para evitar o colapso financeiro, marcou a terceira etapa. Atualmente, a crise está em sua quarta fase, definida pela condição de excessivo endividamento dos governos. A longa duração, gravidade, e amplitude desta crise estão entre os elementos que permitem o paralelo com a crise de 1929 e a depressão dos anos 1930. Para Resende, uma das semelhanças é a dicotomia das posições sobre quais seriam as políticas adequadas. Na época, a ortodoxia advogava a necessidade de lastro no ouro. De outro lado, Keynes argumentava que o aumento dos gastos A s origens da crise internacional e os limites sistêmicos da economia mundial foram tema da reunião do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP (Gacint-IRI-USP) em 07 de março de 2012, que teve como conferencista convidado o economista André Lara Resende, cuja apresentação foi comentada pelo Professor Luiz Afonso Simoens da Silva. A exposição de Resende abordou três grandes questões: as origens da crise atual; as saídas possíveis; e a transição para a economia estacionária. As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando as relações entre a crise econômica atual e os limites físicos do planeta. O forte impacto dessas ideias, segundo ele, deve-se ao fato de elas confrontarem a tendência geral de tratar os diferentes campos do conhecimento de forma compartimentalizada. Os complexos e interligados desafios do presente e do futuro evidenciam a importância de repensar não apensas a economia, mas também a política e a sociedade. Sua reflexão parte da análise sobre as origens da duradoura crise econômica internacional, que ganhou forma ainda no segundo semestre de 2007, com o surgimento de graves problemas no sistema interbancário. Para Resende, a crise é o resultado do estouro Economista André Lara Resende

O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint ...143.107.26.205/documentos/DebatesGacint06.pdf · As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint ...143.107.26.205/documentos/DebatesGacint06.pdf · As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando

DEBATES GACINTO informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional

Nº 06 / 2012

A Crise Atual e os Limites Sistêmicos da Economia

Instituto de Relações Internacionais

de uma bolha de preços de ativos que ocorreu em todo o mundo, tendo começado nos EUA. O crédito fácil e barato permitiu uma alavancagem muito grande, que levou ao crescimento artificial dos preços. Após o estouro, a percepção de que o mercado imobiliário norte-americano entraria em colapso derrubou os preços de outros tipos de ativos. Estes acontecimentos caracterizaram a primeira fase da crise. A segunda, e mais aguda, ocorreu com a quebra do sistema financeiro. A intervenção dos governos, para evitar o colapso financeiro, marcou a terceira etapa. Atualmente, a crise está em sua quarta fase, definida pela condição de excessivo endividamento dos governos. A longa duração, gravidade, e amplitude desta crise estão entre os elementos que permitem o paralelo com a crise de 1929 e a depressão dos anos 1930. Para Resende, uma das semelhanças é a dicotomia das posições sobre quais seriam as políticas adequadas. Na época, a ortodoxia advogava a necessidade de lastro no ouro. De outro lado, Keynes argumentava que o aumento dos gastos

As origens da crise internacional e os limites sistêmicos da

economia mundial foram tema da reunião do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP (Gacint-IRI-USP) em 07 de março de 2012, que teve como conferencista convidado o economista André Lara Resende, cuja apresentação foi comentada pelo Professor Luiz Afonso Simoens da Silva. A exposição de Resende abordou três grandes questões: as origens da crise atual; as saídas possíveis; e a transição para a economia estacionária.

As Origens da Crise

André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando as relações entre a crise econômica atual e os limites físicos do planeta. O forte impacto dessas ideias, segundo ele, deve-se ao fato de elas confrontarem a tendência geral de tratar os diferentes campos do conhecimento de forma compartimentalizada. Os complexos e interligados desafios do presente e do futuro evidenciam a importância de repensar não apensas a economia, mas também a política e a sociedade. Sua reflexão parte da análise sobre as origens da duradoura crise econômica internacional, que ganhou forma ainda no segundo semestre de 2007, com o surgimento de graves problemas no sistema interbancário. Para Resende, a crise é o resultado do estouro

Economista André Lara Resende

Page 2: O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint ...143.107.26.205/documentos/DebatesGacint06.pdf · As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando

Debates Gacint - O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint Página 2

caso grego. Diante da falta de alternativas, a restrição foi suspensa, e o Banco Central Europeu também passou a financiar dívidas por meio de expansão monetária. Resende lembrou que há três formas de superar um excesso de endividamento. Uma delas é uma depressão profunda, que provoca quebras tão generalizadas a ponto de anular as dívidas existentes. Seus custos, principalmente na forma de elevação do desemprego, são inviáveis. A segunda, identificada com Keynes, é dada pelo uso de gastos públicos para estimular economias nas quais o excesso de endividamento já foi aplacado pela depressão. A terceira saída, atualmente utilizada, é monetizar grande parte das dívidas e esperar que a desvalorização da moeda e a inflação corroam o valor real das dívidas. Trata-se uma estratégia nova, e de alto risco. Porque é possível perder o controle sobre a inflação, que mesmo em patamares baixos pode sofrer aumentos súbitos. Nem as capacidades ociosas evitam esse risco. Pois pode haver hiperinflação e recessão. Bastaria, para tanto, que as expectativas convergissem em torno da insolvência pública e da desvalorização da moeda. Vencer uma crise de endividamento sem passar por uma grave depressão requer, portanto, a retomada do crescimento. Para além de uma solução para a crise, Resende destaca que o crescimento, e a demanda que

André Lara Resende - Sócio da Lanx Capital

públicos levaria à retomada do crescimento. Atualmente, a ortodoxia monetária-fiscal opõe-se à ideia de que é necessário aumentar os gastos públicos para recuperar a economia e evitar um prolongamento da estagnação. O mundo, porém, mudou muito desde então. Há especificidades de circunstâncias que alteraram o quadro das alternativas existentes.

Saídas para a Crise

Uma das principais diferenças decorre da política adotada na terceira fase da crise atual. Bernanke, no comando do Banco Central norte-americano, expandiu agressivamente a oferta de moeda para sustentar o sistema financeiro, aceitando uma variedade de títulos. Esta reação baseou-se, em grande parte, na percepção de que a depressão dos anos 1930 foi causada pela política contracionista.

A expansão monetária dos últimos anos foi fundamental para combater a recessão. No entanto, levou a enormes endividamentos do setor público. No caso norte-americano, o Banco Central aumentou seus ativos, e seu passivo monetário. O Banco Central europeu, por outro lado, estava impedido de atuar da mesma forma, o que levou os governos a asssumir dívidas diretamente. As contas públicas de alguns deles ficaram inviáveis, levando à necessidade de resgate, como no

Vencer uma crise de endividamento sem passar por uma grave depressão requer a retomada do crescimento. Mas será possível sustentar o crescimento constante? Essa já não é mais uma opção. Porque o sistema econômico está prestes a alcançar os limites físicos do planeta.

Page 3: O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint ...143.107.26.205/documentos/DebatesGacint06.pdf · As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando

Debates Gacint - O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint Página 3

em gerenciar o consumo dos recursos escassos exigiria o estabelecimento de quotas. Segundo Resende, apesar de haver divergências sobre os prazos dentro dos quais ocorrerão crises de oferta, há um amplo consenso em torno das limitações dos recursos e da proximidade do esgotamento. As opiniões dissonantes concentram-se em torno da crença de que as evoluções tecnológicas aliviarão as pressões sobre os recursos, permitindo a expansão do consumo material.

Resende concluiu sua apresentação abordando os aspectos políticos da realidade atual. Destacou que os grandes problemas mundiais, como a regulação financeira, a desigualdade de renda, a preservação ambiental, entre outros, extrapolam a esfera dos Estados nacionais e precisam ser tratados em âmbito supra-nacional. As instituições de governança de Breton Woods estão envelhecidas, anacrônicas, e incapazes de lidar com dificuldades crescentes. Ainda assim, não há sequer um projeto de estruturas supra-nacionais para administrar os problemas globais. A União Europeia, o maior experimento concreto nesta direção, está em risco. Para Resende, a construção de democracias comunitárias e de instituições de governança supra-nacionais são a melhor opção para evitar o acirramento da competição entre Estados que poderão tender à autarquização e aos conflitos permanentes.

o promove, estão na base do pensamento econômico. O objetivo de fomentar a demanda explica a permanência de políticas econômicas irracionais, no tempo e no espaço, como o viés mercantilista exportador, o protecionismo tarifário do mercado interno, subsídios a exportações, crédito público subsidiado, entre outras. Mas será possível sustentar o crescimento constante? Para Resende, essa já não é mais uma opção. Porque o sistema econômico está prestes a alcançar os limites físicos do planeta. As projeções sobre a população mundial já indicam sete bilhões de pessoas, e estima-se um aumento para nove bilhões. A demanda ampliada geraria inflação de commodities porque a oferta seria limitada pela disponibilidade de recursos físicos.

Transição para a Economia Estacionária

Resende enfatizou o caráter sistêmico das restrições físicas. O esgotamento da oferta de alguns recursos aumentaria rapidamente a pressão sobre outros, provocando um efeito cascata. A limitação mais premente seria a da utilização de combustíveis fósseis, principal causadora do aquecimento global. Mas há outros suprimentos ameaçados. A manutençao de sete bilhões de pessoas no planeta exigirá mudanças drásticas nos padrões de consumo. Essas limitações tornarão impossível sustentar o crescimento econômico, como tradicionalmente conhecido. Haveria, quase inescapavelmente, a transição para economias estacionárias, sem crescimento. O avanço da prosperidade humana teria que ser reformulado para distanciar-se do ideal de consumo material, de modo que fosse possível aumentar o bem-estar sem ampliar as necessidades de consumo. As previsões sobre o esgotamento da oferta descrevem sua manifestação na forma de uma grave crise econômica. A falha de mercado ligada ao fracasso do sistema de preços

O esgotamento da oferta de alguns recursos aumentaria rapidamente a pressão sobre outros. Essas limitações tornarão impossível sustentar o crescimento econômico. Haveria a transição para economias estacionárias, sem crescimento.

Page 4: O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint ...143.107.26.205/documentos/DebatesGacint06.pdf · As Origens da Crise André Lara Resende abriu sua apresentação enfatizando

financeira, em 2008, para crise de dívida soberana em 2010. Nesse curto intervalo, a ortodoxia econômica tomou as rédeas do processo, o que é mais dramático no caso europeu, tendo em conta o potencial recessivo das medidas anti-crise impostas aos países em maiores dificuldades. O sistema financeiro europeu, muito mais dependente de crédito bancário que o norte-americano, padece de maior fragilidade no cenário de crise. Consideradas as difenreças, há sinais de que a recuperação europeia será mais difícil. Fator muito preocupante, para Silva, é a falha sistemática dos esforços de governança. Mesmo o G-20, uma possível alternativa ao FMI enquanto foro decisório, tem sido inexpressivo. A força e a velocidade da crise parecem ter solapado qualquer ideia consistente de coodenação macroeconômica mundial. Silva concluiu ponderando que os sistemas financeiros foram salvos da crise, mas graças aos sacrifícios dos governos, o que seria evidência da submissão dos governos às finanças internacionais. No caso de países emergentes que sofrem de desequilíbrios macroeconômicos, os governos têm a responsabilidade redobrada de administrar seus problemas, principalmente, em âmbito nacional. Para Silva, o Brasil, com claros desequilíbrios no câmbio e nos juros, é um dos países que precisa se proteger por meio de controles de capitais.

Debates Gacint - O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint Página 4

Falta de Coordenação e Governos Submetidos aos Mercados

Em seus comentários, Luiz Afonso Simoens da Silva explorou as complexidades do quadro atual. Ao abordar a ideia de Resende sobre a transição para a economia estacionária, decorrente dos limites físicos do planeta, destacou que se trataria de uma verdadeira reformulação do capitalismo, que é concentrador, centralizador, e expansivo por natureza. Silva destacou a transformação da crise

Membros do Gacint ADRIANO HENRIQUE REBELO BIAVAADRIANA SCHORAFFONSO CELSO OURO PRETOAFFONSO DE ALENCASTRO MASSOTALBERTO PFEIFERALEXANDRE BARBOSAALEXANDRE RATSUO UEHARAAMÂNCIO JORGE SILVA NUNES DE OLIVEIRAANDRÉ CARVALHO RAMOSANDRÉ MELONI NASSARANGELO DE OLIVEIRA SEGRILLOANTONIO CARLOS PEREIRAANTONIO CORRÊA DE LACERDAANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVABORIS FAUSTOBRASÍLIO JOÃO SALLUM JUNIORCARLOS EDUARDO LINS DA SILVACELSO GRISICELSO LAFERCELSO NUNES AMORIMCHRISTIAN LOHBAUERCLAUDIO GONÇALVES COUTOCLODOALDO BUENODAMIAN PAPOLODÉCIO ODDONEDEISY VENTURADEMÉTRIO MAGNOLI

FERNANDO LUIZ ABRUCIOFLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETOGELSON FONSECA JUNIORGERALDO DE FIGUEIREDO FORBESGILMAR MASIEROGIORGIO ROMANO SCHUTTEGUILHERME LEITE DA SILVA DIASHELGA HOFFMANNHÉLIO NOGUEIRA DA CRUZHENRI PHILIPPE REICHSTULJACQUES MARCOVITCHJAIME SPITZKOWSKYJANINA ONUKIJOÃO PAULO CÂNDIA VEIGAJOÃO SAYADJOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMAJOSÉ LUIZ CONRADO VIEIRAKJELD AAGAARD JAKSOBSENLEANDRO PIQUET CARNEIROLENINA POMERANZLUCIANE MIRANDA DE PAULALUIZ AFONSO SIMOENS DA SILVALUIZ EDUARDO M. DE CARVALHO E SILVAMARCO AURÉLIO GARCIAMARIA ANTONIETA DEL TEDESCO LINSMARIA HELENA TACHINARDIMARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA

MÁRIO CÉSAR FLORESOTAVIANO CANUTOPAULO FARAHPAULO FURQUIM DE AZEVEDOPAULO ROBERTO FELDMANPAULO SOTEROPEDRO B. DE ABREU DALLARIPETER ROBERT DEMANTPHILIPPE LAVANCHYPHILIPPE REICHSTULRAFAEL ANTONIO DUARTE VILLARICARDO UBIRACI SENNESROBERTO ADDENURROBERTO RODRIGUESROBERTO TEIXEIRA DA COSTAROGÉRIO BASTOS ARANTESROSSANA ROCHA REISRUBENS ANTÔNIO BARBOSARUY MARTINS ALTENFELDER SILVASAMUEL FELDBERGSEBASTIÃO CARLOS VELASCO E CRUZ SÉRGIO ERNESTO ALVES CONFORTOSÉRGIO FAUSTOSÉRGIO SILVA DO AMARALTULLO VIGEVANIVERA THORSTENSENYI SHIN TANG

Gacint Coordenador Geral Ricardo SennesVice-CoordenadorBruno Reis

DiretoraMaria Hermínia Tavares de Almeida

Debates Gacint Coordenador ExecutivoAndré Luiz SicilianoEditor Nadim Mitri Gannoum

IRI Contato: [email protected] André MichelinVinicius Dalbelo

Luiz Afonso Simoens da Silva - Doutor em Economia pela UNICAMP e professor de Negociações Internacionais da UNESP