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THANDARA GARCIA RAVELLI
O JOGO COMO OPORTUNIDADE DE APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UM ESTUDO
EXPLORATÓRIO
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
2
THANDARA GARCIA RAVELLI
O JOGO COMO OPORTUNIDADE DE APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UM ESTUDO
EXPLORATÓRIO
ORIENTADOR: Profº Dr. ADRIANO MONTEIRO DE CASTRO
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Monografia apresentada ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso de Ciências Biológicas, modalidade Licenciatura.
3
À minha família, por não me
deixar desistir.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Profº Dr. Adriano Monteiro de Castro, que além de me
orientar para a realização desse trabalho contribuiu de forma decisiva para a
minha formação. Agradeço também à Profª Drª. Rosana dos Santos Jordão,
que teve sempre muito empenho em sua profissão, e à Profª Drª. Magda
Medhat Pechliye que orientou a confecção do jogo e aceitou fazer parte da
minha banca além de contribuir para a minha formação. Agradeço à Profª Ms.
Maria Lucila Ribeiro Campos, que também aceitou gentilmente fazer parte da
minha banca.
Agradeço à minha família, por não me deixar desistir nos momentos
difíceis e, em especial, à minha irmã Katherine Garcia Ravelli, que foi essencial
para a elaboração do jogo, que é tema desse trabalho, e que sempre me
apoiou. Muito obrigado pelo amor e carinho, não seria nada sem vocês.
Por fim, agradeço a todos os meus amigos, que me ajudaram com as
filmagens e em todos os momentos que eu precisei, e ao meu namorado
Giovan pela paciência e companheirismo.
E agradeço a Deus, por me abençoar e possibilitar tudo isso.
5
RESUMO
Os materiais didáticos são ferramentas fundamentais para a facilitação
do processo ensino aprendizagem, e o jogo é uma ferramenta essencial que
pode proporcionar diversas vantagens sobre os materiais tradicionais, visto que
propõe a participação ativa do aluno e a materialização de conceitos mais
abstratos. Por isso, esse trabalho foi desenvolvido para evidenciar e analisar as
características do jogo que favorecem não só as práticas pedagógicas mas
também a aprendizagem, a qual, as abordagens tradicionais do ensino
frequentemente relegam ao patamar da simples memorização e reprodução.
Para a constatação e análise dessas características, foi aplicado um jogo sobre
sistema sanguíneo ABO para alunos do primeiro semestre do curso de ciências
biológicas de uma universidade particular em São Paulo. Os resultados nos
mostraram que o jogo, por ser desafiador e desenvolver a proatividade do
aluno, atua positivamente em diversos fenômenos, como criatividade,
socialização, motivação e cognição. Dessa forma, o jogo aumenta o
envolvimento do aluno com o conteúdo, sua capacidade de resolver situações
problema e, por fim, estimula seu raciocínio lógico e facilita sua aprendizagem.
Palavras chave : Jogos, recurso didático, educação, ensino
6
ABSTRACT
The didatic materials are fundamental tools to make the learning process
easier, and the game is an essencial tool which can provide several advantages
upon the traditional materials, once it allows the student to participate actively
and promotes the consolidation of more abstract concepts. Therefore, the paper
herein was developed to analyse and make evident game characteristics which
are favorable not only to pedagogical practices, but also to the learning
process that in traditional teaching approaches are often reduced to simply
memorizing and reproducing. For the conclusion and analysis of these
characteristics, a game about the ABO blood system was applied to the
Biological sciences first semestre students of a private University in São Paulo.
The results show us that the game, for being challenging and developing the
student's proactivity, it performs positively in sereval phenomenon such as
criativity, socialization, motivation and cognition. Therefore, the game increases
students interaction with the content taught, as well as their capacity of solving
problematic situations and finally stimulates their logical thought, making the
learning process easier.
Key words: games, didactic resource, education, teaching
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................08
2. Um quadro de críticas ao ensino tradicional...........................................10
3. Abordagens interacionistas e a motivação na aprendizagem.................13
4. O jogo como proposta inovadora no ensino..........................................18
5. Procedimentos metodológicos.............................................................22
6. Análise de dados e discussão..............................................................25
7. Considerações finais............................................................................35
8. Referências Bibliográficas....................................................................36
8
1. INTRODUÇÃO
Os jogos educativos vêm sendo utilizados há algum tempo junto à
reflexão sobre as práticas educacionais para suprir algumas lacunas deixadas
pelo que denominamos ensino tradicional como, por exemplo, a necessidade
dos alunos em participarem ativamente da aula e a possibilidade de
materialização do objeto de estudo, visando o aumento de sua interação com o
sujeito, facilitando dessa forma a construção do conhecimento. Além disso, os
jogos também podem desenvolver diversas habilidades, como socialização de
conhecimentos prévios, soluções de problemas e etc.
É importante ressaltar que a obtenção desses resultados não depende
unicamente do jogo, muito pelo contrário, o jogo torna-se apenas uma
ferramenta através da qual o professor atinge seus objetivos. Portanto, os
objetivos, a concepção do professor a respeito do processo ensino
aprendizagem e a reflexão contínua a respeito de suas práticas vão ser os
fatores decisivos para o sucesso ou fracasso da atividade.
O caráter desafiador e divertido do jogo faz com que os alunos se
envolvam na atividade como sujeitos ativos tornando seu aprendizado
resultado da sua interação com o objeto estudado, despertando-lhes dessa
forma a curiosidade e o interesse pelo conteúdo que, discutido apenas na
teoria, pode ser desinteressante e de difícil compreensão.
Esse tema foi escolhido para o presente trabalho após a realização de
estágios para a observação da rotina escolar em um colégio particular de
educação básica. Pôde-se observar a escassez de recursos que possibilitem a
participação ativa do aluno na aula e a materialização de conceitos abstratos.
Era muito frequente os alunos reclamarem que a matéria era vaga e que eles
tinham muita dificuldade para compreendê-la. Esse fato acabava por
desmotivar os alunos, que se sentiam incapazes de entender o que a
professora ensinava, o que contribuía para sua exclusão do processo ensino-
9
aprendizagem, colocando-os na posição de receptores e reprodutores de
frases e conceitos.
Por isso, a proposta desse trabalho é evidenciar quais características do
jogo favorecem as práticas pedagógicas e, dessa forma, a aprendizagem do
aluno, e analisar de que forma essas características contribuem para que o
aluno participe ativamente nas aulas e que seu conhecimento seja resultado de
sua interação com o ambiente e não cópias de conceitos.
O presente trabalho conta com um referencial teórico, que faz uma
relação entre alguns autores que discutem ensino tradicional, construtivismo e
jogos como objetos de ensino. Nos procedimentos metodológicos está descrito
todo o processo realizado para a coleta de dados, como foram realizadas as
observações e as anotações, diante da realização de uma atividade com jogo.
Após os procedimentos metodológicos, os resultados são categorizados e
descritos juntamente com a análise.
10
2. Um quadro de críticas ao ensino tradicional
As práticas educacionais têm sido grande foco para estudos visando um
aperfeiçoamento das teorias educativas e suas práticas. Para facilitar a análise
do processo educativo e obter sua maior compreensão Mizukami (1986)
realizou um estudo para caracterização e classificação de diferentes
abordagens do ensino, possibilitando, assim a elaboração de um quadro de
críticas às abordagens mais tradicionais do ensino.
Segundo Mizukami (1986), a abordagem tradicional tem sua origem nas
práticas educativas e na sua transmissão através dos anos, e não conta com
uma fundamentação teórica empiricamente validada. Além disso, é centrada na
ação do professor sendo os alunos considerados “tabulas rasas” sobre as
quais, os professores lançarão os conteúdos que devem ser memorizados.
Além disso, considera o sujeito como alguém que não tem nenhum
conhecimento, e que o saber tem pouco valor, portanto são tratados como algo
vazio, que deve ser preenchido (MACEDO,1994).
Macedo (1994) complementa essa afirmação, dizendo que o ensino, sob
essa perspectiva, baseia-se no conhecimento socialmente produzido, e
acumulado, cuja transmissão deve ser feita ou repetida para aqueles que ainda
não o tem. Esse transmissor de conhecimentos acumulados será
invariavelmente o professor, e o ensino será voltado para fatores externos aos
alunos como o programa e as disciplinas e o educando apenas executa
prescrições que lhe são fixadas por autoridades exteriores, sendo um receptor
passivo até que, quando repleto das informações necessárias, pode repeti-las.
São necessários provas e exames para a constatação de que o mínimo exigido
para aquela série foi conseguido pelo aluno (MIZUKAMI,1986).
O ensino tradicional parte do pressuposto de que as faculdades mentais
dos indivíduos são capazes de acumular e armazenar informações,
transmitidas essencialmente pela educação formal, a escola. Os resultados
11
estão voltados para alcance de modelos pré-estabelecidos, de acordo com
idéias selecionadas e organizadas logicamente, sem ênfase no processo de
aprendizagem (MIKUKAMI, 1986). Graças ao pressuposto de que ensinar é
transmitir informações, Rosa (2007) atribui aos alunos, nessa abordagem, o
papel de escrivão dos conteúdos do programa, de modo que o aluno fica com
sua capacidade de raciocinar limitada e restrita, o que desenvolve uma
mentalidade lotérica, em que o saber está reduzido ao maior número de pontos
em testes, que não exigem nenhum raciocínio.
O alcance dos resultados almejados pelo ensino tradicional implica na
exigência de modelos e padrões que devem ser reproduzidos, levando a uma
aprendizagem que se fundamenta na cópia de frases, palavras e letras, que
não fazem sentido para o aluno (MACEDO, 1994).
Esses modelos e padrões são essencialmente o que denominamos escola
tradicional, que é o lugar onde se realiza uma educação que se restringe a um
processo de transmissão e recepção de informações, feito em sala de aula. As
decorrências do ensino tradicional consistem na formação de alunos com
reações esteriotipadas, automatismos, denominados hábitos, apresentando
com freqüência compreensão parcial. As tarefas são quase sempre
padronizadas, o que implica em recorrer-se à rotina para conseguir a fixação
do conhecimento (MIKUKAMI, 1986).
A relação professor- aluno é vertical, sendo que o pólo professor detém o
poder decisório quanto à metodologia, conteúdo e aula. Os conteúdos e
objetivos são definidos por fatores externos como escola e/ou sociedade, e não
pelos sujeitos do processo (MIKUKAMI, 1986).
O modelo tradicional, que é freqüentemente adotado por razões históricas,
é também um dos mais criticados. Freire (1987) define o ensino tradicional
como “ensino bancário”, onde o professor é o narrador e os alunos são os
ouvintes. O educador aparece como indiscutível agente, cuja tarefa é encher os
educandos com os conteúdos de sua narração. Os conteúdos são retalhos da
realidade e desconectados da totalidade, onde ganhariam sentido.
12
Rosa (2007) concorda, dizendo que o professor tradicional é a figura
detentora do saber, e que dessa forma o máximo conseguido é que os eles
enriqueçam seus próprios conhecimentos, através da prática de dar aula para
si mesmo. Na concepção bancária de educação, o saber é uma doação dos
que se julgam sábios aos que se julgam nada saber, é o ato de depositar, de
transferir e transmitir valores e conhecimentos (FREIRE,1987).
Rosa (2007) complementa essa idéia, afirmando que no ensino
tradicional os alunos são reduzidos a reprodutores dos pontos do programa, o
que delimita e restringe a capacidade do aluno de pensar de decidir seus
próprios caminhos.
Esse tipo de fracasso, onde os alunos viram meros reprodutores, segundo
Rosa (2007), é o que vem impulsionando a necessidade de repensar as
práticas pedagógicas, adotando uma nova proposta cuja a preocupação central
seja a inteligência. É nesse contexto que surge a importância de dar atenção à
perspectiva construtivista.
13
3. As abordagens interacionistas e a motivação na
aprendizagem
O construtivismo tem suas raízes no século XVIII, filho do movimento
iluminista, onde defendia-se a capacidade humana de guiar-se pela razão e,
através dela, criar e recriar o mundo (ROSA,2007). No Brasil, foi a partir da
década de 80 que o construtivismo passou a ser foco de estudos e debates,
levando até mesmo à implantação do Ciclo básico na rede estadual paulista em
1984. Porém, há um grande abismo entre a teoria e a prática, além da
tendência a simplificação, o que leva a julgamentos apressados, preconceito e
à práticas equivocadas (ROSA, 2007).
Esse abismo deve-se ao fato de que muitos educadores têm uma visão
metodológica do construtivismo, considerando-o até mesmo como uma técnica,
e esse tipo de concepção também leva freqüentemente a práticas equivocadas.
Solé (2006) e Rosa (2007) concordam ao dizer que o construtivismo não é um
livro de receitas e nem um método ou técnica que pode ser seguido passo a
passo. Para elas construtivismo é um paradigma teórico que possibilita a
reflexão sobre as práticas educativas e direciona o professor para
contextualizar e priorizar metas, e analisar e modificar sua atuação. Para Rosa
(2007), essa visão do construtivismo como metodologia, se deve à grande
expectativa dos professores de encontrar um jeito milagroso de melhorar o
desempenho dos alunos.
Kamii (1991), complementa afirmando que o construtivismo não é uma
metodologia universal, que pode ser usada por todos os professores para
ensinar todos os alunos da mesma maneira. Assim como os alunos devem
reinventar o conhecimento para torná-lo seu, cada professor deve construir sua
própria maneira de trabalhar.
Para Solé & Coll (2006) o construtivismo não é uma teoria, mas um
referencial explicativo, que os professores podem observar, refletir e julgar e, a
14
partir disso, tomar suas próprias decisões a respeito de como agir em relação
às suas praticas. O construtivismo não determina essas decisões, porque elas
dependem de fatores peculiares que envolvem cada cultura, sociedade,
instituição de ensino e cada aluno. Além disso, muitas vezes, essas escolhas
não estão sob responsabilidade exclusiva do professor, estando submissas a
regras e normas.
Dessa forma o construtivismo deve servir como um conjunto de
princípios, que ajudam os professores a contextualizar e priorizar suas metas,
analisar e planejar suas ações e modificá-las quando necessário, promovendo
uma grande adequação de suas práticas (SOLÉ & COLL, 2006). Para Rosa
(2007), essa modificação de ações, pode ser a parte mais difícil, pois o
professor oferece resistência à mudança de concepção, devido ao grande
apego à rotina e à metodologia.
A concepção construtivista parte do princípio de que o desenvolvimento
da inteligência é dado pela ação mútua entre o indivíduo e o meio, ou seja, o
ser humano nasce com potencial para aprender, mas esse potencial só será
desenvolvido na interação com o mundo, na experiência e na reflexão sobre
cada ação. O construtivismo segue o principio de que aprender não é copiar ou
reproduzir a realidade, mas ser capaz de fazer ligações dos conhecimentos
prévios, com o que observamos e, a partir daí, criar significados próprios e
pessoais para o nosso objeto de conhecimento (SOLÉ & COLL, 2006).
O aluno capaz de fazer essas relações e de criar significados próprios
para o objeto de conhecimento, aprende por um processo de construção
interior, desencadeada pela interação do sujeito com o ambiente. No
construtivismo esse é o verdadeiro significado da construção do conhecimento,
o que não ocorre se o aluno apenas interiorizar seu objeto de conhecimento
como no ensino tradicional (KAMII,1991).
Já que esse processo de construção interior é gerado pela interação do
aluno com o ambiente, o ambiente em que ele se encontra deve ser favorável,
ou seja, deve ser desafiador e promover desequilíbrios, para que o aluno
necessite buscar novos significados, para reorganizar suas idéias e
15
conhecimentos. Isso é o que se pode chamar de desconstrução de
conhecimentos prévios, para a elaboração e atribuição de novos significados
(SOLÉ,2006).
Esse processo de construção, com base na desconstrução de
conhecimentos prévios, para a reformulação significativa, é discutido também
por Solé & Coll (2006), que dizem que no processo de construção do
conhecimento, o aluno não só modifica o que já possui, mas também interpreta
o novo de uma forma diferente, para integrá-lo e apropriá-lo. Quando ocorre
esse processo, diz-se que o aluno está aprendendo significativamente,
construindo um significado pessoal para o conhecimento. Porém aprender
significativamente não conduz á acumulação de novos conhecimentos, mas à
integração e modificação de conhecimentos prévios.
Rosa (2007) acredita que esse processo de reformulação, ocorre
mediante a insuficiência de respostas do próprio sujeito, e entre o desequilíbrio
e a satisfação da necessidade por ele provocada, é onde ocorrem os
processos cognitivos, nos quais hipóteses são formuladas, testadas e
revisadas até o entendimento, no momento em que se concretiza a
aprendizagem.
Concluindo, Solé (2006), diz que para que o aluno possa atribuir
significados novos, através do processo desconstrução interna ou desequilíbrio
citado acima, ele necessita se deparar com situações que exijam novas buscas
para que, dessa forma, ele consiga desenvolver, a nível cognitivo, respostas
que dêem conta dessas novas situações. Além disso, esse processo é
animado por uma motivação, que quebrará um equilíbrio inicial, levando a um
desequilíbrio, que faz com que o aluno busque o reequilíbrio.
Essa motivação que leva ao desequilíbrio inicial é, segundo Rosa
(2007), papel do professor, que deve ser desestabilizador. A ele cabe desafiar,
instigar à dúvida, retirar dos alunos a certeza que os coloca em situações
passivas e confortáveis e, por fim, a definir os objetivos e direcionar os rumos
da ação pedagógica.
16
É nessa perspectiva que começamos a notar a importância da
motivação para a aprendizagem efetiva do aluno. Por isso, discutiremos a
seguir sobre essa problemática.
Para Fita e Tapia (2001) motivação é um conjunto de variáveis que
modificam e orientam a conduta do aluno, para alcançar um determinado
objetivo. Dessa forma, o aluno encontra-se ou não motivado em função do
significado do trabalho que vai realizar. Ele percebe esse significado dentro de
um contexto, à medida que interage com seus objetivos.
Esse processo de motivação, para Nérice (1989) é um fator decisivo no
processo de aprendizagem, já que estimula um esforço voluntário por parte de
quem aprende. Além disso, Nérice (1989) assim como Fita e Tápia (2001),
acredita que o aluno está motivado quando se dispõe a despender esforços
para alcançar seus objetivos e sente necessidade de aprender o que lhe está
sendo ensinado.
Para Solé 2006, essa necessidade de saber, que surge diante da
apresentação de situações problema novas e surpreendentes, desencadeia
uma mobilização cognitiva, que é fundamental para aprendizagem. O aluno
precisa conhecer os objetivos das atividades propostas e, dessa forma,
relacioná-los a compreensão daquilo que a tarefa implica e realizar o que o
estudo envolve, participando ativamente.
O fato do aluno expressar interesse, está relacionado com a motivação
que o desloca em direção ao objetivo estabelecido para determinada aula
(NÉRICE,1989). Os interesses devem ser estimulados pelo professor que vai
desestabilizar o aluno, e fazer com que ele perceba que aquele conhecimento
vai suprir alguma necessidade.
Para Fita e Tapia (2001) o interesse surge da facilidade com que a nova
informação se relaciona com o que o aluno já sabe. Quando há dificuldades
nesse processo, torna-se mais difícil manter a atenção do aluno centrada na
informação que está sendo recebida, o que pode propiciar lacuna na
17
compreensão, o que pode ser interpretado pelo aluno como falta de
capacidade.
Outro aspecto importante para a motivação do aluno é despertar sua
curiosidade e mostrá-lo a importância dos conteúdos, valorizando e
contextualizando seus conhecimentos prévios, e fazendo com que o aluno
perceba que aquilo que ele está aprendendo irá suprir alguma necessidade
(FITA E TÁPIA,2001).
Mostrar ao aluno a importância do conteúdo que lhe está sendo
ensinado é, para Nérice (1989), apenas uma das maneiras de motivá-lo. Outras
técnicas de motivação citadas por ele são: correlação do conteúdo com o real,
ocorrências atuais da vida social, participação do aluno (aluno é tirado da
situação de espectador), experimentação, material didático e espírito lúdico.
Os dois últimos tópicos serão foco de estudo desse trabalho, que
apresenta o jogo como um recurso que une o material didático e o espírito
lúdico. Para Nérice (1989), o material didático deve servir como forma e ilustrar
e concretizar os assuntos. Segundo ele, assim como o lúdico é caracterizado
pelo interesse pelo brincar e pela recreação, o jogo é uma forma de dar um ar
de festividade ao ambiente escolar.
Apesar de tantas técnicas, Fita e Tápia (2001) afirmam sem dúvidas,
que é pelo contato pessoal com o aluno que os professores podem incidir mais
eficazmente sobre sua motivação, analisando seus progressos, as causas dos
seus êxitos ou fracasso e reorientando seus esforços. Se o professor é capaz
de estabelecer canais de comunicação pessoal com cada um de seus alunos,
pode tratar com sucesso os problemas com motivação que irão se
apresentando.
18
4. O jogo como proposta inovadora no ensino.
Visto que esse trabalho propõe uma abordagem do ensino diferente da
tradicional, tendendo a uma concepção construtivista, iremos discutir sobre a
utilização dos jogos como um recurso didático que, segundo Kishmoto (2000),
significa criar condições para maximizar a construção do conhecimento através
da introdução das propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de
iniciação e ação ativa e motivadora. Kamii (1991) assim como Kishmoto
(2000), acredita que o jogo utilizado de maneira não tradicional pode
potencializar a aprendizagem dos alunos.
Campos et al. (2003) também acreditam que a apropriação e a
aprendizagem significativa são facilitadas quando o conteúdo toma a forma de
atividade lúdica, pois essa proporciona uma maneira mais interativa e divertida
de aprendizado, além de possibilitar a proatividade do aluno.
Entretanto para que o jogo possa ser útil no processo educacional, como
citado acima, ele deve propor ruma situação problema desafiadora e
interessante, de modo que todos os alunos possam participar ativamente
desde o começo até o fim, sem que aja centralização da aprendizagem no
professor. Dessa forma cabe ao professor a verificação e observação da
participação de todos os jogadores, o que implica na participação contínua dos
alunos, seja pensando, agindo ou observando (KAMII,1991).
Para serem utilizados como recuso didático, os jogos precisam manter
algumas características fundamentais, como seu caráter lúdico, divertido e
desafiador. É graças a essas características que os jogos estão presentes na
sociedade há tantos anos, e aparecem tão fortemente na cultura atual. Dessa
forma é muito apreciado por pessoas de todas as idades e, por apresentarem
fortemente as características citadas acima, devem ser uma atividade
voluntária, que se for sujeita a ordens deixa de ser jogo, podendo ser no
máximo uma imitação forçada (HUIZINGA, 2001)
19
Apesar de achar que o verdadeiro significado do jogo está contido nas
características mencionadas acima e não em definições lógicas, biológicas ou
estéticas, Huizinga (2001) na tentativa de definir a função biológica do jogo, cita
duas teorias distintas, uma infere que o jogo possibilita uma preparação do
jovem para tarefas mais sérias, e a outra trata de um exercício de autocontrole,
que é indispensável para o individuo.
Ambas as definições citadas por Huizinga (2001) nos mostram que para
que o jogo mantenha sua essência, ele não pode ser imposto, ou seja, deve
ser uma atividade voluntária. Assim como Huizinga (2001), Kishmoto (2000)
acredita que esse clima de liberdade proporcionado pelo jogo é propício a
aprendizagem e estimula o interesse, autodescoberta e a reflexão.
Além de ser uma atividade voluntária, Huizinga (2001), afirma que o jogo
deve ser exercido dentro de certos e determinados limites de tempo e de
espaço, segundo regras livremente consentidas, porém absolutamente
obrigatórias, acompanhada de um sentimento de tensão e alegria e de uma
consciência de ser diferente da vida cotidiana.
Nessa perspectiva, proposta por Kishmoto (2000) , o jogo deve ser
utilizado como um eixo que conduz ao conteúdo, pois possibilita a
autodescoberta, a assimilação e a integração com o mundo, por meio de
relações e de vivências. Campos et al. (2003) também acredita que o jogo é
uma alternativa viável, pois através dessa integração com o mundo, o aluno
pode, através da socialização de seus conhecimentos prévios, construir
conhecimentos mais elaborados e aprofundados.
Apesar de tantas indicações para o uso de jogos na educação, Costa e
Pinho (2008), acreditam que o jogo não se apresenta como uma solução
mágica para o ensino, mas se constitui em material didático inovador e
motivador em relação ao aprendizado e ao conteúdo a ser abordado, e o
professor irá utilizá-lo em função dos objetivos que tem a alcançar.
Dessa forma, podemos dizer que o jogo, por si só, não apresenta uma
solução viável para a melhora da aprendizagem, ele deve acompanhar os
20
objetivos, critérios e concepção dos professores. Se o professor utilizar os
jogos adequadamente, ele pode servir para que os alunos fiquem mais
motivados, pois querem jogar bem e, dessa forma, se empenham mais em
superar seus obstáculos cognitivos e emocionais. Estando mais motivados
durante o jogo, ficam mais ativos mentalmente (KISHMOTO,2000).
Entretanto, não são todos os professores que acreditam na utilidade do
jogo como um instrumento de ensino. Segundo Campos et al. (2003) há um
certo preconceito por parte dos professores, que acham que por estar ligado ao
divertimento e ao prazer, o jogo não pode ser uma ferramenta de ensino útil e,
por isso, é pouco importante para a formação do aluno. Outros professores,
segundo Kamii (1991), têm uma visão limitada do valor do jogo, e ficam tão
preocupados que os alunos joguem corretamente que acabam por reforçar sua
autonomia.
Em verdade o jogo deve ajustar-se á maneira como o aluno pensa, para
reduzir ao máximo o protagonismo do professor. Isso porque um dos aspectos
fundamentais que o jogo desenvolve no aluno, é sua autonomia. Alunos que
confiam em sua capacidade de tirar conclusões próprias constroem
conhecimento mais depressa. Indivíduos com autonomia e, consequentemente,
mais autoconfiantes tentam mais incisivamente chegar a uma resposta e,
quando conseguem, não têm medo de expressa-la. Em contrapartida, os
alunos submissos ao protagonismo do professor, perdem sua confiança e, por
medo de errar, ficam calados e com a mente isenta de opiniões, permanecendo
passivos (KAMII, 1991).
Se o aluno se torna passivo e o professor reforça sua própria autonomia,
o jogo perde sua razão e sua eficiência, já que sua essência encontra-se no
fato de que em meio à riqueza de situações de aprendizagem que ele propicia
nunca se tem certeza que a construção do conhecimento do aluno será
exatamente a mesma desejada pelo professor (KISHMOTO, 2000).
Além de todas as vantagens já citadas da utilização do jogo como apoio
no processo educativo, Miranda (2001) destaca ainda, cinco fenômenos que
podem ser beneficiados pela adoção de atividades lúdicas: cognição,
21
motivação, socialização, afeição e criatividade. Tais fenômenos serão
discutidos a seguir.
Dessa forma, ao permitir a ação intencional (afetividade), a construção
de representações mentais (cognição), a manipulação de objetos, o
desempenho de ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações
(social), o jogo contempla várias formas de representação do aluno, ou seja,
suas múltiplas inteligências, contribuindo efetivamente para o seu
desenvolvimento e aprendizagem (KISHIMOTO, 2000).
22
5. Procedimentos metodológicos
O presente estudo corresponde a uma pesquisa de natureza qualitativa,
ou seja, voltada a analisar e discutir dados descritivos. Segundo Lüdke e André
(1986), a obtenção desses dados pode se processar, dentre outras
possibilidades, pela observação direta do espaço social estudado e, nesse tipo
de pesquisa, os dados são analisados a partir de um processo frequentemente
indutivo, mas a partir do referencial teórico do estudo.
Visto que a proposta desse trabalho é evidenciar quais características do
jogo favorecem as práticas pedagógicas e, dessa forma, a aprendizagem do
aluno, e analisar de que forma essas características contribuem para que o
aluno participe ativamente nas aulas e que seu conhecimento seja resultado de
sua interação com o ambiente e não cópias de conceitos, desenvolveu-se um
estudo exploratório do jogo como material didático, tornando-o objeto de
observação. Lüdke e André (1986) acreditam que a observação, como método
de obtenção de dados, possibilita um contato pessoal e estreito entre o
pesquisador e o objeto pesquisado.
Para a coleta de dados, foi realizada a aplicação de um jogo
confeccionado na disciplina Metodologia do ensino de biologia , com a
orientação da professora Magda Medhat Pechliye. O jogo foi aplicado à
estudantes que estão cursando o primeiro semestre do curso de Ciências
Biológicas, de uma universidade particular em São Paulo. Optou-se pelo
primeiro semestre porque supostamente o contato desses alunos com o ensino
médio é mais recente e, é a essa etapa do ensino que o jogo se destina.
A aplicação do jogo foi filmada, sendo que cada um dos grupos
formados para a atividade contou com uma filmadora exclusiva para que, a
partir da transcrição dos resultados, fossem feitas as anotações. Os focos das
observações das fitas gravadas foram previamente estruturados, sendo
23
mantidos sempre na atitude, expressão, comentários, e comportamentos dos
alunos.
Segundo Lüdke e André (1986), para que a observação se torne um
instrumento válido para a pesquisa, ela precisa ser previamente planejada,
delimitando-se o que e como observar. Por isso delimitou-se à observação da
interação e reação dos alunos, enquanto realizavam a atividade.
- A aplicação do jogo
A sala foi dividida em quatro grupos, três grupos com doze pessoas e
um grupo com treze pessoas. Foi dada a cada grupo uma situação problema.
Dois grupos receberam a seguinte situação: José sofreu um acidente e
precisou de uma transfusão. Ele é do tipo sanguíneo A. No banco de sangue
do hospital esse tipo sanguíneo está em falta. Como vocês resolveriam esse
problema? Os outros dois grupos receberam uma situação problema
semelhante: Rafael sofreu um acidente e precisou de uma transfusão. Ele é do
tipo sanguíneo AB. No banco de sangue do hospital esse tipo sanguíneo está
em falta. Como vocês resolveriam esse problema?
Os grupos receberam juntamente com a situação problema um boneco
que representava o paciente e as bolsas de sangue presentes do hospital, de
acordo com cada um dos casos.
Depois que os grupos estavam formados, eles foram orientados a
respeito da atividade: explicou-se que eles receberiam uma situação problema
que aconteceu em um hospital quando um paciente precisou de transfusão, um
boneco que representava o paciente da situação problema, e as bolsas de
sangue que estariam disponíveis no hospital. Eles foram orientados a discutir
entre os membros do grupo qual seria a bolsa de sangue mais apropriada para
a transfusão e que após sete minutos eles elegeriam um representante que
justificaria a decisão do grupo.
Foi mostrado aos alunos, como fazer as transfusões, abrindo o saquinho
e tirando a fita adesiva que se encontrava atrás das hemácias e dos anticorpos,
representados em EVA. Cada tipo sanguíneo estava representado de uma cor.
24
Os bonecos com tipo sanguíneo A, tinham em seu corpo hemácias e
anticorpos amarelos, e acompanhavam bolsas de sangue do tipo B, AB e O.
Os bonecos do tipo sanguíneo AB tinham em seu corpo hemácias de cor roxa,
e acompanhavam bolsas do tipo A, B, e O. Enquanto os grupos discutiam qual
a bolsa de sangue seria utilizada, a professora1 passava entre os grupos, tirava
dúvidas e direcionava a discussão dos alunos.
Após os sete minutos, os alunos sentaram em circulo e cada grupo
justificou a sua decisão.
-Coleta, organização e análise dos dados
Após a transcrição das filmagens, os resultados foram organizados de
acordo com as categorias de análise, que segundo Miranda (2001), tornam o
jogo útil para a construção de conhecimentos em contextos educativos:
cognição, motivação, criatividade e socialização.
O autor também considera uma quinta categoria, a afeição. Porém essa
ultima categoria, não é possível de categorizar, visto que o contato com os
alunos foi muito breve. A classificação dos episódios nessa categoria demanda
uma convivência com os alunos, que não foi possível durante a coleta de
dados.
1 A professora em questão foi Thandara Garcia Ravelli, autora do presente trabalho, e as pessoas que realizaram as filmagens foram: Anna Carolina Milo, Eduardo Abrahão, Guilherme Lessa e Tiago Rodrigues
25
6. Análise de dados e discussão
Visto que o objetivo desse trabalho foi evidenciar e analisar as
características do jogo que favorecem a aprendizagem dos alunos, os
resultados foram classificados em quatro categorias que, segundo Miranda
(2001), são fenômenos afetados beneficamente pela adoção de atividades
lúdicas. São elas: Cognição, motivação, criatividade e socialização.
As falas dos alunos serão escritas literalmente e, por isso, aparecerão
em itálico e entre aspas.
Cognição
Para Miranda (2001), o jogo educativo é utilizado geralmente com o
intuito de desenvolver nos alunos a habilidade de resolver problemas, de
pensar logicamente e na sua capacidade de abstração. Esse três aspectos
estão diretamente relacionados à cognição. A cognição é fundamental para que
ocorra a construção do conhecimento.
O desenvolvimento no nível cognitivo, para Solé (2006), é necessário
para que o aluno consiga reformular e construir conhecimentos. Para isso é
preciso que o aluno se depare com situações que causem um desequilíbrio e
que, dessa forma, ele seja movido para buscar novas respostas. Esse tipo de
desequilíbrio pôde ser observado quando os alunos notaram que seus
conhecimentos não eram suficientes para contemplar a situação que lhe era
proposta:
Depois de optarem por fazer a transfusão com o tipo sanguíneo O, uma aluna
indaga:
“Aluno 1 : Gente, quem tem tipo sanguíneo A não tem anticorpo anti A,se esse
é O, então ele não tem nenhum anticorpo não é?
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Aluno 2: Mas é por isso que a gente ta usando o O, ele é doador universal.
Aluna 1: Mas olha ai no saquinho, tem anticorpo, os dois.
Aluna 2: Então a gente não pode colar os anticorpos, tira os anticorpos se não
explode a hemácia e a pessoa morre”
Nesse caso, os conhecimentos prévios dos alunos, diziam que o tipo O
era o tipo sanguíneo chamado doador universal e que, portanto, ele poderia ser
utilizado. Porém quando iniciam a atividade, percebem que o tipo O possui
anticorpos, o que poderia impossibilitar o fato de ele ser doador universal.
Quando a aluna é informada que o tipo O possui os anticorpos de fato, ela
questiona:
“Mas se ele tem os dois anticorpos, então ele não pode ser doador universal,
de onde tiraram essa idéia?”
Fica evidente na fala da aluna, que ela estava se deparando com uma
situação desestruturadora, onde seu conhecimento não era suficiente para
responder aquela nova situação em que ela se deparava. Esse tipo de situação
é o que Solé e Coll (2006) chamam de desconstrução de conhecimentos
prévios, para a elaboração de novos conhecimentos. Essa reelaboração de
conhecimentos envolve uma interação do aluno com seu objeto de ensino, que
no caso foi o jogo, para que ocorra um processo de construção interna (KAMII,
1991).
Foi na interação do aluno com o material que ele pode perceber algum
equivoco de seus conhecimentos prévios, para dessa forma reconstruí-los. Se
o aluno não é colocado diante desse tipo de situação, ele interioriza
informações, ocorrendo dessa forma memorização e repetição de conteúdo
(KAMII, 1991).
Rosa, 2007, também acredita que para que ocorra a reformulação de
conhecimentos, o aluno precisa ser colocado diante de situações que mostrem
insuficiências de respostas, e é no processo de busca pela satisfação desses
questionamentos que o aluno desenvolve sua cognição.
27
Situação semelhante é observada em outro grupo, no momento da
atividade:
Quando começaram a colar, os alunos encaixavam os anticorpos presentes
no tipo O, nas hemácias presentes no tipo A, que era o do boneco, as alunas
acham estranho as pecinhas encaixarem, ai um amigo do grupo esclarece:
“Aluno 1:Vocês estão encaixando os anticorpos nas hemácias. As bolinhas são
as hemácias e os pauzinhos são os anticorpos!
Aluno2: Mas se as hemácias e os anticorpos encaixam a gente não pode usar
esse tipo sanguíneo.
Aluno 1: claro que pode, o O é doador universal”
Em ambos os casos relatados, fica evidente que o aluno possui
conhecimentos prévios estereotipados, transmitidos pelo ensino tradicional,
onde ocorre memorização de termos como: Doador universal, hemácia,
antígeno e anticorpo, mas sem o verdadeiro entendimento do significado
dessas palavras já que eles não sabiam o porquê de esse tipo sangüíneo ser
chamado assim, mesmo tendo a certeza de que ele poderia ser utilizado
(MIZUKAMI,1986).
Freire (1987) denomina o ensino tradicional como educação bancária,
pois os educares depositam seus conhecimentos sobre os alunos, que
decoram e repetem suas falas, mesmo que não faça sentido algum para o
aluno, sendo retalhos da realidade. Nesse caso o aluno não precisa utilizar
processos cognitivos, o que limita e restringe a capacidade do aluno de
raciocinar e pensar logicamente (ROSA, 2007).
Abaixo, segue a fala de um aluno, dizendo os tipos sanguíneos que
poderiam ser utilizados para o boneco com tipo sanguíneo AB:
No nosso poderia usar o A e o B também, porque Ab é receptor
universal, mas a gente usou o O porque eu não sei se é aglutinogênio ou
aglutinina, mas é mais favorável, porque o A só tem um tipo”
28
Outras falas que evidenciam o uso de termos e conceitos
estereotipados, sem desprendimento de raciocino:
“ Eu não sei qual a diferença entra aglutitina anti-a, anti-b, aglutinogênio,
qual tipo que tem cada uma, mas se é AB pode usar qualquer um”
No grupo com o boneco AB , em que foi utilizado o tipo O, os alunos os
alunos discutem como vão justificar:
“Aluno 1 : A gente poderia usar o A não poderia?
Aluno 2: Ahh poderia, porque o AB é receptor universal, pode usar qualquer
um.
Aluno 1: E o O é receptor ou doador universal, o que a gente vai falar mesmo?
Aluno 2: Não sei, vamo fala que é porque ele é universal”
Nota-se que ambas as frases do alunos não fazem sentido algum e que
está impregnada de termos e conceitos memorizados. Freire (1987) acredita
que, nesse tipo de ensino, os conteúdos são retalhos da realidade e não fazem
sentido nenhum para o aluno. Esse processo de transmissão de conhecimento,
ao em vez de desenvolver a capacidade de pensar e raciocinar do aluno, o
limita a escrivão dos pontos do programa (ROSA, 2007).
Além disso, quando a atividade se inicia, os alunos lêem a situação
problema e, automaticamente, fazem suas escolhas com base nos conceitos:
receptor universal e doador universal. Não houve nenhum grupo, que justificou
a opção de doação com outra frase, o que é mais um indício de que os alunos
absorveram o conteúdo, sem nenhum questionamento ou dúvida,
simplesmente decoraram.
Ao realizar uma tarefa que envolva um processo de desequilíbrio, como
a situação problema proposta pelo jogo, e o aluno tenha que aplicar de fato os
seus conhecimentos, nota-se que os conceitos decorados não ajudam a
solucioná-las e, é ai que entra a função cognitiva do jogo, citada por Miranda
(2001), cujo o papel é de suavizar o trabalho predominantemente intelectual da
29
aprendizagem.Isso é visível quando um aluno que, olhando para o boneco,
consegue descobrir as respostas da situação problema:
Quando questionados sobre o fato de o O ser doador universal e ter
anticorpos, um aluno olha para o boneco e diz: “é porque a pessoa que vai
receber recebe poucos anticorpos?”
A resposta do aluno foi construída de fato, pela sua interação com o
ambiente, necessitando dessa forma de uma mobilização no nível cognitivo
(SOLÉ, 2006).
Motivação
O aspecto motivador do jogo está ligado à sua dinâmica e ação, que
desafia e mobiliza a curiosidade levando o aluno a se questionar e questionar,
aspectos essenciais de ambientes motivadores que propiciam a construção e
reconstrução do conhecimento (MIRANDA, 2001).
Para Fita e Tápia (2001) o processo de desconstrução de conhecimento,
acontece diante da necessidade de saber do aluno, que o faz despender
esforços para alcançar seu objetivo. Dessa forma, para que de fato possa
surgir essa necessidade de aprender, o aluno precisa ser colocado diante de
situações novas e surpreendentes (SOLÉ,2006).
É possível observar como a curiosidade motiva os alunos em diversas
situações de conflito, desencadeadas pelo jogo:
Enquanto alguns tentam descobrir se as pessoas possuem ou não os
anticorpos anti A e anti B, três alunos pedem:
“Ahh fala a resposta pra gente, a gente tá muito curioso”
É possível observar nessa fala, que o aluno está de fato curioso, pois ele
mesmo faz essa afirmação. Porém ele pede que o professor satisfaça sua
curiosidade e não demonstra a atitude de ele mesmo tentar solucioná-la. Nesse
30
caso, o professor deve ser o responsável por fazer a mediação, para que o
aluno continue curioso mas busque suas respostas e não fique esperando uma
frase pronta, dita pelo professor. E é quando o aluno de dispõe a mobilizar
esforços para solucionar aquele problema, é que ele está verdadeiramente
motivado (NÉRICE,1989).
Outro fato que ocorreu durante a atividade, mostra como o jogo, ao
despertar o interesse do aluno, faz com que o mesmo participe ativamente da
atividade:
Na hora de colar as hemácias no boneco, todo o grupo fica em cima do
boneco, querendo opinar:
Aluno1: “Ah, eu acho que tem que colar uma hemácia em cima da outra”
Aluno 2: “Lógico que não, tem que colar uma do lado da outra”
Dessa forma, propondo uma situação de resolução de problemas, cada
aluno, querendo dar sua opinião, acaba participando da aula, e deixa de ser um
aluno passivo como no ensino tradicional, e acaba sendo um aluno ativo, que
participa do seu processo de aprendizagem, como nas abordagens
interacionistas (MIKUKAMI,1986).
Mesmo após o término da aula, quando o objetivo proposto já tinha sido
obtido, o jogo despertou nos alunos curiosidade para outros aspectos, o que
fez com que eles procurassem a professora perguntando:
Aluno 1:” Se uma pessoa do tipo A receber muito sangue tipo O, faz
mal?”
Aluno 2: “O anticorpo não passa para o filho pela placenta?”
Quando motivados de fato, os alunos não buscam conhecimento para
suprir cronogramas ou obter notas. Eles buscam respostas que suprem sua
necessidade de saber e querem aprender tendo em vista o próprio saber e não
por recompensas como notas, pontos positivos, aprovação etc. Esse processo
de querer aprender por vontade, por um impulso interior, é o que Nérice (1989)
31
e Fita e Tapia (2001) chamam de motivação intrínseca. E mesmo que essa
motivação seja interior, o professor pode desperta-la e desenvolve - lá.
Socialização
Todo jogo, que envolva o trabalho em grupo e/ou o relacionamento entre
os indivíduos é um valioso instrumento de socialização. O fato de um jogo
funcionar como uma simulação da vida faz com que as crianças aprendam a
lidar com suas interações sociais, o que é importante para a construção da sua
personalidade (MIRANDA,2001.)
Campos et al. (2003), acredita que a socialização de conhecimentos
prévios proporcionada pelos jogos é fundamental para a construção de
conhecimentos novos e mais elaborados. Podemos observar esse processo de
socialização em algumas das falas dos alunos:
Um aluno com dúvida a respeito da escolha pergunta para o outro:
Aluno 1: A gente poderia ter usado outro tipo sanguíneo?
Aluno 2: Poderia, porque o AB pode receber de qualquer um, ele é
receptor universal.
Aluno 1: Ahh ta, entendi. E por que a gente vai usar o O?
Aluno 2: Porque como ele pode doar para qualquer tipo, acho que é o
melhor”
No início da atividade, uma aluna olha para o saquinho que continha
tipo sanguíneo O e pergunta para o grupo:
Aluno 1: Gente o tipo O não é doador universal porque não tem
anticorpos? Por que aqui tem os dois anticorpos?
Aluno 2 : O tipo O não tem nem anticorpos nem antígenos?
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Aluno 3: Acho que o tipo O só não tem antígenos, olha aqui a hemácia é
lisinha, não tem nada
Nesses episódios, os alunos compartilham conhecimentos para tentar
solucionar uma dúvida. O fato de os alunos buscarem por respostas, sem
recorrer à ajuda do professor, auxilia no desenvolvimento da autonomia, que
faz com que ele fique mais independente das respostas do educador. Para
Kishimoto (2000), essa é uma função muito marcante do jogo, que é reduzir o
protagonismo do professor, e potencializar a autonomia do aluno. Para ela,
alunos submissos ao protagonismo do professor, perdem sua confiança e, por
medo de errar, ficam calados e com a mente isenta de opiniões, permanecendo
passivos.
Dessa forma, desenvolver no aluno a autonomia para solucionar
problemas, significa prepará-los para situações e tarefas mais sérias, o que,
segundo Huizinga (2001), é uma das funções biológicas do jogo. Para
Kishimoto (2000) , o desenvolvimento da autonomia e o clima de liberdade
proposto pelo jogo são propícios à aprendizagem e estimulam o aluno a
autodescoberta e à reflexão.
Criatividade
Os jogos oferecem a seus participantes uma possibilidade do exercício
da criatividade, favorecendo a autodescoberta e a elaboração de hipóteses
(MIRANDA,2001).
Fica evidente que ao se deparar com situações problemáticas, os alunos
tentam elaborar hipóteses que satisfaçam seus questionamentos e dêem conta
dessa nova situação. E é nessa perspectiva que ocorre a construção do
conhecimento (SOLÈ, 2006).
A elaboração de hipóteses envolve o desenvolvimento da criatividade do
aluno, que visa propor respostas que contemplem uma situação nova. Para
33
Miranda (2001), a criatividade é que abre caminho para a atuação dos demais
fenômenos necessários para a aprendizagem: cognição, socialização, afeição
e motivação.
Durante a aplicação do jogo, ficou visível a tentativa dos alunos de
elaborar hipóteses que pudessem responder aos questionamentos propostos, e
resolver de fato a situação problema. Nesses casos o professor também é
surpreendido, pois algumas hipóteses são inéditas e mostram a capacidade de
criatividade do aluno:
Aluno 1 : “O boneco é Ab, e se a gente usar o A e o B, será que pode?”
Aluno 2: “Ah, acho que não pode, tem que usar só um”
Pode-se observar na fala do aluno, que está propondo hipóteses que
contemplem a situação problema que lhe foi proposta.
Para Kishimoto (2001) esse é o papel fundamental do jogo: propiciar
situações de aprendizagem que garantam que cada aluno não aprenderá da
maneira desejada pelo professor, ou seja, cada aluno irá se desenvolver à sua
maneira e ao seu ritmo.
Outra situação de proposta de hipóteses acontece quando a professora
pergunta de onde vêm os anticorpos anti A e anti B:
Aluno 1: “O anticorpo é passado pela mãe?”
Aluno 2: O neném pega quando engatinha? Por isso as mães falam que
nenês têm que engatinhar no chão, pra pegar anticorpos?
Aluno 3: “O bebê pega anticorpos pelo leite materno?”
O jogo proporcionou uma situação em que os alunos mostraram-se
curiosos, sem que esse curiosidade fosse domesticada e seu aprendizado
restrito à memorização mecânica, que restringe sua criatividade. Quando
deparados com situações que possibilitam o exercício da curiosidade, suas
veias criativas aparecem exatamente nas amarrações que vão sendo feitas
34
para responder a esses questionamentos, o que aproxima a motivação a
socialização e a criatividade em torno do exercício cognitivo (FREIRE, 1996).
35
7. Considerações finais
O objetivo desse trabalho foi evidenciar e analisar as características do
jogo que favorecem as práticas pedagógicas e a aprendizagem do aluno.
Dessa forma, foi possível notar que o jogo promove em diversos âmbitos a
aprendizagem, o que de fato o coloca como importante recurso didático para a
educação formal.
Foi muito visível a motivação dos alunos em relação à atividade e como
ela despertou-lhes o interesse e curiosidade pelo conteúdo, fazendo com que
os mesmo ficassem mobilizados a elaborar hipóteses que pudessem validar
seus conhecimentos como resposta aos questionamentos.
Assim, podemos inferir que o jogo pode ser uma proposta inovadora no
ensino desde que vise desenvolver no aluno um espírito reflexivo,
questionador, baseado no uso de raciocínio crítico e lógico, de maneira que
seus conhecimentos possam ser aplicados em resoluções de problemas, seja
em grande escala, no dia a dia, ou em menor escala, em situações propostas
pelos educadores.
Além de promover a motivação nos alunos, o jogo possibilita a
socialização, o que os prepara para diversas situações futuras, com as quais
eles vão se deparar.
Pelo desenvolvimento do trabalho podemos perceber que o jogo não
tem sua devida valorização no âmbito escolar e os motivos para que isso
aconteça são diversos, a começar pela noção preconceituosa de que brincar
não é útil para a formação. Por isso, espera-se que com a divulgação de
trabalhos como esse, que evidenciem a importância da utilização dessas
atividades em sala de aula, os jogos sejam devidamente valorizados e
inseridos nas práticas educativas, para viabilizar a formação de alunos que
tenham autonomia e capacidade de solucionar problemas, e não meros
reprodutores de conceitos.
36
8. Referências Bibliográficas
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