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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos
• NUPESDD-UEMS
M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e ISSN: 2178 -1486 • Vo lume 6 • Número 17 • Novembro 2015
NUPESDD – UEMS – Web-Revista SOCIODIALETO – Mestrado – Letras – UEMS/Campo Grande, v. 6, nº 17, nov. 2015 250
O JOGO DE IMAGENS NA CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS
DISCURSIVOS: UMA ABORDAGEM IDEOLÓGICA E
SOCIOPOLÍTICA EM CARTUNS
Vanessa Raquel Soares Borges (UFPI)
1
Francisco Renato Lima (UFPI)
2
João Benvindo de Moura (UFPI) 3
RESUMO: A constituição da imagem no gênero cartum está alicerçada por ideais sociopolíticos e
também ideológicos e é marcada por momentos muitas vezes memoráveis na história de um país. Desse
modo, neste estudo os cartuns selecionados como arquivo para análise são de autoria de Angeli e foram
coletados do Jornal “Folha de S. Paulo” no período de junho de 2013 e têm como tema principal as
manifestações populares que eclodiram no Brasil. O suporte teórico-analítico constitui-se das
contribuições epistemológicas de Michel Pêcheux, introdutor da então disciplina Análise do Discurso
(AD), versando sobre os princípios da materialidade discursiva, o interdiscurso. Na análise, percebe-se
que os cartuns reportam a inscrição, no discurso, dos ideais sociopolíticos de sujeitos em um momento
marcante na composição ideológica brasileira observada nos protestos, mostrando como os efeitos de
sentido formulam a construção das imagens dos sujeitos discursivos inscritos em redes de memória.
PALAVRAS CHAVE: Jogo de imagens. Cartum. Sujeito. Efeitos de sentidos.
ABSTRACT: The formation of the image of the cartoon genre is based on socio-political ideals and also
ideological and is marked by moments often memorable in the history of a country. This way, in this
study the cartoons selected as file for analysis are authored Angeli and were collected from the newspaper
“Folha de S. Paulo”, between June 2013 and have as its main theme the popular demonstrations that
erupted in Brazil. The theoretical, analytical and epistemological contributions is based on Pêcheux, then
the introducer Discourse Analysis discipline (AD), dealing with the principles of discourse materiality,
interspeech. In the analysis, we can see that the cartoons report the inclusion in the speech, socio-political
ideals of subjects in a remarkable moment in the Brazilian ideological composition observed in the
protests, showing the effects of meaning that formulate the construction of images of the enrolled subjects
in discursive that are fixed in memory.
KEYWORDS: Relation of Images. Cartoons. Subject. Effects of meanings.
1 Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Especialista em Linguística e Ensino
(UESPI). Mestranda em Letras – Estudos da Linguagem (UFPI). 2 Graduado em Pedagogia (FSA). Especialista em Neuropsicopedagogia Clínica e Educação Especial
(IESM). Especialista em Docência para o Ensino Superior (IESM). Especialista em Educação a Distância
(UNOPAR). Mestrando em Letras – Estudos da Linguagem (UFPI). 3 Professor Doutor do Departamento de Letras e do Mestrado em Letras – Estudos da Linguagem da
Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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1 INTRODUÇÃO
A Análise do Discurso (AD) é uma disciplina que se configura na década de
1960, na França, a partir das contribuições de Jean Dubois e Michel Pêcheux. Com a
intenção de expandir a ciência Linguística, segundo Orlandi (1997), ambos os autores,
apesar de terem enfoques diferentes, assemelhavam-se por partilharem preocupações
com a luta de classes, sobre a história e os movimentos sociais. Nesse ínterim, uma
disciplina que tem como objeto de estudo o discurso se apresenta como necessária, visto
que o estruturalismo já se encontrava em um desgaste explícito.
Então, com a publicação da Análise automática do discurso, em 1969, Pêcheux
insere no plano da análise do discurso as noções de sujeito e ideologia. Seu
posicionamento se fundamenta associado de maneira clara ao materialismo de Louis
Althusser e sua concepção é norteada posteriormente por Michel Foucault, através do
pressuposto sobre Formações Discursivas. Com essa obra, Pêcheux lança um programa
com uma abordagem teórico-prática e evoca a concepção de maquinaria discursiva, no
qual o discurso era definido e determinado sempre em uma relação com a história e a
construção do corpus era associada ao discurso.
Assim, através dessa elucidação sobre a AD, neste estudo busca-se perceber o
papel do discurso na constituição do sujeito, a partir da elaboração de cartuns em um
período referente às manifestações ocorridas em junho de 2013 e os efeitos de sentido
suscitados, partindo-se da noção do quadro imagético de Pêcheux (1990) que mostra a
formulação da identidade dos sujeitos enunciativos, a imagem que fazem do outro, dele
mesmo e do que é enunciado. Esta análise se mostra relevante haja vista ser objeto de
estudo da AD o sujeito em um espaço de tempo e o sentido que o discurso adquire em
um determinado contexto, levando-se em conta a realidade social-político-ideológica
nas quais está inserido (FERNANDES, 2008).
O cartum é um dos meios de comunicação que mais representa a opinião
popular, por meio de recursos verbais e não-verbais. Neste caso, os arquivos utilizados
para a análise são as charges retiradas do Jornal “Folha de S. Paulo”, por ser este
veículo de informação um dos mais respaldados do país. A coletagem dos arquivos deu-
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se no período de junho de 2013, visto que foi o momento em que eclodiam no país as
reivindicações sobre o aumento das passagens de ônibus, a falta de investimentos na
saúde pública, bem como na educação, alegando-se que a verba pública estava sendo
empregada na construção de estádios para a realização da Copa das Confederações, em
2013, e para a Copa do Mundo da Fifa a ser realizada em 2014, no Brasil.
Neste estudo, a AD de linha francesa embasada nos postulados pecheuxtianos
sobre o discurso e a constituição do sujeito será tomada como suporte para um olhar
mais atento, para que se perceba as contribuições de tal disciplina para as questões de
formulação social, ideológica e política na atual conjuntura. Para isso, o trabalho versa
sobre a noção de sujeito na perspectiva do então supramencionado autor, bem como
relaciona a disciplina à história e à ideologia, além de perceber os efeitos de sentido
provocados na constituição imagética dos sujeitos, através do jogo de imagem que
antecipa como o sujeito ver a sim mesmo, como ele imagina que o outro o ver e como
ele ver o outro e o referente (PÊCHEUX, 1990).
2 O DISCURSO NA PERSPECTIVA PECHEUXITIANA
A AD é uma corrente da Linguística que trabalha com a interação verbal e
enunciativa de interlocutores, através de discursos ideologicamente marcados. O objeto
de pesquisa da então disciplina é o próprio discurso, entendido como “efeitos de sentido
entre locutores” (ORLANDI, 2012, p. 64). Contudo, para que se compreenda o discurso
na concepção pecheuxtiana, é relevante relacioná-la à noção de memória discursiva,
uma vez que essa traz à tona o inconsciente e a ideologia.
Michel Pêcheux é o grande nome da Escola Francesa da AD. Isso porque ele
imprimiu a essa disciplina características que relacionam a Linguística à Psicanálise e à
História. Para o teórico, o discurso é concebido na inter-relação entre linguagem e
ideologia. Para chegar a essa conclusão, ele contou com a contribuição de G.
Canguilhen e L. Althusser ao refletir sobre a história da epistemologia e focar no
conhecimento empírico. Através da análise do funcionamento discursivo, Pêcheux
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explicita que a história determina os processos de significação, e que o discurso tem
relação direta com o simbólico e o político. Isso porque na Análise do Discurso as
relações de poder são significadas, simbolizadas.
Assim, na primeira fase da AD, o discurso, na concepção do autor, é definido,
segundo Orlandi (2012), como sendo efeito de sentido entre locutores, um objeto
histórico e social onde o linguístico é pressuposto. Para M. Pêcheux (1997), o saber
discursivo, presente em cada manifestação enunciativa, produz seus efeitos por
intermédio da ideologia (por uma influência de Althusser a sua teoria) e do inconsciente
(relacionando-se à psicanálise de Lacan, através dos estudos de Freud). Além disso, ele
percebe o discurso tanto na sua estrutura como no seu acontecimento que lhe deu
origem.
É, pois, na associação entre o simbólico e as relações de poder que a AD se
configura na abordagem pecheuxtiana. Segundo Pêcheux (2006), a materialidade
discursiva é percebida através do contato, da associação entre linguístico e histórico;
entendendo por história a interpretação dos fatos ocorridos em determinado momento, o
seu real. Sendo assim, o acontecimento histórico dá origem ao acontecimento
discursivo. O autor analisa o discurso na relação entre acontecimento e estrutura,
entendendo que um mesmo acontecimento histórico pode originar outros enunciados
distintos, construindo distintos acontecimentos discursivos.
A corrente francesa traz uma inovação sobre a concepção de discurso, pois,
segundo Orlandi (2005), o autor dá-lhe autonomia, descentraliza o conceito de
subjetividade (preconizado por Benveniste na Teoria da Enunciação), além de pensar o
sentido como sendo regulado no tempo e no espaço da prática humana. Assim, a
discursividade seria a inscrição da língua na história, através dos seus efeitos materiais.
Está inserida, ainda, nesse processo a abordagem imaginária da relação do sujeito com a
linguagem.
Ademais, é importante destacar a contribuição e influência de Michel Foucault
para Pêcheux quanto ao objeto de estudo da AD, o discurso. No que diz respeito à
Formação Discursiva (FD), Foucault (2002, p. 136) considera que é “um conjunto de
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regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram
uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as
condições de exercício da função enunciativa”. A partir disso, constata-se que as
formações discursivas são os elementos que compõem na história os enunciados. Não
são fechados em si mesmos, podendo ser mutáveis. Cardoso (2003, p. 35) explica a
noção de FD quando afirma que
A formação não é a essência do discurso, não é a sua ‘estrutura profunda ou
seu sentido profundo’, mas é, ao mesmo tempo, um operador de coesão
semântico do discurso e um sistema comum de restrições que pode investir-
se nos universos textuais.
Além disso, para analisar o discurso a partir de Pêcheux, é importante destacar
que o sujeito é preso pelas coerções dos discursos e ideologias às quais está submetido.
Não tendo como dizer o que pensa, todo o seu discurso segue as imposições do espaço
que ocupa no interior da formação discursiva. Nesse ínterim, é importante destacar
também que, por envolver sujeitos oriundos de ideologias diferentes, há no interior de
toda FD a presença de diferentes discursos que a AD denomina de interdiscurso. É,
portanto, o interdiscurso configurado na interdiscursividade, a partir do entrelaçamento
de diferentes discursos provenientes de momentos históricos e lugares sociais
determinados.
Assim, a partir da dispersão de discursos e acontecimentos historicamente
marcados, é possível apreender enunciados e analisar sua materialidade linguística,
encontrando-se, dessa forma, a unidade do discurso, segundo Fernandes (2008). Sendo
o discurso marcado por enunciados precedentes ou que o sucedem, ele ajuda, assim, a
compreender a mudança organizacional que caracteriza as transformações sociais de
que o discurso faz parte. Nesse contexto, a combinação de diferentes discursos faz
surgir os efeitos de sentido em um dado enunciado. Esse sentido é decorrente da
ideologia dos sujeitos e da forma como compreendem a realidade em questão. Dessa
forma, há no discurso uma carga valorativa na qual a ideologia se inscreve e encontra
sua materialidade, sua existência. Dessa forma, é necessário analisar essa inter-relação
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entre linguagem, história e ideologia que marcaram a AD de linha francesa,
especialmente os pressupostos pecheuxtianos sobre o discurso.
3 A RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E IDEOLOGIA NA AD
Com a fundação da Escola Francesa da Análise do Discurso, tendo a frente a
figura de Michel Pêcheux, o discurso se estabelece na associação entre a história e a
ideologia. O teórico explicita que a história determina os processos de significação.
Assim, ele inclui a historicidade no estudo da ciência Linguística e afirma que as
ciências sociais têm relação direta com a ideologia que as funda.
A Linguística vive uma espécie de crise epistemológica nos anos de 1960 e
então, Michel Pêcheux surge em um momento em que a noção de linguagem como
instrumento de comunicação (idealizada pelo funcionalismo, em especial por Roman
Jakobson) já se encontrava em declínio. Dessa forma, a concepção de ideologia (assim
como a do inconsciente), através de Pêcheux, não se configura mais como um construto
residual da linguagem, mas como elementos constitutivos de todo e qualquer discurso,
como também de todo sujeito, segundo Orlandi (2005), já que não se pode mais pensar
em discurso sem sujeito, nem em sujeito sem ideologia. Desse modo, o sujeito passa a
fazer parte da linguagem como um elemento importante.
Então, partindo desse pressuposto, Pêcheux afirma que “toda prática discursiva
está inscrita no complexo contraditório-desigual-sobredeterminado das formações
discursivas que caracteriza a instância ideológica em condições históricas dadas”.
(PÊCHEUX, 1975, p. 213). Ou seja, há em todo discurso uma carga valorativa onde a
ideologia está inserida, sendo determinada por um momento histórico estabelecido.
Em relação aos efeitos da ideologia, Orlandi (2008, p. 56) afirma que “produz a
aparência da unidade do sujeito e da transparência do sentido”, o que equivale dizer que
tomá-los como evidências é estar submersos à ideologia. Isso porque a autora concorda
com a noção de Pêcheux ao estabelecer que a unidade do sujeito é uma simulação e que
a ideologia não parte do sujeito; mas constitui o indivíduo em sujeito. Por isso, o autor
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considera que a ideologia não são ideias e nem tem origem no sujeito; ela está inscrita
no sujeito, o qual se reconhece como tal por pertencer a uma formação discursiva.
Para Althusser (1996), a ideologia é fundamental para que se entenda a teoria
discursiva. O autor parte da concepção metafórica de edifício social, releitura de Karl
Marx, para explicar a estratificação social à qual os sujeitos estão inseridos. A classe
desprestigiada, estigmatizada corresponderia à base econômica na escala piramidal,
seria a infraestrutura do edifício social. Consequentemente, a superestrutura seria o
ápice da pirâmide. Nela encontram-se instâncias políticas, ideológicas e jurídicas.
Porém, essa estrutura piramidal é mutável, intercambiável, ou seja, quem faz parte da
infraestrutura pode passar a constituir a superestrutura e vice-versa.
Althusser (1996) destaca ainda que não se trata apenas de um conjunto de ideias,
mas de práticas materiais que reproduzem ou reconstroem as relações de produção.
Assim, pode-se considerar para a articulação das ideias da AD, duas noções: a
Formação Discursiva (FD) – a qual já foi mencionada neste estudo - e a Formação
Ideológica (FI). Com esses postulados, o autor ajuda a compor a noção de discurso e a
correlacioná-la à história e à ideologia na teoria de Pêcheux.
Ademais, para que se reflita sobre a ideologia nos postulados da Escola francesa
de Pêcheux, é preciso que haja a inserção e análise do e sobre o sujeito, haja vista ser
ele, segundo essa noção, assujeitado pela língua e interpelado pela ideologia. Essa é a
condição para que aconteça a subjetivação. Nessa questão, segundo Orlandi (2012, p.
100), “há um efeito que é o efeito ideológico elementar pelo qual, o sujeito, sendo
sempre-já sujeito, coloca-se na origem do que diz”. Quanto mais imerso nessa
ideologia, mais centrado é o sujeito e, por conseguinte, estará preso à falsa ilusão de
autonomia ideológica. Dessa forma, parte-se do pressuposto de que a ideologia é
construída a partir do equívoco e se estabelece através da contradição. Assim, as
possibilidades de falha se dão por meio da certeza do sujeito, pois não é no conteúdo
que a ideologia afeta o sujeito, mas na estrutura por meio da qual ela funciona.
Contudo, a ideologia é entendida não como ocultação, mas como produção de
evidências. Ela é situada na articulação com a discursividade e a subjetividade, sendo
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esta última pelo fato de que a subjetividade leva o sujeito ao equívoco pela impressão
errônea de ser a origem do que diz – como já explicitado. Assim, uma vez o indivíduo
sendo interpelado como sujeito a partir da ideologia, em um processo simbólico, através
da história o sujeito terá sua forma individual concretizada, em uma trajetória bio-psico-
social, segundo Orlandi (2012). Esse percurso será relevante para compreender a
construção imagética do sujeito em Pêcheux, através da produção de sentidos, uma vez
que “sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo, na articulação da língua com a
história, em que entram o imaginário e a ideologia”. (ORLANDI, 2012, p. 99)
4 OS EFEITOS DE SENTIDO COMO FORMADORES DA CONSTRUÇÃO DA
IMAGEM
Para a AD, a noção de sentido é compreendida por efeitos de sentidos, realizados
através da manifestação de uso da linguagem, ou seja, pelo discurso. Assim, Fernandes
(2008, p. 15) afirma que
Quando nos referimos à produção de sentidos, dizemos que no discurso os
sentidos das palavras não são fixos, não são imanentes, conforme,
geralmente, atestam os dicionários. Os sentidos são produzidos face aos
lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução. Assim, uma mesma palavra
pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar socioideológico
daqueles que a empregam.
Pode-se constatar que, é através da análise do contexto, da história e da interação
dos interlocutores que se constroem os efeitos de sentidos do discurso, visto que o
discurso se apoia nas condições sócio-históricas e ideológicas de produção para ter
sentido.
De acordo com Pêcheux (2006), os sujeitos, ao pensarem o que vão dizer, fazem
uma interpretação do discurso frente às condições de produção do mesmo, que, a partir
disso, desencadeiam a construção de diversos efeitos de sentido. Soma-se a isso o fato
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de que para Pêcheux, o sentido das palavras não está ligado a sua literalidade. É tomado
a partir de uma palavra por outra, nas relações metafóricas, tendo seu acontecimento
ligado às formações discursivas da qual faz parte. Isso pode gerar um equívoco na
língua, pois, “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente
de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro.”
(PÊCHEUX, 1983, p. 53).
Além disso, esses vários sentidos produzidos levam em conta a característica
principal de todo e qualquer discurso, que é a heterogeneidade, segundo Authier-Revuz
(1982). Esta categoria constitui uma condição da leitura dialógica, voltada para a
presença de uma “voz” no discurso. Dessa forma, Bakhtin (2009) afirma que nenhum
discurso é monológico, se assim aparenta é porque “finge”. Os discursos são
polifônicos, pois dentro de cada discurso há um discurso outro.
Nesse contexto, questiona-se: como surge a ideia de sujeito na produção do
discurso? Na produção discursiva, não está em questão apenas o momento da alocução e
as atitudes dos sujeitos presentes nesse ato, pois os protagonistas do discurso, segundo
Ducrot (1987), não devem ser entendidos como seres empíricos, mas como
representantes das instâncias sociais as quais representam. São nessas representações
que, segundo Cardoso (2003, p. 39), surgem
[...] uma série de ‘formações imaginárias’ que designam o lugar que
destinador e destinatário atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem que
fazem do referente. O emissor, pode antecipar as representações do receptor
e, de acordo com essa antevisão do ‘imaginário’ do outro, fundar estratégias
do discurso.
De acordo com essa concepção, o sujeito, ao produzir o discurso, seja oral ou
escrito, pode prever a reação do destinatário e avaliá-lo. A autora se apoia na análise da
formação imagética dos sujeitos em um discurso, a partir de Pêcheux (1990). Neste
caso, a AD versa sobre a noção de uma teoria materialista da discursividade na qual o
sujeito, por não ter consciência das condições de produção de seu discurso, representa
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essas condições de maneira imaginária, de acordo com Mussalim (2009), em leitura de
Pêcheux.
O sujeito é preso pelas coerções dos discursos e ideologias às quais está
submetido, não tendo como dizer o que pensa, todo o seu discurso segue as imposições
do espaço que ocupa no interior da formação discursiva. Mas a construção da imagem
só acontece em pleno processo discursivo, pois, como afirma Mussalim (2009, p. 138),
“é nesse sentido que o jogo de imagens faz parte das condições de produção de um
discurso, na medida em que as imagens que o sujeito vai construindo ao enunciar vão
definindo e redefinindo o processo discursivo”.
Assim, este estudo parte da noção de Pêcheux sobre o discurso. Este constituído
na filiação de redes de memória, concebida por interdiscurso, e associado a não-
transparência da história e da língua, e relacionado às formações ideológicas e
discursivas as quais auxiliam na construção do jogo de imagens para a constituição dos
sujeitos discursivos, através de uma abordagem sociopolítica e ideológica em cartuns.
5 ANÁLISE DO MATERIAL DISCURSIVO EM CARTUNS
Os cartuns selecionados como arquivo deste estudo foram coletados do Jornal
“Folha de S. Paulo” no período de junho de 2013 e tem como tema principal as
manifestações populares que eclodiram no Brasil. A partir de quatro cartuns de Angeli,
mostra-se como os efeitos de sentido formulam a construção das imagens dos sujeitos
discursivos inscritos em redes de memória.
As manifestações populares fazem parte de um construto histórico e ideológico
em que os sujeitos reivindicam seus direitos e criticam as decisões políticas frente às
questões associadas à educação, saúde, transporte, entre outras de interesse coletivo.
Assim, adota-se os cartuns para mostrar que através de discursos cômicos e de risos são
formuladas críticas sobre um determinado assunto, neste caso, sobre o levante popular
ocorrido no país no referido período. A escolha deste arquivo se dá porque, segundo
Romualdo (2000, p. 20), o cartum “chega ao riso através da crítica mordaz, irônica,
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satírica e principalmente humorística do comportamento humano, de suas fraquezas, e
de seus hábitos e costumes.”
Quanto às análises, no primeiro cartum de Angeli, a discursivização versa sobre
a relação estabelecida entre os meios midiáticos e os manifestantes, através da
linguagem verbal e não-verbal. A imagem sugerida pela “Folha de S. Paulo” é de uma
posição-sujeito ocupada por um repórter que entrevista sujeitos que se rebelam frente às
decisões que julgam ser inaceitáveis no país, e assim são questionados: “Afinal, pelo
quê vocês lutam?”. A pergunta é feita e em ação conjunta, formula-se uma imagem de
como a mídia percebe os manifestantes deste período. Isso porque está presente no
enunciado dúvidas sobre a finalidade da luta dos sujeitos e qual seu real objetivo. Ou
seja, os manifestantes são vistos como sujeitos assujeitados a um condicionamento de
alienação (por não saberem qual a razão da luta), situação essa que eles não percebem,
pois são atravessados, de acordo com a teoria pecheuxtiana, pelo inconsciente, como
pode ser visto abaixo:
Figura 1 – Cartum de Angeli publicado pelo Jornal “Folha de S. Paulo”, em: 23 jun. 2013
Nota-se também a imagem pejorativa que o repórter tem da posição-sujeito
ocupada por manifestantes a qual pode ser percebida através da colocação de
afastamento do personagem com o microfone na mão, uma vez que diante dos sujeitos
que se encontram na posição de manifestantes há a descrição do sentimento de medo e
perplexidade entendidos a partir da constituição facial da imagem do sujeito repórter no
cartum.
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Logo após a pergunta, os sujeitos manifestantes, através de uma “única voz”,
utilizando o recurso da polifonia (BAKHTIN, 2009), respondem: “Ora! Por um país
mais transparente!” em que fica clara a evasão dos propósitos e finalidades do
movimento. Além disso, observam-se os efeitos de sentido do enunciado, o qual se
apresenta como construto de sujeitos ideologicamente marcados por um período em que
muitos jovens lutam por ideais de justiça no país, bem como pela aplicação adequada da
verba pública aos serviços que são de interesse para a população, como taxas reduzidas
para transporte público, saúde pública adequada às necessidades do cidadão, além da
oferta e garantia da qualidade de um sistema de educação público. Contudo, muitos dos
sujeitos, como esses idealizados pelo Jornal “Folha de S. Paulo”, não estão lutando por
ideias afins ao da posição-sujeito- manifestantes, mas para promover a desordem social.
Isso pode ser comprovado pela utilização de utensílios que provocam agressões e que
intimidam a população.
Ademais, a imagem dos sujeitos manifestantes é formulada negativamente não
só pelo discurso proferido, mas principalmente pela figura representativa deles:
encapuzados, envoltos em chamas e de objetos como cassetetes e garrafas. Outrossim,
os manifestantes deste cartum questionam a não-transparência do país, o que pode ser
entendido pelo nome “corrupção”. Contudo, os sujeitos que idealizam a transparência
do sistema apresentam-se, paradoxalmente, com os rostos cobertos, o que mostra a
opacidade do sujeito e a dupla ilusão da subjetividade de que trata a teoria de Pêcheux,
por acreditarem ser a origem do dizer.
Segundo a AD de origem francesa, para se tornar sujeito, o indivíduo é
interpelado pela ideologia e pela história. Assim, através da memória discursiva, é
possível encontrar sujeitos na história do Brasil em movimentos populares como este
ocorrido em junho e julho inseridos em práticas discursivas semelhantes, mostrando que
a história está inscrita no sujeito, bem como este está inserido na língua, pois não existe
sujeito sem ideologia, nem discurso sem sujeito, de acordo com Orlandi (2012).
No segundo cartum, os personagens apresentados encontram-se na posição de
sujeitos ministros e de presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Nele, os sujeitos ministros
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convocados para tratar do movimento “Passe Livre” – movimento esse que inicialmente
surgiu para reivindicar o aumento da passagem de ônibus em algumas capitais do país –
o qual deu margem ao surgimento de outros movimentos populares, mostram-se
incomodados não com a situação de insatisfação da população, mas por estarem imersos
a essa “onda” de protestos. Por isso, apesar de aceitarem discutir sobre a situação e
sobre quais propostas deverão ser sugeridas para a resolução do problema, um deles
sugere que: “... seja feita em recinto fechado”. Isso mostra o real distanciamento e a
briga de classes existentes neste período, o que representa o país como um todo,
conforme a teoria de estratificação social de Althusser (1996), a qual corrobora com a
noção de posição-sujeito moderno capitalista de Pêcheux, da qual cita Orlandi (2012, p.
104), por meio da qual o sujeito é
ao mesmo tempo livre e submisso, determinado (pela exterioridade) e
determinador (do que diz): essa é a condição de sua responsabilidade (sujeito
jurídico, sujeito a direitos e deveres) e de sua coerência (não-contradição) que
lhe garantem, em conjunto, sua impressão de unidade e controle de (por) sua
vontade.
Neste cartum, há também a construção da imagem dos policiais que foram
chamados para acabar com o movimento. É possível analisar, pela situação abaixo, que
eles perseguiam os manifestantes que causavam destruição e queimadas nos locais por
onde passavam, por meio de cassetetes e bombas de efeito moral, o que representa a
condição de responsáveis por promover a ordem social. Porém, esta imagem, conforme
o cartum foi negligenciada pela forma como foi conduzido o controle que a priori se
almejava alcançar. Isso revela como o Jornal “Folha de S. Paulo”, a partir do cartunista
Angeli, configura a situação, como uma real perda de controle, episódio esse que não
condiz com o perfil imagético da posição-sujeito policial, construída histórico, social e
ideologicamente, que pode ser visto a seguir:
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Figura 2 – Cartum de Angeli publicado pelo Jornal “Folha de S. Paulo”, em: 30 jun. 2013
Além disso, ao se afirmar que “não estamos acostumados a negociar à luz do
dia”, o sujeito ministro revela uma ambiguidade no discurso, o qual pode ser entendido
que as negociações se fazem em um horário impróprio ao de trabalho convencional; ou
mesmo sugere que as negociações são feitas em locais apaziguados, ou seja, que não
tenha reivindicações, queimadas (assim representadas pela expressão “a luz do dia”).
No terceiro cartum, a discursivização versa sobre a questão ideológica, de
acordo com Althusser (1996) e das formações discursivas, a partir de Foucault (2002).
Nele, a linguagem verbal e não-verbal se cruzam e ajudam a formular a construção da
imagem que o sujeito-político tem dos sujeitos-manifestantes, a imagem que tem do
referente, e a imagem que os sujeitos-manifestantes têm da posição-sujeito-político,
bem como a imagem que têm do que é enunciado, através do jogo de imagens
desenvolvido por Pêcheux (1969/1990).
Na análise, o sujeito-político, ao proferir o enunciado “Afinal, quem vocês
pensam que são?” tem no imaginário a noção de que sujeitos-manifestantes,
configurados como desprestigiados socialmente, não deveriam promover levantes
populares, pois não são capazes de provocar mudanças sociais, uma vez que
ideologicamente não são detentores do poder. Além disso, a imagem estigmatizada que
o sujeito-político faz da posição-sujeito-manifestante é evidente não só pelo enunciado,
mas também pela construção da imagem de ambos – políticos de terno e manifestantes
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de trajes simplórios, com sandálias sem cadarços – revelando a posição-sujeito da mídia
em relação à luta de classes.
Contudo, nesta imagem, a mídia mostra que, apesar de marginalizados
socialmente, os sujeitos-manifestantes têm um histórico de reivindicações que foram
atendidas, o que fez com que eles “crescessem” literalmente no movimento, tornando
este evento oportuno e provocando, assim, a não aceitação do levante popular e de seus
ideais pelo sujeito na posição de político, o qual tinha o poder; fatos esses que podem
ser observados na análise do cartum abaixo:
Figura 3 – Cartum de Angeli publicado pelo Jornal “Folha de S. Paulo”, em: 20 jun. 2013
Essa noção está ancorada nos postulados de Pêcheux o qual afirma, segundo
Orlandi (2012), que o sujeito está cegamente iludido com a autonomia ideologicamente
constituída do seu dizer, considerando-se na origem do dito. De certo, o jogo de
imagens que se configura nesta construção do cartum mostra um sujeito assujeitado
histórico e ideologicamente à língua, e que não tem consciência do dito. Suas
formulações imagéticas são permeadas pelo interdiscurso, pela ideologia e pelas
formações discursivas da qual faz parte.
No quarto cartum, observa-se a construção da imagem dos locais onde
acontecem as manifestações, revelando a destruição provocada. Nele, as casas e prédios
estão em meio a lixos, chinelos esquecidos, em um cenário de desordem e devastação.
Então, as únicas figuras que aparecem são dos sujeitos-policiais, que surgiram
provavelmente após o término da realização do manifesto, ou foram eles mesmos que
puseram fim ao acontecimento. Dessa forma, é importante destacar o discurso presente
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no cartum, realizado pela posição-sujeito-policial, que diz “Pode parecer estranho, mas,
para mim, esta paisagem é de uma beleza acachapante”.
Na AD de linha francesa, a noção de sentido é entendida por efeitos de sentido
que surgem em meio à manifestação do uso da linguagem, ou seja, no discurso, sendo
este construído com base em um contexto, em um dado período histórico e na interação
entre interlocutores. Assim, na produção do enunciado “Pode parecer estranho, mas,
para mim, esta paisagem é de uma beleza acachapante” emanam efeitos de sentidos que
correspondem a ideologias e formações discursivas as quais constroem a imagem dos
sujeitos-policiais de forma negativa, pois o que a figura representa não corresponde a
uma bela paisagem, mas a uma situação de destruição de patrimônio público, como se
pode observar abaixo:
Figura 4 – Cartum de Angeli publicado pelo Jornal “Folha de S. Paulo”, em: 20 jun. 2013
Ademais, a posição-sujeito-policial utiliza-se da expressão “acachapante” para
caracterizar a situação descrita como sendo incontestável, cabal e absoluta. A
construção, então, designa o lugar que o sujeito ocupa no levante popular, a qual deve
ser relacionada ao histórico de repressões a movimentos como este ocorrido em junho e
julho de 2013. Nesta abordagem, é importante mencionar a ‘Passeata dos cem mil’, por
exemplo, que foi uma manifestação popular que ocorreu no Rio de Janeiro, em 26 de
junho de 1968, - período em que vigorava no Brasil a Ditadura Militar - e foi organizada
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pelo movimento estudantil, contando com a contribuição de vários setores da sociedade;
e o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992, no Brasil, período
este marcado pelo ‘Movimento dos caras-pintadas’, representando a população que
estava insatisfeita com a situação do país devido ao direcionamento inadequado da
verba pública. Ambos os movimentos foram também repreendidos pelo sujeito-policial,
que por sua vez representava a categoria e o qual fazia parte de ideologias e formações
discursivas que era a de defender os ideais do governo em seus respectivos momentos
histórico-políticos.
Pela memória discursiva, infere-se que é a partir do contexto que há formulação
da imagem dos sujeitos discursivos, bem como faz surgir os efeitos de sentido dos
enunciados, pois, como afirma Maldidier (2003, p. 96), “sentido se forma na história
através do trabalho da memória.”. Isso explica o fato de os efeitos de sentido resgatarem
os acontecimentos anteriores a ele para explicar a reação do sujeito na posição de
policial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo foram trabalhados conceitos e postulados da Análise do Discurso
sob o viés da teoria pecheuxtiana, tendo como arquivo cartuns de Angeli divulgados no
Jornal “Folha de S. Paulo” entre os períodos de junho de 2013, momento este em que
vigorava no Brasil manifestações populares. Na trajetória de análise dos cartuns, foram
observados os efeitos de sentido que serviram para nortear a construção da imagem dos
sujeitos discursivos, imersos em ideologias e formações discursivas que caracterizaram
o momento histórico e político vivenciado. Dessa forma, foi observado que os sentidos
não são imanentes às palavras, mas construído por meio dessas em um contexto social,
através da língua em uso, e que o dito perpassa o interdiscurso, ou seja, a memória
discursiva do sujeito.
Além disso, a partir das elucidações da AD francesa, é possível inferir na análise
dos cartuns, que os sujeitos ocupam posições ideológicas que representam a luta de
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classes, segundo afirma Althusser (1996), e que fazem parte de redes de memória, as
quais retratam momentos históricos semelhantes aos do levante popular analisado, o que
dá aos sujeitos a falsa ilusão de serem a origem do dizer; tudo isso porque o sujeito é
atravessado pelo inconsciente. Neste contexto, a tese corrobora a ideia de que os
sujeitos analisados são assujeitados à língua e interpelados pela ideologia. Essa é a
condição para se tornarem sujeitos do discurso, segundo Orlandi (2012), pois não há
discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia.
Assim, é através do jogo discursivo que se revela a (re) produção e (re)
formulação de imagens sobre os sujeitos enunciativos nos cartuns tomados como base
para a transmissão de valores de uma sociedade em um processo dialógico que tem em
sua tessitura a relação sujeito-linguagem-história. Dessa forma, esta analise tornou-se
relevante, pois tanto o discurso como o sujeito são tomados, a partir dessa teoria, como
preponderantes para se compreender a atual conjuntura social, tendo como base a
ideologia e as formações discursivas da qual fazem parte e que auxiliam na formulação
de efeitos de sentido em diversos contextos histórico-político-sociais.
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