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Mídias Sociais, Saberes e Representações Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011
O JOGO EM REDES SOCIAIS NO CIBERESPAÇO COMO NOVO CAMPO DE
EXPERIÊNCIA LÚDICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO INTERACIONISMO
SIMBÓLICO
Breno Maciel Souza Reis1
Resumo: O presente artigo busca analisar o jogo social online CityVille, no site de
relacionamento Facebook como espaço contemporâneo de relação com o lúdico, interação
social e de produção e compartilhamento de formas simbólicas, a partir da perspectiva teórica
proposta pelo Interacionismo Simbólico, em especial Mead e Blumer, entendendo o lúdico
como um processo indispensável à transmissão de símbolos e à formação das sociedades,
construídas pelo homem e mediadas pela comunicação. A partir deste entrecruzamento
teórico, estabelece uma relação entre o jogo social no ciberespaço e os processos de interação
realizados entre os indivíduos nestas interfaces.
Palavras-chave: cibercultura, interacionismo simbólico, jogos sociais.
Abstract: This paper analyzes the online social game CityVille in Facebook as a space for
contemporary relationship with the playful, social interaction and sharing and production of
symbolic forms, from the theoretical perspective proposed by Symbolic Interactionism, in
particular Mead and Blumer, who understands play as an essential process for the
transmission of symbols and the formation of societies, man-made and mediated by
communication. From this theorist intersection, establishes a relationship between the social
game in cyberspace and the processes of interaction between individuals in these interfaces.
Keywords: cyberculture, symbolic interactionism, social games.
Introdução
A informatização da sociedade, fenômeno iniciado na segunda metade do último
século, e intensificado a partir do fim da década de noventa, trouxe consigo novos paradigmas
que se instauraram na sociedade contemporânea, ao permitirem o acesso a uma rede de
computadores e dispositivos, globalmente interconectada entre si. Paulatinamente, a presença
maciça desses aparatos, em todas as esferas da vida em sociedade, concretizou o que
Negroponte (1995) designou como a tendência à virtualização das experiências
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul - PUCRS. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes.
E-mail: [email protected]
essencialmente humanas, ou a transposição dos átomos para bytes. Inauguram-se novas
formas de inserção do sujeito em uma realidade cada vez mais fragmentada e múltipla,
hipermidiatizada, através da presença pervasiva da informática no cotidiano e pela ubiquidade
de conexão, permitindo, desde inéditas possibilidades de expressão pessoal e organização
social, até a potencialização radical do contato com o outro, mediadas por aparatos
tecnológicos conectados à internet.
Tal fato transformou o modo como o sujeito se relaciona consigo mesmo e também
com o mundo à sua volta, abarcando aí novas formas de experienciar o jogo e suas
manifestações lúdicas, nesse contexto. Extensões do homem, nesse novo ambiente digital,
feito de luzes, o jogo virtual em redes sociais online potencializa a dimensão simbólica dessas
atividades, a partir da interação social, podendo ser entendido como uma das facetas desse
conjunto de práticas culturais e sociais instituídas nesse contexto, designado cibercultura.
Este artigo objetiva analisar o jogo social virtual CityVille como um fenômeno
essencialmente cultural da contemporaneidade, como sugere Huizinga (2008), a partir da
inserção dos sujeitos em redes sociais como o Facebook2, e das consequentes interações e
trocas, por eles estabelecidas nesses espaços, sob a perspectiva do interacionismo simbólico,
que entende a comunicação humana como o compartilhamento de símbolos e sua constante
(re) interpretação como elemento fundamental na constituição dos próprios indivíduos, da
sociedade em que vivem e que, consequentemente, transforma e molda os modos como estes
percebem e se inserem na realidade.
O percurso metodológico para a investigação do objeto proposto consistiu em uma
abordagem descritivo-exploratória, partindo de uma revisão bibliográfica de obras que
abordam a relação humana com o lúdico, enquanto fenômeno cultural, com o aprofundamento
do estudo das teorias que preconizam o jogo enquanto extensão do homem e da sociedade. Os
processos interativos estabelecidos nessa interface foram apoiados nas teorias do
interacionismo simbólico, em especial as proposições de Mead (1934) e Blumer (1980). Ao
realizar o entrecruzamento destas linhas teóricas acima descritas, foi possível advir uma
segunda etapa, com a imersão no ambiente do jogo, para observação dos processos
fundamentais do mesmo e sobre a interação entre os jogadores, que ali transcorre. Por fim, foi
feita a análise do conteúdo e das observações realizadas sob a premissa de que o jogo é uma
modalidade de interação simbólica entre os envolvidos e de transmissão de significados entre
eles.
2 http://www.facebook.com
O jogo enquanto fenômeno cultural e extensão do homem
Johan Huizinga, em sua célebre obra “Homo ludens” (2008), dedicada a discutir,
filosófica e antropologicamente, as manifestações lúdicas e o jogo, enquanto elemento
fundamental na constituição das sociedades, defende que a relação com o jogo é uma
ocorrência essencial da vida, inclusive mais antiga que a própria cultura, esta entendida como
uma construção a partir da intervenção humana na natureza. Para constatar tal afirmação,
segundo o autor, basta observar a ocorrência do jogo entre animais, como cachorros e gatos. É
facilmente perceptível que eles desenvolvem, desde a infância, uma relação lúdica com o
mundo e com os outros de sua espécie, que se perpetua por toda a sua existência. Para
Huizinga, “[...] os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica.
[...] É-nos possível afirmar com segurança que a civilização humana não acrescentou
característica essencial alguma à ideia geral de jogo” (idem, p. 3). Ele afirma, ainda, que a
relação do homem com o lúdico foi uma condição sine qua non para a existência e a evolução
das sociedades humanas através dos séculos, e idealiza a nomenclatura homo ludens para
designar esta propriedade, a qual considera tão importante quanto o raciocínio (homo sapiens)
e a capacidade de transformação e produção de objetos (homo faber). O autor, inclusive,
considera a construção e a utilização da linguagem, primeiro instrumento humano para se
comunicar com os seus semelhantes, como um certo jogo, que dá sentido e constrói a relação
entre os sujeitos e destes com o mundo. “É a linguagem que lhes permite distinguir as coisas,
defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio
do espírito” (HUIZINGA, ibid., p. 7). Assim, o autor define o jogo como
uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e
determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas,
mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de
um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida
quotidiana” (HUIZINGA, 2008, p.33 ).
Diversas manifestações culturais, como as modalidades esportivas, o folclore, a dança,
a música, o teatro e os ritos religiosos, criados e aperfeiçoados no decorrer dos séculos,
possuem como marca intrínseca a relação com o lúdico, em menor ou em maior grau. Jogos
infantis e adultos, ou mesmo aqueles nos quais os jogadores interpretam personagens, todas
estas expressões constituem ampliações do homem e das sociedades nas quais o jogo se
desenrola, sendo possível reconhecer, nesse sentido, uma forte influência da época histórica,
seus valores e costumes. Podemos citar, como exemplo, as Olimpíadas, manifestação cultural
originada na Grécia Antiga, que tinha por objetivo homenagear Zeus e os deuses do Olimpo,
através de disputas esportivas. McLuhan (1964, p. 264), ao estudar estas manifestações,
enquanto extensões do homem e das sociedades, afirma que
os jogos são artes populares, reações coletivas e sociais às principais
tendências e ações de qualquer cultura. Como as instituições, os jogos são extensões
do homem social e do corpo político, como as tecnologias são extensões do
organismo animal. [...] Os jogos são modelos fiéis de uma cultura. Incorporam tanto
a ação como a reação de populações inteiras numa única imagem dinâmica.
Nas sociedades tribais, por exemplo, o jogo possuía, além da função recreativa e de
integração da tribo, o objetivo de simular situações de caça, de enfrentamento com animais,
guerra entre tribos rivais, objetivando aperfeiçoar e transmitir simbolicamente técnicas de
combate, defesa e ataque – as quais eram de extrema importância para a segurança e
manutenção daquele tipo de sociedade. Era um meio de treinamento de destrezas, tanto físicas
quanto cognitivas. Huizinga (2008) nos lembra que, mesmo em momentos em que os
caçadores ou guerreiros destas coletividades tribais utilizavam as técnicas aprendidas durante
as atividades lúdicas, o caráter do jogo persistia, uma vez que, “mesmo as atividades que
visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como por exemplo, a caça, tendem a
assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica” (ibid., p. 54).
Assim como nestes ritos tribais, os confrontos sangrentos (e, não raro, mortais) nas
arenas entre os guerreiros da Antiguidade, os jogos de carta e de tabuleiro, praticados nas
cortes da Idade Média: todas estas manifestações culturais nos fornecem indícios de como
aquelas sociedades se organizavam, configurando-se como um reflexo através do lúdico sobre
o modo de vida destas coletividades, importantes mapeamentos para a compreensão destes
períodos e da construção coletiva de expressões culturais naquelas épocas.
Isto posto, podemos entender os jogos sociais virtuais no ciberespaço como elementos
culturais característicos da sociedade contemporânea, hipermidiatizada, e que utilizam as
redes globais de comunicação como mediadoras das relações sociais. Algumas conceituações
teóricas se fazem necessárias em relação à preferência pela expressão “jogos sociais virtuais”.
Todo jogo ou manifestação lúdica que envolva no mínimo duas pessoas pode ser considerado
como social. Excetuando-se as atividades solitárias, como alguns jogos de cartas, tabuleiro, e
mais recentemente, eletrônicos (como alguns videogames e jogos de computador), nos quais o
jogador se insere na dinâmica do jogo de forma isolada, quando dois ou mais indivíduos
consentem em participar ativamente em um processo que contenha elementos lúdicos (como a
compreensão e aceitação das regras, duração temporal limitada, representação consciente de
personagens, entre outros), elas estão participando de um jogo social.
Outra característica dos jogos sociais é que eles são virtuais por natureza. Para Pierre
Lévy (1996), o virtual é aquilo que está em potência de ser, um complexo problemático que
demanda sua resolução a partir da mediação da subjetividade humana. A esse processo, o
autor denomina como a atualização do potencial existente na entidade considerada, ou seja, a
“[...] criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e
finalidades. [...] uma produção de qualidades novas, uma transformação das ideias, um
verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual” (idem, p. 16-17). Uma das características
essenciais da virtualidade também é a desterritorialização, ou seja, o desprendimento de uma
realidade espaço-temporal externa, imposta ao sujeito, da qual ele pode se desvencilhar
temporariamente, através do lúdico.
Quando um grupo de crianças estão interpretando, por exemplo, o papel de reis e
rainhas em uma corte medieval, elas imediatamente se desvinculam conscientemente e de
forma proposital de uma condição do aqui e agora na qual vivem, e passam a compartilhar um
ambiente que é capaz de absorvê-las inteiramente. Para Huizinga (2008, p. 11), tal
propriedade representa uma “[...] evasão da vida „real‟ para uma esfera temporária de
atividade com orientação própria”, ou o círculo do jogo – o limite que separa o lúdico do
mundo real, onde “[...] as regras, as leis e costumes da vida cotidiana perdem validade” (ibid.,
p. 15). Com efeito, realiza-se aí o processo inverso da atualização, ou seja, parte-se de uma
situação aparentemente resolvida (o aqui e agora), atualizada, que poderia servir de cenário
para o jogo do qual participam, para a virtualização dessa realidade. Além disso, ao
interagirem, os participantes se engajam em processos cognitivos que exigem constantes
esforços de interiorização e exteriorização desta virtualização, através da capacidade de
imaginá-la e compartilhá-la simbolicamente, mediados pela linguagem – o que Lévy
denomina como “efeito moebius” (1996, p. 24). O autor parece corroborar essa ideia, uma vez
que entende que “a imaginação, a memória, o conhecimento e a religião são vetores de
virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização e das redes
digitais” (idib., p. 20).
Neste sentido, parece pertinente entender que os recentes jogos, nas redes digitais,
constituem uma nova modalidade de relação com o lúdico na contemporaneidade, cujo
potencial de virtualização é ampliado pela possibilidade de inserção em ambientes
multimidiáticos convergentes, que permitem ao sujeito, além de imaginar, visualizar
imageticamente o espaço no qual se desenrola o jogo, além de potencializar a experiência
lúdica, ao incluir estímulos sonoros. A possibilidade de conexão remota a outros indivíduos
conectados, via internet, em ambientes puramente virtuais e desterritorializados, constitui
também uma das características de diferenciação destes processos, na contemporaneidade,
seguindo a lógica própria de transposição para o ciberespaço das experiências sociais dos
sujeitos (que antes ocorriam essencialmente num sistema de co-presença) para a tela,
mediados por computadores e outros dispositivos tecnológicos. Logo, o jogo também
acompanha esta tendência, perceptivelmente constatada a partir do florescimento de inúmeras
interfaces que se propõem a fornecer experiências lúdicas e sociais a indivíduos conectados.
Percebe-se esta convergência claramente entre as páginas que objetivam conectar e
gerenciar a rede social de indivíduos na internet, como o Facebook e os jogos sociais
existentes que, na forma de aplicativos internos, utilizam a rede de contatos que o usuário
possui no site para possibilitar a inserção e a interação em interfaces lúdicas. Nestes
ambientes, os jogadores concretizam trocas simbólicas entre si, o que nos permite trazer à
baila e discutir estes processos, a partir das proposições do interacionismo simbólico, que
considera a comunicação humana como elemento fundamental à constituição das sociedades.
O interacionismo simbólico: Uma teoria social da comunicação humana
Nas primeiras décadas do século XX, estudiosos de Chicago, nos Estados Unidos da
América, fundaram uma corrente de reflexão teórica acerca dos processos comunicativos
estabelecidos pelos indivíduos, sendo estes considerados como os elementos básicos para a
formação dos mesmos e, por conseguinte, das sociedades. Sob a perspectiva deste conjunto de
teorias, a vida social se constitui a partir das interações mediadas simbolicamente,
estabelecidas pelos sujeitos, as quais dão origem à própria sociedade, cujo cimento que a
permeia e dá coesão é o processo constante de troca, produção e interpretação de significados,
através da comunicação. De acordo com Rüdiger (2011, p. 38), “a comunicação representa
um processo estruturado simbolicamente, constitui o emprego de símbolos comuns com vistas
à interação, que funda a própria sociedade”. Neste sentido, o homem, considerado um ser
essencialmente comunicativo, tende a se relacionar com os outros: e é justamente a partir da
interação mediada pela comunicação que ele constrói os sentidos de si mesmo e das coisas, o
que transforma as suas ações em relação aos outros e ao mundo.
George Mead, considerado um dos fundadores dessa corrente de pensamento, entende
o homem como um ator social, e não somente um reator. Isso significa dizer que ele produz
significados deliberadamente em suas ações, tanto para si mesmo, quanto para os outros. Para
o autor, os princípios norteadores dos atos sociais constituem uma tríade, que envolve o gesto
inicial de um indivíduo, como o outro indivíduo interpreta e reage em relação à ação primeira,
e, posteriormente, o produto desse processo (LITTLEJOHN, 1988, p. 69), ou seja, a sociedade
é entendida como o sistema de forças resultantes das interações sociais e dos processos
interpretativos resultantes destes. Em outras palavras, as entidades constituintes desses atos
sociais são: a mente, o eu e a sociedade, os quais são os pontos norteadores da teoria de Mead,
e título de sua principal obra, Mind, Self and Society (1934).
É de fundamental importância, de acordo com esta teoria, que os indivíduos inseridos
nesses processos constantes de intercâmbio e negociação de formas simbólicas tenham como
princípio a cooperação uns com os outros. Littlejohn (1988, p. 69-70) nos adverte que é a
capacidade que o sujeito tem de se relacionar consigo mesmo, com seu self, que lhe garante
imaginar e prever as reações do outro, e, assim, engajar-se em uma relação baseada na
recursividade, ou seja, “[...] „ler‟ as ações e intenções de outra pessoa, e em responder de
modo apropriado. Isso é a essência da comunicação interpessoal”. Há, ainda, outro aspecto
que merece ser destacado nesses processos cooperativos, que é o fato de os símbolos
compartilhados entre os envolvidos, na concepção de sociedade pelos interacionistas,
possuírem significado comum entre os indivíduos, ou seja, serem um significantes.
Blumer (1984, p. 20-21 apud PRIMO, 2007, p.77-78), discípulo de Mead, deu
seguimento aos estudos do interacionismo simbólico, resumindo a teoria da seguinte maneira:
Esta abordagem vê a sociedade humana como pessoas engajadas em viver.
Esse viver é um processo de contínua atividade no qual os participantes
desenvolvem linhas de ação nas diferentes situações que encontram. Eles
encontram-se em um vasto processo de interação na qual eles precisam ajustar suas
ações em desenvolvimento uns aos outros. Esse processo de interação consiste em
fazer indicações uns aos outros sobre o que fazer e como interpretar as indicações
feitas pelos outros. Eles vivem em um mundo de objetos e são guiados em suas
orientações e ações pelo significado desses objetos. Seus objetos, incluindo objetos
formados por eles mesmos, são formados, sustentados, enfraquecidos e
transformados nas interações entre eles.
Para Blumer (1980), o significado assume um papel fundamental nos processos
sociais. Assim, ele acredita que existem três formas de produção de sentido, a saber: a
primeira entende sua existência enquanto processo intrínseco, ou seja, ele existe per se e é
inerente ao objeto; a segunda pressupõe que as pessoas adquirem os significados a partir de
suas orientações psíquicas individuais; já o terceiro, entende que os significados são produtos
sociais. Claramente interacionista, para esta última perspectiva, “seja qual for o significado
que uma pessoa tem para uma coisa, é sempre o resultado dos modos como outras pessoas
agiram em relação a ela, a respeito da coisa que está sendo definida” (LITTLEJOHN, 1988, p.
72). Logo, podemos concluir que o homem não age em função das coisas em si, mas sim dos
significados socialmente construídos que elas possuem, fundando manifestações culturais que
se confundem em sua estrutura com a própria sociedade, gerada simbolicamente pela
comunicação (RÜDIGER, 2011, p.39).
Com efeito, parece-nos pertinente entender os jogos sociais como elementos culturais
constituintes das experiências interpessoais mediadas pela comunicação, uma vez que
pressupõe a interação e o compartilhamento de símbolos comuns entre os participantes como
uma condição básica para a sua ocorrência. Além disso, considerando o forte caráter
socializador que eles desempenham, enquanto elemento de criação e coesão de agrupamentos
sociais, tornam-se mediações que transmitem ao sujeito significados em relação aos objetos e
aos outros. A capacidade de imaginar e produzir sentido, de interpretação e reação aos atos
alheios, constitui um dos princípios básicos do processo interativo lúdico, o qual se encaixa
nas proposições da escola interacionista. Assim, podemos afirmar, então, com base nas teorias
já detalhadas, que as sociedades se formam a partir das interações entre os sujeitos, dentre as
quais o jogo, enquanto fenômeno cultural presente nas mais variadas manifestações sociais,
constitui primordial função de transmissão de formas simbólicas entre as pessoas.
Jogos sociais virtuais online no Facebook: Estudo de caso do CityVille
As reflexões teóricas, até aqui expostas permitem, agora, estudar os jogos sociais
virtuais, presentes no ciberespaço, sob a perspectiva dos processos interativos e das trocas
simbólicas que ocorrem nestas interfaces. Dentre os inúmeros jogos disponíveis e passíveis de
serem utilizados pelas pessoas conectadas a tais sites, foi escolhido para este trabalho o jogo
CityVille3, no Facebook, haja vista sua popularização e abrangência na rede social
considerada. Com mais de 100 milhões de usuários ativos mensalmente em todo o mundo4, é
3 http://apps.facebook.com/cityville/?ref=ts 4 http://games.terra.com.br/interna/0,,OI4889906-EI1702,00-
Game+do+Facebook+CityVille+chega+a+milhoes+de+usuarios.html
o maior exemplo do tipo, na atualidade. A Zynga5, empresa desenvolvedora de jogos para
redes sociais, possui também outros títulos de grande sucesso, como o FarmVille, um
simulador de fazenda, e o CaféMania, onde os jogadores gerenciam uma lanchonete virtual.
Criado em 4 de fevereiro de 2004, por estudantes da Universidade de Harvard, nos
Estados Unidos da América, o Facebook tinha o objetivo inicial de registrar perfis dos alunos
daquela universidade. Logo o sistema se popularizou, passando em dois meses a abarcar
também alunos de outras instituições, como o Massachussetts Institute of Technology (MIT),
o Boston College e a Universidade de Boston, expandindo posteriormente sua abrangência a
todas as universidades estadunidenses. Em fevereiro de 2006, passou a aceitar também
estudantes secundaristas, com a condição de que deveriam receber convites de membros para
que pudessem se inscrever e utilizar o serviço. No final do mesmo ano, ocorreu a grande
explosão de acesso e registro no site, ao ser permitido que qualquer pessoa, com mais de treze
anos, não importando o local, utilizasse a rede social. Atualmente, o Facebook se mantém na
lista dos endereços mais acessados da rede, e um estudo realizado pelo Google6 em abril de
2011 listou o site como o mais visitado do mundo, com astronômicos 880 milhões de
visitantes únicos, e 910 bilhões de visualizações de páginas.
O Facebook é um serviço de relacionamentos virtuais gratuito, que fornece aos
usuários uma página pessoal na forma de perfil, que pode ser atualizado com uma foto
principal que os represente, e com preferências culturais, de consumo, álbum de fotografias e
serviços de mensagens com outras pessoas, também conectadas ao serviço, formando, assim,
uma identidade em rede do sujeito naquele ambiente. Como um agregador social, ele permite
que outras pessoas sejam adicionadas ao perfil, com as quais é permitido interagir de variadas
maneiras: através de comentários em fotos, vídeos, conteúdos atualizados pelos usuários,
bate-papo e correio eletrônico. Recentemente, foi adicionado também um serviço de
geolocalização, que informa toda a rede de contatos de um usuário, a partir de sua
autorização, onde ele se encontra em um determinado momento.
Entre as possibilidades de personalização de conteúdos, encontram-se os jogos sociais
online, aplicativos internos ao Facebook, que, conforme explicitado anteriormente, não
necessitam de nenhum tipo de operação de instalação por parte do jogador: basta que ele
esteja conectado à internet e que permita ao aplicativo acessar a sua rede de contatos para que
tenha todas as condições necessárias ao desenrolar do jogo. O CityVille é um jogo do tipo
simulação de mundos virtuais, que se caracteriza por disponibilizar um espaço para a
5 http://www.zynga.com 6 http://www.google.com
construção de cidades fictícias, as quais podem ser nomeadas pelo usuário e com todos os
componentes necessários que as assemelham aos espaços urbanos convencionais: construção
e pavimentação de ruas, residências, empreendimentos comerciais para atender à população e
órgãos governamentais, como prefeitura, museus, escolas, hospitais e bibliotecas. O jogador
pode se utilizar das ferramentas de construção da interface como desejar, sendo que,
inicialmente, é disponibilizado um número limitado desses itens, os quais vão sendo
desbloqueados à medida que a cidade aumenta sua população, lógica que fundamenta o
funcionamento do jogo em níveis de experiência, numericamente representados, que vão
sendo superados a partir das interações do usuário com o sistema e com outros jogadores.
Quando o usuário se insere nesses espaços, automaticamente são detectados quais os
seus amigos que também participam daquele aplicativo, e assim eles são incorporados a uma
subrede própria do jogo, que poderia ser entendida como utilitária (RECUERO, 2010), sob a
designação de vizinhos. Estes ficam visualmente acessíveis na parte inferior da interface do
jogo, com o nome e uma imagem identificadora dos mesmos. Esta é uma das características
diferenciadoras deste tipo de jogo em relação aos demais, passíveis de serem acessados na
internet: o sujeito interage com pessoas que fazem parte da sua lista de amigos, com as quais,
a priori, ele estabelece algum tipo de relação, excetuando-se a do próprio jogo; nos outros
espaços lúdicos desvinculados das redes sociais online, o usuário se relaciona com estranhos,
anônimos jogadores que se encontram casualmente e se dispersam ao fim da atividade, como
nos jogos de carta em rede, não sendo possível a existência prévia de nenhum tipo de relação
entre eles.
No tocante ao jogo analisado, os processos interativos constituem seu princípio
basilar, ou seja, as trocas simbólicas são elementos fundamentais para a manutenção e a
progressão mútua no jogo, principalmente no que se refere às relações de cooperação,
necessárias para que este fim seja alcançado. Inclusive, notam-se certos avanços que só são
possíveis de serem realizados com o auxílio dos vizinhos do jogador, através do envio de
materiais necessários à construção de alguma edificação, preenchimento de vagas de trabalho
em órgãos públicos e participação em operações de fabricação de produtos em unidades que
se assemelham a fábricas. Além disso, o sistema incentiva que o sujeito envie presentes e
visite as cidades de seus vizinhos, permitindo que se realizem gentilezas como recolhimento
de impostos e fertilização de plantações, brindando o benfeitor com artigos necessários à sua
performance no jogo. Há, inclusive, a possibilidade de quantificar e visualizar as interações
que o usuário realiza, as quais são mensuradas em níveis de cooperação, ilustrados na forma
de um coração vermelho, disponível na área relativa aos vizinhos, nos perfis dos mesmos.
Fica claro no próprio sistema que, para todo ato social dentro do jogo, constituído
simbolicamente pelo auxílio a algum outro jogador, espera-se a reciprocidade do mesmo na
ação.
Segundo as teorias interacionistas, a cooperação, a reciprocidade e o
compartilhamento de conteúdos simbólicos é um princípio básico para a formação da
sociedade, conforme exposto em capítulo anterior. Parece correto, então, entender estas redes
formadas pelos jogadores como semelhantes aos conceitos fundados por Mead, enquanto
entrelaçamentos discursivos permeados de sentido e compartilhados através das relações
estabelecidas socialmente. O sujeito, ao se engajar neste processo, adentra simbolicamente na
lógica recursiva que regula o sistema e produz significado para os envolvidos através das
interações que institui. A relação que o indivíduo estabelece, no ato de jogar, interagir com
outros usuários do jogo e construir uma relação de reciprocidade, que forma a comunidade do
jogo, também constitui uma tríade, semelhante àquela proposta por Mead, correspondendo ao
eu (self), a mente (mind) e a sociedade (society). Através das relações nas quais o sujeito se
insere cem seu próprio jogo, ele utiliza um sistema análogo ao que é descrito pelos
interacionistas como a capacidade de imaginar simbolicamente as reações do outro às suas
ações, a partir de si mesmo.
McLuhan (1964) adverte que, no jogos, como em qualquer forma de intercâmbio de
formas simbólicas, é necessário existir o empenho dos envolvidos numa relação de
reciprocidade, ao afirmar que “[...] jogar, na vida como numa roda, implica num interjogar.
Deve haver um toma-lá-dá-cá, um diálogo, como entre duas pessoas ou grupos” (p. 270, grifo
do autor). Tal possibilidade permite o ajustamento e a resolução de possíveis conflitos em
relação aos atos sociais e sua resposta dentro do jogo, como a negação do envio de itens e
outras gentilezas, ou a não reciprocidade nessas ações.
Também, no que se refere a tal afirmação, podemos lembrar que é permitido aos
jogadores realizar pedidos de ajuda aos vizinhos, cuja solicitação é visível no momento em
que se inicia o jogo. De fácil acesso e resolução, com um apertar de botões, estas
manifestações podem ser consideradas como deixas simbólicas, inerentes à comunicação
humana, que seriam pistas que os sujeitos fornecem das intenções que possuem no processo
interativo. Estas podem ultrapassar os limites do jogo e transcorrerem também no perfil
principal do jogador no Facebook, com a publicação de mensagens relacionadas ao jogo,
necessidades e avanços dos mesmos na interface do aplicativo, as quais são visíveis inclusive
para os não jogadores do CityVille.
Por fim, tal assertiva nos permite recuperar a tese detalhada em capítulo anterior de
Huizinga (2008) de que, mesmo com o término do jogo, a comunidade, formada a partir da
atividade lúdica, seus laços simbólicos e sua constante negociação e ajustamento de tensões
individuais e coletivas, continua a existir, e, no caso do objeto estudado, ela passa a constituir
uma extensão da própria identidade virtual do sujeito no Facebook.
Considerações finais
Com base no já exposto, podemos perceber os jogos virtuais em redes sociais online
como um fenômeno tipicamente contemporâneo, porém, com características inerentes às
outras formas de manifestações lúdicas existentes. A diferença é que, agora, estes processos
perpassam também o ciberespaço, seguindo a lógica instaurada na sociedade contemporânea
de virtualização e transposição das experiências humanas para o ciberespaço. O jogo continua
a desempenhar um papel fundamental na formação dos indivíduos e das sociedades, mediados
pela comunicação e pelo intercâmbio de formas simbólicas, inerente ao processo interativo
humano.
Ao adentrarem o reino simbólico do jogo, os participantes passam a se engajar em
processos de constantes negociações e ajustamentos de tensões, construindo e reelaborando a
todo instante novos significados para si mesmos, para os outros e para o mundo. Tal processo
é fundamental para a formação de sociedades, conforme preconizado pelos interacionistas
simbólicos. Ele só pode ser entendido a partir dos processos comunicativos e pelo
compartilhamento de símbolos, ou seja, são essas forças, introduzidas pelos indivíduos
através de seus atos sociais, que constituem o elemento entendido como um cimento social,
que dá coesão e contribui para sua constante reinvenção.
Por fim, constatamos, com base nas teorias da escola interacionista, que, no objeto
analisado, a interação e a cooperação no intercâmbio de formas simbólicas são as forças-
motrizes para a manutenção do jogo, lógica esta que permeia e orienta todas as ações dos
indivíduos nestes espaços. Assim como num jogo em regime de co-presença, no qual os
participantes devem se engajar em atividades constantes de interpretação simbólica, a partir
das interações com os outros, tais processos transcorrem também no jogo analisado,
promovendo ajustamentos internos no jogador, em seu self, os quais são externados na forma
de novas ações, conferindo a dinâmica necessária à manutenção do sistema lúdico no qual se
insere. Através do entrecruzamento desses processos, concluímos que os jogos continuam a
desempenhar, na contemporaneidade, um papel socializador fundamental à formação dos
indivíduos, voltados à coletividade e ao compartilhamento de formas simbólicas, constituindo
um importante elo na rede comunicacional que é a sociedade humana.
Referências Bibliográficas
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