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ALESSANDRA DIAS GARCIA
O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO
ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
SAtildeO PAULO
2014
ALESSANDRA DIAS GARCIA
O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO
ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI
TRABALHO APRESENTADO PARA OBTENCcedilAtildeO DO
TIacuteTULO DE MESTRE NO CURSO DE POacuteS-
GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU DA FACULDADE
DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
SAtildeO PAULO
2014
RESUMO
A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo
desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o
julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar
e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos
trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de
Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das
garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio
consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito
mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a
investigaccedilatildeo criminal
ABSTRACT
The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal
prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable
However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of
the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary
investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed
to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of
Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee
judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection
of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed
in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of
the judge from elements collected during criminal investigation
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7
2 As fases da persecuccedilatildeo 14
21 A fase judicial sentido e alcance 14
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25
31 Sistema acusatoacuterio 25
32 Sistema inquisitoacuterio 29
33 Sistema misto 32
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53
13 Devido Processo Penal 55
2 Direito de defesa 58
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77
4 A imparcialidade do juiz 81
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95
1 Consideraccedilotildees iniciais 95
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96
21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
123
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal
Brasileiro 139
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147
3 Atribuiccedilotildees 152
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
159
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo
penal166
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias 169
3 A escassez de recursos humanos e materiais 172
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181
6 Instacircncias recursais 183
CONCLUSAtildeO 188
BIBLIOGRAFIA 192
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido
reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais
atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em
decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista
a nova ordem constitucional vigente
A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance
Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento
histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente
da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao
Estado frente ao indiviacuteduo1
Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo
ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos
diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma
disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2
Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos
pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia
repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e
preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo
manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a
imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3
Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e
garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses
dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro
1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 21 2 IBID p 21
3 IBID p 19
2
mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem
garantismo4
Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito
penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de
outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais
assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo
penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir
eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos
direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o
contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos
outros
Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico
mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres
de Antonio Scarance Fernandes
Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do
sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois
interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu
poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus
direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6
Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute
a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar
os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da
persecuccedilatildeo penal7
4 IBID p 19
5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22
7 IBID p 21
3
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no
processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de
observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a
igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre
convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais
privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos
processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e
mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional
Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que
numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados
e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu
natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de
princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9
Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo
especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase
investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de
instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10
Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do
processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto
instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram
adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia
judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de
atuaccedilotildees11
8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob
o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 123 10
ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova
visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida
em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial
impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi
Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las
Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146
4
Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de
processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos
atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do
julgador durante a investigaccedilatildeo criminal
A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos
direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias
constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da
jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos
a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12
A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o
inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer
ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou
prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo
durante toda a persecuccedilatildeo penal
Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que
pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo
Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual
legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de
direitos e garantias fundamentais
Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por
exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o
juez de garantiacutea no Chile13
sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de
Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma
operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo
dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS
1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal
12
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 147 13
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89
5
De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de
um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo
orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um
magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do
cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal
O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da
proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro
Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a
primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado
democraacutetico de direito
Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as
caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio
inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria
cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais
adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado
estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos
No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido
processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos
analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das
garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como
imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente
relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais
sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos
O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo
preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
6
O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em
conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a
contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das
garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos
estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta
figura no ordenamento juriacutedico nacional
Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela
doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei
1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o
aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a
sua instituiccedilatildeo
7
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES
INICIAIS
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade
O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo
independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees
existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila
reciacuteprocas14
Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a
interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o
estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito
dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a
possibilitar o conviacutevio social
O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da
paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15
A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida
comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16
ldquoA
justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da
humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17
A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas
regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais
preciosos agrave condiccedilatildeo humana
14
JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares
Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15
IBID p 2 16
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto
Alegre Fabris 1976 p 03 17
IBID p 02
8
Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por
um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18
Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo
existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave
existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano
social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado
consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal
deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente
quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19
Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de
impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento
de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)
Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute
que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico
e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e
inclusive o proacuteprio delinquente20
Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito
penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria
finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e
protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo
de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de
18
ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal
Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-
23 19
ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de
otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los
que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado
Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios
menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho
Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos
sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al
margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las
penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el
afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal
ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes
posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes
instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20
ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi
Artes Graacuteficas 1984 p 07
9
uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21
Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que
possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem
que exista previamente o devido processo penal22
Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge
como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva
justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten
de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del
arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23
Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se
fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de
aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem
juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela
jurisdicionalrdquo24
Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias
partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e
principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam
reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e
desenfreadordquo passaria a cometer25
Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder
repressivo26
impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida
ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao
conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da
estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27
Logo
21
LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 05 22
IBID p 05-06 23
FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez
Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes
Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24
LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p
06 26
IBID p 06 27
LOPES JR Aury Sistemas p 07
10
ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima
para a imposiccedilatildeo da penardquo28
Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo
penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua
imposiccedilatildeo
O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade
do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina
nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se
denomina de principio de la necesidad del proceso penal29
De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade
penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um
delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus
efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a
imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida
por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em
face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30
Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado
assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais
materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem
pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao
caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por
meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash
nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo
por meio do processo)31
Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual
penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem
a garantia das formalidades processuais32
O direito processual penal eacute portanto o
28
IBID p 06-07 29
GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona
Bosch 1951 p 27 30
FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32
ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone
lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale
sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un
11
conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos
oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam
aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33
Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada
por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar
a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que
o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o
direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do
direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento
conforme as formalidades legais34
Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo
que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e
processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35
Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos
detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos
fundamentais36
Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do
indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o
direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como
corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue
positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo
tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37
diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto
o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino
Unione Tipografico 1967 p 85 33
ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente
sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta
allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p
84-85 34
MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p
04 35
LOPES JR Aury Sistemas p 06 36
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a
efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37
FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39
12
Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as
proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele
objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes
objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute
essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o
processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela
primeira38
A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito
entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39
Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo
penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo
mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao
contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de
equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca
justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e
obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40
Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica
do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de
forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o
processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e
concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas
de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os
fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41
Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave
eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases
destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos
38
FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il
processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di
repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit
p 224 39
FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41
13
Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena
somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo
que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para
desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute
denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o
fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo
funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi
constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42
O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento
de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio
criminis43
Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal
por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao
delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a
concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o
ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44
Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve
ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45
que por sua
vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e
decisoacuterio46
Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a
necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave
investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47
No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis
apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o
processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de
42
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44
IBID p 104 45
ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que
prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria
p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio
de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47
ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis
puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da
unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35
14
julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase
de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser
requerida a imposiccedilatildeo da pena48
2 As fases da persecuccedilatildeo
21 A fase judicial sentido e alcance
Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da
norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49
Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo
imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas
pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a
defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua
imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da
prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50
Para ele se
o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou
dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios
seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51
De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do
procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria
Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo
formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo
48
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50
ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA
1959 v1 p 13-14 51
IBID p 13
15
defensiva do acusado52
O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a
propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53
e que daacute
iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso
penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo
corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila
torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente
ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo
pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54
Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do
direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a
juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito
de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo
esclarecendo o que deseja e o que almeja55
O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo
punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual
teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56
Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a
procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -
propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57
O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva
52
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54
ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del
processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa
irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o
percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a
quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a
quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve
premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere
sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p
65 55
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56
IBID p 104 57
IBID p 104
16
decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz
um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo
criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir
a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58
Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui
justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo
judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59
De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo
histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o
Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de
ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo
privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria
prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa
instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60
Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia
apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada
por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61
Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a
acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo
impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o
acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem
claramente indicadas62
Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a
sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser
observadas
58
ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da
reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o
negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato
fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato
dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave
della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61
IBID p 105 62
IBID p 105
17
Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das
provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o
pretenso culpado63
Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas
partes ou determinadas pelo juiz64
Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de
atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova
as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65
Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica
limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias
praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do
delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave
instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que
pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido
anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas
particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam
impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na
fase proacutepria66
Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as
partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o
juiz em seguida67
A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos
anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam
persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68
Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se
prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo
sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69
dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica
63
Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias
proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e
pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos
peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65
IBID p 131 66
IBID p 132 67
IBID p 35 68
IBID p 147 69
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07
18
ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70
Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma
fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele
antecedente aparelhando-o71
Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do
Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia
sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente
deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo
colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de
investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo
penal72
O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo
preliminar
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance
Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa
provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim
termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73
Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de
Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os
efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo
suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio
audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74
Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
70
IBID p 07 71
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73
SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999
19
O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria
nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra
dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela
faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo
docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder
puacuteblico75
Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de
accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e
tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76
Ou seja a acusaccedilatildeo
prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo
penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato
aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo
bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77
De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo
preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os
postulados da instrumentalidade garantistardquo78
Isso porque uma vez que o processo penal
abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se
deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que
justifiquem o processo ou o natildeo-processo79
Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na
qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la
confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase
estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80
Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao
aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no
75
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 18 76
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77
SAAD Marta O direito p 22 78
LOPES JR Aury Sistemas p1 79
IBID p1 80
FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228
20
mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave
instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva
conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado
Estado81
Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a
expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem
estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito
penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual
penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82
Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe
pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos
poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83
Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades
desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis
com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a
apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a
fundamentar o processo ou o natildeo-processo84
Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da
persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85
que tem iniacutecio independentemente de sua
forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado
que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86
Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e
informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a
deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87
e tem como objeto por
sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve
81
SAAD Marta O direito p 22 82
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84
LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86
IBID p 107 87
IBID p 115
21
ou natildeo propor a accedilatildeo penal88
A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como
objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito
Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a
demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido
diverso89
A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu
competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal
privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo
objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e
predestinadas ao insucesso90
De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como
procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como
finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de
natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo
ter contra si um processo penal91
Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar
preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas
precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo
criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com
o passar do tempo92
A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio
dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia
bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de
88
IBID p 115 89
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites
constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90
IBID p 60 91
SAAD Marta O direito p 131 92
IBID p 131-132
22
tempo e de trabalho93
Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como
finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio
contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94
propiciando elementos e uma
base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95
Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a
comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96
Isto eacute deve-se
reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime
mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro
portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do
delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97
Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a
funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias
se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de
probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de
arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a
impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado
por processar um inocenterdquo98
Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite
falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito
passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e
juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem
acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99
A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para
93
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94
IBID p 17 95
SAAD Marta O direito p 23 96
ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione
avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97
ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato
ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non
di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a
stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98
LOPES JR Aury Sistemas p 47 99
IBID p 332
23
contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito
passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100
Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra
acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou
preacutevia
Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten
preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer
desaparecerrdquo101
Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer
surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por
vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o
acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da
investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas
diligecircncias102
No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo
preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e
fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo
do processordquo103
A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume
distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que
tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104
Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal
em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105
que por sua
vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a
ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando
os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de
100
IBID p 40-41 101
FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102
SAAD Marta O direito p 24 103
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104
LOPES JR Aury Sistemas p 45 105
Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee
de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria
24
prova106
Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por
um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees
precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos
colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua
que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a
condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla
defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo
em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no
convencimento do julgador107
Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a
crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo
do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o
julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do
inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi
produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do
julgamento108
A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em
essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do
processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados
repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por
isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez
com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse
diferentes regulamentaccedilotildees109
com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado
A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo
criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo
seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de
1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de
106
SAAD Marta O direito p 25 107
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 139-140 109
IBID p 74-75
25
Processo Penal de 1941
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais
31 Sistema acusatoacuterio
Primeiro sistema processual concebido110
o sistema acusatoacuterio guardadas as
especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e
na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111
De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de
llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112
Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal
baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto
maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113
Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as
funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da
prova114
110
ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio
Op cit p 65 111
ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la
Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho
romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho
Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No
mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria
florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente
nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El
proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila
desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de
jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho
ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano
e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO
FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112
MAIER Julio B J Op cit p 206 113
TONINI Paolo Op cit p 26 114
ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base
26
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina
acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e
o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo
sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate
contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115
Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio
ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il
giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice
decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti
limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la
carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116
Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um
aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um
oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo
de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o
tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o
processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e
contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo
havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila
resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos
julgadores117
al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da
interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni
processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si
rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115
ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto
pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la
acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral
y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116
TONINI Paolo Op cit p 26-27 117
MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute
27
Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade
doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute
inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo
equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118
Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do
sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do
processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel
autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do
outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente
equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119
O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia
conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo
acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente
inquisitoacuteriordquo120
Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no
sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo
de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da
proacutepria acusaccedilatildeo121
Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo
implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria
sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem
niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao
ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo
vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do
julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e
a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf
ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se
ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por
el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el
tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a
otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten
de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de
un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra
parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio
B J Op cit p 207 120
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o
Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium
set 2000
28
investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os
seus termosrdquo122
Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na
fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase
preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador
externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos
ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123
Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute
caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a
cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria
de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se
veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz
Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde
imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute
propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124
De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas
no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais
como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees
domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz
que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento
investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso
em seu desfavor125
122
ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial
CPP ago-2010 123
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146 124
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125
IBID p 73
29
32 Sistema inquisitoacuterio
O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte
juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash
e na Europa sobretudo a continental126
durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127
Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as
circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no
seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra
da Igreja128
Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios
decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao
procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129
O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz
iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou
a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130
Foi
trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como
um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram
em instrumento de dominaccedilatildeo131
A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central
absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da
soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132
O iacutenfimo valor da pessoa humana
126
ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra
ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y
perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten
laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p
210 127
ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho
germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el
siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista
histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de
los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los
ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de
procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131
IBID p 94 132
Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema
inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por
30
frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um
mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que
seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se
extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos
delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica
com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133
De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema
processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las
pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten
excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134
Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento
penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave
egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo
delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il
giudicerdquo135
elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia
il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice
decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle
prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136
Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos
de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma
uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137
Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)
a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca
exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133
MAIER Julio B J Op cit p 209 134
FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135
O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a
verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees
processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136
O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para
a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder
procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea
(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y
decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y
misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210
31
que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o
poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo
mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um
sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e
descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto
eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo
da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de
recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138
Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente
decorativo da defesa139
A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em
caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140
Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance
Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda
historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia
Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados
levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o
acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio
de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141
Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se
vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o
processo
Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica
138
MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140
MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo
processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de
liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees
de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio
o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o
acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito
Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se
transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO
Fernando da Costa Op cit p 94 141
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78
32
essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao
magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o
autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos
os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash
mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em
qualquer de suas fases142
Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio
adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse
puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade
passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima
instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a
ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143
Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da
produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144
Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo
processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel
distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos
colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente
aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145
33 Sistema misto
O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146
O sistema
142
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO
Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro
Renovar 2001 p 24 143
SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no
sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris
Editor 2005 p 45 144
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 145
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146
FLORIAN Eugenio Opcit p 66
33
inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que
havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code
dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147
O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e
ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram
por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do
Iluminismo148
Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao
sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e
conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo
dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do
sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149
razatildeo pela qual eacute este
tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150
Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na
impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151
Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de
processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam
elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior
parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o
Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois
sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do
acusado152
Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute
predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que
147
IBID p 66-67 148
MAIER Julio B J Op cit p 218 149
IBID p 213-214 150
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151
ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar
a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia
de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las
otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152
ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della
storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio
Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del
1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal
crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27
34
sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153
In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa
dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia
dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore
listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o
il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla
richiesta di rinvio a giudizi154
Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio
entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155
La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai
seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte
gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure
eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156
Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado
ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande
parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele
ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso
153
IBID p 27 154
A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema
inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de
pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a
denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155
IBID p 27 156
A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as
perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do
julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27
35
durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria
francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no
sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo
predominante na Europa continentalrdquo157
Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi
inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158
O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados
por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas
com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da
acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste
especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do
acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com
base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159
Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que
ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)
instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs
etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar
se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas
primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de
forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a
pessoas distintas160
Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada
157
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158
IBID p 42 159
ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el
primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad
del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal
judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado
antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del
Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el
juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la
presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del
acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit
p 214-215 160
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96
36
ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em
determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria
dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de
direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser
considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a
culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os
interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe
outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo
preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta
de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um
procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo
procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou
condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas
por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees
satildeo recorriacuteveis161
Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute
entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes
havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute
necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica
de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162
Essa
investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e
precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou
promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163
161
MAIER Julio B J Op cit p 215 162
No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual
incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance
Teoria p 79 163
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74
37
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO
PROCESSO
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo
Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes
sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal
sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes
que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram
gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do
desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo
criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de
peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa
Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que
garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal
intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-
Estado164
Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista
impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade
Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto
normas desse teor165
Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil
pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de
reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees
necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166
Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as
164
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 11 165
SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
170 166
GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense
Universitaacuteria 1990 p13
38
Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de
determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da
prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio
constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia
do contraditoacuterio e da ampla defesa167
Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual
foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a
Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de
regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168
formando-se da uniatildeo
dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um
conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro
A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e
redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos
direitos humanos169
institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no
Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos
fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como
o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170
Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo
expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula
geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros
decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171
Portanto aleacutem dos direitos e
garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela
adota
Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para
se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave
167
IBID p13-14 168
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua
estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010
p 190 170
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 24 171
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106
39
atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores
democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172
Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de
plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma
ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que
inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento
soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua
vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a
separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo
inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173
Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as
guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas
garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de
respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174
Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia
da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre
processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de
princiacutepios e regras de direito processualrdquo175
o que leva ao desenvolvimento de estudos
especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional
Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel
Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolverdquo176
De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a
ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais
colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento
172
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 08 173
IBID p 08- 09 174
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175
IBID p 15 176
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel
Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84
40
juriacutedicordquo177
transformando o processo em garantia da liberdade
Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro
apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto
dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado
contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178
O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e
Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios
constitucionais do processo179
rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute
viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180
A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal
constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181
Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais
do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a
natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria
Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo
penal182
de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de
inconstitucionalidade material
Entretanto ressalta Grinover
Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que
satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel
constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler
as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar
a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos
legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 85 180
IBID p 85 181
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 48
41
interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em
conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo
constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo
possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e
aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183
Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser
vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de
igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para
alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184
Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos
valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente
dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado
processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves
liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja
estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se
extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado
modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e
liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para
sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento
histoacuterico para um ou para outro lado185
Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal
constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja
feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e
sob a perspectiva dos direitos fundamentais
Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular
da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos
183
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185
IBID p 14
42
se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186
Assim
apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa
passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do
investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais
esclarecida187
O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular
de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188
De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular
de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos
e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos
simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189
Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na
persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando
tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios
inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um
processo penal mais justo190
Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem
obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da
dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo
de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional
do direito processual penal191
Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado
assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o
Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em
nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192
-193
186
IBID p 07 187
IBID p 07 188
SAAD Marta O direito p 205-206 189
IBID p 206 190
BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do
processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191
IBID 192
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp
Outubro 1999
43
Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na
medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na
liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente
fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo
sistema repressivo194
Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as
garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser
consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila
investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo
Estado na liberdade individual195
atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos
dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do
valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como
sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma
acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196
Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez
o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos
valores seguranccedila e liberdade197
sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de
soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198
Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo
criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi
Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal
garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma
forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199
Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo
193
Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da
Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno
RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194
SAAD Marta O direito p 07 195
IBID p 07-08 196
SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash
2006 197
SAAD Marta O direito p 12 198
IBID p 12 199
IBID p 15-16
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criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica
de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz
das garantias objeto do presente estudo
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica
O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute
invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas
origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta
particularmente o artigo 39 deste documento200
Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta
Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos
medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita
e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a
determinados homens201
Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei
que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de
constitucionalismo do seacuteculo XVIII202
Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a
do artigo 39
ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or
exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon
him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo
200
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra
Almedina 2000 p 480 201
GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 1973 p 23 202
IBID p 24-25
45
De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem
duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-
americana203
No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido
processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou
respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204
Assim qualquer
restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by
the law of the land205
A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que
na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a
expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica
mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206
Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada
pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual
ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State
or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or
imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by
the due process of lawrdquo207
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a
poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua
203
IBID p 25 204
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205
IBID p 184 206
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25
46
extensatildeo a todos208
De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas
expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the
landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente
limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209
Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of
lawrdquo satildeo usados como equivalentes210
Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi
sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que
invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a
interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law
transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente
agrave ideia moderna211
O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e
posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para
a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila
vinculante para todos os poderes do Estado212
A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos
Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens
satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca
da felicidade213
A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como
emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214
e especialmente quanto agrave claacuteusula do due
process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida
208
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209
IBID p 184 210
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211
IBID p 25 212
IBID p 26 213
IBID p 27 214
IBID p 27
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ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous
crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases
arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time
of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be
twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to
be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without
due process of law nor shall private property be taken for public use without just
compensationrdquo
Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra
abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos
oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder
estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV
foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215
Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda
All persons born or naturalized in the United States and subject to the
jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they
reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or
immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person
of life liberty or property without due process of law nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the laws
Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave
afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser
tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda
atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216
215
IBID p 28 216
IBID p 29
48
Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como
um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio
exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica217
De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due
process of law pode sintetizar-se da seguinte forma
ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de
um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da
liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto
na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade
Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido
por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees
criminais particularmente gravesrdquo218
A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito
inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado
de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado
privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219
A accedilatildeo do
Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae
sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo
penal220
Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo
devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das
normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o
processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso
217
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218
IBID p 481 219
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220
IBID p 185
49
devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na
constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221
Segundo
o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o
direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo
legal dos mesmos processosrdquo222
Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de
que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da
consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223
uma vez que justiccedila e due
process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se
conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224
Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm
conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum
standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias
especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225
Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a
projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de
lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-
sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo
em uma perspectiva histoacuterica226
A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento
constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo
Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo
histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do
amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de
reasonableness227
Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do
221
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222
IBID p 481 223
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224
IBID p 34 225
IBID p 34 226
IBID p 35 227
IBID p 35
50
ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei
natildeo eacute suficiente228
Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das
formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades
legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo
estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas
regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229
Por fim leciona o autor
Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o
proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no
substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso
devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230
Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como
justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo
ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231
Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do
processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou
propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos
fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja
feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232
Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois
uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e
adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e
propriedade dos particulares233
Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser
materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso
228
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229
IBID p 185 230
IBID p 185 231
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232
IBID p 482 233
IBID p 482
51
devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-
legislativardquo234
Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam
alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em
processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do
processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e
pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo
Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235
Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria
exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e
punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a
ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236
Agraves autoridades legiferantes
deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da
propriedade das pessoas237
Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo
por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre
substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem
juriacutedica238
Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute
nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo
(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo
procedimentalrdquo)239
Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua
liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial
processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no
momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e
234
IBID p 482 235
IBID p 482 236
IBID p 482 237
IBID p 482 238
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239
GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185
52
injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240
Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo
legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos
limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de
direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de
modo discricionaacuterio ou imprudente241
Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer
obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242
Desse
modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as
formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria
configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando
ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o
princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras
formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico
subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto
processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244
de relevacircncia crucial
para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como
para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245
Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no
processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos
privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas
240
IBID p 185-186 241
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242
IBID p 38 243
IBID p 38 244
Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente
declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias
satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias
ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a
declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos
consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva
seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela
norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais
se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf
ed Satildeo Paulo p 411 245
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187
53
tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo
processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246
Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui
segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido
processo legal
Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se
de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem
suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a
formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena
possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da
imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247
Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser
entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como
garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro
A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o
conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para
assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa
246
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247
IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini
DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes
como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes
de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo
54
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a
partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar
que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de
status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional
(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional
(legalizaccedilatildeo)248
A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa
conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249
Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras
normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure
toda a disciplina do assunto250
conservando a foacutermula norte-americana dos direitos
impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta
Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados
ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251
Em
seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252
No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de
citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem
ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil
em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo
Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253
Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que
como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas
como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos
humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e
248
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249
IBID p 189 250
IBID p 191 251
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 91 252
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253
IBID p 189
55
benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254
13 Devido Processo Penal
O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a
natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto
normativo respectivo255
No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente
as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma
pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de
um devido processo criminal256
Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute
mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e
que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis
processuais que o disciplinamrdquo257
Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave
sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos
corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258
tratando-se
por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo
Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como
instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a
necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259
Segundo a autora ldquoa dicotomia
defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no
juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque
254
IBID p 187 255
IBID p 187-188 256
IBID p 187-188 257
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258
IBID p 69 259
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo
Paulo Saraiva 1976 p 27
56
de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260
Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser
reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261
sendo necessaacuterio que o processo proporcione
verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo
de suas provas262
Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o
processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo
do ldquodevido processo legalrdquo263
Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as
imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de
prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de
jurisdiccedilatildeo264
Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art
5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo
envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe
garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos
agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num
prazo razoaacutevel265
As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem
no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas
assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266
Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes
mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267
Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo
estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo
260
IBID p 27 261
IBID p 25 262
IBID p 25-26 263
IBID p 26 264
IBID p 26 265
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 76 266
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267
FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo
Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio
Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo
Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192
57
jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268
isto eacute os textos constitucionais procuraram
assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa
do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas
Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas
seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em
mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)
da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos
a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos
atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)
da legalidade da execuccedilatildeo penal269
Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo
natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do
devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e
incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto
de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da
justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de
seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270
E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos
fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio
criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e
haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave
jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine
iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou
definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine
titulo)271
Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser
assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio
no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a
268
IBID p 192 269
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270
IBID p 71 271
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 62
58
atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo
julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente
elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido
como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo
razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de
reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis
ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela
inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo
reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em
julgado a sentenccedila condenatoacuteria272
Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma
ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273
Isso indica desde logo que o ldquojustordquo
processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em
princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei
objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um
conflito de interesses274
No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas
satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador
comum275
Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias
Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que
entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem
relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador
2 Direito de defesa
O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a
272
IBID p 62 273
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274
IBID p 189 275
IBID p 189
59
garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e
recursos a ela inerentes
A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado
eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276
Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual
Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees
anteriores277
Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278
1891 art 72 sect 16279
1934
art 113 n 24280
1937 art 122 n 11 segunda parte281
1946 art 141 sect 25282
1967 art
150 sect 15283
e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa
como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em
1937 e 1946284
Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de
que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada
com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo
judicial ou administrativo285
Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria
justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente
276
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 203 277
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 253 278
Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras
Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel
que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao
Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279
Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios
essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente
com os nomes do acusador e das testemunhas 280
Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281
Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela
autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria
asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282
Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela
desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das
testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283
Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute
foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285
IBID p 253
60
defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o
alcance de uma soluccedilatildeo justa286
O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de
interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa
agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso
de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287
A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo
atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da
defesardquo288
traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo
que proporcionam maior efetividade agrave garantia
Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da
imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da
produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa
teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)
a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289
Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da
ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais
distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da
audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida
(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290
A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a
ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo
pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo
razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo
do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291
286
IBID p 260 287
BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla
defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289
IBID p 110 290
TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
61
Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio
autodefesa - defesa teacutecnica292
Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees
pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam
assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa
colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293
A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294
) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
(artigo 82d295
) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia
sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos
processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre
e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296
Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que
expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado
pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no
intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297
A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de
manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298
ambas
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292
BATALHA Sergio Fedato Op cit 293
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla
defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a
autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos
sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN
Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo
RT 2000 p 210 294
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297
IBID p 221 298
IBID p 221
62
devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299
como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300
Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal
que assegura ao preso301
o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser
conciliados302
O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia
muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o
sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a
atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do
interrogatoacuterio303
Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar
nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o
imputado304
Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de
contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo
singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305
Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais
internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306
e 82e307
)
299
ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as
seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300
Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se
comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves
seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se
culpada () 301
Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo
somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem
de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais
grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2005 p 238 302
IBID p 238 303
IBID p 242 304
IBID p 242 305
IBID p 237 306
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307
Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado
remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear
defensor dentro do prazo estabelecido pela lei
63
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308
) e
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309
)
Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto
constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()
sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo
Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia
de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o
tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo
nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)
Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e
acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via
de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal
em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310
A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem
de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta
apuraccedilatildeo do fato311
Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente
indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da
paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e
consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312
Isso porque ldquoquanto mais atuante
e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313
Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da
defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu
308
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309
Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311
IBID p 234 312
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234
64
pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado
de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314
Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a
necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute
processado ou julgado sem defensorrdquo
Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de
garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o
direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute
considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315
Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que
natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer
para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316
Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da
defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao
silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a
ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o
desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos
acusados em geral inclusive nos processos administrativos
A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada
como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318
Isso porque a expressatildeo
usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser
314
GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316
IBID p 268 317
GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
65
compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido
amplo319
Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de
incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de
maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320
Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado
pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo
penal321
Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como
ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de
persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322
- portanto uma vez que se
trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323
Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma
constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa
constitucional324
A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da
dignidade da pessoa humana325
Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de
processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio
de processo penal326
Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional
no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em
processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho
para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327
319
IBID p 251 320
SAAD Marta O direito p 367 321
BATALHA Sergio Fedato Op cit 322
Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o
policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323
SAAD Marta O direito p 367 324
BATALHA Sergio Fedato Op cit 325
IBID 326
IBID 327
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
66
Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal
bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a
incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328
Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo
um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329
sobretudo
aqueles decorrentes do direito de defesa330
Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de
investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331
A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da
pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser
reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo
temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a
apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das
comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de
atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332
Tudo isso vale ressaltar independe do
estabelecimento de contraditoacuterio333
Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status
de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser
tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334
328
IBID p 250-251 329
MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel
em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330
ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas
corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo
reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a
crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta
Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo
com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa
fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo p 235 331
ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo
preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a
possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332
IBID p 366 333
SAAD Marta Exerciacutecio 334
ID O direito p 366
67
Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do
inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser
considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher
defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o
envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento
apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335
O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo
imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336
Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a
ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do
inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337
Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma
ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as
acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em
silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua
inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338
A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do
acusado339
De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa
manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de
maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de
atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou
alegando negativas de autoria e de materialidade340
De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total
omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341
335
TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto
Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de
registro 12022001 336
SAAD Marta O direito p 202 337
ID Exerciacutecio 338
ID O direito p 367 339
IBID p 368 340
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341
IBID p 237
68
podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342
Natildeo apenas
pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima
contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343
podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo
simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344
A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa
constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do
acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345
Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida
por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de
complementaridade
Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica
com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a
teor do artigo 14 do CPP346
poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas
ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com
assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos
interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347
Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor
interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da
poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348
O sigilo do inqueacuterito
policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a
quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349
Consagrando tal
prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o
seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo
aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado
342
Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela
ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p
368 343
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344
SAAD Marta O direito p 368 345
IBID p 202 346
Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que
seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347
SAAD Marta O direito p 202 348
IBID p 369 349
IBID p 369
69
por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito
de defesardquo350
Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do
interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo
deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente
impraticaacutevel ou inuacutetil351
Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal
possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de
elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352
No entanto no
intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo
deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353
Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de
provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser
proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e
tempestivamente sua defesa354
Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja
garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida
por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao
Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio
defensor355
Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de
resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da
sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a
condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa
350
O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos
autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o
defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351
SAAD Marta O direito p 369 352
FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial
Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353
IBID 354
SAAD Marta O direito p 200-201 355
IBID p 368-369
70
no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem
evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356
ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos
fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade
policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de
diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos
constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm
a ganhar357
Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se
precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358
Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da
desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser
respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia
Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359
eacute o da presunccedilatildeo de
inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso
LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de
sentenccedila condenatoacuteriardquo
356
IBID p 204 357
ID Exerciacutecio 358
IBID 359
ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou
trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus
Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo
de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p
11
71
Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo
de natildeo culpabilidade360
esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao
ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo
sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361
As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do
Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da
common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na
Magna Carta362
Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo
dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant
preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes
necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo
a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no
periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363
de proteccedilatildeo dos direitos
humanos364
Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a
presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos
textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo
constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366
isto eacute o legislador
constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica
360
ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de
inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila
constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo
tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo
iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de
inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363
ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa
fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa
tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser
considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua
culpardquo (CADH art 82) 364
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355
72
clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e
igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de
regimes despoacuteticosrdquo367
Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um
processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368
Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio
informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo
de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os
valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369
Trata-se pois de
ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa
humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo
criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370
Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito
em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva
no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-
se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma
sentenccedila fundamentada371
Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de
inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende
um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele
denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria
probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372
373
367
IBID p 355 368
IBID p 358 369
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em
homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da
presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a
ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a
condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento
diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a
fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373
ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma
probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de
73
A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o
acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374
Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio
regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute
possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente
sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375
Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal
satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o
reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas
acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o
direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376
E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura
tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes
do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva
de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377
Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas
antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e
desde que fundadas em fatos concretos378
Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o
teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam
adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo
como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou
outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi
definitivamente julgado como autor de um crime379
inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide
de Presunccedilatildeo p 462 374
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376
GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA
Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo
Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12
74
A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no
Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente
em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380
Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se
tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando
pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se
compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como
uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como
inocente382
assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria
somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383
Sua abrangecircncia e acircmbito de
proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto
Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica
orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e
finalmente o que deve ser provado384
Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da
condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade
probatoacuteria385
Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a
presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se
encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386
Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a
inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu
conteuacutedo387
380
IBID p 12 381
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383
IBID p 427 384
IBID p 462 385
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386
IBID p 226 387
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538
75
Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e
subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu
o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388
Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal
informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute
que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de
demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material
probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha
conteuacutedo incriminador390
Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo
deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do
imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame
do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia
da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma
juriacutedica mais adequada ao caso concreto392
Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova
suficiente da culpabilidade393
Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova
segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave
absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas
provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no
momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394
A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar
convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a
direitos do imputado395
Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados
388
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal
Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391
IBID p 538 392
IBID p 462 393
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394
IBID p 11 395
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539
76
na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir
orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no
ldquoin dubio pro reordquo396
que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou
manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397
Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de
inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de
um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees
como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado
pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de
alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes
investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no
acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo
judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a
ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398
Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus
aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes
ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da
pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a
396
IBID p 539 397
ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees
empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser
resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo
tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana
e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo
por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo
de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo
axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao
caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a
lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas
possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente
ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais
Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)
e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum
causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo
caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel
abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187
77
relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia
agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o
necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja
dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa
(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente
com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo
e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma
decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se
possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave
dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399
Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema
processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e
assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo
a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal
Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da
presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo
de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal
- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar
via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento
indiscutiacutevel de sua culpa
Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando
leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior
399
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400
IBID p 358
78
relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do
mero suspeito como culpado401
Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia
consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase
investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema
instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico
mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402
Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica
imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos
de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403
Jaacute
nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo
dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos
estatais404
ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo
de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405
Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser
humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de
sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406
Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de
tratamento do investigado407
aspecto mais significativo nessa fase investigativa408
401
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio
da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra
Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora
2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que
posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el
derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o
anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con
influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de
inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403
Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se
inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de
atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o
primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo
preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404
IBID p 492 405
IBID p 492-493 406
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493
79
Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado
que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409
Refere-se desse
modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito
policial410
e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash
o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja
intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de
direito411
Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento
dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de
um juiacutezo de culpabilidade412
Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo
apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor
mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o
imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413
Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as
medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo
podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414
Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de
inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415
ldquoA defesa teacutecnica garante que o
imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de
profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia
assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o
intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir
prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416
409
IBID p 493 410
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412
Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos
humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA
Ana Lucia Menezes Processo p 172 413
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414
ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio
(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416
IBID p 494
80
Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo
haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo
tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417
Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a
prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo
telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos
incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418
A presunccedilatildeo de inocecircncia exige
um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor
dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos
para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419
Em outros termos nenhum elemento
probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os
ditames da lei420
Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos
qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo
formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421
Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como
ldquonorma de juiacutezordquo422
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem
ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos
incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa
legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a
denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase
persecutoacuteriardquo423
Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes
decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser
orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424
Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar
havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido
417
IBID p 494 418
IBID p 494 419
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e
na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado
Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422
IBID p 494 423
IBID p 494 424
IBID p 494
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pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja
como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425
4 A imparcialidade do juiz
A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado
genuinamente Democraacutetico de Direito426
Constitui indubitavelmente uma das mais
importantes garantias do devido processo criminal427
Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz
imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o
assegura428
Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante
um julgador parcialrdquo429
Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o
bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz
imparcial430
Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de
qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431
Assim natildeo seria possiacutevel
imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um
juiz equidistante das partes processuais432
Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um
juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando
eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do
proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a
425
IBID p 495 426
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa
imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique
Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz
nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em
httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429
IBID 430
IBID 431
IBID 432
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140
82
imparcialidade do juiz433
Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a
previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes
pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa
manifestar a imparcialidade434
(CF art 95 caput)435
Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute
suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para
decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute
exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a
quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436
Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente
intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437
(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438
Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de
suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439
(arts 252 e
seguintes440
) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de
433
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435
Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida
apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o
juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade
salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado
o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436
ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al
decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la
uacutenica ni es por ello suficiente436
Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo
la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa
situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op
cit p 484 437
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438
Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou
funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em
processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios
ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei
V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440
Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou
advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio
houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz
de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou
diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os
83
impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a
assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de
cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441
Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia
constitucional impliacutecita442
Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente
o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de
direitos humanos como veremos a seguir
O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo
imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas
internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito
em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal
independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos
Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa
forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis
preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo
81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443
(ldquoToda pessoa tem direito a ser
ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal
competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de
juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das
partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou
descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia
III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda
ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer
das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista
ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de
parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo
descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o
padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute
ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442
De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica
ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto
da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais
preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo
GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo
Malheiros 2006 p 144 443
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja
promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992
84
qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos
ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do
artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444
(ldquo Toda a
pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal
competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de
qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos
seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)
Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445
identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano
tutelado por diversos documentos internacionais446
donde se depreende que ldquotodo acusado
tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma
diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser
aplicadardquo447
De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode
ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do
processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e
especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes
conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em
conflitordquo448
Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser
compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota
indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida
como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas
sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se
depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449
444
Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento
juriacutedico nacional 445
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
citp 51 446
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 2001 p 37 449
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de
85
Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de
legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450
Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face
do caso concreto451
ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses
subjetivos de quaisquer das partes processuais452
Impotildee-lhe por conseguinte atuar como
um ldquoobservador desapaixonadordquo453
exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e
sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter
processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454
Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em
conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso
agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar
regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455
Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a
independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de
modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder
Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo
garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo
especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre
imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en
princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456
Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige
seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457
permitindo com
garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450
IBID p 236 451
AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales
Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453
CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires
Bibliografia Argentina 1945 p 27 454
AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456
MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral
do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p
11
86
isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob
qualquer pretexto a nenhuma das partes458
Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que
exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave
atividade das partes processuais459
Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o
juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer
com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460
Eacute inadmissiacutevel pois pretender
que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha
uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461
Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido
em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma
constante troca de valores e experiecircncias462
Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo
utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o
meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no
contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo
quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar
A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da
sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma
postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas
na controveacutersia judicial463
Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual
apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo
penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das
partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave
458
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459
IBID p 11 460
OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel
em httpwwwibccrimorgbr 461
ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462
HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p
27-41 463
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113
87
realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos
princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464
Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser
julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma
relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional
uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos
deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o
exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles
inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465
Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo
do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a
obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466
o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute
natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467
Assim uma anaacutelise mais
minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas
convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes
internacionais468
Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem
sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo
por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack
vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade
objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto
subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto
e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir
qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469
464
IBID p 113-114 465
IBID p 115 466
LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468
IBID 469
ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to
ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is
determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH
88
Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se
pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade
subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando
por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de
amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode
resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do
processo470
Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de
convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante
do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute
demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva
consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel
duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471
Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma
determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o
que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a
averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam
contaminar o julgamento472
Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em
um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que
possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso
posto a julgamento473
Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo
que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua
Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo
sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined
according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given
case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees
sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined
whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts
as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint 470
AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo
Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473
IBID p 110
89
imparcialidade474
Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo
natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475
A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia
de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na
causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave
condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que
natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo
preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica
da lide por decidir476
Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume
especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento
firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser
resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade
democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta
imparcialidade477
Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de
ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478
Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente
imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute
necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz
objetivamente imparcial479
474
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de
Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475
IBID p 126 476
STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar
Peluso em voto-vista j 11112008 477
Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality
must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic
societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em
httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of
whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the
confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as
criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de
26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria
sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila
de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de
28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479
IBID
90
Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito
mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480
Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial
natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente
comprometido com uma das partesrdquo481
Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser
imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu
ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute
ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como
injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482
De acordo com o ditado inglecircs citado no caso
Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be
donerdquo483
Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente
comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto
do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo
justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar
A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que
se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo
Tribunal Europeu de Direitos Humanos
480
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482
IBID 483
ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one
refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may
allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v
Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484
LOPES JR Aury Direito hellip p 126
91
No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas
para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute
em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade
democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo
pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de
parcialidade485
natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante
Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva
a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado
havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele
Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o
magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia
consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486
Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do
investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo
determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior
com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada
no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de
485
ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw
What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In
order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be
taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos
department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his
duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer
sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982
disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486
ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage
the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly
detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is
quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to
play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to
weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the
Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself
has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary
investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the
bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the
force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a
restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental
principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the
provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society
within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984
disponiacutevel em httphudocechrcoeint
92
investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487
Isso porque a investigaccedilatildeo
encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo
temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de
sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees
telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos
ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees
referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime
e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas
medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um
prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da
causardquo488
Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489
Numa primeira
etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter
atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo
realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua
imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da
imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato
praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490
Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial
afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte
Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso
concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem
inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser
julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para
eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe
julgar491
Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que
487
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488
IBID 489
IBID 490
IBID 491
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237
93
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato
criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois
ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no
Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que
justificam o temor pela perda da imparcialidade492
Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a
examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento
juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de
um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da
investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente
causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status
libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras
de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de
alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do
arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493
Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao
investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar
pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida
restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado
antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do
suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional494
Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a
forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente
considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode
acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente
492
IBID p 238 493
IBID p 239 494
IBID p 239-240
94
duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo
mesmo juiz495
Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que
acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos
durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e
consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa
O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo
penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a
privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante
a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo
responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e
dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a
investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela
atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa
questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo
Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo
magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro
Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma
abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo
criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
495
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito
95
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
1 Consideraccedilotildees iniciais
Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma
apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia
material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou
participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele
termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de
ser submetido a processo penal
Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo
Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas
e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a
justiccedila penal
Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma
garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso
envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees
a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um
julgamento por juiz imparcial
Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se
restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo
Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa
natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado
por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado
Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo
criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos
processuais historicamente ultrapassados
Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao
96
julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela
legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias
essenciais
Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento
juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de
compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado
Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa
legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa
Carta Poliacutetica496
Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico
21 As Ordenaccedilotildees do Reino
As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de
seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de
Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497
Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas
sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que
foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de
Processo Penal Imperial) e republicanas498
Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos
496
ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no
Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498
SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27
97
paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no
sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499
Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos
juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500
O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado
socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501
Notava-se no
processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento
inquisitorial502
Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito
Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas
inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto
de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da
suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503
Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia
a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do
acusado e de forma secretardquo504
Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e
o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois
na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505
A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve
como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim
acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506
499
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500
IBID p 78 501
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas
Bastos 1959 p 112 502
MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503
PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi
1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os
processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de
denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das
querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p
115 504
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505
IBID p 102
98
A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos
almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham
como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante
os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos
bairros)507
Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes
especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de
investigaccedilatildeo dos crimes508
Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se
principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees
devassas509
Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela
primeira vez no direito portuguecircs510
Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior
profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram
aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia
Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte
o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre
diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511
Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos
baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e
despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras
processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees
devassasrdquo512
No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os
procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos
e particulares513
506
IBID p 112 507
IBID p 120 508
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63
99
O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees
de querelas e de denuacutencias514
Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que
se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas
Ordenaccedilotildees Filipinas515
A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida
Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da
pronuacutencia516
Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da
cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de
devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo
judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a
pronuacutencia517
Assim era pois formada a culpa
A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito
tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos
culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os
instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes
graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o
julgamento518
Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram
diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519
As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes
comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas
que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas
especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520
As
devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as
especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro
de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia
ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e
514
IBID p 65 515
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517
IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519
IBID p 64 520
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133
100
ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas
especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros
comissionados para isso521
As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas
inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem
reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de
prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia
a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim
desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as
devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou
que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem
consideradas judiciais agrave sua revelia522
A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato
criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente
autordquo523
Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher
entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524
Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou
quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir
procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e
que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e
pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua
falta525
A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime
puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526
e soacute podia ser utilizada nos casos de
devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527
521
IBID p 133 522
IBID p 134 523
IBID p 134 524
IBID p 134 525
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526
IBID p 67 527
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135
101
Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por
moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos
juiacutezes da terra528
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de
novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves
garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529
A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo
de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa
e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e
mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio
do povo e naccedilatildeordquo530
O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a
independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de
marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo
sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531
substituindo assim as
perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532
Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos
brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios
garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide
do Livro V das Ordenaccedilotildees533
A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI
Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534
528
SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529
SAAD Marta O direito p 29 530
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531
SAAD Marta O direito p 27 532
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533
IBID p 117 534
Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim
no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados
pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que
102
e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram
eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das
atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535
Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827
instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do
Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz
atribuiccedilotildees policiais preventivas536
e repressivas537
Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz
eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este
era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo
do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz
criminal538
Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a
formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a
qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava
para a prisatildeo do acusado539
Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as
determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540
A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto
as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo
de Processo Criminal de 1832541
todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que
a Lei determinar 535
Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo
algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira
por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536
ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-
los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em
outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os
vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar
as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537
Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada
(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538
SAAD Marta O direito p 28 539
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540
ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a
qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo
IBID p 121 541
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
103
Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham
enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e
formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542
que despontava como a base
da acusaccedilatildeo543
Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas
atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder
como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do
crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544
O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a
primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545
enquanto a segunda dispunha acerca da
forma do processo ou procedimento
No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute
observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546
visto que o chefe de poliacutecia
era tambeacutem um juiz de direito547
A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda
transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo
de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548
ldquoAs
querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias
liberais foram incorporadas agrave leirdquo549
As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem
diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no
542
Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentesrdquo 543
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o
futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo
ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544
SAAD Marta O direito p 31 545
Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias
dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e
cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de
quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico
(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que
poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o
chefe de poliacutecia 546
Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo
haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547
SAAD Marta O direito p 29 548
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549
SAAD Marta O direito p31-32
104
instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550
a
querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo
ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551
o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado
pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia
ainda que denuacutencia natildeo houvesse552
A formaccedilatildeo da culpa que compreende o
procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente
sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus
soacutecios553
Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute
aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que
abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do
delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou
improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados
para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554
A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era
subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555
ldquoIsto eacute
instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir
atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do
promotor puacuteblicordquo556
Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser
observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do
corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de
testemunhas d) no realizaacute-lardquo557
550
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552
ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou
cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo
ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553
IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de
formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em
siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees
interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 125 555
SAAD Marta O direito p 32 556
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557
IBID p 126
105
Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria
disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das
provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558
Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a
lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a
inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559
De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz
procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560
e que atuasse
sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561
com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562
Ao juiz de paz incumbia
reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563
bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo
houvesse denunciante564
mandando chamaacute-las de ofiacutecio565
para que depusessem sobre a
existecircncia do crime e autoria delitiva566
567
O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no
cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem
recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568
devido agrave inexistecircncia de um representante do
Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569
558
IBID p 126 559
SAAD Marta O direito p 32-33 560
Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentes 561
Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes
em que tem lugar a denuncia 562
Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a
denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563
Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa
servir de prova 564
Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de
testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565
Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566
Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo
necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem
noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568
IBID p 126 569
Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os
Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado
um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os
Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios
106
O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito
ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570
Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571
ou
preventiva572
do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a
inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573
574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila
do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os
testemunhos
Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde
ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado
Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem
reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575
sem prejuiacutezo aos
objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576
Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de
seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do
interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz
de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a
procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577
Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos
substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de
570
ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de
serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria
inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto
Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571
Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute
presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou
emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em
flagrante delicto 572
Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo
tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo
pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573
Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser
conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado
pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575
Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua
ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577
IBID p 127
107
algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado
agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578
Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa
simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se
tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do
povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579
Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a
formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso
a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem
decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da
formaccedilatildeo da culpa580
Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas
mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila
despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a
aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica
poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando
da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de
autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva
tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581
As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do
paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios
legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem
reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de
janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582
578
SAAD Marta O direito p 35 579
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580
IBID p 128 581
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
108
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842
A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com
conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583
e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de
janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia
Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e
artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes
tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para
recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584
A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente
centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se
propunha de tornar efetiva a autoridade legal585
Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do
Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo
judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as
excessivas prerrogativas dos elementos regionais586
Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz
de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a
poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587
588
E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo
produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do
poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura
583
SAAD Marta O direito p 40 584
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585
IBID p 119 586
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587
SAAD Marta O direito p 41 588
Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre
outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135
109
criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de
poliacutecia589
As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590
Estabeleceu-se que em
cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes
de direito pelo Imperador591
Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto
pelo chefe de poliacutecia592
e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu
presidente593
Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias
propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594
e nomeados pelo presidente da
proviacutencia respectiva595
596
Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o
juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e
subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597
589
SAAD Marta O direito p 40 590
ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento
policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591
De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os
Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos
seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos
Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das
Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada
pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592
Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou
outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que
forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro
de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as
qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593
Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os
Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos
Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento
12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das
Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias
observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas
propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594
Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de
Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e
obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o
Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros
quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595
Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte
e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas
as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos
propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597
SAAD Marta O direito p 41-42
110
O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em
administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-
as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no
bojo do artigo 3ordm598
as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e
apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599
Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma
ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito
das reformas procedimentais600
A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa
(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash
disposiccedilotildees criminais601
foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o
chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e
juiacutezes de direito602
- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603
com recurso ex officio
para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604
Esse magistrado tambeacutem
podia formar a culpa e pronunciar originariamente605
606
598
Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto
comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados
comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar
os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis
mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou
officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599
SAAD Marta O direito p 43 600
IBID p 43 601
Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602
Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da
culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts
72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603
ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais
produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal
natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou
revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este
foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604
Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos
respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm
5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas
attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm
6ordm e 9ordm
Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as
pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605
Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()
2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles
serviremrdquo 606
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131
111
Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os
juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das
formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas
circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados
proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para
ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos
290607
291608
e 292609
)610
Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de
corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a
de seus delegados nos respectivos distritos611
Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes
quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem
obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de
formarem a culpa612
O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613
esclarecia que tal
607
Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem
os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que
prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a
requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou
denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o
esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608
Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e
denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e
mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos
reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos
processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores
ou complices 609
Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou
soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal
que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o
processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle
lanccediladas nos autos 610
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612
Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos
districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e
esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas
circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente
comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo
poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613
Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e
12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias
extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego
de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter
aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem
do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas
ou denuncias que houverem
112
remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se
apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a
atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais
amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614
Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615
do Regulamento
nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro
das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de
colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira
autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da
culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais
esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes
competentesrdquo616
Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou
a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal
que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617
Aos juiacutezes de
paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era
permitido proceder ao auto de corpo de delito618
e agrave formaccedilatildeo da culpa619
concorrentemente
614
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615
Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa
enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais
esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na
conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-
se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria
enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que
escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os
casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados
de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no
expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem
perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das
penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados
participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila
que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu
expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617
SAAD Marta O direito p 46 618
Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619
SAAD Marta O direito p 43-44
113
Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos
empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620
Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621
conferindo agraves
autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622
Assim ldquoa reaccedilatildeo contra
o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de
paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash
confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623
Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e
projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871
apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram
sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da
poliacutecia e da judicatura624
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871
A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro
620
Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo
Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de
responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos
Officiaes que perante as mesmas servirem 621
O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos
princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as
funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento
E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a
culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem
dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de
funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos
delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa
(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do
caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR
Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623
SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute
Olympio 1937 p 235 624
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64
114
do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e
poliacutecia625
e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626
627
O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo
constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628
Tal
estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos
na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do
Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no
sistema processual penal brasileiro629
A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as
disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que
nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas
ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a
jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630
Isto eacute
a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes
municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas
comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631
passou aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do
distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632
como
faziam anteriormente633
625
Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo
facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente
exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e
Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado
mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de
qualquer autoridade policial 626
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627
A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo
ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a
prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA
JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio
da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram
como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629
ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem
dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades
tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre
pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632
Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os
outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento
115
Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que
fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao
cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634
determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo
10635
da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871
ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636
Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves
autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637
conservando os
juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638
O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam
assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do
crime639
por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de
instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e
nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de
seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos
respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos
Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do
Processo Criminal 633
SAAD Marta O direito p 51 634
A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da
comarca ou do termo 635
Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente
restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos
crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por
escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da
accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o
processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades
policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos
criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto
e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo
tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a
concessatildeo da fianccedila provisoria 636
SAAD Marta O direito p 51 637
A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871
Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia
de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as
circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO
Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639
Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a
noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias
para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos
delinquentes
116
tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640
Previa ademais que se presente a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato
criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio
seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo
promotor puacuteblico641
Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo
instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria
proceder ao inqueacuterito policial642
ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao
descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou
cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643
644
640
Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo
2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que
houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em
geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641
Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou
arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que
possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela
autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642
Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o
processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs
de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte
interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643
Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos
criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento
escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja
de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar
do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da
localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os
instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade
peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as
declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem
conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as
testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas
circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos
resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em
flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do
crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm
Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu
despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por
intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute
as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute
immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa
seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra
autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias
com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das
testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do
inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte
interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e
comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr
applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644
SAAD Marta O direito p 53
117
Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no
sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a
inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm
atribuiacutedo aos magistrados penais645
A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de
legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns
Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute
exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas
modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees
de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio
Marcos de Moraes Pitombo foram raros646
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por
uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647
Ao
lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo
uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e
vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648
Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que
as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em
flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias
e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria
decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a
justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo
sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de
645
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648
Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal
118
Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos
ldquopseudodireitos individuaisrdquo
O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)
natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas
Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do
Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave
propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo
plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora
eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o
processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos
os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649
Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e
a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650
Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase
destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa
e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da
denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e
evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651
Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652
ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute
que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da
acusaccedilatildeo653
De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual
penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares
e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da
culpa654
ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o
649
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652
A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para
situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de
119
todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-
serdquo655
Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de
1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de
instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o
Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes
argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a
dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado
de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria
juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos
distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os
apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila
de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal
agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657
sem
655
IBID 656
ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as
suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros
urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema
vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender
criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de
que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar
proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de
instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De
outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona
de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os
morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem
seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a
imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do
sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a
sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo
poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria
antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra
apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou
antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas
Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o
alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas
Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo
despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila
criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode
ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito
preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao
Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657
Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas
jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia
120
exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658
isto eacute o inqueacuterito
natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas
realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659
Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito
policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos
Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em
seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660
e
particulariza no artigo 6ordm661
as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial
assim que cientes da praacutetica de um delito662
Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que
a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos
mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de
direitos fundamentais663
Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia
criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio
Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em
virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a
requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o
trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a
definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma
funccedilatildeo 658
SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659
Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem
pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares
de Inqueacuterito 660
O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661
Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se
possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo
das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o
fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir
o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do
Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for
caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo
do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -
averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo
econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos
que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662
SAAD Marta O direito p 76 663
LOPES JR Aury Direito p 252
121
iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664
mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a
seguir
De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito
deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou
estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se
executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante
fianccedila ou sem elardquo
Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e
o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para
ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a
prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz
cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas
diligecircncias
Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo
quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo
Promotor de Justiccedila
Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa
para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico
promover o arquivamento das peccedilas665
No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo
juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute
remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer
a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no
pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo
Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer
fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada
664
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665
IBID p 112
122
pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por
representaccedilatildeo da autoridade policial666
A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas
pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o
sequestro de bens667
do indiciado e a busca e apreensatildeo668
Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes
instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de
obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz
portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar
seu convencimento669
Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi
sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou
todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do
Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que
eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar
seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670
Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no
Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo
juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671
)
Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da
livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das
provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as
outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672
666
Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva
decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da
autoria 667
Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda
antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668
Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670
IBID p 169 671
Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash
ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672
Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde
123
Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes
justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase
inquisitiva preacute-processual673
Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674
a rigor o magistrado
criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as
provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a
responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo
elemento surgisse para invalidaacute-las675
Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941
ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe
avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com
aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em
busca da formaccedilatildeo da opinio delicti
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008
essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo
pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo
repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674
Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior
melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de
reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua
convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta
todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo
significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de
Processo Penalrdquo IBID p 172 675
MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70
124
Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o
ordenamento juriacutedico brasileiro676
A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o
processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime
autoritaacuterio militar instalado em 1964677
fator que ensejou consideraacutevel impacto
especialmente na esfera dos direitos fundamentais678
Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa
Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a
um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios
fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679
Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou
significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as
Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680
O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo
penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria
constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das
garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681
e nesta repetida em
abundacircncia682
Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na
sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica
Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo
Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores
constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e
676
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 21 678
IBID p 21 679
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680
PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681
De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando
por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a
declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio
autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo
de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682
IBID
125
interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior
intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683
Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto
constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos
garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do
processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684
Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma
carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter
unicamente acusatoacuterio685
na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem
desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se
reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um
processo penal constitucional
As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no
processo penalrdquo686
multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser
encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens
Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica
assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I
da CF687
com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e
julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio
Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei
Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e
acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o
Ministeacuterio Puacuteblico688
683
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686
IBID 687
ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a
divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o
desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou
Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva
ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo 163 jun-2006 688
ABADE Denise Neves Op cit p 140
126
O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo
democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente
inquisitiva689
Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do
Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio
sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a
decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)
do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar
praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690
Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico
paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691
De fato um exame
superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de
inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 ainda subsistem no processo penal692
As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos
princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo
penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo
das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre
outros693
Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente
inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais
podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei
Maior694
Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras
preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos
689
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691
IBID 692
ABADE Denise Neves Op cit p 143 693
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694
ABADE Denise Neves Op cit p 143
127
valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de
questionamento das garantiasrdquo695
O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura
constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo
criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696
Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional
acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos
inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o
ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697
A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo
preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade
exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema
acusatoacuterio
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento
Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se cunfundam698
A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema
ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema
acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico
695
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697
IBID p 108 698
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2
p 41-46 julhodezembro 2008
128
assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a
reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699
Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a
etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700
passando a ser repelida a
valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria
ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de
papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701
Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja
essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702
A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da
separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do
Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de
qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703
Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e
portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente
estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704
A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo
legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais
que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705
ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de
combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de
acusadorrdquo706
A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da
efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo
punitiva do Estado707
Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de
699
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701
IBID p 108 702
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703
ABADE Denise Neves Op cit p 144 704
IBID 705
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706
IBID 707
IBID
129
buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da
acusaccedilatildeo708
Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial
princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em
que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente
afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709
Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder
Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do
juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710
Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz
preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de
investigador711
Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal
material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para
permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do
reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao
julgar e resolver a lide712
Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta
estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o
papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias
constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713
O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute
portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo
criminal
Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz
da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute
presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes
708
ABADE Denise Neves Op cit p 146 709
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710
IBID 711
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 713
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas
130
competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito
extraprocessualrdquo714
Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a
legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo
intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715
Isso porque a
intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento
do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a
igualdade dos sujeitos do processo716
Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o
juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias
cautelaresrdquo717
Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o
papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade
intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718
Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal
buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do
magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719
Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela
Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das
investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista
Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro
no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado
poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de
parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na
ordem constitucional720
Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de
certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo
714
GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716
IBID p 109 717
GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista
Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719
IBID 720
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129
131
do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721
Os resultados da cultura inquisitorialista
herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo
vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722
A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo
Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo
fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do
investigado723
A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas
cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra
mais evidente
Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio
Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos
juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo
frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da
possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito724
A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga
possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente
por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema
acusatoacuterio725
Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o
oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que
tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito policial por parte do magistrado726
Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade
exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em
721
IBID p 129-130 722
IBID p 130 723
IBID p 130 724
IBID p 109 725
ABADE Denise Neves Op cit p 175 726
IBID p 175
132
tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por
intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade
exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema
acusatoacuterio727
Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise
eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a
formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no
caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728
Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em
nenhum caso729
Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos
fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir
como parte730
Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo
sobre a opinio delicti731
Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de
iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre
na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732
O sistema acusatoacuterio
atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de
elementos de convicccedilatildeo733
Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo
sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio
colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal
seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do
727
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro
Lumen Juris 2007 p 265 728
ABADE Denise Neves Op cit p 175 729
LOPES JR Aury Direito p 265 730
ABADE Denise Neves Op cit p 175 731
IBID p 175 732
IBID p 175-176 733
IBID p 176
133
Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734
ldquoQuem deve decidir portanto sobre
a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735
No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida
pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo
tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo
do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da
Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo
dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada
finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736
737
Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a
accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de
promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que
representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738
No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e
ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita
Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a
denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer
peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees
invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao
procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento
ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender
734
IBID p 110 735
LOPES JR Aury Direito p 265 736
ABADE Denise Neves Op cit p 110 737
ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno
informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia
conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de
assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela
Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista
determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738
IBID p 112
134
A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo
criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739
No acircmbito da
moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio
acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento
formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal
segundo os elementos coletados740
Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para
avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o
afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a
formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do
exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como
violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742
ao conferir iniciativa
probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a
determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter
restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase
extraprocessual
Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro
resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo
judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou
da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras
pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743
bem como da retirada do ordenamento
dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a
produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que
retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever
de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser
chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave
739
LOPES JR Aury Direito p 284 740
ABADE Denise Neves Op cit p 113 741
IBID p 113 742
Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150
135
intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo
jurisdicional744
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz
A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve
ser muito restrita745
limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos
fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que
efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua
imparcialidade746
Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao
magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da
investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega
e desenfreada busca da verdade real747
O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela
observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em
incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos
direitos748
A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja
previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio
da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo
penal749
Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais
comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a
excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744
IBID p 150 745
LOPES JR Aury Direito p 247 746
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747
CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto
Esp 1996 748
IBID 749
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro
Lumen Juris 2009 p 54-61
136
demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade
esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que
por meio dela se pretende atingir750
Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na
fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos
investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do
magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751
O exame dos
pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade
exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos
materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752
A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda
nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo
detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no
plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos
tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753
A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto
passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos
julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave
intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em
discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais
do investigado
Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a
privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da
necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos
Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de
Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente
750
CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova
Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo
Paulo LEUD 2000 p 65-69 751
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752
IBID p 187 753
ABADE Denise Neves Op cit p 141-142
137
patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o
magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com
a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de
sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica
Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade
do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem
margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos
incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a
instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
penal754
Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da
imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio
seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo
agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755
A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o
inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo
que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756
Sua imparcialidade estaacute
comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo
preliminar757
ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre
condutas e pessoasrdquo758
O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema
Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de
um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase
preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759
754
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755
IBID p 197 756
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757
LOPES JR Aury Juiacutezes 758
IBID 759
Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)
138
Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo
acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que
verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760
de modo a preservar o distanciamento do juiz do
processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo
produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de
Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e
traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no
ordenamento juriacutedico brasileiro
O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das
garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
760
LOPES JR Aury Juiacutezes
139
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no
Processo Penal Brasileiro
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias
O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser
apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma
profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que
elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761
O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito
prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini
ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo
contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se
fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762
O processo dessa forma
com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no
exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado
para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763
Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela
visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a
necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764
Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para
conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme
liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi
761
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762
BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 452 763
IBID p 452 764
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial
140
Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam
velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance
das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do
mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765
Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras
alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas
econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766
bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo
cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis
dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas
Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo
ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo
nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira
em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767
tiveram
vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do
Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o
alteraram neste longo periacuteodo
Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal
continuava defasado e desarticulado
Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo
penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo
e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas
765
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo
Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo
de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766
ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela
Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p
43 767
1946 1967 e 1969
141
pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo
constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768
Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo
Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769
ocorrida em quase sete
deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente
agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770
Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou
no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e
a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime
ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771
Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o
Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos
princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados
Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772
Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios
dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de
interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de
768
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769
A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze
Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito
projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei
apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770
A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras
regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771
PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772
MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas
cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo
Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75
142
compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituiccedilatildeo Federal773
Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo
determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos
preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das
disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os
princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos
institutos774
De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa
forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as
provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a
simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a
conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775
Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a
Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um
processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo
das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o
seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776
Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente
alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de
possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de
videoconferecircncia
773
SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775
ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de
competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1
julhodezembro 2008 p 111 776
FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual
Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17
143
Finalmente a Lei 124032011777
modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo
processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a
oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras
medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do
sistema penal778
Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo
Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de
graves viacutecios estruturais779
Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo
processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780
oriundos da nova
Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica
Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda
estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781
De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a
aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782
Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias
poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos
estrateacutegicosrdquo783
Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de
todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial
777
O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se
completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria
Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779
NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In
Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780
CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio
Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781
IBID p 101 782
Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo
inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo
de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de
conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o
sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 250 783
MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75
144
Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de
fundordquo784
No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas
reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas
virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785
Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual
penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais
Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do
Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute
muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como
sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser
inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor
que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto
central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786
De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma
global do nosso Coacutedigo de Processo Penal
Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute
verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho
de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio
seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787
Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser
um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma
constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode
ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788
784
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de
Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785
CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave
anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de
Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788
IBID p 80
145
Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma
mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal
com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda
progressos significativos em termos de garantias individuais789
Nesse sentido um novo
Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais
facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790
Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual
penal de 2008791
em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado
Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de
Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton
Carvalhido792
apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei
do Senado Federal 1562009793
Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de
2009794
Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na
Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795
Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da
imprescindibilidade de um novo Coacutedigo
789
IBID p 80 790
IBID p 80 791
Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que
entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792
Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de
Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato
Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do
Ato 1108 793
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal
1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v
200 jul 2009 794
OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo
IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795
O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi
apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente
por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados
determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer
sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para
emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013
146
Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao
alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal
brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um
novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de
1988
De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os
laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados
da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana
corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796
A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo
propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797
que busca
se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo
Dividido em seis Livros798
o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um
Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em
sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do
devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias
individuais
Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos
ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia
ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas
concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o
reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um
verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como
pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo
796
CAPEZ Fernando Op cit p 124 797
GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz
jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798
Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das
accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais
147
De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute
importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e
concretardquo799
Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades
merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e
definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da
atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800
e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo
de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801
a criaccedilatildeo do juiz das garantias
instituto que nos propomos analisar a partir de agora
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares
Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz
das garantias no nosso ordenamento juriacutedico
Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal
impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo
dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal
Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as
elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e
assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial
Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se confundam
799
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800
Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801
Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009
148
Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio
pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o
risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa
a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo
Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao
magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo
penal ou de atuar como verdadeira parte no processo
O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar
alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado
Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute
mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito
passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm
lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado
Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria
estrutura dialeacutetica do processo penal
Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos
natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente
autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de
maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do
material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento
cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas
cautelares bem como de sua legitimidade
Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute
analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido
sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o
elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento
exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do
exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos
fundamentais do investigado
149
E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma
soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009
Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para
atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela
legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias
fundamentais do investigado802
cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela
claacuteusula de reserva judicial
Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo
criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o
Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803
Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo
controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos
individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder
Judiciaacuteriordquo804
Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no
nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura
de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do
artigo 16805
estaria impedido de funcionar no processo806
Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia
vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de
investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807
e 83808
do atual
802
MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos
de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804
Artigo 14 805
Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES
Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal
Salvador Juspodivm 2012 p 136 807
Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da
concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou
queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808
Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
150
Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada
isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar
conhecimento do fato
O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das
garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809
Com efeito o juiz chamado a
intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um
giro de 180 grausrdquo810
ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811
A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009
reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a
fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na
experiecircncia internacionalrdquo813
podendo ser citados como exemplos o giudice per le
indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no
Chile814
Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada
ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo
como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)rdquo
809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado
Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810
IBID 811
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812
MAYA Andreacute Machado Outra vez 813
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814
ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini
preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no
mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto
de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma
semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao
inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)
que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art
40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos
paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo
(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um
julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute
a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em
25082013 815
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
151
O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento
juriacutedico brasileiro
Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de
instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo
tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal816
Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade
das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817
O
fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da
investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818
Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda
e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no
esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas
cautelares na fase processual819
Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de
separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a
distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820
com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e
Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal
acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do
processo do juiz da investigaccedilatildeo821
Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias
no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de
organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822
O juiz de
garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave
Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823
816
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817
IBID p 308 818
IBID p 308 819
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820
IBID p 89 821
IBID p 89 822
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823
IBID p 305
152
Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo
redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal
A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico
que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal
O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de
2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do
agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa
de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824
Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de
atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias
3 Atribuiccedilotildees
A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do
disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO
processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo
de acusaccedilatildeordquo
Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador
Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se
exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual
se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do
inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825
mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe
cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias
824
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de
Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem
ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90
153
investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo
nunca o gerente das tarefas policiais826
Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das
garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827
Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses
em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828
isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da
pessoa investigada829
As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final
ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe
especialmente
I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do
art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555
III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este
seja conduzido a sua presenccedila
IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal
V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar
826
IBID p 90 827
ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente
de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais
adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de
descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e
motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828
Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do
Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na
condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura
ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo
penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 254 829
PASSOS Edilenice Op cit
154
VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como
substituiacute-las ou revogaacute-las
VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas
urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa
VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso
em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no
paraacutegrafo uacutenico deste artigo
IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver
fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento
X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre
o andamento da investigaccedilatildeo
XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de
comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de
comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e
apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de
obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado
XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia
XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos
termos do art 452 sect 1ordm
XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial
XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que
tratam os arts 11 e 37
XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a
produccedilatildeo da periacutecia
XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo
155
Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as
competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso
XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em
tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das
garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo
preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que
dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto
as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria
plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial
na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830
Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias
ressalvadas as de menor potencial ofensivo831
que seguem o rito dos juizados especiais832
Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833
isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo
penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834
Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai
de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees
pendentes835
podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em
curso836
No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees
do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma
regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837
830
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831
Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto
Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo
abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute
haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das
garantiasrdquo 832
PASSOS Edilenice Op cit 833
Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837
Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
156
Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de
diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos
do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838
Cabe-lhe tutelar a
regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839
Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado
como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-
se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em
construccedilatildeordquo840
Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se
esclarecer a sua finalidade
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro
Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o
deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de
examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de
direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias
bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave
especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)
manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em
relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo
cada um deles
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que
ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839
IBID p 90 840
IBID p 90
157
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal
A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para
atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo
jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais
Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na
esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o
estabelecimento de garante exclusivordquo841
A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a
criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um
juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que
atuou na fase preacute- processual842
De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo
Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse
tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase
processual843
Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado
que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade
da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844
Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue
exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e
qualquer processo de especializaccedilatildeo845
A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja
voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto
ganho de celeridade846
ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo
expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847
841
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843
SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844
IBID 845
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846
PASSOS Edilenice Op cit 847
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
158
Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas
de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e
Satildeo Paulo848
onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos
acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece
ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra
um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa
nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse
sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849
No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do
juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas
competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes
ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850
De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia
evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento
das varas criminaisrdquo851
dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se
exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os
direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa
em prazo razoaacutevel852
Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia
no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo
penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com
um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais
848
IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito
policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias
deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das
garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo
tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa
investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver
necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz
da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global
do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851
SCHREIBER Simone Op cit 852
IBID
159
cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e
honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal
Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do
controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos
fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e
harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853
Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de
melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da
ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e
eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem
tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa
atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade
criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855
A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao
maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos
que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856
A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram
pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na
853
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias
160
atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a
imparcialidaderdquo857
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo
prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a
Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas
tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo
consideravelmente reduzida858
No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de
direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode
prescindir da participaccedilatildeo do juiz859
que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o
mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da
competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo
Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por
um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo
e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode
se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que
sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860
E principalmente ele deve procurar
natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e
pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo
que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um
ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias
anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a
produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute
suficiente para condenarrdquo862
De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-
processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios
857
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858
SCHREIBER Simone Op cit 859
IBID 860
IBID 861
IBID 862
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
161
colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do
magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua
atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional penal863
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um
magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse
primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864
Isso
porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo
preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo
constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende
inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865
Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees
distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja
funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do
material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866
No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a
autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que
impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz
acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos
das pessoas atingidas por tais medidas867
Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente
familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute
formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868
Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma
que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se
a defesa provar a inocecircncia do acusado869
Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo
863
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865
PASSOS Edilenice Op cit 866
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867
SCHREIBER Simone Op cit 868
IBID 869
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
162
formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo
de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda
a causa870
Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em
desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871
dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas
probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique
a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872
Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se
mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que
lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no
inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de
se fazer ouvir no processo873
A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute
indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro
pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo
definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela
envolvidas874
o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e
imparcialidade
A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo
da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875
O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o
cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um
juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande
870
IBID 871
SCHREIBER Simone Op cit 872
IBID 873
IBID 874
IBID 875
MAYA Andreacute Machado Outra vez
163
finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por
sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876
Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja
principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por
proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no
intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso
privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877
A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material
colhido na fase de investigaccedilatildeo878
Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade
objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja
imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que
esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879
atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e
durante o processo judicial
Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel
vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a
accedilatildeo penal880
ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave
etapa precedenterdquo881
O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela
legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882
Ao
contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em
melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela
fase883
ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois
do princiacutepio de imparcialidaderdquo884
876
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878
PASSOS Edilenice Op cit 879
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882
IBID p 89 883
IBID p 89 884
IBID p 89
164
Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e
assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009
separar as duas funccedilotildees885
Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio
Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias
que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos
cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou
contra uma das partes886
Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo
tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das
fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo
impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas
nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento
compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887
Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma
muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a
presunccedilatildeo de inocecircncia888
bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o
magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas
durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889
Tudo
porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com
isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890
Por
isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio
determinado constitucionalmente891
Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz
que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute
885
PASSOS Edilenice Coacutedigo 886
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887
IBID p 89 888
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889
MAYA Andreacute Machado Outra vez 890
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891
IBID
165
consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892
O juiz
competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees
relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e
imparcial893
Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em
seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre
as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a
causardquo894
Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das
garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm
1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal
mais justa garantista e eficiente895
Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua
inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de
parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das
criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo
das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo
Projeto de Lei 1562009
892
SCHREIBER Simone Op cit 893
IBID 894
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895
SCHREIBER Simone Op cit
166
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a
competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896
Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da
denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia
do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897
cabendo tal providecircncia
como consequecircncia ao juiz do processo
Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da
denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que
dispensa motivaccedilatildeo898
exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das
condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899
do atual Coacutedigo
de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900
Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou
queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo
existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901
Necessaacuterio pois o exame
pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou
rejeitada a peccedila inicial902
896
Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898
IBID p 228 899
Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar
pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio
da accedilatildeo penal 900
Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos
processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da
punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo
maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou
procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307
167
Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo
decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela
presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo
exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase
inquisitiva903
A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos
indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904
para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a
existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta
probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905
Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo
do Projetordquo906
Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se
afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907
A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas
decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os
elementos colhidos na investigaccedilatildeo908
sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que
natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do
projeto permaneceratildeo apensados ao processo909
ndash o material de convencimento da
existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910
903
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 p 109 904
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905
GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909
Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do
material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das
garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto
conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um
dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro
assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com
as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP
uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em
23102013 910
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228
168
O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o
alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do
processo911
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das
garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute
processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de
sua competecircncia912
passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo
processual jaacute plenamente formada913
No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do
recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo
juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos
colhidos na fase preliminar914
Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional
por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao
caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa
com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para
tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir
() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-
conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave
decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente
para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado
com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer
preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do
processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco
de comprometer sua imparcialidade objetiva
911
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912
IBID 913
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914
ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas
o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI
Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85
169
Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito
policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos
elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915
cuja produccedilatildeo tenha sido realizada
nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de
medidas cautelares916
Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar
a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917
Com isso se estaraacute afastando
qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material
informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para
tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918
De fato se o objetivo eacute afastar o juiz
do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a
decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias
Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a
accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920
-
compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees
proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes
o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921
915
Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma
audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a
acusaccedilatildeordquo 918
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919
IBID p 229 920
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
170
A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a
qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922
Aqui no mesmo
sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz
do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz
pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido
oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923
Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o
oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo
julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua
competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a
duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da
autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem
decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925
Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem
Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das
garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute
reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo
A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz
da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926
Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das
garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo
preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de
realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a
denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas
923
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926
IBID
171
existentes no inqueacuterito policial927
E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar
sentenccedila final928
Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita
encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o
magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser
que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo
criminal929
Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a
possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a
quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930
Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo
reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora
com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931
e ao artigo 562932
do Coacutedigo933
com a
finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas
de reexame perioacutedico da medida
De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal
poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute
que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que
necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios
suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934
927
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928
IBID p 109 929
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930
IBID 931
Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre
fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute
necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932
Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias
seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os
motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933
Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo
vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste
Coacutedigo 934
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102
172
Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo
no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935
Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees
expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e
que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo
e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas
sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser
apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das
partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936
3 A escassez de recursos humanos e materiais
Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de
ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido
argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937
Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das
garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para
suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938
Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo
possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo
judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939
bem como que a proposta passaraacute
inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio
nacional e suas realidades regionais diversas940
Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento
desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo
A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas
935
IBID p 102 936
IBID p 102 937
MAYA Andreacute Machado Outra vez 938
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91
173
que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade
absolutamente incontornaacutevelrdquo941
Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada
Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave
Justiccedila em Nuacutemeros942
em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960
magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943
Paranaacute944
Minas Gerais945
Rio de Janeiro946
e Rio Grande do Sul947
Assim haacute nos 22 Estados
restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948
em
trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949
ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de
um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do
processordquo950
De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz
enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias
ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo
poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951
Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual
inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave
estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952
Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o
fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados
o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores
941
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942
httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em
15102013 943
2528 magistrados 944
1073 magistrados 945
989 magistrados 946
807 magistrados 947
734 magistrados 948
Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949
Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951
IBID p 110-111 952
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136
174
Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de
investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953
De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do
sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos
seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num
mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal
da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira
bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954
Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos
tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual
com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de
favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955
Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave
noutros menos956
De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins
Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41
das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico
juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um
magistrado957
Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os
olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees
Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo
judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na
afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de
substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo
alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo
953
IBID p 136 954
GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955
IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo
apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior
aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957
IBID p 92
175
Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos
humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se
devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente
qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958
Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo
argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do
processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria
Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se
encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959
Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa
postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem
expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe
outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde
posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no
argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960
Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS
1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no
Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961
prevendo no art 701962
(Livro - Das
Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar
como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em
vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se
tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio
legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas
organizacionais do Poder Judiciaacuterio963
958
IBID p 92 959
MAYA Andreacute Machado Outra vez 960
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962
Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A
regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste
Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
176
Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo
Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a
transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo
dispocircs no artigo 748 I964
natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver
apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a
criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra
transitoacuteria do artigo 748965
De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada
exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou
de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem
mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema
criminal atual966
Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser
definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos
fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de
natildeo mudarrdquo967
No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a
significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas
compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a
natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968
ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem
funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua
constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo
jurisdicional efetivardquo969
Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do
Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo
em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de
964
Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde
houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de
cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde
que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a
previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento
pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje
regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967
IBID 968
MAYA Andreacute Machado Outra vez 969
IBID
177
garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo
envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de
cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o
magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa
em outro processo e vice-versa970
Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz
das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de
comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971
quer atraindo as funccedilotildees de
garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras
alternativas972
Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as
alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes
obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a
implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal
chileno973
Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro
mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas
capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas
comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias
iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974
Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas
comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo
Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas
realidades975
Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira
970
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971
MAYA Andreacute Machado Outra vez 972
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973
MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico
foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele
oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974
MAYA Andreacute Machado Outra vez 975
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92
178
Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de
impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro
lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as
comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do
Paiacutes976
Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo
para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o
engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977
Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente
possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da
estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida
observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do
julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre
atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo
contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros
do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute
com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os
argumentos defensivos978
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que
da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a
conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder
Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do
Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo
Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979
ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute
mais relevante que mudar a leirdquo980
A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo
Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio
976
IBID p 92 977
IBID p 92 978
MAYA Andreacute Machado Outra vez 979
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980
IBID
179
mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981
Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a
apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura
condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e
compartilhadas por todos982
Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um
instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo
penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a
conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983
Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli
Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um
fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas
orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros
natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de
mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a
integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os
detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos
dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984
Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam
encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia
parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia
inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do
Estado Novo985
Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz
da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto
981
IBID 982
IBID 983
MAYA Andreacute Machado Outra vez 984
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985
MAYA Andreacute Machado Outra vez
180
Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no
seacuteculo XXrdquo986
Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos
natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma
verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico
Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual
seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio
Puacuteblico Para Miguel Reale Jr
De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com
dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a
poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a
atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a
medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o
peso do aparato estatal988
Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de
poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande
parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o
que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais
oacutergatildeos em detrimento do indiciado
Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo
de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que
986
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110
181
limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a
substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com
o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias
Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de
coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989
Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o
tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990
da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que
oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do
juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de
atuar no processo como relator991
Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das
garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o
impediu contudo de atuar na fase processual992
O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do
tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes
oferecida a denuacutencia993
Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como
juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele
atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro
grau994
989
ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990
Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental
que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106
182
Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo
quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso
desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute
insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma
participou da investigaccedilatildeo995
Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou
como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996
Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que
podem surgir tais como
O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e
se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo
que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das
garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute
como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria
preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria
for ajuizada997
Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998
do projeto ndash que ao impedir o
juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da
imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem
impedido de participar do julgamento999
A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do
quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado
provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute
do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000
995
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996
IBID p 370 997
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998
Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000
IBID p 371
183
6 Instacircncias recursais
Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de
o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo
posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos
fatos da investigaccedilatildeo preliminar
Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz
com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de
aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001
De acordo com
Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem
pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002
Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem
vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator
de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do
proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal
condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo
magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o
primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da
investigaccedilatildeo preliminar1003
Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004
impetrado em face
de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se
ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida
cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja
colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de
1001
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002
IBID p 197-198 1003
IBID p 231 1004
De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus
impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de
apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na
forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do
recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no
artigo 581 I do CPP IBID p 198-199
184
admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do
imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005
Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da
legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os
fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com
o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da
culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para
reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006
Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do
texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau
ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007
Nesse sentido Mauro
Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de
modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash
acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao
seu conhecimento1008
Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de
primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no
toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a
ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009
depois
quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer
magistrado (art 53 e ss)1010
Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo
1005
IBID p 198 1006
IBID p 198 1007
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008
IBID p 107 1009
IBID p 107 1010
Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos
atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu
cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila
ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash
tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash
ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o
terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo
impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes
consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de
suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz
manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes
hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu
cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo
sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente
consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
185
grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase
de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na
fase processual1011
Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da
imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado
Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais
satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012
Daiacute ser
necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal
uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do
direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013
Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator
do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente
para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o
mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal
estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado
processo penal1014
Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do
oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento
de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos
adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015
De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo
constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016
Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade
judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de
ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo
juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave
imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a
qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo
poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013
IBID p 231 1014
IBID p 198 1015
IBID p 202 1016
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107
186
jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio
acusatoacuteriordquo1017
Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes
E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um
magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de
admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de
convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da
accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e
Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o
processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a
admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das
garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos
desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de
preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e
extraordinaacuterio1018
Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a
consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de
Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma
dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019
sob pena de a imparcialidade restar
assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser
alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de
meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha
analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso
formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a
culpabilidade do acusado1020
1017
IBID p 107 1018
GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020
IBID p 231-232
187
Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no
acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das
garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da
estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame
de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a
investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular
durante a instruccedilatildeo criminal1021
Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais
adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do
processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam
revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de
garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos
colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022
Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo
preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o
princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023
1021
IBID p 232 1022
Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional
IBID p 232 1023
IBID p 232
188
CONCLUSAtildeO
A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter
acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos
durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que
dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e
imparcial
De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de
interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um
sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam
precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada
Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e
resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a
interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta
inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade
A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo
restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a
privacidade e a honra
Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve
ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e
excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor
consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados
Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de
forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada
189
mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo
confere tal prerrogativa
Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da
investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e
autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem
na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela
verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem
como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na
investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao
magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo
a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando
verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali
documentados
Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto
verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito
exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por
ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos
direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no
subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento
que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade
exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal
Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira
presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em
clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional
deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse
modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no
processo
Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo
criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa
190
mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a
possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior
perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de
imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da
justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se
consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso
abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador impotildee-se o seu afastamento do processo
A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema
brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo
A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs
encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do
ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da
sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a
ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso
concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de
meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final
Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que
institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o
responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute
apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o
distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos
elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao
modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode
dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e
garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos
direitos fundamentais
191
Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz
das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da
falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo
O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e
definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem
duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal
Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes
do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento
do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua
introduccedilatildeo em nosso ordenamento
192
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IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2003
VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito
processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez
Tavares Porto Alegre Fabris 1976
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez
Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003
_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-
2010
ALESSANDRA DIAS GARCIA
O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO
ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI
TRABALHO APRESENTADO PARA OBTENCcedilAtildeO DO
TIacuteTULO DE MESTRE NO CURSO DE POacuteS-
GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU DA FACULDADE
DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
SAtildeO PAULO
2014
RESUMO
A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo
desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o
julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar
e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos
trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de
Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das
garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio
consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito
mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a
investigaccedilatildeo criminal
ABSTRACT
The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal
prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable
However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of
the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary
investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed
to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of
Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee
judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection
of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed
in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of
the judge from elements collected during criminal investigation
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7
2 As fases da persecuccedilatildeo 14
21 A fase judicial sentido e alcance 14
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25
31 Sistema acusatoacuterio 25
32 Sistema inquisitoacuterio 29
33 Sistema misto 32
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53
13 Devido Processo Penal 55
2 Direito de defesa 58
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77
4 A imparcialidade do juiz 81
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95
1 Consideraccedilotildees iniciais 95
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96
21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
123
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal
Brasileiro 139
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147
3 Atribuiccedilotildees 152
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
159
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo
penal166
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias 169
3 A escassez de recursos humanos e materiais 172
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181
6 Instacircncias recursais 183
CONCLUSAtildeO 188
BIBLIOGRAFIA 192
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido
reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais
atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em
decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista
a nova ordem constitucional vigente
A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance
Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento
histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente
da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao
Estado frente ao indiviacuteduo1
Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo
ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos
diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma
disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2
Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos
pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia
repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e
preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo
manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a
imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3
Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e
garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses
dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro
1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 21 2 IBID p 21
3 IBID p 19
2
mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem
garantismo4
Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito
penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de
outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais
assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo
penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir
eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos
direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o
contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos
outros
Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico
mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres
de Antonio Scarance Fernandes
Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do
sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois
interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu
poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus
direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6
Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute
a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar
os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da
persecuccedilatildeo penal7
4 IBID p 19
5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22
7 IBID p 21
3
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no
processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de
observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a
igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre
convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais
privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos
processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e
mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional
Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que
numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados
e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu
natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de
princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9
Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo
especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase
investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de
instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10
Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do
processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto
instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram
adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia
judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de
atuaccedilotildees11
8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob
o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 123 10
ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova
visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida
em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial
impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi
Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las
Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146
4
Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de
processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos
atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do
julgador durante a investigaccedilatildeo criminal
A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos
direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias
constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da
jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos
a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12
A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o
inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer
ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou
prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo
durante toda a persecuccedilatildeo penal
Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que
pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo
Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual
legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de
direitos e garantias fundamentais
Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por
exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o
juez de garantiacutea no Chile13
sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de
Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma
operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo
dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS
1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal
12
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 147 13
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89
5
De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de
um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo
orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um
magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do
cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal
O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da
proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro
Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a
primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado
democraacutetico de direito
Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as
caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio
inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria
cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais
adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado
estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos
No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido
processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos
analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das
garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como
imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente
relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais
sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos
O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo
preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
6
O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em
conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a
contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das
garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos
estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta
figura no ordenamento juriacutedico nacional
Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela
doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei
1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o
aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a
sua instituiccedilatildeo
7
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES
INICIAIS
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade
O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo
independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees
existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila
reciacuteprocas14
Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a
interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o
estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito
dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a
possibilitar o conviacutevio social
O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da
paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15
A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida
comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16
ldquoA
justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da
humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17
A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas
regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais
preciosos agrave condiccedilatildeo humana
14
JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares
Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15
IBID p 2 16
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto
Alegre Fabris 1976 p 03 17
IBID p 02
8
Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por
um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18
Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo
existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave
existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano
social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado
consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal
deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente
quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19
Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de
impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento
de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)
Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute
que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico
e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e
inclusive o proacuteprio delinquente20
Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito
penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria
finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e
protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo
de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de
18
ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal
Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-
23 19
ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de
otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los
que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado
Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios
menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho
Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos
sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al
margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las
penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el
afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal
ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes
posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes
instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20
ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi
Artes Graacuteficas 1984 p 07
9
uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21
Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que
possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem
que exista previamente o devido processo penal22
Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge
como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva
justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten
de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del
arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23
Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se
fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de
aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem
juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela
jurisdicionalrdquo24
Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias
partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e
principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam
reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e
desenfreadordquo passaria a cometer25
Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder
repressivo26
impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida
ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao
conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da
estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27
Logo
21
LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 05 22
IBID p 05-06 23
FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez
Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes
Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24
LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p
06 26
IBID p 06 27
LOPES JR Aury Sistemas p 07
10
ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima
para a imposiccedilatildeo da penardquo28
Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo
penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua
imposiccedilatildeo
O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade
do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina
nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se
denomina de principio de la necesidad del proceso penal29
De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade
penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um
delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus
efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a
imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida
por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em
face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30
Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado
assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais
materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem
pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao
caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por
meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash
nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo
por meio do processo)31
Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual
penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem
a garantia das formalidades processuais32
O direito processual penal eacute portanto o
28
IBID p 06-07 29
GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona
Bosch 1951 p 27 30
FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32
ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone
lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale
sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un
11
conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos
oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam
aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33
Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada
por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar
a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que
o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o
direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do
direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento
conforme as formalidades legais34
Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo
que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e
processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35
Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos
detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos
fundamentais36
Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do
indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o
direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como
corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue
positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo
tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37
diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto
o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino
Unione Tipografico 1967 p 85 33
ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente
sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta
allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p
84-85 34
MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p
04 35
LOPES JR Aury Sistemas p 06 36
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a
efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37
FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39
12
Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as
proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele
objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes
objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute
essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o
processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela
primeira38
A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito
entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39
Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo
penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo
mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao
contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de
equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca
justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e
obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40
Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica
do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de
forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o
processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e
concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas
de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os
fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41
Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave
eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases
destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos
38
FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il
processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di
repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit
p 224 39
FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41
13
Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena
somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo
que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para
desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute
denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o
fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo
funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi
constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42
O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento
de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio
criminis43
Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal
por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao
delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a
concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o
ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44
Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve
ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45
que por sua
vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e
decisoacuterio46
Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a
necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave
investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47
No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis
apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o
processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de
42
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44
IBID p 104 45
ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que
prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria
p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio
de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47
ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis
puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da
unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35
14
julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase
de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser
requerida a imposiccedilatildeo da pena48
2 As fases da persecuccedilatildeo
21 A fase judicial sentido e alcance
Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da
norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49
Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo
imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas
pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a
defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua
imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da
prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50
Para ele se
o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou
dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios
seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51
De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do
procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria
Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo
formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo
48
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50
ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA
1959 v1 p 13-14 51
IBID p 13
15
defensiva do acusado52
O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a
propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53
e que daacute
iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso
penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo
corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila
torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente
ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo
pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54
Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do
direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a
juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito
de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo
esclarecendo o que deseja e o que almeja55
O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo
punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual
teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56
Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a
procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -
propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57
O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva
52
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54
ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del
processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa
irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o
percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a
quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a
quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve
premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere
sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p
65 55
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56
IBID p 104 57
IBID p 104
16
decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz
um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo
criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir
a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58
Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui
justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo
judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59
De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo
histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o
Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de
ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo
privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria
prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa
instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60
Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia
apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada
por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61
Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a
acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo
impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o
acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem
claramente indicadas62
Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a
sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser
observadas
58
ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da
reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o
negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato
fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato
dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave
della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61
IBID p 105 62
IBID p 105
17
Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das
provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o
pretenso culpado63
Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas
partes ou determinadas pelo juiz64
Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de
atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova
as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65
Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica
limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias
praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do
delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave
instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que
pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido
anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas
particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam
impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na
fase proacutepria66
Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as
partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o
juiz em seguida67
A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos
anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam
persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68
Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se
prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo
sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69
dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica
63
Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias
proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e
pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos
peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65
IBID p 131 66
IBID p 132 67
IBID p 35 68
IBID p 147 69
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07
18
ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70
Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma
fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele
antecedente aparelhando-o71
Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do
Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia
sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente
deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo
colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de
investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo
penal72
O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo
preliminar
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance
Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa
provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim
termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73
Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de
Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os
efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo
suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio
audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74
Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
70
IBID p 07 71
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73
SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999
19
O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria
nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra
dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela
faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo
docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder
puacuteblico75
Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de
accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e
tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76
Ou seja a acusaccedilatildeo
prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo
penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato
aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo
bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77
De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo
preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os
postulados da instrumentalidade garantistardquo78
Isso porque uma vez que o processo penal
abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se
deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que
justifiquem o processo ou o natildeo-processo79
Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na
qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la
confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase
estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80
Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao
aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no
75
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 18 76
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77
SAAD Marta O direito p 22 78
LOPES JR Aury Sistemas p1 79
IBID p1 80
FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228
20
mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave
instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva
conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado
Estado81
Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a
expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem
estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito
penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual
penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82
Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe
pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos
poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83
Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades
desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis
com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a
apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a
fundamentar o processo ou o natildeo-processo84
Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da
persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85
que tem iniacutecio independentemente de sua
forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado
que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86
Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e
informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a
deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87
e tem como objeto por
sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve
81
SAAD Marta O direito p 22 82
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84
LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86
IBID p 107 87
IBID p 115
21
ou natildeo propor a accedilatildeo penal88
A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como
objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito
Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a
demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido
diverso89
A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu
competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal
privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo
objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e
predestinadas ao insucesso90
De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como
procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como
finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de
natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo
ter contra si um processo penal91
Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar
preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas
precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo
criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com
o passar do tempo92
A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio
dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia
bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de
88
IBID p 115 89
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites
constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90
IBID p 60 91
SAAD Marta O direito p 131 92
IBID p 131-132
22
tempo e de trabalho93
Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como
finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio
contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94
propiciando elementos e uma
base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95
Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a
comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96
Isto eacute deve-se
reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime
mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro
portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do
delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97
Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a
funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias
se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de
probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de
arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a
impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado
por processar um inocenterdquo98
Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite
falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito
passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e
juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem
acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99
A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para
93
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94
IBID p 17 95
SAAD Marta O direito p 23 96
ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione
avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97
ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato
ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non
di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a
stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98
LOPES JR Aury Sistemas p 47 99
IBID p 332
23
contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito
passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100
Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra
acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou
preacutevia
Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten
preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer
desaparecerrdquo101
Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer
surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por
vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o
acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da
investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas
diligecircncias102
No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo
preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e
fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo
do processordquo103
A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume
distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que
tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104
Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal
em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105
que por sua
vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a
ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando
os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de
100
IBID p 40-41 101
FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102
SAAD Marta O direito p 24 103
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104
LOPES JR Aury Sistemas p 45 105
Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee
de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria
24
prova106
Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por
um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees
precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos
colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua
que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a
condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla
defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo
em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no
convencimento do julgador107
Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a
crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo
do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o
julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do
inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi
produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do
julgamento108
A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em
essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do
processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados
repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por
isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez
com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse
diferentes regulamentaccedilotildees109
com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado
A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo
criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo
seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de
1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de
106
SAAD Marta O direito p 25 107
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 139-140 109
IBID p 74-75
25
Processo Penal de 1941
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais
31 Sistema acusatoacuterio
Primeiro sistema processual concebido110
o sistema acusatoacuterio guardadas as
especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e
na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111
De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de
llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112
Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal
baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto
maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113
Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as
funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da
prova114
110
ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio
Op cit p 65 111
ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la
Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho
romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho
Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No
mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria
florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente
nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El
proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila
desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de
jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho
ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano
e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO
FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112
MAIER Julio B J Op cit p 206 113
TONINI Paolo Op cit p 26 114
ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base
26
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina
acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e
o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo
sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate
contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115
Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio
ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il
giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice
decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti
limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la
carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116
Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um
aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um
oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo
de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o
tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o
processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e
contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo
havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila
resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos
julgadores117
al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da
interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni
processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si
rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115
ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto
pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la
acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral
y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116
TONINI Paolo Op cit p 26-27 117
MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute
27
Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade
doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute
inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo
equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118
Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do
sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do
processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel
autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do
outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente
equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119
O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia
conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo
acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente
inquisitoacuteriordquo120
Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no
sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo
de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da
proacutepria acusaccedilatildeo121
Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo
implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria
sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem
niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao
ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo
vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do
julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e
a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf
ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se
ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por
el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el
tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a
otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten
de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de
un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra
parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio
B J Op cit p 207 120
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o
Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium
set 2000
28
investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os
seus termosrdquo122
Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na
fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase
preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador
externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos
ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123
Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute
caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a
cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria
de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se
veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz
Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde
imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute
propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124
De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas
no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais
como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees
domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz
que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento
investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso
em seu desfavor125
122
ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial
CPP ago-2010 123
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146 124
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125
IBID p 73
29
32 Sistema inquisitoacuterio
O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte
juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash
e na Europa sobretudo a continental126
durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127
Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as
circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no
seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra
da Igreja128
Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios
decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao
procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129
O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz
iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou
a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130
Foi
trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como
um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram
em instrumento de dominaccedilatildeo131
A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central
absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da
soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132
O iacutenfimo valor da pessoa humana
126
ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra
ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y
perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten
laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p
210 127
ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho
germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el
siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista
histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de
los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los
ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de
procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131
IBID p 94 132
Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema
inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por
30
frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um
mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que
seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se
extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos
delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica
com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133
De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema
processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las
pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten
excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134
Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento
penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave
egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo
delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il
giudicerdquo135
elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia
il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice
decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle
prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136
Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos
de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma
uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137
Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)
a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca
exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133
MAIER Julio B J Op cit p 209 134
FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135
O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a
verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees
processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136
O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para
a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder
procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea
(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y
decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y
misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210
31
que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o
poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo
mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um
sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e
descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto
eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo
da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de
recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138
Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente
decorativo da defesa139
A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em
caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140
Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance
Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda
historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia
Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados
levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o
acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio
de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141
Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se
vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o
processo
Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica
138
MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140
MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo
processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de
liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees
de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio
o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o
acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito
Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se
transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO
Fernando da Costa Op cit p 94 141
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78
32
essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao
magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o
autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos
os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash
mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em
qualquer de suas fases142
Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio
adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse
puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade
passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima
instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a
ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143
Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da
produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144
Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo
processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel
distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos
colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente
aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145
33 Sistema misto
O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146
O sistema
142
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO
Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro
Renovar 2001 p 24 143
SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no
sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris
Editor 2005 p 45 144
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 145
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146
FLORIAN Eugenio Opcit p 66
33
inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que
havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code
dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147
O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e
ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram
por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do
Iluminismo148
Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao
sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e
conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo
dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do
sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149
razatildeo pela qual eacute este
tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150
Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na
impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151
Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de
processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam
elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior
parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o
Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois
sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do
acusado152
Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute
predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que
147
IBID p 66-67 148
MAIER Julio B J Op cit p 218 149
IBID p 213-214 150
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151
ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar
a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia
de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las
otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152
ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della
storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio
Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del
1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal
crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27
34
sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153
In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa
dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia
dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore
listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o
il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla
richiesta di rinvio a giudizi154
Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio
entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155
La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai
seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte
gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure
eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156
Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado
ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande
parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele
ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso
153
IBID p 27 154
A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema
inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de
pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a
denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155
IBID p 27 156
A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as
perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do
julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27
35
durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria
francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no
sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo
predominante na Europa continentalrdquo157
Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi
inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158
O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados
por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas
com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da
acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste
especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do
acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com
base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159
Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que
ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)
instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs
etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar
se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas
primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de
forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a
pessoas distintas160
Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada
157
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158
IBID p 42 159
ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el
primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad
del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal
judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado
antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del
Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el
juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la
presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del
acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit
p 214-215 160
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96
36
ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em
determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria
dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de
direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser
considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a
culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os
interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe
outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo
preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta
de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um
procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo
procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou
condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas
por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees
satildeo recorriacuteveis161
Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute
entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes
havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute
necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica
de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162
Essa
investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e
precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou
promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163
161
MAIER Julio B J Op cit p 215 162
No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual
incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance
Teoria p 79 163
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74
37
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO
PROCESSO
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo
Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes
sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal
sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes
que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram
gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do
desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo
criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de
peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa
Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que
garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal
intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-
Estado164
Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista
impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade
Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto
normas desse teor165
Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil
pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de
reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees
necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166
Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as
164
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 11 165
SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
170 166
GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense
Universitaacuteria 1990 p13
38
Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de
determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da
prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio
constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia
do contraditoacuterio e da ampla defesa167
Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual
foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a
Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de
regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168
formando-se da uniatildeo
dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um
conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro
A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e
redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos
direitos humanos169
institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no
Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos
fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como
o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170
Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo
expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula
geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros
decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171
Portanto aleacutem dos direitos e
garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela
adota
Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para
se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave
167
IBID p13-14 168
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua
estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010
p 190 170
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 24 171
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106
39
atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores
democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172
Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de
plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma
ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que
inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento
soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua
vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a
separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo
inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173
Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as
guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas
garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de
respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174
Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia
da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre
processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de
princiacutepios e regras de direito processualrdquo175
o que leva ao desenvolvimento de estudos
especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional
Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel
Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolverdquo176
De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a
ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais
colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento
172
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 08 173
IBID p 08- 09 174
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175
IBID p 15 176
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel
Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84
40
juriacutedicordquo177
transformando o processo em garantia da liberdade
Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro
apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto
dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado
contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178
O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e
Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios
constitucionais do processo179
rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute
viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180
A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal
constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181
Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais
do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a
natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria
Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo
penal182
de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de
inconstitucionalidade material
Entretanto ressalta Grinover
Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que
satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel
constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler
as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar
a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos
legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 85 180
IBID p 85 181
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 48
41
interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em
conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo
constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo
possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e
aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183
Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser
vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de
igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para
alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184
Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos
valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente
dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado
processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves
liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja
estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se
extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado
modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e
liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para
sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento
histoacuterico para um ou para outro lado185
Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal
constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja
feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e
sob a perspectiva dos direitos fundamentais
Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular
da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos
183
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185
IBID p 14
42
se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186
Assim
apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa
passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do
investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais
esclarecida187
O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular
de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188
De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular
de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos
e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos
simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189
Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na
persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando
tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios
inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um
processo penal mais justo190
Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem
obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da
dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo
de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional
do direito processual penal191
Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado
assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o
Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em
nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192
-193
186
IBID p 07 187
IBID p 07 188
SAAD Marta O direito p 205-206 189
IBID p 206 190
BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do
processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191
IBID 192
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp
Outubro 1999
43
Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na
medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na
liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente
fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo
sistema repressivo194
Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as
garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser
consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila
investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo
Estado na liberdade individual195
atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos
dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do
valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como
sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma
acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196
Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez
o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos
valores seguranccedila e liberdade197
sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de
soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198
Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo
criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi
Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal
garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma
forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199
Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo
193
Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da
Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno
RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194
SAAD Marta O direito p 07 195
IBID p 07-08 196
SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash
2006 197
SAAD Marta O direito p 12 198
IBID p 12 199
IBID p 15-16
44
criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica
de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz
das garantias objeto do presente estudo
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica
O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute
invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas
origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta
particularmente o artigo 39 deste documento200
Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta
Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos
medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita
e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a
determinados homens201
Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei
que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de
constitucionalismo do seacuteculo XVIII202
Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a
do artigo 39
ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or
exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon
him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo
200
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra
Almedina 2000 p 480 201
GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 1973 p 23 202
IBID p 24-25
45
De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem
duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-
americana203
No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido
processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou
respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204
Assim qualquer
restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by
the law of the land205
A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que
na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a
expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica
mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206
Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada
pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual
ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State
or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or
imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by
the due process of lawrdquo207
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a
poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua
203
IBID p 25 204
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205
IBID p 184 206
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25
46
extensatildeo a todos208
De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas
expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the
landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente
limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209
Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of
lawrdquo satildeo usados como equivalentes210
Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi
sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que
invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a
interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law
transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente
agrave ideia moderna211
O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e
posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para
a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila
vinculante para todos os poderes do Estado212
A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos
Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens
satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca
da felicidade213
A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como
emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214
e especialmente quanto agrave claacuteusula do due
process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida
208
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209
IBID p 184 210
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211
IBID p 25 212
IBID p 26 213
IBID p 27 214
IBID p 27
47
ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous
crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases
arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time
of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be
twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to
be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without
due process of law nor shall private property be taken for public use without just
compensationrdquo
Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra
abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos
oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder
estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV
foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215
Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda
All persons born or naturalized in the United States and subject to the
jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they
reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or
immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person
of life liberty or property without due process of law nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the laws
Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave
afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser
tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda
atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216
215
IBID p 28 216
IBID p 29
48
Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como
um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio
exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica217
De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due
process of law pode sintetizar-se da seguinte forma
ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de
um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da
liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto
na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade
Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido
por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees
criminais particularmente gravesrdquo218
A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito
inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado
de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado
privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219
A accedilatildeo do
Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae
sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo
penal220
Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo
devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das
normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o
processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso
217
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218
IBID p 481 219
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220
IBID p 185
49
devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na
constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221
Segundo
o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o
direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo
legal dos mesmos processosrdquo222
Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de
que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da
consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223
uma vez que justiccedila e due
process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se
conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224
Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm
conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum
standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias
especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225
Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a
projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de
lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-
sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo
em uma perspectiva histoacuterica226
A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento
constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo
Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo
histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do
amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de
reasonableness227
Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do
221
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222
IBID p 481 223
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224
IBID p 34 225
IBID p 34 226
IBID p 35 227
IBID p 35
50
ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei
natildeo eacute suficiente228
Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das
formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades
legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo
estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas
regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229
Por fim leciona o autor
Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o
proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no
substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso
devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230
Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como
justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo
ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231
Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do
processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou
propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos
fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja
feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232
Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois
uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e
adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e
propriedade dos particulares233
Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser
materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso
228
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229
IBID p 185 230
IBID p 185 231
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232
IBID p 482 233
IBID p 482
51
devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-
legislativardquo234
Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam
alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em
processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do
processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e
pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo
Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235
Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria
exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e
punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a
ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236
Agraves autoridades legiferantes
deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da
propriedade das pessoas237
Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo
por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre
substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem
juriacutedica238
Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute
nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo
(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo
procedimentalrdquo)239
Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua
liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial
processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no
momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e
234
IBID p 482 235
IBID p 482 236
IBID p 482 237
IBID p 482 238
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239
GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185
52
injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240
Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo
legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos
limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de
direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de
modo discricionaacuterio ou imprudente241
Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer
obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242
Desse
modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as
formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria
configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando
ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o
princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras
formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico
subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto
processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244
de relevacircncia crucial
para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como
para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245
Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no
processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos
privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas
240
IBID p 185-186 241
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242
IBID p 38 243
IBID p 38 244
Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente
declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias
satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias
ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a
declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos
consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva
seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela
norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais
se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf
ed Satildeo Paulo p 411 245
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187
53
tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo
processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246
Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui
segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido
processo legal
Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se
de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem
suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a
formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena
possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da
imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247
Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser
entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como
garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro
A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o
conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para
assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa
246
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247
IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini
DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes
como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes
de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo
54
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a
partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar
que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de
status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional
(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional
(legalizaccedilatildeo)248
A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa
conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249
Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras
normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure
toda a disciplina do assunto250
conservando a foacutermula norte-americana dos direitos
impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta
Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados
ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251
Em
seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252
No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de
citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem
ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil
em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo
Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253
Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que
como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas
como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos
humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e
248
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249
IBID p 189 250
IBID p 191 251
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 91 252
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253
IBID p 189
55
benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254
13 Devido Processo Penal
O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a
natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto
normativo respectivo255
No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente
as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma
pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de
um devido processo criminal256
Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute
mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e
que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis
processuais que o disciplinamrdquo257
Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave
sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos
corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258
tratando-se
por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo
Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como
instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a
necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259
Segundo a autora ldquoa dicotomia
defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no
juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque
254
IBID p 187 255
IBID p 187-188 256
IBID p 187-188 257
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258
IBID p 69 259
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo
Paulo Saraiva 1976 p 27
56
de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260
Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser
reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261
sendo necessaacuterio que o processo proporcione
verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo
de suas provas262
Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o
processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo
do ldquodevido processo legalrdquo263
Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as
imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de
prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de
jurisdiccedilatildeo264
Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art
5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo
envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe
garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos
agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num
prazo razoaacutevel265
As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem
no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas
assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266
Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes
mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267
Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo
estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo
260
IBID p 27 261
IBID p 25 262
IBID p 25-26 263
IBID p 26 264
IBID p 26 265
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 76 266
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267
FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo
Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio
Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo
Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192
57
jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268
isto eacute os textos constitucionais procuraram
assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa
do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas
Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas
seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em
mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)
da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos
a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos
atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)
da legalidade da execuccedilatildeo penal269
Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo
natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do
devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e
incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto
de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da
justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de
seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270
E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos
fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio
criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e
haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave
jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine
iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou
definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine
titulo)271
Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser
assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio
no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a
268
IBID p 192 269
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270
IBID p 71 271
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 62
58
atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo
julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente
elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido
como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo
razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de
reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis
ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela
inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo
reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em
julgado a sentenccedila condenatoacuteria272
Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma
ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273
Isso indica desde logo que o ldquojustordquo
processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em
princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei
objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um
conflito de interesses274
No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas
satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador
comum275
Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias
Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que
entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem
relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador
2 Direito de defesa
O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a
272
IBID p 62 273
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274
IBID p 189 275
IBID p 189
59
garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e
recursos a ela inerentes
A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado
eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276
Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual
Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees
anteriores277
Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278
1891 art 72 sect 16279
1934
art 113 n 24280
1937 art 122 n 11 segunda parte281
1946 art 141 sect 25282
1967 art
150 sect 15283
e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa
como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em
1937 e 1946284
Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de
que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada
com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo
judicial ou administrativo285
Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria
justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente
276
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 203 277
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 253 278
Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras
Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel
que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao
Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279
Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios
essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente
com os nomes do acusador e das testemunhas 280
Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281
Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela
autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria
asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282
Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela
desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das
testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283
Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute
foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285
IBID p 253
60
defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o
alcance de uma soluccedilatildeo justa286
O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de
interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa
agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso
de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287
A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo
atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da
defesardquo288
traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo
que proporcionam maior efetividade agrave garantia
Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da
imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da
produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa
teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)
a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289
Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da
ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais
distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da
audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida
(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290
A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a
ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo
pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo
razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo
do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291
286
IBID p 260 287
BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla
defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289
IBID p 110 290
TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
61
Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio
autodefesa - defesa teacutecnica292
Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees
pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam
assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa
colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293
A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294
) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
(artigo 82d295
) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia
sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos
processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre
e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296
Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que
expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado
pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no
intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297
A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de
manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298
ambas
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292
BATALHA Sergio Fedato Op cit 293
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla
defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a
autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos
sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN
Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo
RT 2000 p 210 294
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297
IBID p 221 298
IBID p 221
62
devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299
como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300
Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal
que assegura ao preso301
o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser
conciliados302
O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia
muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o
sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a
atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do
interrogatoacuterio303
Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar
nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o
imputado304
Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de
contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo
singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305
Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais
internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306
e 82e307
)
299
ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as
seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300
Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se
comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves
seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se
culpada () 301
Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo
somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem
de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais
grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2005 p 238 302
IBID p 238 303
IBID p 242 304
IBID p 242 305
IBID p 237 306
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307
Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado
remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear
defensor dentro do prazo estabelecido pela lei
63
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308
) e
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309
)
Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto
constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()
sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo
Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia
de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o
tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo
nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)
Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e
acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via
de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal
em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310
A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem
de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta
apuraccedilatildeo do fato311
Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente
indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da
paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e
consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312
Isso porque ldquoquanto mais atuante
e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313
Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da
defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu
308
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309
Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311
IBID p 234 312
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234
64
pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado
de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314
Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a
necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute
processado ou julgado sem defensorrdquo
Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de
garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o
direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute
considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315
Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que
natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer
para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316
Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da
defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao
silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a
ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o
desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos
acusados em geral inclusive nos processos administrativos
A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada
como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318
Isso porque a expressatildeo
usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser
314
GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316
IBID p 268 317
GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
65
compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido
amplo319
Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de
incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de
maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320
Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado
pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo
penal321
Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como
ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de
persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322
- portanto uma vez que se
trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323
Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma
constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa
constitucional324
A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da
dignidade da pessoa humana325
Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de
processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio
de processo penal326
Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional
no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em
processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho
para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327
319
IBID p 251 320
SAAD Marta O direito p 367 321
BATALHA Sergio Fedato Op cit 322
Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o
policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323
SAAD Marta O direito p 367 324
BATALHA Sergio Fedato Op cit 325
IBID 326
IBID 327
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
66
Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal
bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a
incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328
Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo
um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329
sobretudo
aqueles decorrentes do direito de defesa330
Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de
investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331
A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da
pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser
reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo
temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a
apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das
comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de
atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332
Tudo isso vale ressaltar independe do
estabelecimento de contraditoacuterio333
Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status
de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser
tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334
328
IBID p 250-251 329
MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel
em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330
ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas
corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo
reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a
crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta
Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo
com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa
fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo p 235 331
ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo
preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a
possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332
IBID p 366 333
SAAD Marta Exerciacutecio 334
ID O direito p 366
67
Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do
inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser
considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher
defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o
envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento
apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335
O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo
imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336
Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a
ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do
inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337
Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma
ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as
acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em
silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua
inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338
A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do
acusado339
De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa
manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de
maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de
atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou
alegando negativas de autoria e de materialidade340
De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total
omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341
335
TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto
Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de
registro 12022001 336
SAAD Marta O direito p 202 337
ID Exerciacutecio 338
ID O direito p 367 339
IBID p 368 340
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341
IBID p 237
68
podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342
Natildeo apenas
pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima
contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343
podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo
simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344
A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa
constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do
acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345
Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida
por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de
complementaridade
Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica
com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a
teor do artigo 14 do CPP346
poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas
ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com
assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos
interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347
Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor
interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da
poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348
O sigilo do inqueacuterito
policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a
quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349
Consagrando tal
prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o
seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo
aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado
342
Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela
ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p
368 343
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344
SAAD Marta O direito p 368 345
IBID p 202 346
Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que
seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347
SAAD Marta O direito p 202 348
IBID p 369 349
IBID p 369
69
por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito
de defesardquo350
Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do
interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo
deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente
impraticaacutevel ou inuacutetil351
Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal
possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de
elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352
No entanto no
intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo
deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353
Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de
provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser
proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e
tempestivamente sua defesa354
Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja
garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida
por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao
Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio
defensor355
Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de
resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da
sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a
condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa
350
O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos
autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o
defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351
SAAD Marta O direito p 369 352
FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial
Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353
IBID 354
SAAD Marta O direito p 200-201 355
IBID p 368-369
70
no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem
evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356
ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos
fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade
policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de
diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos
constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm
a ganhar357
Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se
precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358
Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da
desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser
respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia
Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359
eacute o da presunccedilatildeo de
inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso
LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de
sentenccedila condenatoacuteriardquo
356
IBID p 204 357
ID Exerciacutecio 358
IBID 359
ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou
trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus
Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo
de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p
11
71
Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo
de natildeo culpabilidade360
esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao
ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo
sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361
As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do
Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da
common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na
Magna Carta362
Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo
dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant
preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes
necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo
a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no
periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363
de proteccedilatildeo dos direitos
humanos364
Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a
presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos
textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo
constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366
isto eacute o legislador
constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica
360
ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de
inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila
constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo
tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo
iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de
inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363
ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa
fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa
tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser
considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua
culpardquo (CADH art 82) 364
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355
72
clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e
igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de
regimes despoacuteticosrdquo367
Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um
processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368
Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio
informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo
de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os
valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369
Trata-se pois de
ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa
humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo
criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370
Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito
em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva
no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-
se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma
sentenccedila fundamentada371
Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de
inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende
um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele
denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria
probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372
373
367
IBID p 355 368
IBID p 358 369
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em
homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da
presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a
ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a
condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento
diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a
fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373
ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma
probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de
73
A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o
acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374
Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio
regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute
possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente
sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375
Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal
satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o
reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas
acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o
direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376
E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura
tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes
do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva
de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377
Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas
antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e
desde que fundadas em fatos concretos378
Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o
teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam
adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo
como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou
outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi
definitivamente julgado como autor de um crime379
inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide
de Presunccedilatildeo p 462 374
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376
GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA
Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo
Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12
74
A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no
Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente
em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380
Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se
tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando
pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se
compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como
uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como
inocente382
assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria
somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383
Sua abrangecircncia e acircmbito de
proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto
Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica
orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e
finalmente o que deve ser provado384
Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da
condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade
probatoacuteria385
Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a
presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se
encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386
Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a
inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu
conteuacutedo387
380
IBID p 12 381
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383
IBID p 427 384
IBID p 462 385
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386
IBID p 226 387
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538
75
Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e
subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu
o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388
Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal
informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute
que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de
demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material
probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha
conteuacutedo incriminador390
Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo
deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do
imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame
do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia
da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma
juriacutedica mais adequada ao caso concreto392
Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova
suficiente da culpabilidade393
Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova
segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave
absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas
provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no
momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394
A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar
convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a
direitos do imputado395
Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados
388
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal
Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391
IBID p 538 392
IBID p 462 393
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394
IBID p 11 395
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539
76
na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir
orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no
ldquoin dubio pro reordquo396
que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou
manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397
Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de
inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de
um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees
como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado
pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de
alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes
investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no
acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo
judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a
ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398
Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus
aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes
ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da
pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a
396
IBID p 539 397
ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees
empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser
resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo
tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana
e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo
por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo
de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo
axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao
caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a
lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas
possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente
ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais
Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)
e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum
causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo
caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel
abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187
77
relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia
agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o
necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja
dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa
(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente
com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo
e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma
decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se
possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave
dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399
Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema
processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e
assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo
a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal
Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da
presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo
de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal
- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar
via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento
indiscutiacutevel de sua culpa
Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando
leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior
399
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400
IBID p 358
78
relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do
mero suspeito como culpado401
Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia
consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase
investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema
instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico
mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402
Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica
imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos
de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403
Jaacute
nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo
dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos
estatais404
ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo
de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405
Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser
humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de
sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406
Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de
tratamento do investigado407
aspecto mais significativo nessa fase investigativa408
401
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio
da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra
Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora
2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que
posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el
derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o
anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con
influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de
inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403
Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se
inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de
atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o
primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo
preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404
IBID p 492 405
IBID p 492-493 406
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493
79
Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado
que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409
Refere-se desse
modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito
policial410
e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash
o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja
intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de
direito411
Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento
dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de
um juiacutezo de culpabilidade412
Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo
apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor
mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o
imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413
Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as
medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo
podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414
Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de
inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415
ldquoA defesa teacutecnica garante que o
imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de
profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia
assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o
intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir
prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416
409
IBID p 493 410
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412
Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos
humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA
Ana Lucia Menezes Processo p 172 413
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414
ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio
(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416
IBID p 494
80
Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo
haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo
tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417
Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a
prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo
telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos
incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418
A presunccedilatildeo de inocecircncia exige
um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor
dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos
para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419
Em outros termos nenhum elemento
probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os
ditames da lei420
Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos
qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo
formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421
Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como
ldquonorma de juiacutezordquo422
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem
ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos
incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa
legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a
denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase
persecutoacuteriardquo423
Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes
decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser
orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424
Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar
havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido
417
IBID p 494 418
IBID p 494 419
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e
na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado
Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422
IBID p 494 423
IBID p 494 424
IBID p 494
81
pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja
como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425
4 A imparcialidade do juiz
A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado
genuinamente Democraacutetico de Direito426
Constitui indubitavelmente uma das mais
importantes garantias do devido processo criminal427
Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz
imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o
assegura428
Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante
um julgador parcialrdquo429
Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o
bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz
imparcial430
Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de
qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431
Assim natildeo seria possiacutevel
imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um
juiz equidistante das partes processuais432
Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um
juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando
eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do
proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a
425
IBID p 495 426
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa
imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique
Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz
nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em
httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429
IBID 430
IBID 431
IBID 432
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140
82
imparcialidade do juiz433
Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a
previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes
pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa
manifestar a imparcialidade434
(CF art 95 caput)435
Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute
suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para
decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute
exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a
quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436
Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente
intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437
(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438
Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de
suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439
(arts 252 e
seguintes440
) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de
433
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435
Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida
apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o
juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade
salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado
o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436
ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al
decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la
uacutenica ni es por ello suficiente436
Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo
la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa
situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op
cit p 484 437
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438
Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou
funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em
processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios
ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei
V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440
Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou
advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio
houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz
de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou
diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os
83
impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a
assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de
cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441
Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia
constitucional impliacutecita442
Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente
o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de
direitos humanos como veremos a seguir
O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo
imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas
internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito
em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal
independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos
Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa
forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis
preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo
81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443
(ldquoToda pessoa tem direito a ser
ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal
competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de
juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das
partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou
descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia
III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda
ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer
das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista
ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de
parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo
descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o
padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute
ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442
De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica
ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto
da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais
preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo
GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo
Malheiros 2006 p 144 443
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja
promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992
84
qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos
ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do
artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444
(ldquo Toda a
pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal
competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de
qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos
seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)
Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445
identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano
tutelado por diversos documentos internacionais446
donde se depreende que ldquotodo acusado
tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma
diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser
aplicadardquo447
De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode
ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do
processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e
especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes
conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em
conflitordquo448
Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser
compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota
indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida
como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas
sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se
depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449
444
Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento
juriacutedico nacional 445
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
citp 51 446
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 2001 p 37 449
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de
85
Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de
legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450
Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face
do caso concreto451
ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses
subjetivos de quaisquer das partes processuais452
Impotildee-lhe por conseguinte atuar como
um ldquoobservador desapaixonadordquo453
exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e
sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter
processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454
Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em
conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso
agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar
regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455
Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a
independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de
modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder
Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo
garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo
especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre
imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en
princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456
Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige
seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457
permitindo com
garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450
IBID p 236 451
AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales
Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453
CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires
Bibliografia Argentina 1945 p 27 454
AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456
MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral
do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p
11
86
isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob
qualquer pretexto a nenhuma das partes458
Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que
exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave
atividade das partes processuais459
Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o
juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer
com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460
Eacute inadmissiacutevel pois pretender
que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha
uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461
Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido
em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma
constante troca de valores e experiecircncias462
Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo
utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o
meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no
contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo
quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar
A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da
sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma
postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas
na controveacutersia judicial463
Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual
apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo
penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das
partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave
458
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459
IBID p 11 460
OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel
em httpwwwibccrimorgbr 461
ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462
HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p
27-41 463
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113
87
realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos
princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464
Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser
julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma
relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional
uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos
deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o
exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles
inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465
Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo
do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a
obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466
o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute
natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467
Assim uma anaacutelise mais
minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas
convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes
internacionais468
Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem
sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo
por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack
vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade
objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto
subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto
e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir
qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469
464
IBID p 113-114 465
IBID p 115 466
LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468
IBID 469
ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to
ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is
determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH
88
Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se
pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade
subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando
por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de
amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode
resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do
processo470
Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de
convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante
do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute
demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva
consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel
duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471
Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma
determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o
que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a
averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam
contaminar o julgamento472
Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em
um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que
possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso
posto a julgamento473
Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo
que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua
Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo
sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined
according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given
case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees
sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined
whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts
as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint 470
AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo
Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473
IBID p 110
89
imparcialidade474
Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo
natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475
A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia
de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na
causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave
condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que
natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo
preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica
da lide por decidir476
Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume
especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento
firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser
resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade
democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta
imparcialidade477
Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de
ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478
Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente
imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute
necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz
objetivamente imparcial479
474
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de
Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475
IBID p 126 476
STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar
Peluso em voto-vista j 11112008 477
Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality
must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic
societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em
httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of
whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the
confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as
criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de
26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria
sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila
de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de
28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479
IBID
90
Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito
mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480
Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial
natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente
comprometido com uma das partesrdquo481
Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser
imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu
ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute
ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como
injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482
De acordo com o ditado inglecircs citado no caso
Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be
donerdquo483
Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente
comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto
do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo
justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar
A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que
se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo
Tribunal Europeu de Direitos Humanos
480
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482
IBID 483
ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one
refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may
allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v
Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484
LOPES JR Aury Direito hellip p 126
91
No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas
para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute
em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade
democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo
pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de
parcialidade485
natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante
Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva
a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado
havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele
Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o
magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia
consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486
Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do
investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo
determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior
com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada
no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de
485
ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw
What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In
order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be
taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos
department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his
duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer
sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982
disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486
ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage
the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly
detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is
quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to
play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to
weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the
Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself
has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary
investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the
bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the
force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a
restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental
principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the
provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society
within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984
disponiacutevel em httphudocechrcoeint
92
investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487
Isso porque a investigaccedilatildeo
encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo
temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de
sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees
telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos
ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees
referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime
e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas
medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um
prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da
causardquo488
Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489
Numa primeira
etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter
atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo
realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua
imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da
imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato
praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490
Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial
afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte
Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso
concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem
inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser
julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para
eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe
julgar491
Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que
487
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488
IBID 489
IBID 490
IBID 491
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237
93
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato
criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois
ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no
Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que
justificam o temor pela perda da imparcialidade492
Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a
examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento
juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de
um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da
investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente
causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status
libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras
de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de
alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do
arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493
Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao
investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar
pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida
restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado
antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do
suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional494
Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a
forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente
considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode
acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente
492
IBID p 238 493
IBID p 239 494
IBID p 239-240
94
duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo
mesmo juiz495
Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que
acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos
durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e
consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa
O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo
penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a
privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante
a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo
responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e
dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a
investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela
atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa
questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo
Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo
magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro
Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma
abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo
criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
495
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito
95
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
1 Consideraccedilotildees iniciais
Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma
apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia
material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou
participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele
termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de
ser submetido a processo penal
Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo
Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas
e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a
justiccedila penal
Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma
garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso
envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees
a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um
julgamento por juiz imparcial
Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se
restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo
Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa
natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado
por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado
Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo
criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos
processuais historicamente ultrapassados
Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao
96
julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela
legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias
essenciais
Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento
juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de
compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado
Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa
legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa
Carta Poliacutetica496
Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico
21 As Ordenaccedilotildees do Reino
As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de
seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de
Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497
Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas
sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que
foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de
Processo Penal Imperial) e republicanas498
Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos
496
ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no
Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498
SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27
97
paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no
sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499
Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos
juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500
O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado
socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501
Notava-se no
processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento
inquisitorial502
Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito
Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas
inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto
de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da
suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503
Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia
a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do
acusado e de forma secretardquo504
Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e
o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois
na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505
A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve
como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim
acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506
499
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500
IBID p 78 501
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas
Bastos 1959 p 112 502
MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503
PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi
1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os
processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de
denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das
querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p
115 504
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505
IBID p 102
98
A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos
almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham
como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante
os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos
bairros)507
Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes
especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de
investigaccedilatildeo dos crimes508
Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se
principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees
devassas509
Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela
primeira vez no direito portuguecircs510
Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior
profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram
aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia
Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte
o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre
diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511
Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos
baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e
despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras
processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees
devassasrdquo512
No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os
procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos
e particulares513
506
IBID p 112 507
IBID p 120 508
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63
99
O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees
de querelas e de denuacutencias514
Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que
se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas
Ordenaccedilotildees Filipinas515
A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida
Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da
pronuacutencia516
Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da
cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de
devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo
judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a
pronuacutencia517
Assim era pois formada a culpa
A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito
tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos
culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os
instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes
graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o
julgamento518
Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram
diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519
As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes
comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas
que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas
especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520
As
devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as
especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro
de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia
ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e
514
IBID p 65 515
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517
IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519
IBID p 64 520
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133
100
ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas
especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros
comissionados para isso521
As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas
inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem
reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de
prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia
a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim
desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as
devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou
que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem
consideradas judiciais agrave sua revelia522
A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato
criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente
autordquo523
Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher
entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524
Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou
quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir
procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e
que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e
pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua
falta525
A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime
puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526
e soacute podia ser utilizada nos casos de
devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527
521
IBID p 133 522
IBID p 134 523
IBID p 134 524
IBID p 134 525
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526
IBID p 67 527
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135
101
Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por
moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos
juiacutezes da terra528
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de
novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves
garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529
A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo
de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa
e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e
mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio
do povo e naccedilatildeordquo530
O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a
independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de
marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo
sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531
substituindo assim as
perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532
Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos
brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios
garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide
do Livro V das Ordenaccedilotildees533
A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI
Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534
528
SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529
SAAD Marta O direito p 29 530
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531
SAAD Marta O direito p 27 532
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533
IBID p 117 534
Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim
no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados
pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que
102
e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram
eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das
atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535
Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827
instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do
Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz
atribuiccedilotildees policiais preventivas536
e repressivas537
Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz
eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este
era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo
do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz
criminal538
Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a
formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a
qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava
para a prisatildeo do acusado539
Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as
determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540
A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto
as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo
de Processo Criminal de 1832541
todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que
a Lei determinar 535
Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo
algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira
por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536
ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-
los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em
outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os
vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar
as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537
Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada
(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538
SAAD Marta O direito p 28 539
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540
ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a
qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo
IBID p 121 541
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
103
Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham
enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e
formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542
que despontava como a base
da acusaccedilatildeo543
Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas
atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder
como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do
crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544
O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a
primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545
enquanto a segunda dispunha acerca da
forma do processo ou procedimento
No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute
observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546
visto que o chefe de poliacutecia
era tambeacutem um juiz de direito547
A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda
transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo
de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548
ldquoAs
querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias
liberais foram incorporadas agrave leirdquo549
As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem
diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no
542
Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentesrdquo 543
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o
futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo
ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544
SAAD Marta O direito p 31 545
Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias
dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e
cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de
quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico
(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que
poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o
chefe de poliacutecia 546
Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo
haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547
SAAD Marta O direito p 29 548
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549
SAAD Marta O direito p31-32
104
instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550
a
querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo
ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551
o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado
pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia
ainda que denuacutencia natildeo houvesse552
A formaccedilatildeo da culpa que compreende o
procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente
sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus
soacutecios553
Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute
aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que
abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do
delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou
improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados
para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554
A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era
subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555
ldquoIsto eacute
instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir
atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do
promotor puacuteblicordquo556
Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser
observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do
corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de
testemunhas d) no realizaacute-lardquo557
550
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552
ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou
cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo
ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553
IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de
formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em
siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees
interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 125 555
SAAD Marta O direito p 32 556
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557
IBID p 126
105
Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria
disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das
provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558
Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a
lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a
inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559
De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz
procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560
e que atuasse
sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561
com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562
Ao juiz de paz incumbia
reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563
bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo
houvesse denunciante564
mandando chamaacute-las de ofiacutecio565
para que depusessem sobre a
existecircncia do crime e autoria delitiva566
567
O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no
cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem
recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568
devido agrave inexistecircncia de um representante do
Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569
558
IBID p 126 559
SAAD Marta O direito p 32-33 560
Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentes 561
Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes
em que tem lugar a denuncia 562
Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a
denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563
Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa
servir de prova 564
Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de
testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565
Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566
Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo
necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem
noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568
IBID p 126 569
Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os
Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado
um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os
Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios
106
O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito
ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570
Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571
ou
preventiva572
do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a
inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573
574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila
do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os
testemunhos
Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde
ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado
Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem
reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575
sem prejuiacutezo aos
objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576
Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de
seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do
interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz
de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a
procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577
Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos
substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de
570
ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de
serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria
inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto
Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571
Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute
presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou
emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em
flagrante delicto 572
Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo
tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo
pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573
Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser
conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado
pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575
Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua
ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577
IBID p 127
107
algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado
agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578
Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa
simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se
tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do
povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579
Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a
formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso
a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem
decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da
formaccedilatildeo da culpa580
Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas
mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila
despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a
aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica
poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando
da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de
autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva
tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581
As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do
paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios
legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem
reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de
janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582
578
SAAD Marta O direito p 35 579
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580
IBID p 128 581
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
108
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842
A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com
conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583
e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de
janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia
Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e
artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes
tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para
recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584
A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente
centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se
propunha de tornar efetiva a autoridade legal585
Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do
Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo
judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as
excessivas prerrogativas dos elementos regionais586
Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz
de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a
poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587
588
E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo
produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do
poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura
583
SAAD Marta O direito p 40 584
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585
IBID p 119 586
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587
SAAD Marta O direito p 41 588
Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre
outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135
109
criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de
poliacutecia589
As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590
Estabeleceu-se que em
cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes
de direito pelo Imperador591
Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto
pelo chefe de poliacutecia592
e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu
presidente593
Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias
propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594
e nomeados pelo presidente da
proviacutencia respectiva595
596
Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o
juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e
subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597
589
SAAD Marta O direito p 40 590
ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento
policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591
De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os
Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos
seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos
Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das
Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada
pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592
Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou
outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que
forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro
de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as
qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593
Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os
Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos
Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento
12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das
Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias
observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas
propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594
Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de
Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e
obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o
Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros
quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595
Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte
e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas
as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos
propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597
SAAD Marta O direito p 41-42
110
O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em
administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-
as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no
bojo do artigo 3ordm598
as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e
apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599
Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma
ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito
das reformas procedimentais600
A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa
(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash
disposiccedilotildees criminais601
foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o
chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e
juiacutezes de direito602
- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603
com recurso ex officio
para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604
Esse magistrado tambeacutem
podia formar a culpa e pronunciar originariamente605
606
598
Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto
comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados
comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar
os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis
mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou
officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599
SAAD Marta O direito p 43 600
IBID p 43 601
Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602
Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da
culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts
72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603
ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais
produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal
natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou
revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este
foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604
Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos
respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm
5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas
attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm
6ordm e 9ordm
Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as
pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605
Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()
2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles
serviremrdquo 606
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131
111
Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os
juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das
formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas
circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados
proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para
ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos
290607
291608
e 292609
)610
Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de
corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a
de seus delegados nos respectivos distritos611
Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes
quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem
obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de
formarem a culpa612
O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613
esclarecia que tal
607
Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem
os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que
prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a
requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou
denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o
esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608
Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e
denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e
mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos
reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos
processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores
ou complices 609
Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou
soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal
que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o
processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle
lanccediladas nos autos 610
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612
Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos
districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e
esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas
circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente
comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo
poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613
Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e
12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias
extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego
de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter
aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem
do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas
ou denuncias que houverem
112
remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se
apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a
atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais
amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614
Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615
do Regulamento
nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro
das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de
colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira
autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da
culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais
esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes
competentesrdquo616
Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou
a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal
que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617
Aos juiacutezes de
paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era
permitido proceder ao auto de corpo de delito618
e agrave formaccedilatildeo da culpa619
concorrentemente
614
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615
Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa
enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais
esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na
conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-
se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria
enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que
escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os
casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados
de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no
expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem
perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das
penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados
participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila
que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu
expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617
SAAD Marta O direito p 46 618
Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619
SAAD Marta O direito p 43-44
113
Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos
empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620
Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621
conferindo agraves
autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622
Assim ldquoa reaccedilatildeo contra
o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de
paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash
confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623
Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e
projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871
apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram
sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da
poliacutecia e da judicatura624
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871
A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro
620
Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo
Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de
responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos
Officiaes que perante as mesmas servirem 621
O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos
princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as
funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento
E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a
culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem
dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de
funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos
delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa
(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do
caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR
Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623
SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute
Olympio 1937 p 235 624
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64
114
do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e
poliacutecia625
e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626
627
O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo
constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628
Tal
estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos
na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do
Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no
sistema processual penal brasileiro629
A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as
disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que
nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas
ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a
jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630
Isto eacute
a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes
municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas
comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631
passou aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do
distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632
como
faziam anteriormente633
625
Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo
facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente
exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e
Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado
mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de
qualquer autoridade policial 626
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627
A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo
ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a
prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA
JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio
da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram
como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629
ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem
dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades
tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre
pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632
Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os
outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento
115
Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que
fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao
cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634
determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo
10635
da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871
ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636
Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves
autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637
conservando os
juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638
O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam
assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do
crime639
por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de
instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e
nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de
seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos
respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos
Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do
Processo Criminal 633
SAAD Marta O direito p 51 634
A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da
comarca ou do termo 635
Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente
restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos
crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por
escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da
accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o
processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades
policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos
criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto
e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo
tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a
concessatildeo da fianccedila provisoria 636
SAAD Marta O direito p 51 637
A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871
Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia
de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as
circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO
Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639
Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a
noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias
para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos
delinquentes
116
tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640
Previa ademais que se presente a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato
criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio
seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo
promotor puacuteblico641
Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo
instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria
proceder ao inqueacuterito policial642
ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao
descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou
cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643
644
640
Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo
2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que
houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em
geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641
Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou
arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que
possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela
autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642
Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o
processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs
de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte
interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643
Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos
criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento
escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja
de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar
do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da
localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os
instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade
peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as
declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem
conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as
testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas
circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos
resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em
flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do
crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm
Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu
despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por
intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute
as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute
immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa
seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra
autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias
com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das
testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do
inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte
interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e
comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr
applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644
SAAD Marta O direito p 53
117
Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no
sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a
inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm
atribuiacutedo aos magistrados penais645
A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de
legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns
Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute
exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas
modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees
de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio
Marcos de Moraes Pitombo foram raros646
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por
uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647
Ao
lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo
uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e
vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648
Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que
as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em
flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias
e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria
decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a
justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo
sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de
645
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648
Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal
118
Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos
ldquopseudodireitos individuaisrdquo
O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)
natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas
Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do
Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave
propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo
plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora
eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o
processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos
os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649
Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e
a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650
Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase
destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa
e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da
denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e
evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651
Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652
ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute
que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da
acusaccedilatildeo653
De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual
penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares
e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da
culpa654
ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o
649
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652
A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para
situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de
119
todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-
serdquo655
Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de
1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de
instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o
Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes
argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a
dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado
de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria
juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos
distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os
apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila
de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal
agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657
sem
655
IBID 656
ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as
suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros
urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema
vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender
criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de
que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar
proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de
instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De
outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona
de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os
morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem
seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a
imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do
sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a
sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo
poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria
antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra
apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou
antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas
Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o
alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas
Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo
despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila
criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode
ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito
preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao
Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657
Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas
jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia
120
exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658
isto eacute o inqueacuterito
natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas
realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659
Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito
policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos
Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em
seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660
e
particulariza no artigo 6ordm661
as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial
assim que cientes da praacutetica de um delito662
Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que
a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos
mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de
direitos fundamentais663
Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia
criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio
Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em
virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a
requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o
trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a
definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma
funccedilatildeo 658
SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659
Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem
pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares
de Inqueacuterito 660
O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661
Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se
possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo
das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o
fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir
o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do
Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for
caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo
do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -
averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo
econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos
que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662
SAAD Marta O direito p 76 663
LOPES JR Aury Direito p 252
121
iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664
mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a
seguir
De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito
deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou
estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se
executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante
fianccedila ou sem elardquo
Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e
o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para
ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a
prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz
cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas
diligecircncias
Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo
quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo
Promotor de Justiccedila
Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa
para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico
promover o arquivamento das peccedilas665
No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo
juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute
remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer
a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no
pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo
Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer
fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada
664
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665
IBID p 112
122
pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por
representaccedilatildeo da autoridade policial666
A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas
pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o
sequestro de bens667
do indiciado e a busca e apreensatildeo668
Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes
instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de
obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz
portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar
seu convencimento669
Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi
sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou
todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do
Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que
eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar
seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670
Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no
Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo
juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671
)
Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da
livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das
provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as
outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672
666
Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva
decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da
autoria 667
Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda
antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668
Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670
IBID p 169 671
Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash
ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672
Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde
123
Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes
justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase
inquisitiva preacute-processual673
Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674
a rigor o magistrado
criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as
provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a
responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo
elemento surgisse para invalidaacute-las675
Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941
ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe
avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com
aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em
busca da formaccedilatildeo da opinio delicti
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008
essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo
pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo
repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674
Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior
melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de
reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua
convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta
todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo
significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de
Processo Penalrdquo IBID p 172 675
MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70
124
Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o
ordenamento juriacutedico brasileiro676
A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o
processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime
autoritaacuterio militar instalado em 1964677
fator que ensejou consideraacutevel impacto
especialmente na esfera dos direitos fundamentais678
Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa
Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a
um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios
fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679
Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou
significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as
Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680
O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo
penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria
constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das
garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681
e nesta repetida em
abundacircncia682
Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na
sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica
Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo
Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores
constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e
676
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 21 678
IBID p 21 679
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680
PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681
De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando
por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a
declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio
autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo
de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682
IBID
125
interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior
intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683
Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto
constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos
garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do
processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684
Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma
carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter
unicamente acusatoacuterio685
na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem
desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se
reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um
processo penal constitucional
As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no
processo penalrdquo686
multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser
encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens
Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica
assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I
da CF687
com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e
julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio
Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei
Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e
acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o
Ministeacuterio Puacuteblico688
683
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686
IBID 687
ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a
divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o
desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou
Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva
ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo 163 jun-2006 688
ABADE Denise Neves Op cit p 140
126
O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo
democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente
inquisitiva689
Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do
Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio
sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a
decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)
do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar
praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690
Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico
paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691
De fato um exame
superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de
inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 ainda subsistem no processo penal692
As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos
princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo
penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo
das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre
outros693
Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente
inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais
podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei
Maior694
Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras
preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos
689
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691
IBID 692
ABADE Denise Neves Op cit p 143 693
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694
ABADE Denise Neves Op cit p 143
127
valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de
questionamento das garantiasrdquo695
O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura
constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo
criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696
Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional
acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos
inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o
ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697
A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo
preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade
exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema
acusatoacuterio
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento
Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se cunfundam698
A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema
ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema
acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico
695
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697
IBID p 108 698
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2
p 41-46 julhodezembro 2008
128
assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a
reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699
Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a
etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700
passando a ser repelida a
valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria
ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de
papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701
Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja
essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702
A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da
separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do
Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de
qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703
Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e
portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente
estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704
A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo
legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais
que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705
ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de
combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de
acusadorrdquo706
A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da
efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo
punitiva do Estado707
Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de
699
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701
IBID p 108 702
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703
ABADE Denise Neves Op cit p 144 704
IBID 705
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706
IBID 707
IBID
129
buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da
acusaccedilatildeo708
Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial
princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em
que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente
afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709
Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder
Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do
juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710
Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz
preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de
investigador711
Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal
material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para
permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do
reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao
julgar e resolver a lide712
Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta
estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o
papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias
constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713
O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute
portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo
criminal
Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz
da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute
presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes
708
ABADE Denise Neves Op cit p 146 709
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710
IBID 711
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 713
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas
130
competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito
extraprocessualrdquo714
Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a
legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo
intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715
Isso porque a
intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento
do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a
igualdade dos sujeitos do processo716
Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o
juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias
cautelaresrdquo717
Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o
papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade
intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718
Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal
buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do
magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719
Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela
Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das
investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista
Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro
no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado
poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de
parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na
ordem constitucional720
Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de
certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo
714
GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716
IBID p 109 717
GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista
Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719
IBID 720
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129
131
do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721
Os resultados da cultura inquisitorialista
herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo
vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722
A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo
Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo
fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do
investigado723
A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas
cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra
mais evidente
Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio
Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos
juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo
frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da
possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito724
A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga
possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente
por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema
acusatoacuterio725
Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o
oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que
tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito policial por parte do magistrado726
Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade
exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em
721
IBID p 129-130 722
IBID p 130 723
IBID p 130 724
IBID p 109 725
ABADE Denise Neves Op cit p 175 726
IBID p 175
132
tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por
intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade
exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema
acusatoacuterio727
Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise
eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a
formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no
caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728
Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em
nenhum caso729
Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos
fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir
como parte730
Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo
sobre a opinio delicti731
Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de
iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre
na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732
O sistema acusatoacuterio
atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de
elementos de convicccedilatildeo733
Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo
sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio
colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal
seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do
727
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro
Lumen Juris 2007 p 265 728
ABADE Denise Neves Op cit p 175 729
LOPES JR Aury Direito p 265 730
ABADE Denise Neves Op cit p 175 731
IBID p 175 732
IBID p 175-176 733
IBID p 176
133
Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734
ldquoQuem deve decidir portanto sobre
a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735
No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida
pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo
tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo
do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da
Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo
dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada
finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736
737
Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a
accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de
promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que
representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738
No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e
ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita
Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a
denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer
peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees
invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao
procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento
ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender
734
IBID p 110 735
LOPES JR Aury Direito p 265 736
ABADE Denise Neves Op cit p 110 737
ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno
informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia
conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de
assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela
Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista
determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738
IBID p 112
134
A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo
criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739
No acircmbito da
moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio
acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento
formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal
segundo os elementos coletados740
Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para
avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o
afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a
formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do
exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como
violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742
ao conferir iniciativa
probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a
determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter
restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase
extraprocessual
Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro
resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo
judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou
da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras
pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743
bem como da retirada do ordenamento
dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a
produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que
retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever
de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser
chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave
739
LOPES JR Aury Direito p 284 740
ABADE Denise Neves Op cit p 113 741
IBID p 113 742
Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150
135
intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo
jurisdicional744
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz
A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve
ser muito restrita745
limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos
fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que
efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua
imparcialidade746
Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao
magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da
investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega
e desenfreada busca da verdade real747
O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela
observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em
incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos
direitos748
A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja
previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio
da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo
penal749
Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais
comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a
excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744
IBID p 150 745
LOPES JR Aury Direito p 247 746
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747
CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto
Esp 1996 748
IBID 749
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro
Lumen Juris 2009 p 54-61
136
demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade
esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que
por meio dela se pretende atingir750
Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na
fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos
investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do
magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751
O exame dos
pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade
exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos
materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752
A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda
nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo
detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no
plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos
tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753
A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto
passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos
julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave
intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em
discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais
do investigado
Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a
privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da
necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos
Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de
Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente
750
CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova
Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo
Paulo LEUD 2000 p 65-69 751
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752
IBID p 187 753
ABADE Denise Neves Op cit p 141-142
137
patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o
magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com
a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de
sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica
Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade
do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem
margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos
incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a
instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
penal754
Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da
imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio
seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo
agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755
A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o
inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo
que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756
Sua imparcialidade estaacute
comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo
preliminar757
ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre
condutas e pessoasrdquo758
O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema
Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de
um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase
preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759
754
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755
IBID p 197 756
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757
LOPES JR Aury Juiacutezes 758
IBID 759
Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)
138
Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo
acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que
verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760
de modo a preservar o distanciamento do juiz do
processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo
produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de
Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e
traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no
ordenamento juriacutedico brasileiro
O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das
garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
760
LOPES JR Aury Juiacutezes
139
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no
Processo Penal Brasileiro
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias
O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser
apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma
profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que
elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761
O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito
prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini
ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo
contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se
fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762
O processo dessa forma
com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no
exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado
para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763
Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela
visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a
necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764
Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para
conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme
liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi
761
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762
BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 452 763
IBID p 452 764
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial
140
Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam
velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance
das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do
mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765
Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras
alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas
econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766
bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo
cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis
dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas
Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo
ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo
nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira
em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767
tiveram
vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do
Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o
alteraram neste longo periacuteodo
Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal
continuava defasado e desarticulado
Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo
penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo
e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas
765
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo
Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo
de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766
ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela
Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p
43 767
1946 1967 e 1969
141
pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo
constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768
Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo
Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769
ocorrida em quase sete
deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente
agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770
Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou
no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e
a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime
ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771
Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o
Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos
princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados
Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772
Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios
dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de
interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de
768
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769
A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze
Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito
projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei
apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770
A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras
regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771
PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772
MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas
cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo
Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75
142
compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituiccedilatildeo Federal773
Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo
determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos
preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das
disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os
princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos
institutos774
De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa
forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as
provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a
simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a
conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775
Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a
Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um
processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo
das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o
seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776
Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente
alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de
possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de
videoconferecircncia
773
SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775
ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de
competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1
julhodezembro 2008 p 111 776
FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual
Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17
143
Finalmente a Lei 124032011777
modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo
processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a
oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras
medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do
sistema penal778
Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo
Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de
graves viacutecios estruturais779
Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo
processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780
oriundos da nova
Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica
Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda
estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781
De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a
aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782
Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias
poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos
estrateacutegicosrdquo783
Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de
todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial
777
O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se
completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria
Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779
NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In
Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780
CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio
Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781
IBID p 101 782
Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo
inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo
de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de
conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o
sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 250 783
MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75
144
Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de
fundordquo784
No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas
reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas
virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785
Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual
penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais
Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do
Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute
muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como
sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser
inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor
que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto
central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786
De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma
global do nosso Coacutedigo de Processo Penal
Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute
verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho
de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio
seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787
Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser
um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma
constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode
ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788
784
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de
Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785
CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave
anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de
Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788
IBID p 80
145
Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma
mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal
com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda
progressos significativos em termos de garantias individuais789
Nesse sentido um novo
Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais
facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790
Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual
penal de 2008791
em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado
Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de
Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton
Carvalhido792
apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei
do Senado Federal 1562009793
Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de
2009794
Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na
Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795
Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da
imprescindibilidade de um novo Coacutedigo
789
IBID p 80 790
IBID p 80 791
Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que
entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792
Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de
Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato
Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do
Ato 1108 793
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal
1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v
200 jul 2009 794
OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo
IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795
O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi
apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente
por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados
determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer
sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para
emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013
146
Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao
alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal
brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um
novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de
1988
De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os
laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados
da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana
corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796
A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo
propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797
que busca
se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo
Dividido em seis Livros798
o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um
Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em
sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do
devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias
individuais
Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos
ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia
ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas
concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o
reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um
verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como
pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo
796
CAPEZ Fernando Op cit p 124 797
GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz
jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798
Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das
accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais
147
De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute
importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e
concretardquo799
Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades
merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e
definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da
atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800
e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo
de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801
a criaccedilatildeo do juiz das garantias
instituto que nos propomos analisar a partir de agora
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares
Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz
das garantias no nosso ordenamento juriacutedico
Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal
impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo
dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal
Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as
elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e
assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial
Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se confundam
799
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800
Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801
Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009
148
Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio
pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o
risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa
a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo
Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao
magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo
penal ou de atuar como verdadeira parte no processo
O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar
alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado
Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute
mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito
passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm
lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado
Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria
estrutura dialeacutetica do processo penal
Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos
natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente
autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de
maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do
material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento
cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas
cautelares bem como de sua legitimidade
Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute
analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido
sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o
elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento
exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do
exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos
fundamentais do investigado
149
E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma
soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009
Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para
atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela
legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias
fundamentais do investigado802
cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela
claacuteusula de reserva judicial
Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo
criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o
Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803
Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo
controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos
individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder
Judiciaacuteriordquo804
Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no
nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura
de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do
artigo 16805
estaria impedido de funcionar no processo806
Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia
vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de
investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807
e 83808
do atual
802
MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos
de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804
Artigo 14 805
Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES
Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal
Salvador Juspodivm 2012 p 136 807
Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da
concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou
queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808
Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
150
Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada
isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar
conhecimento do fato
O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das
garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809
Com efeito o juiz chamado a
intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um
giro de 180 grausrdquo810
ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811
A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009
reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a
fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na
experiecircncia internacionalrdquo813
podendo ser citados como exemplos o giudice per le
indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no
Chile814
Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada
ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo
como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)rdquo
809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado
Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810
IBID 811
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812
MAYA Andreacute Machado Outra vez 813
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814
ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini
preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no
mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto
de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma
semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao
inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)
que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art
40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos
paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo
(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um
julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute
a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em
25082013 815
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
151
O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento
juriacutedico brasileiro
Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de
instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo
tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal816
Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade
das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817
O
fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da
investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818
Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda
e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no
esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas
cautelares na fase processual819
Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de
separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a
distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820
com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e
Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal
acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do
processo do juiz da investigaccedilatildeo821
Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias
no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de
organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822
O juiz de
garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave
Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823
816
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817
IBID p 308 818
IBID p 308 819
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820
IBID p 89 821
IBID p 89 822
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823
IBID p 305
152
Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo
redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal
A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico
que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal
O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de
2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do
agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa
de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824
Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de
atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias
3 Atribuiccedilotildees
A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do
disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO
processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo
de acusaccedilatildeordquo
Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador
Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se
exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual
se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do
inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825
mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe
cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias
824
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de
Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem
ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90
153
investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo
nunca o gerente das tarefas policiais826
Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das
garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827
Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses
em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828
isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da
pessoa investigada829
As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final
ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe
especialmente
I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do
art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555
III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este
seja conduzido a sua presenccedila
IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal
V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar
826
IBID p 90 827
ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente
de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais
adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de
descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e
motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828
Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do
Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na
condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura
ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo
penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 254 829
PASSOS Edilenice Op cit
154
VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como
substituiacute-las ou revogaacute-las
VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas
urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa
VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso
em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no
paraacutegrafo uacutenico deste artigo
IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver
fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento
X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre
o andamento da investigaccedilatildeo
XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de
comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de
comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e
apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de
obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado
XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia
XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos
termos do art 452 sect 1ordm
XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial
XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que
tratam os arts 11 e 37
XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a
produccedilatildeo da periacutecia
XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo
155
Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as
competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso
XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em
tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das
garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo
preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que
dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto
as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria
plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial
na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830
Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias
ressalvadas as de menor potencial ofensivo831
que seguem o rito dos juizados especiais832
Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833
isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo
penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834
Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai
de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees
pendentes835
podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em
curso836
No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees
do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma
regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837
830
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831
Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto
Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo
abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute
haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das
garantiasrdquo 832
PASSOS Edilenice Op cit 833
Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837
Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
156
Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de
diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos
do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838
Cabe-lhe tutelar a
regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839
Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado
como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-
se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em
construccedilatildeordquo840
Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se
esclarecer a sua finalidade
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro
Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o
deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de
examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de
direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias
bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave
especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)
manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em
relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo
cada um deles
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que
ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839
IBID p 90 840
IBID p 90
157
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal
A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para
atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo
jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais
Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na
esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o
estabelecimento de garante exclusivordquo841
A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a
criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um
juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que
atuou na fase preacute- processual842
De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo
Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse
tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase
processual843
Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado
que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade
da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844
Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue
exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e
qualquer processo de especializaccedilatildeo845
A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja
voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto
ganho de celeridade846
ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo
expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847
841
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843
SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844
IBID 845
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846
PASSOS Edilenice Op cit 847
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
158
Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas
de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e
Satildeo Paulo848
onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos
acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece
ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra
um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa
nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse
sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849
No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do
juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas
competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes
ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850
De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia
evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento
das varas criminaisrdquo851
dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se
exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os
direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa
em prazo razoaacutevel852
Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia
no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo
penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com
um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais
848
IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito
policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias
deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das
garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo
tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa
investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver
necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz
da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global
do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851
SCHREIBER Simone Op cit 852
IBID
159
cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e
honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal
Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do
controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos
fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e
harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853
Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de
melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da
ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e
eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem
tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa
atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade
criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855
A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao
maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos
que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856
A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram
pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na
853
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias
160
atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a
imparcialidaderdquo857
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo
prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a
Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas
tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo
consideravelmente reduzida858
No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de
direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode
prescindir da participaccedilatildeo do juiz859
que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o
mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da
competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo
Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por
um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo
e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode
se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que
sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860
E principalmente ele deve procurar
natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e
pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo
que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um
ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias
anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a
produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute
suficiente para condenarrdquo862
De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-
processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios
857
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858
SCHREIBER Simone Op cit 859
IBID 860
IBID 861
IBID 862
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
161
colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do
magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua
atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional penal863
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um
magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse
primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864
Isso
porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo
preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo
constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende
inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865
Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees
distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja
funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do
material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866
No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a
autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que
impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz
acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos
das pessoas atingidas por tais medidas867
Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente
familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute
formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868
Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma
que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se
a defesa provar a inocecircncia do acusado869
Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo
863
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865
PASSOS Edilenice Op cit 866
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867
SCHREIBER Simone Op cit 868
IBID 869
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
162
formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo
de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda
a causa870
Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em
desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871
dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas
probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique
a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872
Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se
mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que
lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no
inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de
se fazer ouvir no processo873
A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute
indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro
pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo
definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela
envolvidas874
o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e
imparcialidade
A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo
da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875
O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o
cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um
juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande
870
IBID 871
SCHREIBER Simone Op cit 872
IBID 873
IBID 874
IBID 875
MAYA Andreacute Machado Outra vez
163
finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por
sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876
Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja
principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por
proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no
intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso
privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877
A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material
colhido na fase de investigaccedilatildeo878
Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade
objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja
imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que
esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879
atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e
durante o processo judicial
Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel
vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a
accedilatildeo penal880
ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave
etapa precedenterdquo881
O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela
legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882
Ao
contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em
melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela
fase883
ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois
do princiacutepio de imparcialidaderdquo884
876
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878
PASSOS Edilenice Op cit 879
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882
IBID p 89 883
IBID p 89 884
IBID p 89
164
Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e
assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009
separar as duas funccedilotildees885
Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio
Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias
que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos
cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou
contra uma das partes886
Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo
tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das
fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo
impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas
nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento
compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887
Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma
muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a
presunccedilatildeo de inocecircncia888
bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o
magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas
durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889
Tudo
porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com
isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890
Por
isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio
determinado constitucionalmente891
Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz
que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute
885
PASSOS Edilenice Coacutedigo 886
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887
IBID p 89 888
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889
MAYA Andreacute Machado Outra vez 890
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891
IBID
165
consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892
O juiz
competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees
relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e
imparcial893
Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em
seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre
as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a
causardquo894
Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das
garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm
1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal
mais justa garantista e eficiente895
Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua
inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de
parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das
criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo
das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo
Projeto de Lei 1562009
892
SCHREIBER Simone Op cit 893
IBID 894
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895
SCHREIBER Simone Op cit
166
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a
competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896
Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da
denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia
do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897
cabendo tal providecircncia
como consequecircncia ao juiz do processo
Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da
denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que
dispensa motivaccedilatildeo898
exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das
condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899
do atual Coacutedigo
de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900
Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou
queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo
existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901
Necessaacuterio pois o exame
pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou
rejeitada a peccedila inicial902
896
Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898
IBID p 228 899
Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar
pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio
da accedilatildeo penal 900
Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos
processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da
punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo
maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou
procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307
167
Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo
decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela
presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo
exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase
inquisitiva903
A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos
indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904
para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a
existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta
probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905
Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo
do Projetordquo906
Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se
afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907
A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas
decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os
elementos colhidos na investigaccedilatildeo908
sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que
natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do
projeto permaneceratildeo apensados ao processo909
ndash o material de convencimento da
existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910
903
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 p 109 904
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905
GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909
Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do
material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das
garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto
conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um
dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro
assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com
as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP
uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em
23102013 910
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228
168
O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o
alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do
processo911
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das
garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute
processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de
sua competecircncia912
passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo
processual jaacute plenamente formada913
No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do
recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo
juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos
colhidos na fase preliminar914
Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional
por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao
caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa
com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para
tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir
() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-
conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave
decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente
para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado
com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer
preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do
processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco
de comprometer sua imparcialidade objetiva
911
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912
IBID 913
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914
ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas
o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI
Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85
169
Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito
policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos
elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915
cuja produccedilatildeo tenha sido realizada
nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de
medidas cautelares916
Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar
a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917
Com isso se estaraacute afastando
qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material
informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para
tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918
De fato se o objetivo eacute afastar o juiz
do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a
decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias
Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a
accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920
-
compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees
proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes
o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921
915
Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma
audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a
acusaccedilatildeordquo 918
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919
IBID p 229 920
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
170
A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a
qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922
Aqui no mesmo
sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz
do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz
pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido
oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923
Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o
oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo
julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua
competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a
duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da
autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem
decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925
Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem
Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das
garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute
reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo
A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz
da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926
Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das
garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo
preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de
realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a
denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas
923
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926
IBID
171
existentes no inqueacuterito policial927
E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar
sentenccedila final928
Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita
encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o
magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser
que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo
criminal929
Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a
possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a
quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930
Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo
reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora
com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931
e ao artigo 562932
do Coacutedigo933
com a
finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas
de reexame perioacutedico da medida
De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal
poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute
que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que
necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios
suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934
927
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928
IBID p 109 929
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930
IBID 931
Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre
fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute
necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932
Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias
seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os
motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933
Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo
vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste
Coacutedigo 934
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102
172
Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo
no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935
Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees
expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e
que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo
e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas
sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser
apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das
partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936
3 A escassez de recursos humanos e materiais
Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de
ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido
argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937
Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das
garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para
suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938
Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo
possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo
judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939
bem como que a proposta passaraacute
inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio
nacional e suas realidades regionais diversas940
Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento
desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo
A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas
935
IBID p 102 936
IBID p 102 937
MAYA Andreacute Machado Outra vez 938
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91
173
que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade
absolutamente incontornaacutevelrdquo941
Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada
Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave
Justiccedila em Nuacutemeros942
em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960
magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943
Paranaacute944
Minas Gerais945
Rio de Janeiro946
e Rio Grande do Sul947
Assim haacute nos 22 Estados
restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948
em
trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949
ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de
um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do
processordquo950
De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz
enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias
ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo
poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951
Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual
inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave
estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952
Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o
fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados
o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores
941
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942
httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em
15102013 943
2528 magistrados 944
1073 magistrados 945
989 magistrados 946
807 magistrados 947
734 magistrados 948
Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949
Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951
IBID p 110-111 952
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136
174
Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de
investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953
De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do
sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos
seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num
mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal
da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira
bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954
Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos
tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual
com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de
favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955
Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave
noutros menos956
De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins
Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41
das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico
juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um
magistrado957
Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os
olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees
Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo
judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na
afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de
substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo
alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo
953
IBID p 136 954
GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955
IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo
apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior
aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957
IBID p 92
175
Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos
humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se
devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente
qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958
Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo
argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do
processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria
Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se
encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959
Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa
postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem
expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe
outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde
posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no
argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960
Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS
1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no
Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961
prevendo no art 701962
(Livro - Das
Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar
como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em
vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se
tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio
legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas
organizacionais do Poder Judiciaacuterio963
958
IBID p 92 959
MAYA Andreacute Machado Outra vez 960
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962
Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A
regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste
Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
176
Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo
Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a
transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo
dispocircs no artigo 748 I964
natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver
apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a
criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra
transitoacuteria do artigo 748965
De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada
exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou
de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem
mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema
criminal atual966
Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser
definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos
fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de
natildeo mudarrdquo967
No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a
significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas
compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a
natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968
ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem
funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua
constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo
jurisdicional efetivardquo969
Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do
Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo
em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de
964
Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde
houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de
cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde
que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a
previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento
pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje
regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967
IBID 968
MAYA Andreacute Machado Outra vez 969
IBID
177
garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo
envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de
cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o
magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa
em outro processo e vice-versa970
Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz
das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de
comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971
quer atraindo as funccedilotildees de
garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras
alternativas972
Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as
alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes
obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a
implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal
chileno973
Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro
mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas
capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas
comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias
iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974
Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas
comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo
Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas
realidades975
Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira
970
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971
MAYA Andreacute Machado Outra vez 972
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973
MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico
foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele
oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974
MAYA Andreacute Machado Outra vez 975
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92
178
Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de
impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro
lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as
comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do
Paiacutes976
Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo
para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o
engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977
Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente
possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da
estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida
observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do
julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre
atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo
contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros
do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute
com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os
argumentos defensivos978
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que
da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a
conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder
Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do
Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo
Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979
ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute
mais relevante que mudar a leirdquo980
A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo
Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio
976
IBID p 92 977
IBID p 92 978
MAYA Andreacute Machado Outra vez 979
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980
IBID
179
mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981
Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a
apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura
condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e
compartilhadas por todos982
Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um
instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo
penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a
conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983
Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli
Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um
fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas
orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros
natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de
mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a
integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os
detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos
dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984
Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam
encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia
parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia
inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do
Estado Novo985
Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz
da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto
981
IBID 982
IBID 983
MAYA Andreacute Machado Outra vez 984
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985
MAYA Andreacute Machado Outra vez
180
Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no
seacuteculo XXrdquo986
Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos
natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma
verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico
Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual
seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio
Puacuteblico Para Miguel Reale Jr
De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com
dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a
poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a
atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a
medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o
peso do aparato estatal988
Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de
poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande
parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o
que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais
oacutergatildeos em detrimento do indiciado
Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo
de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que
986
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110
181
limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a
substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com
o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias
Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de
coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989
Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o
tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990
da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que
oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do
juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de
atuar no processo como relator991
Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das
garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o
impediu contudo de atuar na fase processual992
O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do
tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes
oferecida a denuacutencia993
Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como
juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele
atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro
grau994
989
ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990
Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental
que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106
182
Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo
quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso
desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute
insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma
participou da investigaccedilatildeo995
Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou
como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996
Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que
podem surgir tais como
O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e
se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo
que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das
garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute
como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria
preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria
for ajuizada997
Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998
do projeto ndash que ao impedir o
juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da
imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem
impedido de participar do julgamento999
A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do
quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado
provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute
do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000
995
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996
IBID p 370 997
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998
Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000
IBID p 371
183
6 Instacircncias recursais
Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de
o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo
posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos
fatos da investigaccedilatildeo preliminar
Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz
com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de
aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001
De acordo com
Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem
pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002
Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem
vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator
de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do
proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal
condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo
magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o
primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da
investigaccedilatildeo preliminar1003
Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004
impetrado em face
de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se
ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida
cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja
colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de
1001
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002
IBID p 197-198 1003
IBID p 231 1004
De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus
impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de
apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na
forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do
recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no
artigo 581 I do CPP IBID p 198-199
184
admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do
imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005
Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da
legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os
fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com
o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da
culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para
reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006
Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do
texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau
ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007
Nesse sentido Mauro
Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de
modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash
acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao
seu conhecimento1008
Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de
primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no
toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a
ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009
depois
quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer
magistrado (art 53 e ss)1010
Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo
1005
IBID p 198 1006
IBID p 198 1007
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008
IBID p 107 1009
IBID p 107 1010
Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos
atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu
cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila
ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash
tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash
ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o
terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo
impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes
consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de
suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz
manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes
hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu
cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo
sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente
consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
185
grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase
de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na
fase processual1011
Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da
imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado
Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais
satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012
Daiacute ser
necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal
uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do
direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013
Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator
do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente
para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o
mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal
estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado
processo penal1014
Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do
oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento
de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos
adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015
De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo
constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016
Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade
judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de
ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo
juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave
imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a
qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo
poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013
IBID p 231 1014
IBID p 198 1015
IBID p 202 1016
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107
186
jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio
acusatoacuteriordquo1017
Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes
E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um
magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de
admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de
convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da
accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e
Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o
processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a
admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das
garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos
desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de
preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e
extraordinaacuterio1018
Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a
consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de
Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma
dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019
sob pena de a imparcialidade restar
assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser
alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de
meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha
analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso
formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a
culpabilidade do acusado1020
1017
IBID p 107 1018
GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020
IBID p 231-232
187
Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no
acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das
garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da
estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame
de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a
investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular
durante a instruccedilatildeo criminal1021
Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais
adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do
processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam
revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de
garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos
colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022
Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo
preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o
princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023
1021
IBID p 232 1022
Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional
IBID p 232 1023
IBID p 232
188
CONCLUSAtildeO
A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter
acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos
durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que
dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e
imparcial
De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de
interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um
sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam
precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada
Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e
resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a
interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta
inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade
A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo
restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a
privacidade e a honra
Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve
ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e
excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor
consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados
Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de
forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada
189
mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo
confere tal prerrogativa
Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da
investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e
autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem
na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela
verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem
como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na
investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao
magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo
a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando
verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali
documentados
Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto
verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito
exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por
ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos
direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no
subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento
que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade
exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal
Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira
presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em
clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional
deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse
modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no
processo
Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo
criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa
190
mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a
possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior
perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de
imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da
justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se
consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso
abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador impotildee-se o seu afastamento do processo
A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema
brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo
A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs
encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do
ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da
sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a
ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso
concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de
meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final
Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que
institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o
responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute
apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o
distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos
elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao
modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode
dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e
garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos
direitos fundamentais
191
Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz
das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da
falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo
O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e
definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem
duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal
Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes
do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento
do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua
introduccedilatildeo em nosso ordenamento
192
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TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo
Saraiva 2009
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo
Paulo Saraiva 1993
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2003
VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito
processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez
Tavares Porto Alegre Fabris 1976
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez
Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003
_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-
2010
RESUMO
A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo
desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o
julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar
e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos
trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de
Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das
garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio
consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito
mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a
investigaccedilatildeo criminal
ABSTRACT
The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal
prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable
However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of
the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary
investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed
to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of
Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee
judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection
of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed
in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of
the judge from elements collected during criminal investigation
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7
2 As fases da persecuccedilatildeo 14
21 A fase judicial sentido e alcance 14
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25
31 Sistema acusatoacuterio 25
32 Sistema inquisitoacuterio 29
33 Sistema misto 32
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53
13 Devido Processo Penal 55
2 Direito de defesa 58
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77
4 A imparcialidade do juiz 81
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95
1 Consideraccedilotildees iniciais 95
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96
21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
123
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal
Brasileiro 139
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147
3 Atribuiccedilotildees 152
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
159
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo
penal166
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias 169
3 A escassez de recursos humanos e materiais 172
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181
6 Instacircncias recursais 183
CONCLUSAtildeO 188
BIBLIOGRAFIA 192
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido
reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais
atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em
decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista
a nova ordem constitucional vigente
A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance
Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento
histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente
da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao
Estado frente ao indiviacuteduo1
Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo
ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos
diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma
disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2
Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos
pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia
repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e
preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo
manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a
imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3
Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e
garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses
dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro
1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 21 2 IBID p 21
3 IBID p 19
2
mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem
garantismo4
Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito
penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de
outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais
assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo
penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir
eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos
direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o
contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos
outros
Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico
mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres
de Antonio Scarance Fernandes
Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do
sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois
interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu
poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus
direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6
Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute
a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar
os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da
persecuccedilatildeo penal7
4 IBID p 19
5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22
7 IBID p 21
3
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no
processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de
observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a
igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre
convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais
privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos
processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e
mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional
Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que
numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados
e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu
natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de
princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9
Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo
especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase
investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de
instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10
Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do
processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto
instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram
adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia
judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de
atuaccedilotildees11
8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob
o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 123 10
ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova
visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida
em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial
impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi
Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las
Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146
4
Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de
processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos
atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do
julgador durante a investigaccedilatildeo criminal
A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos
direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias
constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da
jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos
a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12
A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o
inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer
ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou
prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo
durante toda a persecuccedilatildeo penal
Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que
pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo
Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual
legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de
direitos e garantias fundamentais
Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por
exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o
juez de garantiacutea no Chile13
sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de
Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma
operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo
dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS
1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal
12
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 147 13
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89
5
De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de
um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo
orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um
magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do
cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal
O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da
proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro
Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a
primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado
democraacutetico de direito
Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as
caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio
inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria
cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais
adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado
estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos
No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido
processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos
analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das
garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como
imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente
relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais
sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos
O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo
preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
6
O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em
conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a
contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das
garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos
estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta
figura no ordenamento juriacutedico nacional
Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela
doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei
1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o
aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a
sua instituiccedilatildeo
7
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES
INICIAIS
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade
O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo
independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees
existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila
reciacuteprocas14
Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a
interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o
estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito
dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a
possibilitar o conviacutevio social
O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da
paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15
A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida
comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16
ldquoA
justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da
humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17
A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas
regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais
preciosos agrave condiccedilatildeo humana
14
JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares
Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15
IBID p 2 16
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto
Alegre Fabris 1976 p 03 17
IBID p 02
8
Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por
um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18
Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo
existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave
existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano
social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado
consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal
deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente
quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19
Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de
impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento
de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)
Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute
que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico
e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e
inclusive o proacuteprio delinquente20
Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito
penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria
finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e
protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo
de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de
18
ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal
Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-
23 19
ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de
otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los
que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado
Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios
menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho
Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos
sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al
margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las
penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el
afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal
ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes
posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes
instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20
ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi
Artes Graacuteficas 1984 p 07
9
uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21
Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que
possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem
que exista previamente o devido processo penal22
Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge
como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva
justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten
de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del
arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23
Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se
fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de
aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem
juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela
jurisdicionalrdquo24
Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias
partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e
principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam
reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e
desenfreadordquo passaria a cometer25
Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder
repressivo26
impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida
ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao
conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da
estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27
Logo
21
LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 05 22
IBID p 05-06 23
FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez
Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes
Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24
LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p
06 26
IBID p 06 27
LOPES JR Aury Sistemas p 07
10
ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima
para a imposiccedilatildeo da penardquo28
Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo
penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua
imposiccedilatildeo
O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade
do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina
nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se
denomina de principio de la necesidad del proceso penal29
De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade
penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um
delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus
efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a
imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida
por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em
face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30
Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado
assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais
materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem
pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao
caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por
meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash
nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo
por meio do processo)31
Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual
penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem
a garantia das formalidades processuais32
O direito processual penal eacute portanto o
28
IBID p 06-07 29
GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona
Bosch 1951 p 27 30
FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32
ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone
lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale
sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un
11
conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos
oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam
aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33
Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada
por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar
a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que
o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o
direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do
direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento
conforme as formalidades legais34
Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo
que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e
processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35
Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos
detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos
fundamentais36
Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do
indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o
direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como
corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue
positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo
tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37
diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto
o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino
Unione Tipografico 1967 p 85 33
ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente
sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta
allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p
84-85 34
MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p
04 35
LOPES JR Aury Sistemas p 06 36
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a
efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37
FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39
12
Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as
proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele
objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes
objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute
essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o
processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela
primeira38
A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito
entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39
Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo
penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo
mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao
contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de
equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca
justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e
obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40
Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica
do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de
forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o
processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e
concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas
de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os
fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41
Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave
eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases
destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos
38
FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il
processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di
repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit
p 224 39
FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41
13
Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena
somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo
que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para
desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute
denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o
fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo
funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi
constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42
O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento
de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio
criminis43
Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal
por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao
delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a
concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o
ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44
Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve
ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45
que por sua
vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e
decisoacuterio46
Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a
necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave
investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47
No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis
apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o
processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de
42
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44
IBID p 104 45
ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que
prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria
p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio
de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47
ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis
puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da
unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35
14
julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase
de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser
requerida a imposiccedilatildeo da pena48
2 As fases da persecuccedilatildeo
21 A fase judicial sentido e alcance
Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da
norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49
Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo
imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas
pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a
defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua
imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da
prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50
Para ele se
o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou
dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios
seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51
De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do
procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria
Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo
formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo
48
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50
ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA
1959 v1 p 13-14 51
IBID p 13
15
defensiva do acusado52
O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a
propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53
e que daacute
iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso
penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo
corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila
torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente
ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo
pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54
Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do
direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a
juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito
de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo
esclarecendo o que deseja e o que almeja55
O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo
punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual
teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56
Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a
procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -
propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57
O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva
52
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54
ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del
processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa
irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o
percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a
quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a
quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve
premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere
sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p
65 55
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56
IBID p 104 57
IBID p 104
16
decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz
um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo
criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir
a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58
Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui
justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo
judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59
De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo
histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o
Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de
ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo
privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria
prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa
instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60
Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia
apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada
por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61
Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a
acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo
impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o
acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem
claramente indicadas62
Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a
sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser
observadas
58
ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da
reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o
negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato
fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato
dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave
della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61
IBID p 105 62
IBID p 105
17
Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das
provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o
pretenso culpado63
Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas
partes ou determinadas pelo juiz64
Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de
atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova
as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65
Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica
limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias
praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do
delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave
instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que
pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido
anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas
particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam
impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na
fase proacutepria66
Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as
partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o
juiz em seguida67
A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos
anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam
persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68
Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se
prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo
sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69
dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica
63
Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias
proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e
pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos
peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65
IBID p 131 66
IBID p 132 67
IBID p 35 68
IBID p 147 69
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07
18
ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70
Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma
fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele
antecedente aparelhando-o71
Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do
Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia
sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente
deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo
colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de
investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo
penal72
O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo
preliminar
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance
Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa
provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim
termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73
Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de
Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os
efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo
suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio
audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74
Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
70
IBID p 07 71
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73
SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999
19
O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria
nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra
dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela
faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo
docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder
puacuteblico75
Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de
accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e
tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76
Ou seja a acusaccedilatildeo
prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo
penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato
aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo
bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77
De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo
preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os
postulados da instrumentalidade garantistardquo78
Isso porque uma vez que o processo penal
abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se
deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que
justifiquem o processo ou o natildeo-processo79
Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na
qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la
confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase
estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80
Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao
aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no
75
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 18 76
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77
SAAD Marta O direito p 22 78
LOPES JR Aury Sistemas p1 79
IBID p1 80
FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228
20
mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave
instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva
conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado
Estado81
Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a
expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem
estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito
penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual
penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82
Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe
pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos
poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83
Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades
desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis
com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a
apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a
fundamentar o processo ou o natildeo-processo84
Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da
persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85
que tem iniacutecio independentemente de sua
forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado
que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86
Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e
informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a
deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87
e tem como objeto por
sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve
81
SAAD Marta O direito p 22 82
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84
LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86
IBID p 107 87
IBID p 115
21
ou natildeo propor a accedilatildeo penal88
A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como
objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito
Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a
demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido
diverso89
A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu
competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal
privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo
objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e
predestinadas ao insucesso90
De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como
procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como
finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de
natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo
ter contra si um processo penal91
Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar
preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas
precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo
criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com
o passar do tempo92
A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio
dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia
bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de
88
IBID p 115 89
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites
constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90
IBID p 60 91
SAAD Marta O direito p 131 92
IBID p 131-132
22
tempo e de trabalho93
Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como
finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio
contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94
propiciando elementos e uma
base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95
Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a
comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96
Isto eacute deve-se
reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime
mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro
portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do
delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97
Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a
funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias
se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de
probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de
arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a
impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado
por processar um inocenterdquo98
Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite
falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito
passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e
juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem
acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99
A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para
93
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94
IBID p 17 95
SAAD Marta O direito p 23 96
ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione
avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97
ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato
ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non
di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a
stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98
LOPES JR Aury Sistemas p 47 99
IBID p 332
23
contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito
passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100
Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra
acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou
preacutevia
Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten
preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer
desaparecerrdquo101
Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer
surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por
vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o
acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da
investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas
diligecircncias102
No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo
preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e
fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo
do processordquo103
A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume
distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que
tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104
Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal
em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105
que por sua
vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a
ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando
os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de
100
IBID p 40-41 101
FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102
SAAD Marta O direito p 24 103
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104
LOPES JR Aury Sistemas p 45 105
Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee
de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria
24
prova106
Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por
um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees
precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos
colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua
que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a
condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla
defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo
em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no
convencimento do julgador107
Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a
crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo
do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o
julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do
inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi
produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do
julgamento108
A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em
essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do
processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados
repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por
isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez
com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse
diferentes regulamentaccedilotildees109
com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado
A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo
criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo
seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de
1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de
106
SAAD Marta O direito p 25 107
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 139-140 109
IBID p 74-75
25
Processo Penal de 1941
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais
31 Sistema acusatoacuterio
Primeiro sistema processual concebido110
o sistema acusatoacuterio guardadas as
especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e
na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111
De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de
llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112
Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal
baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto
maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113
Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as
funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da
prova114
110
ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio
Op cit p 65 111
ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la
Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho
romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho
Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No
mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria
florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente
nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El
proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila
desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de
jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho
ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano
e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO
FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112
MAIER Julio B J Op cit p 206 113
TONINI Paolo Op cit p 26 114
ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base
26
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina
acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e
o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo
sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate
contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115
Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio
ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il
giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice
decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti
limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la
carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116
Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um
aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um
oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo
de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o
tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o
processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e
contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo
havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila
resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos
julgadores117
al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da
interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni
processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si
rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115
ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto
pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la
acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral
y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116
TONINI Paolo Op cit p 26-27 117
MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute
27
Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade
doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute
inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo
equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118
Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do
sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do
processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel
autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do
outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente
equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119
O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia
conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo
acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente
inquisitoacuteriordquo120
Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no
sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo
de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da
proacutepria acusaccedilatildeo121
Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo
implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria
sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem
niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao
ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo
vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do
julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e
a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf
ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se
ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por
el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el
tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a
otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten
de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de
un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra
parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio
B J Op cit p 207 120
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o
Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium
set 2000
28
investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os
seus termosrdquo122
Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na
fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase
preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador
externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos
ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123
Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute
caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a
cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria
de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se
veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz
Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde
imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute
propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124
De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas
no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais
como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees
domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz
que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento
investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso
em seu desfavor125
122
ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial
CPP ago-2010 123
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146 124
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125
IBID p 73
29
32 Sistema inquisitoacuterio
O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte
juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash
e na Europa sobretudo a continental126
durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127
Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as
circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no
seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra
da Igreja128
Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios
decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao
procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129
O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz
iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou
a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130
Foi
trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como
um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram
em instrumento de dominaccedilatildeo131
A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central
absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da
soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132
O iacutenfimo valor da pessoa humana
126
ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra
ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y
perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten
laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p
210 127
ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho
germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el
siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista
histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de
los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los
ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de
procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131
IBID p 94 132
Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema
inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por
30
frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um
mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que
seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se
extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos
delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica
com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133
De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema
processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las
pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten
excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134
Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento
penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave
egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo
delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il
giudicerdquo135
elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia
il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice
decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle
prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136
Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos
de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma
uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137
Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)
a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca
exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133
MAIER Julio B J Op cit p 209 134
FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135
O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a
verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees
processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136
O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para
a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder
procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea
(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y
decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y
misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210
31
que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o
poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo
mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um
sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e
descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto
eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo
da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de
recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138
Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente
decorativo da defesa139
A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em
caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140
Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance
Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda
historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia
Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados
levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o
acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio
de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141
Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se
vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o
processo
Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica
138
MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140
MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo
processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de
liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees
de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio
o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o
acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito
Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se
transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO
Fernando da Costa Op cit p 94 141
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78
32
essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao
magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o
autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos
os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash
mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em
qualquer de suas fases142
Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio
adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse
puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade
passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima
instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a
ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143
Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da
produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144
Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo
processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel
distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos
colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente
aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145
33 Sistema misto
O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146
O sistema
142
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO
Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro
Renovar 2001 p 24 143
SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no
sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris
Editor 2005 p 45 144
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 145
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146
FLORIAN Eugenio Opcit p 66
33
inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que
havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code
dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147
O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e
ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram
por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do
Iluminismo148
Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao
sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e
conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo
dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do
sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149
razatildeo pela qual eacute este
tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150
Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na
impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151
Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de
processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam
elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior
parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o
Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois
sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do
acusado152
Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute
predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que
147
IBID p 66-67 148
MAIER Julio B J Op cit p 218 149
IBID p 213-214 150
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151
ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar
a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia
de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las
otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152
ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della
storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio
Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del
1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal
crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27
34
sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153
In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa
dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia
dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore
listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o
il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla
richiesta di rinvio a giudizi154
Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio
entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155
La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai
seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte
gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure
eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156
Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado
ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande
parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele
ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso
153
IBID p 27 154
A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema
inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de
pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a
denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155
IBID p 27 156
A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as
perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do
julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27
35
durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria
francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no
sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo
predominante na Europa continentalrdquo157
Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi
inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158
O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados
por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas
com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da
acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste
especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do
acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com
base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159
Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que
ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)
instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs
etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar
se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas
primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de
forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a
pessoas distintas160
Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada
157
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158
IBID p 42 159
ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el
primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad
del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal
judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado
antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del
Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el
juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la
presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del
acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit
p 214-215 160
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96
36
ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em
determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria
dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de
direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser
considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a
culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os
interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe
outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo
preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta
de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um
procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo
procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou
condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas
por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees
satildeo recorriacuteveis161
Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute
entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes
havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute
necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica
de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162
Essa
investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e
precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou
promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163
161
MAIER Julio B J Op cit p 215 162
No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual
incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance
Teoria p 79 163
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74
37
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO
PROCESSO
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo
Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes
sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal
sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes
que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram
gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do
desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo
criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de
peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa
Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que
garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal
intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-
Estado164
Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista
impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade
Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto
normas desse teor165
Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil
pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de
reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees
necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166
Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as
164
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 11 165
SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
170 166
GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense
Universitaacuteria 1990 p13
38
Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de
determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da
prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio
constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia
do contraditoacuterio e da ampla defesa167
Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual
foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a
Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de
regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168
formando-se da uniatildeo
dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um
conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro
A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e
redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos
direitos humanos169
institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no
Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos
fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como
o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170
Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo
expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula
geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros
decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171
Portanto aleacutem dos direitos e
garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela
adota
Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para
se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave
167
IBID p13-14 168
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua
estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010
p 190 170
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 24 171
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106
39
atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores
democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172
Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de
plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma
ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que
inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento
soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua
vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a
separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo
inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173
Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as
guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas
garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de
respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174
Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia
da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre
processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de
princiacutepios e regras de direito processualrdquo175
o que leva ao desenvolvimento de estudos
especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional
Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel
Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolverdquo176
De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a
ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais
colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento
172
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 08 173
IBID p 08- 09 174
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175
IBID p 15 176
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel
Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84
40
juriacutedicordquo177
transformando o processo em garantia da liberdade
Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro
apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto
dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado
contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178
O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e
Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios
constitucionais do processo179
rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute
viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180
A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal
constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181
Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais
do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a
natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria
Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo
penal182
de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de
inconstitucionalidade material
Entretanto ressalta Grinover
Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que
satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel
constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler
as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar
a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos
legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 85 180
IBID p 85 181
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 48
41
interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em
conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo
constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo
possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e
aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183
Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser
vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de
igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para
alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184
Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos
valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente
dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado
processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves
liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja
estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se
extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado
modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e
liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para
sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento
histoacuterico para um ou para outro lado185
Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal
constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja
feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e
sob a perspectiva dos direitos fundamentais
Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular
da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos
183
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185
IBID p 14
42
se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186
Assim
apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa
passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do
investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais
esclarecida187
O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular
de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188
De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular
de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos
e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos
simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189
Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na
persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando
tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios
inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um
processo penal mais justo190
Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem
obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da
dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo
de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional
do direito processual penal191
Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado
assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o
Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em
nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192
-193
186
IBID p 07 187
IBID p 07 188
SAAD Marta O direito p 205-206 189
IBID p 206 190
BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do
processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191
IBID 192
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp
Outubro 1999
43
Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na
medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na
liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente
fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo
sistema repressivo194
Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as
garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser
consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila
investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo
Estado na liberdade individual195
atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos
dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do
valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como
sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma
acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196
Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez
o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos
valores seguranccedila e liberdade197
sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de
soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198
Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo
criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi
Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal
garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma
forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199
Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo
193
Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da
Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno
RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194
SAAD Marta O direito p 07 195
IBID p 07-08 196
SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash
2006 197
SAAD Marta O direito p 12 198
IBID p 12 199
IBID p 15-16
44
criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica
de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz
das garantias objeto do presente estudo
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica
O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute
invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas
origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta
particularmente o artigo 39 deste documento200
Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta
Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos
medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita
e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a
determinados homens201
Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei
que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de
constitucionalismo do seacuteculo XVIII202
Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a
do artigo 39
ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or
exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon
him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo
200
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra
Almedina 2000 p 480 201
GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 1973 p 23 202
IBID p 24-25
45
De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem
duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-
americana203
No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido
processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou
respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204
Assim qualquer
restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by
the law of the land205
A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que
na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a
expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica
mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206
Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada
pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual
ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State
or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or
imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by
the due process of lawrdquo207
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a
poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua
203
IBID p 25 204
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205
IBID p 184 206
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25
46
extensatildeo a todos208
De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas
expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the
landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente
limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209
Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of
lawrdquo satildeo usados como equivalentes210
Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi
sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que
invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a
interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law
transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente
agrave ideia moderna211
O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e
posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para
a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila
vinculante para todos os poderes do Estado212
A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos
Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens
satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca
da felicidade213
A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como
emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214
e especialmente quanto agrave claacuteusula do due
process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida
208
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209
IBID p 184 210
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211
IBID p 25 212
IBID p 26 213
IBID p 27 214
IBID p 27
47
ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous
crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases
arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time
of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be
twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to
be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without
due process of law nor shall private property be taken for public use without just
compensationrdquo
Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra
abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos
oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder
estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV
foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215
Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda
All persons born or naturalized in the United States and subject to the
jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they
reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or
immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person
of life liberty or property without due process of law nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the laws
Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave
afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser
tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda
atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216
215
IBID p 28 216
IBID p 29
48
Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como
um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio
exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica217
De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due
process of law pode sintetizar-se da seguinte forma
ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de
um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da
liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto
na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade
Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido
por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees
criminais particularmente gravesrdquo218
A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito
inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado
de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado
privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219
A accedilatildeo do
Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae
sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo
penal220
Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo
devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das
normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o
processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso
217
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218
IBID p 481 219
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220
IBID p 185
49
devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na
constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221
Segundo
o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o
direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo
legal dos mesmos processosrdquo222
Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de
que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da
consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223
uma vez que justiccedila e due
process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se
conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224
Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm
conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum
standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias
especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225
Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a
projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de
lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-
sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo
em uma perspectiva histoacuterica226
A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento
constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo
Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo
histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do
amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de
reasonableness227
Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do
221
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222
IBID p 481 223
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224
IBID p 34 225
IBID p 34 226
IBID p 35 227
IBID p 35
50
ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei
natildeo eacute suficiente228
Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das
formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades
legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo
estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas
regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229
Por fim leciona o autor
Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o
proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no
substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso
devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230
Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como
justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo
ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231
Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do
processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou
propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos
fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja
feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232
Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois
uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e
adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e
propriedade dos particulares233
Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser
materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso
228
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229
IBID p 185 230
IBID p 185 231
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232
IBID p 482 233
IBID p 482
51
devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-
legislativardquo234
Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam
alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em
processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do
processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e
pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo
Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235
Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria
exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e
punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a
ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236
Agraves autoridades legiferantes
deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da
propriedade das pessoas237
Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo
por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre
substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem
juriacutedica238
Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute
nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo
(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo
procedimentalrdquo)239
Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua
liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial
processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no
momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e
234
IBID p 482 235
IBID p 482 236
IBID p 482 237
IBID p 482 238
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239
GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185
52
injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240
Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo
legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos
limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de
direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de
modo discricionaacuterio ou imprudente241
Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer
obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242
Desse
modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as
formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria
configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando
ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o
princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras
formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico
subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto
processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244
de relevacircncia crucial
para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como
para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245
Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no
processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos
privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas
240
IBID p 185-186 241
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242
IBID p 38 243
IBID p 38 244
Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente
declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias
satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias
ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a
declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos
consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva
seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela
norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais
se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf
ed Satildeo Paulo p 411 245
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187
53
tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo
processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246
Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui
segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido
processo legal
Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se
de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem
suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a
formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena
possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da
imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247
Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser
entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como
garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro
A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o
conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para
assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa
246
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247
IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini
DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes
como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes
de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo
54
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a
partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar
que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de
status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional
(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional
(legalizaccedilatildeo)248
A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa
conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249
Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras
normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure
toda a disciplina do assunto250
conservando a foacutermula norte-americana dos direitos
impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta
Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados
ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251
Em
seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252
No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de
citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem
ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil
em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo
Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253
Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que
como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas
como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos
humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e
248
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249
IBID p 189 250
IBID p 191 251
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 91 252
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253
IBID p 189
55
benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254
13 Devido Processo Penal
O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a
natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto
normativo respectivo255
No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente
as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma
pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de
um devido processo criminal256
Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute
mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e
que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis
processuais que o disciplinamrdquo257
Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave
sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos
corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258
tratando-se
por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo
Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como
instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a
necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259
Segundo a autora ldquoa dicotomia
defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no
juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque
254
IBID p 187 255
IBID p 187-188 256
IBID p 187-188 257
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258
IBID p 69 259
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo
Paulo Saraiva 1976 p 27
56
de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260
Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser
reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261
sendo necessaacuterio que o processo proporcione
verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo
de suas provas262
Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o
processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo
do ldquodevido processo legalrdquo263
Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as
imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de
prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de
jurisdiccedilatildeo264
Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art
5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo
envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe
garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos
agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num
prazo razoaacutevel265
As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem
no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas
assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266
Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes
mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267
Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo
estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo
260
IBID p 27 261
IBID p 25 262
IBID p 25-26 263
IBID p 26 264
IBID p 26 265
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 76 266
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267
FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo
Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio
Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo
Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192
57
jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268
isto eacute os textos constitucionais procuraram
assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa
do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas
Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas
seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em
mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)
da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos
a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos
atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)
da legalidade da execuccedilatildeo penal269
Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo
natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do
devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e
incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto
de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da
justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de
seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270
E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos
fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio
criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e
haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave
jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine
iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou
definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine
titulo)271
Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser
assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio
no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a
268
IBID p 192 269
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270
IBID p 71 271
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 62
58
atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo
julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente
elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido
como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo
razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de
reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis
ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela
inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo
reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em
julgado a sentenccedila condenatoacuteria272
Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma
ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273
Isso indica desde logo que o ldquojustordquo
processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em
princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei
objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um
conflito de interesses274
No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas
satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador
comum275
Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias
Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que
entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem
relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador
2 Direito de defesa
O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a
272
IBID p 62 273
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274
IBID p 189 275
IBID p 189
59
garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e
recursos a ela inerentes
A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado
eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276
Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual
Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees
anteriores277
Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278
1891 art 72 sect 16279
1934
art 113 n 24280
1937 art 122 n 11 segunda parte281
1946 art 141 sect 25282
1967 art
150 sect 15283
e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa
como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em
1937 e 1946284
Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de
que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada
com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo
judicial ou administrativo285
Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria
justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente
276
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 203 277
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 253 278
Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras
Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel
que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao
Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279
Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios
essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente
com os nomes do acusador e das testemunhas 280
Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281
Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela
autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria
asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282
Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela
desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das
testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283
Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute
foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285
IBID p 253
60
defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o
alcance de uma soluccedilatildeo justa286
O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de
interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa
agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso
de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287
A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo
atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da
defesardquo288
traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo
que proporcionam maior efetividade agrave garantia
Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da
imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da
produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa
teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)
a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289
Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da
ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais
distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da
audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida
(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290
A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a
ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo
pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo
razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo
do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291
286
IBID p 260 287
BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla
defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289
IBID p 110 290
TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
61
Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio
autodefesa - defesa teacutecnica292
Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees
pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam
assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa
colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293
A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294
) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
(artigo 82d295
) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia
sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos
processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre
e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296
Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que
expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado
pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no
intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297
A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de
manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298
ambas
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292
BATALHA Sergio Fedato Op cit 293
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla
defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a
autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos
sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN
Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo
RT 2000 p 210 294
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297
IBID p 221 298
IBID p 221
62
devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299
como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300
Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal
que assegura ao preso301
o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser
conciliados302
O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia
muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o
sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a
atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do
interrogatoacuterio303
Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar
nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o
imputado304
Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de
contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo
singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305
Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais
internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306
e 82e307
)
299
ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as
seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300
Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se
comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves
seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se
culpada () 301
Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo
somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem
de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais
grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2005 p 238 302
IBID p 238 303
IBID p 242 304
IBID p 242 305
IBID p 237 306
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307
Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado
remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear
defensor dentro do prazo estabelecido pela lei
63
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308
) e
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309
)
Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto
constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()
sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo
Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia
de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o
tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo
nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)
Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e
acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via
de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal
em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310
A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem
de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta
apuraccedilatildeo do fato311
Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente
indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da
paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e
consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312
Isso porque ldquoquanto mais atuante
e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313
Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da
defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu
308
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309
Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311
IBID p 234 312
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234
64
pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado
de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314
Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a
necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute
processado ou julgado sem defensorrdquo
Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de
garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o
direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute
considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315
Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que
natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer
para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316
Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da
defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao
silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a
ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o
desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos
acusados em geral inclusive nos processos administrativos
A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada
como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318
Isso porque a expressatildeo
usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser
314
GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316
IBID p 268 317
GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
65
compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido
amplo319
Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de
incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de
maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320
Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado
pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo
penal321
Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como
ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de
persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322
- portanto uma vez que se
trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323
Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma
constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa
constitucional324
A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da
dignidade da pessoa humana325
Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de
processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio
de processo penal326
Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional
no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em
processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho
para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327
319
IBID p 251 320
SAAD Marta O direito p 367 321
BATALHA Sergio Fedato Op cit 322
Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o
policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323
SAAD Marta O direito p 367 324
BATALHA Sergio Fedato Op cit 325
IBID 326
IBID 327
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
66
Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal
bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a
incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328
Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo
um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329
sobretudo
aqueles decorrentes do direito de defesa330
Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de
investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331
A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da
pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser
reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo
temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a
apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das
comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de
atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332
Tudo isso vale ressaltar independe do
estabelecimento de contraditoacuterio333
Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status
de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser
tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334
328
IBID p 250-251 329
MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel
em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330
ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas
corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo
reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a
crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta
Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo
com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa
fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo p 235 331
ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo
preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a
possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332
IBID p 366 333
SAAD Marta Exerciacutecio 334
ID O direito p 366
67
Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do
inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser
considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher
defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o
envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento
apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335
O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo
imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336
Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a
ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do
inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337
Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma
ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as
acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em
silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua
inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338
A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do
acusado339
De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa
manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de
maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de
atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou
alegando negativas de autoria e de materialidade340
De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total
omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341
335
TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto
Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de
registro 12022001 336
SAAD Marta O direito p 202 337
ID Exerciacutecio 338
ID O direito p 367 339
IBID p 368 340
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341
IBID p 237
68
podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342
Natildeo apenas
pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima
contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343
podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo
simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344
A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa
constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do
acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345
Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida
por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de
complementaridade
Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica
com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a
teor do artigo 14 do CPP346
poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas
ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com
assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos
interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347
Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor
interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da
poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348
O sigilo do inqueacuterito
policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a
quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349
Consagrando tal
prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o
seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo
aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado
342
Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela
ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p
368 343
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344
SAAD Marta O direito p 368 345
IBID p 202 346
Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que
seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347
SAAD Marta O direito p 202 348
IBID p 369 349
IBID p 369
69
por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito
de defesardquo350
Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do
interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo
deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente
impraticaacutevel ou inuacutetil351
Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal
possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de
elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352
No entanto no
intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo
deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353
Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de
provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser
proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e
tempestivamente sua defesa354
Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja
garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida
por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao
Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio
defensor355
Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de
resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da
sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a
condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa
350
O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos
autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o
defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351
SAAD Marta O direito p 369 352
FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial
Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353
IBID 354
SAAD Marta O direito p 200-201 355
IBID p 368-369
70
no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem
evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356
ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos
fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade
policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de
diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos
constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm
a ganhar357
Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se
precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358
Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da
desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser
respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia
Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359
eacute o da presunccedilatildeo de
inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso
LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de
sentenccedila condenatoacuteriardquo
356
IBID p 204 357
ID Exerciacutecio 358
IBID 359
ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou
trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus
Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo
de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p
11
71
Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo
de natildeo culpabilidade360
esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao
ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo
sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361
As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do
Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da
common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na
Magna Carta362
Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo
dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant
preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes
necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo
a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no
periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363
de proteccedilatildeo dos direitos
humanos364
Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a
presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos
textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo
constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366
isto eacute o legislador
constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica
360
ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de
inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila
constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo
tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo
iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de
inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363
ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa
fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa
tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser
considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua
culpardquo (CADH art 82) 364
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355
72
clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e
igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de
regimes despoacuteticosrdquo367
Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um
processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368
Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio
informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo
de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os
valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369
Trata-se pois de
ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa
humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo
criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370
Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito
em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva
no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-
se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma
sentenccedila fundamentada371
Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de
inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende
um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele
denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria
probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372
373
367
IBID p 355 368
IBID p 358 369
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em
homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da
presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a
ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a
condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento
diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a
fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373
ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma
probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de
73
A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o
acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374
Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio
regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute
possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente
sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375
Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal
satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o
reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas
acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o
direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376
E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura
tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes
do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva
de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377
Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas
antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e
desde que fundadas em fatos concretos378
Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o
teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam
adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo
como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou
outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi
definitivamente julgado como autor de um crime379
inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide
de Presunccedilatildeo p 462 374
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376
GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA
Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo
Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12
74
A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no
Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente
em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380
Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se
tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando
pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se
compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como
uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como
inocente382
assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria
somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383
Sua abrangecircncia e acircmbito de
proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto
Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica
orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e
finalmente o que deve ser provado384
Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da
condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade
probatoacuteria385
Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a
presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se
encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386
Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a
inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu
conteuacutedo387
380
IBID p 12 381
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383
IBID p 427 384
IBID p 462 385
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386
IBID p 226 387
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538
75
Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e
subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu
o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388
Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal
informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute
que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de
demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material
probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha
conteuacutedo incriminador390
Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo
deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do
imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame
do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia
da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma
juriacutedica mais adequada ao caso concreto392
Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova
suficiente da culpabilidade393
Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova
segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave
absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas
provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no
momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394
A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar
convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a
direitos do imputado395
Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados
388
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal
Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391
IBID p 538 392
IBID p 462 393
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394
IBID p 11 395
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539
76
na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir
orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no
ldquoin dubio pro reordquo396
que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou
manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397
Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de
inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de
um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees
como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado
pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de
alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes
investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no
acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo
judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a
ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398
Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus
aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes
ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da
pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a
396
IBID p 539 397
ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees
empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser
resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo
tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana
e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo
por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo
de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo
axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao
caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a
lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas
possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente
ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais
Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)
e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum
causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo
caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel
abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187
77
relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia
agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o
necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja
dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa
(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente
com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo
e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma
decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se
possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave
dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399
Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema
processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e
assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo
a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal
Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da
presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo
de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal
- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar
via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento
indiscutiacutevel de sua culpa
Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando
leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior
399
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400
IBID p 358
78
relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do
mero suspeito como culpado401
Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia
consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase
investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema
instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico
mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402
Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica
imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos
de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403
Jaacute
nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo
dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos
estatais404
ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo
de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405
Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser
humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de
sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406
Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de
tratamento do investigado407
aspecto mais significativo nessa fase investigativa408
401
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio
da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra
Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora
2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que
posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el
derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o
anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con
influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de
inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403
Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se
inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de
atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o
primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo
preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404
IBID p 492 405
IBID p 492-493 406
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493
79
Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado
que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409
Refere-se desse
modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito
policial410
e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash
o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja
intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de
direito411
Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento
dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de
um juiacutezo de culpabilidade412
Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo
apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor
mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o
imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413
Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as
medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo
podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414
Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de
inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415
ldquoA defesa teacutecnica garante que o
imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de
profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia
assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o
intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir
prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416
409
IBID p 493 410
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412
Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos
humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA
Ana Lucia Menezes Processo p 172 413
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414
ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio
(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416
IBID p 494
80
Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo
haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo
tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417
Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a
prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo
telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos
incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418
A presunccedilatildeo de inocecircncia exige
um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor
dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos
para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419
Em outros termos nenhum elemento
probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os
ditames da lei420
Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos
qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo
formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421
Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como
ldquonorma de juiacutezordquo422
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem
ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos
incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa
legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a
denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase
persecutoacuteriardquo423
Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes
decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser
orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424
Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar
havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido
417
IBID p 494 418
IBID p 494 419
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e
na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado
Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422
IBID p 494 423
IBID p 494 424
IBID p 494
81
pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja
como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425
4 A imparcialidade do juiz
A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado
genuinamente Democraacutetico de Direito426
Constitui indubitavelmente uma das mais
importantes garantias do devido processo criminal427
Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz
imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o
assegura428
Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante
um julgador parcialrdquo429
Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o
bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz
imparcial430
Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de
qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431
Assim natildeo seria possiacutevel
imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um
juiz equidistante das partes processuais432
Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um
juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando
eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do
proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a
425
IBID p 495 426
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa
imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique
Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz
nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em
httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429
IBID 430
IBID 431
IBID 432
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140
82
imparcialidade do juiz433
Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a
previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes
pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa
manifestar a imparcialidade434
(CF art 95 caput)435
Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute
suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para
decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute
exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a
quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436
Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente
intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437
(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438
Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de
suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439
(arts 252 e
seguintes440
) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de
433
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435
Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida
apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o
juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade
salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado
o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436
ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al
decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la
uacutenica ni es por ello suficiente436
Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo
la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa
situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op
cit p 484 437
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438
Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou
funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em
processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios
ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei
V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440
Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou
advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio
houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz
de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou
diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os
83
impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a
assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de
cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441
Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia
constitucional impliacutecita442
Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente
o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de
direitos humanos como veremos a seguir
O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo
imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas
internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito
em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal
independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos
Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa
forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis
preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo
81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443
(ldquoToda pessoa tem direito a ser
ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal
competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de
juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das
partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou
descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia
III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda
ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer
das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista
ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de
parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo
descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o
padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute
ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442
De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica
ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto
da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais
preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo
GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo
Malheiros 2006 p 144 443
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja
promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992
84
qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos
ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do
artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444
(ldquo Toda a
pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal
competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de
qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos
seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)
Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445
identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano
tutelado por diversos documentos internacionais446
donde se depreende que ldquotodo acusado
tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma
diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser
aplicadardquo447
De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode
ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do
processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e
especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes
conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em
conflitordquo448
Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser
compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota
indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida
como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas
sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se
depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449
444
Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento
juriacutedico nacional 445
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
citp 51 446
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 2001 p 37 449
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de
85
Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de
legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450
Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face
do caso concreto451
ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses
subjetivos de quaisquer das partes processuais452
Impotildee-lhe por conseguinte atuar como
um ldquoobservador desapaixonadordquo453
exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e
sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter
processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454
Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em
conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso
agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar
regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455
Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a
independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de
modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder
Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo
garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo
especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre
imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en
princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456
Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige
seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457
permitindo com
garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450
IBID p 236 451
AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales
Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453
CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires
Bibliografia Argentina 1945 p 27 454
AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456
MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral
do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p
11
86
isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob
qualquer pretexto a nenhuma das partes458
Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que
exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave
atividade das partes processuais459
Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o
juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer
com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460
Eacute inadmissiacutevel pois pretender
que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha
uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461
Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido
em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma
constante troca de valores e experiecircncias462
Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo
utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o
meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no
contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo
quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar
A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da
sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma
postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas
na controveacutersia judicial463
Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual
apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo
penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das
partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave
458
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459
IBID p 11 460
OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel
em httpwwwibccrimorgbr 461
ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462
HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p
27-41 463
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113
87
realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos
princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464
Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser
julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma
relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional
uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos
deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o
exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles
inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465
Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo
do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a
obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466
o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute
natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467
Assim uma anaacutelise mais
minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas
convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes
internacionais468
Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem
sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo
por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack
vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade
objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto
subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto
e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir
qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469
464
IBID p 113-114 465
IBID p 115 466
LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468
IBID 469
ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to
ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is
determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH
88
Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se
pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade
subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando
por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de
amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode
resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do
processo470
Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de
convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante
do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute
demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva
consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel
duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471
Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma
determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o
que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a
averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam
contaminar o julgamento472
Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em
um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que
possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso
posto a julgamento473
Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo
que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua
Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo
sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined
according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given
case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees
sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined
whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts
as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint 470
AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo
Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473
IBID p 110
89
imparcialidade474
Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo
natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475
A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia
de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na
causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave
condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que
natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo
preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica
da lide por decidir476
Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume
especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento
firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser
resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade
democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta
imparcialidade477
Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de
ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478
Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente
imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute
necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz
objetivamente imparcial479
474
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de
Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475
IBID p 126 476
STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar
Peluso em voto-vista j 11112008 477
Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality
must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic
societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em
httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of
whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the
confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as
criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de
26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria
sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila
de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de
28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479
IBID
90
Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito
mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480
Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial
natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente
comprometido com uma das partesrdquo481
Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser
imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu
ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute
ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como
injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482
De acordo com o ditado inglecircs citado no caso
Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be
donerdquo483
Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente
comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto
do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo
justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar
A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que
se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo
Tribunal Europeu de Direitos Humanos
480
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482
IBID 483
ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one
refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may
allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v
Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484
LOPES JR Aury Direito hellip p 126
91
No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas
para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute
em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade
democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo
pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de
parcialidade485
natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante
Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva
a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado
havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele
Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o
magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia
consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486
Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do
investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo
determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior
com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada
no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de
485
ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw
What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In
order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be
taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos
department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his
duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer
sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982
disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486
ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage
the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly
detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is
quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to
play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to
weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the
Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself
has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary
investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the
bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the
force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a
restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental
principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the
provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society
within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984
disponiacutevel em httphudocechrcoeint
92
investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487
Isso porque a investigaccedilatildeo
encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo
temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de
sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees
telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos
ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees
referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime
e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas
medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um
prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da
causardquo488
Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489
Numa primeira
etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter
atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo
realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua
imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da
imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato
praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490
Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial
afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte
Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso
concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem
inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser
julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para
eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe
julgar491
Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que
487
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488
IBID 489
IBID 490
IBID 491
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237
93
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato
criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois
ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no
Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que
justificam o temor pela perda da imparcialidade492
Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a
examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento
juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de
um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da
investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente
causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status
libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras
de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de
alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do
arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493
Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao
investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar
pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida
restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado
antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do
suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional494
Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a
forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente
considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode
acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente
492
IBID p 238 493
IBID p 239 494
IBID p 239-240
94
duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo
mesmo juiz495
Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que
acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos
durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e
consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa
O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo
penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a
privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante
a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo
responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e
dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a
investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela
atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa
questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo
Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo
magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro
Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma
abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo
criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
495
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito
95
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
1 Consideraccedilotildees iniciais
Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma
apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia
material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou
participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele
termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de
ser submetido a processo penal
Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo
Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas
e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a
justiccedila penal
Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma
garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso
envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees
a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um
julgamento por juiz imparcial
Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se
restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo
Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa
natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado
por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado
Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo
criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos
processuais historicamente ultrapassados
Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao
96
julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela
legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias
essenciais
Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento
juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de
compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado
Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa
legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa
Carta Poliacutetica496
Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico
21 As Ordenaccedilotildees do Reino
As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de
seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de
Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497
Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas
sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que
foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de
Processo Penal Imperial) e republicanas498
Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos
496
ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no
Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498
SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27
97
paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no
sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499
Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos
juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500
O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado
socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501
Notava-se no
processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento
inquisitorial502
Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito
Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas
inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto
de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da
suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503
Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia
a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do
acusado e de forma secretardquo504
Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e
o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois
na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505
A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve
como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim
acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506
499
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500
IBID p 78 501
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas
Bastos 1959 p 112 502
MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503
PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi
1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os
processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de
denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das
querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p
115 504
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505
IBID p 102
98
A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos
almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham
como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante
os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos
bairros)507
Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes
especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de
investigaccedilatildeo dos crimes508
Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se
principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees
devassas509
Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela
primeira vez no direito portuguecircs510
Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior
profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram
aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia
Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte
o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre
diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511
Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos
baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e
despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras
processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees
devassasrdquo512
No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os
procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos
e particulares513
506
IBID p 112 507
IBID p 120 508
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63
99
O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees
de querelas e de denuacutencias514
Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que
se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas
Ordenaccedilotildees Filipinas515
A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida
Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da
pronuacutencia516
Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da
cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de
devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo
judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a
pronuacutencia517
Assim era pois formada a culpa
A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito
tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos
culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os
instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes
graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o
julgamento518
Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram
diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519
As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes
comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas
que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas
especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520
As
devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as
especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro
de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia
ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e
514
IBID p 65 515
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517
IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519
IBID p 64 520
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133
100
ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas
especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros
comissionados para isso521
As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas
inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem
reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de
prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia
a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim
desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as
devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou
que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem
consideradas judiciais agrave sua revelia522
A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato
criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente
autordquo523
Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher
entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524
Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou
quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir
procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e
que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e
pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua
falta525
A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime
puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526
e soacute podia ser utilizada nos casos de
devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527
521
IBID p 133 522
IBID p 134 523
IBID p 134 524
IBID p 134 525
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526
IBID p 67 527
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135
101
Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por
moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos
juiacutezes da terra528
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de
novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves
garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529
A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo
de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa
e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e
mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio
do povo e naccedilatildeordquo530
O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a
independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de
marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo
sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531
substituindo assim as
perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532
Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos
brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios
garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide
do Livro V das Ordenaccedilotildees533
A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI
Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534
528
SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529
SAAD Marta O direito p 29 530
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531
SAAD Marta O direito p 27 532
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533
IBID p 117 534
Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim
no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados
pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que
102
e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram
eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das
atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535
Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827
instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do
Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz
atribuiccedilotildees policiais preventivas536
e repressivas537
Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz
eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este
era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo
do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz
criminal538
Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a
formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a
qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava
para a prisatildeo do acusado539
Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as
determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540
A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto
as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo
de Processo Criminal de 1832541
todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que
a Lei determinar 535
Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo
algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira
por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536
ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-
los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em
outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os
vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar
as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537
Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada
(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538
SAAD Marta O direito p 28 539
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540
ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a
qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo
IBID p 121 541
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
103
Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham
enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e
formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542
que despontava como a base
da acusaccedilatildeo543
Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas
atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder
como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do
crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544
O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a
primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545
enquanto a segunda dispunha acerca da
forma do processo ou procedimento
No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute
observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546
visto que o chefe de poliacutecia
era tambeacutem um juiz de direito547
A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda
transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo
de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548
ldquoAs
querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias
liberais foram incorporadas agrave leirdquo549
As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem
diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no
542
Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentesrdquo 543
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o
futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo
ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544
SAAD Marta O direito p 31 545
Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias
dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e
cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de
quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico
(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que
poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o
chefe de poliacutecia 546
Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo
haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547
SAAD Marta O direito p 29 548
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549
SAAD Marta O direito p31-32
104
instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550
a
querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo
ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551
o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado
pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia
ainda que denuacutencia natildeo houvesse552
A formaccedilatildeo da culpa que compreende o
procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente
sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus
soacutecios553
Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute
aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que
abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do
delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou
improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados
para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554
A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era
subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555
ldquoIsto eacute
instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir
atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do
promotor puacuteblicordquo556
Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser
observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do
corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de
testemunhas d) no realizaacute-lardquo557
550
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552
ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou
cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo
ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553
IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de
formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em
siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees
interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 125 555
SAAD Marta O direito p 32 556
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557
IBID p 126
105
Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria
disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das
provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558
Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a
lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a
inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559
De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz
procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560
e que atuasse
sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561
com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562
Ao juiz de paz incumbia
reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563
bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo
houvesse denunciante564
mandando chamaacute-las de ofiacutecio565
para que depusessem sobre a
existecircncia do crime e autoria delitiva566
567
O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no
cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem
recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568
devido agrave inexistecircncia de um representante do
Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569
558
IBID p 126 559
SAAD Marta O direito p 32-33 560
Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentes 561
Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes
em que tem lugar a denuncia 562
Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a
denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563
Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa
servir de prova 564
Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de
testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565
Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566
Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo
necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem
noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568
IBID p 126 569
Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os
Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado
um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os
Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios
106
O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito
ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570
Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571
ou
preventiva572
do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a
inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573
574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila
do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os
testemunhos
Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde
ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado
Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem
reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575
sem prejuiacutezo aos
objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576
Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de
seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do
interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz
de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a
procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577
Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos
substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de
570
ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de
serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria
inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto
Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571
Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute
presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou
emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em
flagrante delicto 572
Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo
tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo
pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573
Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser
conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado
pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575
Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua
ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577
IBID p 127
107
algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado
agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578
Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa
simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se
tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do
povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579
Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a
formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso
a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem
decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da
formaccedilatildeo da culpa580
Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas
mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila
despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a
aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica
poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando
da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de
autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva
tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581
As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do
paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios
legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem
reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de
janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582
578
SAAD Marta O direito p 35 579
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580
IBID p 128 581
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
108
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842
A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com
conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583
e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de
janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia
Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e
artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes
tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para
recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584
A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente
centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se
propunha de tornar efetiva a autoridade legal585
Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do
Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo
judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as
excessivas prerrogativas dos elementos regionais586
Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz
de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a
poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587
588
E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo
produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do
poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura
583
SAAD Marta O direito p 40 584
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585
IBID p 119 586
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587
SAAD Marta O direito p 41 588
Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre
outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135
109
criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de
poliacutecia589
As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590
Estabeleceu-se que em
cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes
de direito pelo Imperador591
Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto
pelo chefe de poliacutecia592
e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu
presidente593
Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias
propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594
e nomeados pelo presidente da
proviacutencia respectiva595
596
Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o
juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e
subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597
589
SAAD Marta O direito p 40 590
ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento
policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591
De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os
Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos
seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos
Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das
Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada
pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592
Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou
outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que
forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro
de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as
qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593
Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os
Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos
Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento
12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das
Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias
observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas
propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594
Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de
Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e
obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o
Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros
quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595
Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte
e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas
as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos
propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597
SAAD Marta O direito p 41-42
110
O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em
administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-
as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no
bojo do artigo 3ordm598
as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e
apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599
Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma
ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito
das reformas procedimentais600
A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa
(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash
disposiccedilotildees criminais601
foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o
chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e
juiacutezes de direito602
- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603
com recurso ex officio
para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604
Esse magistrado tambeacutem
podia formar a culpa e pronunciar originariamente605
606
598
Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto
comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados
comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar
os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis
mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou
officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599
SAAD Marta O direito p 43 600
IBID p 43 601
Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602
Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da
culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts
72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603
ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais
produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal
natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou
revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este
foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604
Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos
respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm
5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas
attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm
6ordm e 9ordm
Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as
pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605
Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()
2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles
serviremrdquo 606
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131
111
Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os
juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das
formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas
circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados
proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para
ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos
290607
291608
e 292609
)610
Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de
corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a
de seus delegados nos respectivos distritos611
Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes
quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem
obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de
formarem a culpa612
O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613
esclarecia que tal
607
Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem
os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que
prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a
requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou
denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o
esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608
Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e
denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e
mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos
reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos
processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores
ou complices 609
Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou
soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal
que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o
processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle
lanccediladas nos autos 610
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612
Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos
districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e
esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas
circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente
comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo
poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613
Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e
12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias
extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego
de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter
aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem
do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas
ou denuncias que houverem
112
remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se
apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a
atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais
amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614
Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615
do Regulamento
nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro
das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de
colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira
autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da
culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais
esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes
competentesrdquo616
Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou
a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal
que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617
Aos juiacutezes de
paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era
permitido proceder ao auto de corpo de delito618
e agrave formaccedilatildeo da culpa619
concorrentemente
614
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615
Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa
enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais
esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na
conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-
se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria
enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que
escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os
casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados
de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no
expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem
perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das
penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados
participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila
que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu
expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617
SAAD Marta O direito p 46 618
Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619
SAAD Marta O direito p 43-44
113
Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos
empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620
Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621
conferindo agraves
autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622
Assim ldquoa reaccedilatildeo contra
o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de
paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash
confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623
Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e
projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871
apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram
sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da
poliacutecia e da judicatura624
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871
A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro
620
Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo
Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de
responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos
Officiaes que perante as mesmas servirem 621
O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos
princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as
funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento
E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a
culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem
dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de
funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos
delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa
(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do
caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR
Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623
SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute
Olympio 1937 p 235 624
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64
114
do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e
poliacutecia625
e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626
627
O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo
constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628
Tal
estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos
na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do
Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no
sistema processual penal brasileiro629
A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as
disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que
nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas
ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a
jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630
Isto eacute
a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes
municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas
comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631
passou aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do
distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632
como
faziam anteriormente633
625
Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo
facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente
exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e
Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado
mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de
qualquer autoridade policial 626
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627
A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo
ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a
prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA
JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio
da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram
como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629
ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem
dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades
tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre
pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632
Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os
outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento
115
Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que
fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao
cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634
determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo
10635
da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871
ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636
Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves
autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637
conservando os
juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638
O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam
assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do
crime639
por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de
instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e
nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de
seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos
respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos
Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do
Processo Criminal 633
SAAD Marta O direito p 51 634
A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da
comarca ou do termo 635
Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente
restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos
crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por
escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da
accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o
processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades
policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos
criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto
e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo
tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a
concessatildeo da fianccedila provisoria 636
SAAD Marta O direito p 51 637
A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871
Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia
de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as
circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO
Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639
Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a
noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias
para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos
delinquentes
116
tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640
Previa ademais que se presente a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato
criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio
seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo
promotor puacuteblico641
Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo
instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria
proceder ao inqueacuterito policial642
ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao
descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou
cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643
644
640
Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo
2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que
houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em
geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641
Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou
arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que
possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela
autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642
Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o
processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs
de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte
interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643
Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos
criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento
escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja
de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar
do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da
localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os
instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade
peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as
declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem
conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as
testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas
circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos
resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em
flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do
crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm
Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu
despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por
intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute
as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute
immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa
seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra
autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias
com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das
testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do
inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte
interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e
comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr
applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644
SAAD Marta O direito p 53
117
Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no
sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a
inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm
atribuiacutedo aos magistrados penais645
A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de
legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns
Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute
exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas
modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees
de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio
Marcos de Moraes Pitombo foram raros646
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por
uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647
Ao
lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo
uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e
vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648
Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que
as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em
flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias
e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria
decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a
justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo
sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de
645
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648
Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal
118
Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos
ldquopseudodireitos individuaisrdquo
O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)
natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas
Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do
Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave
propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo
plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora
eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o
processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos
os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649
Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e
a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650
Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase
destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa
e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da
denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e
evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651
Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652
ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute
que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da
acusaccedilatildeo653
De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual
penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares
e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da
culpa654
ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o
649
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652
A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para
situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de
119
todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-
serdquo655
Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de
1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de
instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o
Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes
argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a
dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado
de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria
juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos
distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os
apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila
de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal
agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657
sem
655
IBID 656
ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as
suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros
urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema
vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender
criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de
que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar
proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de
instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De
outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona
de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os
morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem
seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a
imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do
sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a
sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo
poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria
antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra
apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou
antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas
Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o
alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas
Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo
despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila
criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode
ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito
preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao
Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657
Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas
jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia
120
exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658
isto eacute o inqueacuterito
natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas
realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659
Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito
policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos
Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em
seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660
e
particulariza no artigo 6ordm661
as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial
assim que cientes da praacutetica de um delito662
Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que
a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos
mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de
direitos fundamentais663
Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia
criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio
Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em
virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a
requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o
trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a
definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma
funccedilatildeo 658
SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659
Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem
pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares
de Inqueacuterito 660
O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661
Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se
possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo
das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o
fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir
o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do
Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for
caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo
do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -
averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo
econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos
que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662
SAAD Marta O direito p 76 663
LOPES JR Aury Direito p 252
121
iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664
mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a
seguir
De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito
deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou
estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se
executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante
fianccedila ou sem elardquo
Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e
o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para
ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a
prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz
cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas
diligecircncias
Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo
quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo
Promotor de Justiccedila
Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa
para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico
promover o arquivamento das peccedilas665
No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo
juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute
remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer
a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no
pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo
Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer
fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada
664
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665
IBID p 112
122
pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por
representaccedilatildeo da autoridade policial666
A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas
pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o
sequestro de bens667
do indiciado e a busca e apreensatildeo668
Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes
instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de
obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz
portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar
seu convencimento669
Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi
sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou
todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do
Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que
eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar
seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670
Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no
Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo
juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671
)
Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da
livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das
provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as
outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672
666
Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva
decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da
autoria 667
Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda
antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668
Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670
IBID p 169 671
Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash
ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672
Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde
123
Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes
justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase
inquisitiva preacute-processual673
Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674
a rigor o magistrado
criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as
provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a
responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo
elemento surgisse para invalidaacute-las675
Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941
ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe
avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com
aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em
busca da formaccedilatildeo da opinio delicti
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008
essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo
pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo
repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674
Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior
melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de
reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua
convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta
todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo
significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de
Processo Penalrdquo IBID p 172 675
MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70
124
Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o
ordenamento juriacutedico brasileiro676
A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o
processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime
autoritaacuterio militar instalado em 1964677
fator que ensejou consideraacutevel impacto
especialmente na esfera dos direitos fundamentais678
Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa
Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a
um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios
fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679
Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou
significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as
Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680
O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo
penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria
constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das
garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681
e nesta repetida em
abundacircncia682
Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na
sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica
Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo
Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores
constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e
676
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 21 678
IBID p 21 679
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680
PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681
De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando
por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a
declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio
autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo
de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682
IBID
125
interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior
intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683
Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto
constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos
garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do
processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684
Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma
carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter
unicamente acusatoacuterio685
na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem
desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se
reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um
processo penal constitucional
As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no
processo penalrdquo686
multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser
encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens
Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica
assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I
da CF687
com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e
julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio
Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei
Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e
acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o
Ministeacuterio Puacuteblico688
683
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686
IBID 687
ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a
divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o
desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou
Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva
ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo 163 jun-2006 688
ABADE Denise Neves Op cit p 140
126
O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo
democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente
inquisitiva689
Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do
Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio
sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a
decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)
do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar
praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690
Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico
paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691
De fato um exame
superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de
inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 ainda subsistem no processo penal692
As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos
princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo
penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo
das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre
outros693
Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente
inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais
podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei
Maior694
Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras
preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos
689
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691
IBID 692
ABADE Denise Neves Op cit p 143 693
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694
ABADE Denise Neves Op cit p 143
127
valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de
questionamento das garantiasrdquo695
O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura
constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo
criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696
Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional
acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos
inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o
ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697
A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo
preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade
exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema
acusatoacuterio
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento
Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se cunfundam698
A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema
ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema
acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico
695
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697
IBID p 108 698
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2
p 41-46 julhodezembro 2008
128
assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a
reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699
Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a
etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700
passando a ser repelida a
valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria
ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de
papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701
Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja
essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702
A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da
separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do
Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de
qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703
Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e
portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente
estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704
A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo
legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais
que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705
ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de
combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de
acusadorrdquo706
A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da
efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo
punitiva do Estado707
Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de
699
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701
IBID p 108 702
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703
ABADE Denise Neves Op cit p 144 704
IBID 705
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706
IBID 707
IBID
129
buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da
acusaccedilatildeo708
Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial
princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em
que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente
afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709
Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder
Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do
juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710
Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz
preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de
investigador711
Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal
material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para
permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do
reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao
julgar e resolver a lide712
Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta
estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o
papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias
constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713
O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute
portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo
criminal
Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz
da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute
presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes
708
ABADE Denise Neves Op cit p 146 709
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710
IBID 711
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 713
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas
130
competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito
extraprocessualrdquo714
Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a
legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo
intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715
Isso porque a
intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento
do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a
igualdade dos sujeitos do processo716
Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o
juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias
cautelaresrdquo717
Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o
papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade
intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718
Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal
buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do
magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719
Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela
Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das
investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista
Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro
no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado
poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de
parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na
ordem constitucional720
Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de
certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo
714
GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716
IBID p 109 717
GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista
Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719
IBID 720
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129
131
do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721
Os resultados da cultura inquisitorialista
herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo
vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722
A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo
Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo
fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do
investigado723
A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas
cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra
mais evidente
Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio
Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos
juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo
frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da
possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito724
A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga
possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente
por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema
acusatoacuterio725
Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o
oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que
tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito policial por parte do magistrado726
Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade
exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em
721
IBID p 129-130 722
IBID p 130 723
IBID p 130 724
IBID p 109 725
ABADE Denise Neves Op cit p 175 726
IBID p 175
132
tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por
intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade
exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema
acusatoacuterio727
Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise
eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a
formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no
caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728
Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em
nenhum caso729
Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos
fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir
como parte730
Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo
sobre a opinio delicti731
Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de
iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre
na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732
O sistema acusatoacuterio
atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de
elementos de convicccedilatildeo733
Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo
sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio
colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal
seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do
727
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro
Lumen Juris 2007 p 265 728
ABADE Denise Neves Op cit p 175 729
LOPES JR Aury Direito p 265 730
ABADE Denise Neves Op cit p 175 731
IBID p 175 732
IBID p 175-176 733
IBID p 176
133
Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734
ldquoQuem deve decidir portanto sobre
a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735
No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida
pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo
tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo
do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da
Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo
dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada
finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736
737
Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a
accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de
promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que
representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738
No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e
ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita
Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a
denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer
peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees
invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao
procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento
ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender
734
IBID p 110 735
LOPES JR Aury Direito p 265 736
ABADE Denise Neves Op cit p 110 737
ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno
informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia
conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de
assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela
Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista
determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738
IBID p 112
134
A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo
criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739
No acircmbito da
moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio
acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento
formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal
segundo os elementos coletados740
Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para
avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o
afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a
formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do
exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como
violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742
ao conferir iniciativa
probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a
determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter
restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase
extraprocessual
Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro
resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo
judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou
da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras
pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743
bem como da retirada do ordenamento
dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a
produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que
retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever
de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser
chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave
739
LOPES JR Aury Direito p 284 740
ABADE Denise Neves Op cit p 113 741
IBID p 113 742
Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150
135
intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo
jurisdicional744
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz
A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve
ser muito restrita745
limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos
fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que
efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua
imparcialidade746
Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao
magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da
investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega
e desenfreada busca da verdade real747
O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela
observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em
incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos
direitos748
A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja
previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio
da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo
penal749
Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais
comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a
excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744
IBID p 150 745
LOPES JR Aury Direito p 247 746
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747
CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto
Esp 1996 748
IBID 749
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro
Lumen Juris 2009 p 54-61
136
demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade
esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que
por meio dela se pretende atingir750
Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na
fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos
investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do
magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751
O exame dos
pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade
exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos
materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752
A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda
nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo
detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no
plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos
tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753
A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto
passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos
julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave
intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em
discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais
do investigado
Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a
privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da
necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos
Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de
Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente
750
CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova
Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo
Paulo LEUD 2000 p 65-69 751
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752
IBID p 187 753
ABADE Denise Neves Op cit p 141-142
137
patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o
magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com
a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de
sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica
Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade
do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem
margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos
incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a
instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
penal754
Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da
imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio
seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo
agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755
A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o
inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo
que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756
Sua imparcialidade estaacute
comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo
preliminar757
ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre
condutas e pessoasrdquo758
O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema
Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de
um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase
preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759
754
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755
IBID p 197 756
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757
LOPES JR Aury Juiacutezes 758
IBID 759
Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)
138
Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo
acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que
verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760
de modo a preservar o distanciamento do juiz do
processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo
produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de
Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e
traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no
ordenamento juriacutedico brasileiro
O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das
garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
760
LOPES JR Aury Juiacutezes
139
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no
Processo Penal Brasileiro
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias
O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser
apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma
profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que
elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761
O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito
prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini
ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo
contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se
fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762
O processo dessa forma
com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no
exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado
para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763
Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela
visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a
necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764
Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para
conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme
liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi
761
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762
BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 452 763
IBID p 452 764
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial
140
Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam
velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance
das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do
mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765
Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras
alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas
econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766
bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo
cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis
dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas
Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo
ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo
nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira
em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767
tiveram
vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do
Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o
alteraram neste longo periacuteodo
Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal
continuava defasado e desarticulado
Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo
penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo
e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas
765
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo
Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo
de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766
ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela
Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p
43 767
1946 1967 e 1969
141
pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo
constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768
Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo
Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769
ocorrida em quase sete
deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente
agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770
Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou
no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e
a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime
ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771
Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o
Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos
princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados
Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772
Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios
dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de
interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de
768
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769
A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze
Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito
projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei
apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770
A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras
regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771
PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772
MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas
cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo
Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75
142
compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituiccedilatildeo Federal773
Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo
determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos
preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das
disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os
princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos
institutos774
De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa
forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as
provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a
simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a
conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775
Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a
Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um
processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo
das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o
seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776
Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente
alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de
possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de
videoconferecircncia
773
SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775
ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de
competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1
julhodezembro 2008 p 111 776
FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual
Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17
143
Finalmente a Lei 124032011777
modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo
processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a
oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras
medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do
sistema penal778
Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo
Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de
graves viacutecios estruturais779
Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo
processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780
oriundos da nova
Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica
Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda
estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781
De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a
aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782
Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias
poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos
estrateacutegicosrdquo783
Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de
todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial
777
O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se
completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria
Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779
NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In
Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780
CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio
Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781
IBID p 101 782
Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo
inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo
de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de
conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o
sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 250 783
MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75
144
Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de
fundordquo784
No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas
reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas
virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785
Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual
penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais
Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do
Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute
muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como
sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser
inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor
que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto
central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786
De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma
global do nosso Coacutedigo de Processo Penal
Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute
verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho
de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio
seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787
Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser
um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma
constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode
ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788
784
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de
Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785
CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave
anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de
Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788
IBID p 80
145
Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma
mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal
com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda
progressos significativos em termos de garantias individuais789
Nesse sentido um novo
Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais
facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790
Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual
penal de 2008791
em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado
Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de
Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton
Carvalhido792
apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei
do Senado Federal 1562009793
Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de
2009794
Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na
Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795
Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da
imprescindibilidade de um novo Coacutedigo
789
IBID p 80 790
IBID p 80 791
Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que
entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792
Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de
Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato
Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do
Ato 1108 793
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal
1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v
200 jul 2009 794
OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo
IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795
O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi
apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente
por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados
determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer
sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para
emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013
146
Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao
alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal
brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um
novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de
1988
De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os
laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados
da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana
corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796
A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo
propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797
que busca
se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo
Dividido em seis Livros798
o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um
Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em
sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do
devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias
individuais
Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos
ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia
ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas
concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o
reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um
verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como
pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo
796
CAPEZ Fernando Op cit p 124 797
GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz
jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798
Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das
accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais
147
De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute
importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e
concretardquo799
Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades
merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e
definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da
atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800
e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo
de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801
a criaccedilatildeo do juiz das garantias
instituto que nos propomos analisar a partir de agora
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares
Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz
das garantias no nosso ordenamento juriacutedico
Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal
impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo
dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal
Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as
elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e
assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial
Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se confundam
799
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800
Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801
Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009
148
Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio
pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o
risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa
a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo
Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao
magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo
penal ou de atuar como verdadeira parte no processo
O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar
alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado
Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute
mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito
passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm
lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado
Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria
estrutura dialeacutetica do processo penal
Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos
natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente
autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de
maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do
material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento
cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas
cautelares bem como de sua legitimidade
Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute
analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido
sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o
elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento
exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do
exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos
fundamentais do investigado
149
E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma
soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009
Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para
atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela
legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias
fundamentais do investigado802
cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela
claacuteusula de reserva judicial
Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo
criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o
Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803
Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo
controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos
individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder
Judiciaacuteriordquo804
Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no
nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura
de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do
artigo 16805
estaria impedido de funcionar no processo806
Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia
vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de
investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807
e 83808
do atual
802
MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos
de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804
Artigo 14 805
Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES
Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal
Salvador Juspodivm 2012 p 136 807
Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da
concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou
queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808
Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
150
Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada
isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar
conhecimento do fato
O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das
garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809
Com efeito o juiz chamado a
intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um
giro de 180 grausrdquo810
ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811
A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009
reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a
fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na
experiecircncia internacionalrdquo813
podendo ser citados como exemplos o giudice per le
indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no
Chile814
Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada
ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo
como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)rdquo
809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado
Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810
IBID 811
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812
MAYA Andreacute Machado Outra vez 813
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814
ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini
preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no
mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto
de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma
semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao
inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)
que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art
40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos
paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo
(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um
julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute
a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em
25082013 815
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
151
O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento
juriacutedico brasileiro
Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de
instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo
tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal816
Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade
das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817
O
fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da
investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818
Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda
e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no
esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas
cautelares na fase processual819
Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de
separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a
distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820
com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e
Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal
acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do
processo do juiz da investigaccedilatildeo821
Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias
no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de
organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822
O juiz de
garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave
Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823
816
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817
IBID p 308 818
IBID p 308 819
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820
IBID p 89 821
IBID p 89 822
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823
IBID p 305
152
Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo
redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal
A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico
que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal
O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de
2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do
agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa
de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824
Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de
atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias
3 Atribuiccedilotildees
A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do
disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO
processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo
de acusaccedilatildeordquo
Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador
Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se
exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual
se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do
inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825
mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe
cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias
824
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de
Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem
ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90
153
investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo
nunca o gerente das tarefas policiais826
Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das
garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827
Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses
em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828
isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da
pessoa investigada829
As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final
ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe
especialmente
I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do
art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555
III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este
seja conduzido a sua presenccedila
IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal
V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar
826
IBID p 90 827
ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente
de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais
adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de
descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e
motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828
Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do
Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na
condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura
ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo
penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 254 829
PASSOS Edilenice Op cit
154
VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como
substituiacute-las ou revogaacute-las
VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas
urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa
VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso
em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no
paraacutegrafo uacutenico deste artigo
IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver
fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento
X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre
o andamento da investigaccedilatildeo
XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de
comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de
comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e
apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de
obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado
XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia
XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos
termos do art 452 sect 1ordm
XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial
XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que
tratam os arts 11 e 37
XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a
produccedilatildeo da periacutecia
XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo
155
Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as
competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso
XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em
tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das
garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo
preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que
dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto
as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria
plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial
na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830
Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias
ressalvadas as de menor potencial ofensivo831
que seguem o rito dos juizados especiais832
Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833
isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo
penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834
Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai
de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees
pendentes835
podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em
curso836
No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees
do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma
regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837
830
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831
Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto
Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo
abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute
haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das
garantiasrdquo 832
PASSOS Edilenice Op cit 833
Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837
Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
156
Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de
diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos
do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838
Cabe-lhe tutelar a
regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839
Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado
como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-
se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em
construccedilatildeordquo840
Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se
esclarecer a sua finalidade
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro
Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o
deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de
examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de
direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias
bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave
especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)
manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em
relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo
cada um deles
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que
ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839
IBID p 90 840
IBID p 90
157
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal
A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para
atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo
jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais
Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na
esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o
estabelecimento de garante exclusivordquo841
A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a
criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um
juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que
atuou na fase preacute- processual842
De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo
Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse
tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase
processual843
Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado
que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade
da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844
Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue
exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e
qualquer processo de especializaccedilatildeo845
A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja
voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto
ganho de celeridade846
ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo
expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847
841
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843
SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844
IBID 845
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846
PASSOS Edilenice Op cit 847
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
158
Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas
de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e
Satildeo Paulo848
onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos
acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece
ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra
um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa
nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse
sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849
No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do
juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas
competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes
ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850
De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia
evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento
das varas criminaisrdquo851
dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se
exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os
direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa
em prazo razoaacutevel852
Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia
no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo
penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com
um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais
848
IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito
policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias
deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das
garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo
tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa
investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver
necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz
da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global
do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851
SCHREIBER Simone Op cit 852
IBID
159
cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e
honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal
Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do
controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos
fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e
harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853
Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de
melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da
ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e
eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem
tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa
atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade
criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855
A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao
maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos
que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856
A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram
pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na
853
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias
160
atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a
imparcialidaderdquo857
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo
prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a
Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas
tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo
consideravelmente reduzida858
No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de
direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode
prescindir da participaccedilatildeo do juiz859
que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o
mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da
competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo
Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por
um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo
e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode
se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que
sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860
E principalmente ele deve procurar
natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e
pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo
que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um
ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias
anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a
produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute
suficiente para condenarrdquo862
De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-
processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios
857
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858
SCHREIBER Simone Op cit 859
IBID 860
IBID 861
IBID 862
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
161
colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do
magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua
atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional penal863
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um
magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse
primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864
Isso
porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo
preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo
constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende
inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865
Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees
distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja
funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do
material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866
No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a
autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que
impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz
acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos
das pessoas atingidas por tais medidas867
Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente
familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute
formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868
Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma
que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se
a defesa provar a inocecircncia do acusado869
Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo
863
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865
PASSOS Edilenice Op cit 866
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867
SCHREIBER Simone Op cit 868
IBID 869
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
162
formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo
de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda
a causa870
Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em
desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871
dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas
probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique
a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872
Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se
mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que
lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no
inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de
se fazer ouvir no processo873
A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute
indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro
pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo
definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela
envolvidas874
o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e
imparcialidade
A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo
da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875
O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o
cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um
juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande
870
IBID 871
SCHREIBER Simone Op cit 872
IBID 873
IBID 874
IBID 875
MAYA Andreacute Machado Outra vez
163
finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por
sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876
Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja
principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por
proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no
intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso
privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877
A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material
colhido na fase de investigaccedilatildeo878
Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade
objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja
imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que
esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879
atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e
durante o processo judicial
Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel
vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a
accedilatildeo penal880
ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave
etapa precedenterdquo881
O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela
legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882
Ao
contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em
melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela
fase883
ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois
do princiacutepio de imparcialidaderdquo884
876
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878
PASSOS Edilenice Op cit 879
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882
IBID p 89 883
IBID p 89 884
IBID p 89
164
Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e
assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009
separar as duas funccedilotildees885
Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio
Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias
que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos
cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou
contra uma das partes886
Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo
tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das
fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo
impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas
nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento
compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887
Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma
muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a
presunccedilatildeo de inocecircncia888
bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o
magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas
durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889
Tudo
porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com
isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890
Por
isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio
determinado constitucionalmente891
Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz
que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute
885
PASSOS Edilenice Coacutedigo 886
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887
IBID p 89 888
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889
MAYA Andreacute Machado Outra vez 890
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891
IBID
165
consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892
O juiz
competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees
relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e
imparcial893
Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em
seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre
as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a
causardquo894
Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das
garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm
1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal
mais justa garantista e eficiente895
Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua
inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de
parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das
criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo
das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo
Projeto de Lei 1562009
892
SCHREIBER Simone Op cit 893
IBID 894
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895
SCHREIBER Simone Op cit
166
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a
competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896
Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da
denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia
do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897
cabendo tal providecircncia
como consequecircncia ao juiz do processo
Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da
denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que
dispensa motivaccedilatildeo898
exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das
condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899
do atual Coacutedigo
de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900
Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou
queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo
existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901
Necessaacuterio pois o exame
pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou
rejeitada a peccedila inicial902
896
Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898
IBID p 228 899
Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar
pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio
da accedilatildeo penal 900
Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos
processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da
punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo
maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou
procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307
167
Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo
decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela
presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo
exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase
inquisitiva903
A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos
indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904
para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a
existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta
probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905
Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo
do Projetordquo906
Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se
afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907
A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas
decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os
elementos colhidos na investigaccedilatildeo908
sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que
natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do
projeto permaneceratildeo apensados ao processo909
ndash o material de convencimento da
existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910
903
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 p 109 904
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905
GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909
Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do
material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das
garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto
conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um
dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro
assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com
as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP
uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em
23102013 910
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228
168
O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o
alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do
processo911
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das
garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute
processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de
sua competecircncia912
passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo
processual jaacute plenamente formada913
No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do
recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo
juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos
colhidos na fase preliminar914
Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional
por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao
caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa
com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para
tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir
() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-
conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave
decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente
para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado
com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer
preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do
processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco
de comprometer sua imparcialidade objetiva
911
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912
IBID 913
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914
ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas
o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI
Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85
169
Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito
policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos
elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915
cuja produccedilatildeo tenha sido realizada
nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de
medidas cautelares916
Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar
a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917
Com isso se estaraacute afastando
qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material
informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para
tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918
De fato se o objetivo eacute afastar o juiz
do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a
decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias
Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a
accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920
-
compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees
proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes
o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921
915
Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma
audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a
acusaccedilatildeordquo 918
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919
IBID p 229 920
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
170
A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a
qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922
Aqui no mesmo
sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz
do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz
pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido
oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923
Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o
oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo
julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua
competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a
duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da
autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem
decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925
Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem
Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das
garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute
reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo
A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz
da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926
Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das
garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo
preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de
realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a
denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas
923
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926
IBID
171
existentes no inqueacuterito policial927
E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar
sentenccedila final928
Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita
encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o
magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser
que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo
criminal929
Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a
possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a
quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930
Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo
reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora
com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931
e ao artigo 562932
do Coacutedigo933
com a
finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas
de reexame perioacutedico da medida
De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal
poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute
que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que
necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios
suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934
927
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928
IBID p 109 929
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930
IBID 931
Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre
fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute
necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932
Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias
seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os
motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933
Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo
vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste
Coacutedigo 934
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102
172
Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo
no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935
Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees
expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e
que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo
e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas
sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser
apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das
partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936
3 A escassez de recursos humanos e materiais
Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de
ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido
argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937
Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das
garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para
suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938
Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo
possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo
judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939
bem como que a proposta passaraacute
inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio
nacional e suas realidades regionais diversas940
Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento
desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo
A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas
935
IBID p 102 936
IBID p 102 937
MAYA Andreacute Machado Outra vez 938
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91
173
que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade
absolutamente incontornaacutevelrdquo941
Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada
Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave
Justiccedila em Nuacutemeros942
em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960
magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943
Paranaacute944
Minas Gerais945
Rio de Janeiro946
e Rio Grande do Sul947
Assim haacute nos 22 Estados
restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948
em
trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949
ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de
um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do
processordquo950
De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz
enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias
ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo
poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951
Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual
inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave
estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952
Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o
fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados
o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores
941
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942
httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em
15102013 943
2528 magistrados 944
1073 magistrados 945
989 magistrados 946
807 magistrados 947
734 magistrados 948
Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949
Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951
IBID p 110-111 952
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136
174
Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de
investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953
De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do
sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos
seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num
mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal
da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira
bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954
Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos
tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual
com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de
favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955
Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave
noutros menos956
De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins
Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41
das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico
juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um
magistrado957
Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os
olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees
Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo
judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na
afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de
substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo
alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo
953
IBID p 136 954
GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955
IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo
apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior
aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957
IBID p 92
175
Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos
humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se
devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente
qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958
Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo
argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do
processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria
Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se
encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959
Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa
postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem
expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe
outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde
posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no
argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960
Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS
1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no
Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961
prevendo no art 701962
(Livro - Das
Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar
como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em
vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se
tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio
legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas
organizacionais do Poder Judiciaacuterio963
958
IBID p 92 959
MAYA Andreacute Machado Outra vez 960
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962
Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A
regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste
Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
176
Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo
Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a
transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo
dispocircs no artigo 748 I964
natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver
apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a
criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra
transitoacuteria do artigo 748965
De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada
exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou
de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem
mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema
criminal atual966
Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser
definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos
fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de
natildeo mudarrdquo967
No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a
significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas
compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a
natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968
ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem
funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua
constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo
jurisdicional efetivardquo969
Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do
Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo
em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de
964
Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde
houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de
cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde
que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a
previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento
pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje
regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967
IBID 968
MAYA Andreacute Machado Outra vez 969
IBID
177
garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo
envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de
cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o
magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa
em outro processo e vice-versa970
Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz
das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de
comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971
quer atraindo as funccedilotildees de
garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras
alternativas972
Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as
alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes
obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a
implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal
chileno973
Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro
mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas
capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas
comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias
iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974
Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas
comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo
Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas
realidades975
Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira
970
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971
MAYA Andreacute Machado Outra vez 972
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973
MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico
foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele
oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974
MAYA Andreacute Machado Outra vez 975
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92
178
Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de
impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro
lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as
comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do
Paiacutes976
Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo
para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o
engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977
Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente
possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da
estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida
observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do
julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre
atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo
contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros
do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute
com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os
argumentos defensivos978
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que
da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a
conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder
Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do
Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo
Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979
ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute
mais relevante que mudar a leirdquo980
A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo
Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio
976
IBID p 92 977
IBID p 92 978
MAYA Andreacute Machado Outra vez 979
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980
IBID
179
mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981
Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a
apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura
condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e
compartilhadas por todos982
Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um
instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo
penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a
conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983
Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli
Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um
fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas
orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros
natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de
mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a
integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os
detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos
dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984
Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam
encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia
parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia
inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do
Estado Novo985
Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz
da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto
981
IBID 982
IBID 983
MAYA Andreacute Machado Outra vez 984
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985
MAYA Andreacute Machado Outra vez
180
Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no
seacuteculo XXrdquo986
Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos
natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma
verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico
Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual
seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio
Puacuteblico Para Miguel Reale Jr
De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com
dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a
poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a
atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a
medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o
peso do aparato estatal988
Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de
poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande
parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o
que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais
oacutergatildeos em detrimento do indiciado
Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo
de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que
986
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110
181
limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a
substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com
o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias
Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de
coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989
Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o
tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990
da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que
oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do
juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de
atuar no processo como relator991
Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das
garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o
impediu contudo de atuar na fase processual992
O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do
tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes
oferecida a denuacutencia993
Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como
juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele
atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro
grau994
989
ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990
Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental
que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106
182
Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo
quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso
desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute
insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma
participou da investigaccedilatildeo995
Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou
como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996
Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que
podem surgir tais como
O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e
se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo
que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das
garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute
como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria
preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria
for ajuizada997
Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998
do projeto ndash que ao impedir o
juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da
imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem
impedido de participar do julgamento999
A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do
quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado
provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute
do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000
995
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996
IBID p 370 997
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998
Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000
IBID p 371
183
6 Instacircncias recursais
Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de
o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo
posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos
fatos da investigaccedilatildeo preliminar
Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz
com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de
aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001
De acordo com
Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem
pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002
Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem
vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator
de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do
proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal
condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo
magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o
primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da
investigaccedilatildeo preliminar1003
Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004
impetrado em face
de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se
ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida
cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja
colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de
1001
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002
IBID p 197-198 1003
IBID p 231 1004
De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus
impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de
apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na
forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do
recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no
artigo 581 I do CPP IBID p 198-199
184
admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do
imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005
Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da
legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os
fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com
o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da
culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para
reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006
Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do
texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau
ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007
Nesse sentido Mauro
Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de
modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash
acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao
seu conhecimento1008
Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de
primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no
toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a
ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009
depois
quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer
magistrado (art 53 e ss)1010
Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo
1005
IBID p 198 1006
IBID p 198 1007
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008
IBID p 107 1009
IBID p 107 1010
Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos
atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu
cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila
ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash
tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash
ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o
terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo
impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes
consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de
suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz
manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes
hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu
cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo
sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente
consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
185
grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase
de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na
fase processual1011
Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da
imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado
Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais
satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012
Daiacute ser
necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal
uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do
direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013
Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator
do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente
para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o
mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal
estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado
processo penal1014
Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do
oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento
de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos
adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015
De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo
constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016
Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade
judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de
ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo
juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave
imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a
qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo
poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013
IBID p 231 1014
IBID p 198 1015
IBID p 202 1016
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107
186
jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio
acusatoacuteriordquo1017
Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes
E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um
magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de
admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de
convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da
accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e
Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o
processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a
admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das
garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos
desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de
preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e
extraordinaacuterio1018
Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a
consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de
Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma
dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019
sob pena de a imparcialidade restar
assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser
alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de
meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha
analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso
formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a
culpabilidade do acusado1020
1017
IBID p 107 1018
GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020
IBID p 231-232
187
Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no
acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das
garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da
estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame
de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a
investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular
durante a instruccedilatildeo criminal1021
Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais
adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do
processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam
revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de
garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos
colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022
Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo
preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o
princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023
1021
IBID p 232 1022
Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional
IBID p 232 1023
IBID p 232
188
CONCLUSAtildeO
A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter
acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos
durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que
dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e
imparcial
De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de
interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um
sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam
precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada
Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e
resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a
interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta
inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade
A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo
restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a
privacidade e a honra
Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve
ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e
excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor
consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados
Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de
forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada
189
mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo
confere tal prerrogativa
Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da
investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e
autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem
na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela
verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem
como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na
investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao
magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo
a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando
verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali
documentados
Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto
verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito
exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por
ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos
direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no
subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento
que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade
exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal
Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira
presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em
clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional
deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse
modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no
processo
Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo
criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa
190
mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a
possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior
perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de
imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da
justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se
consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso
abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador impotildee-se o seu afastamento do processo
A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema
brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo
A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs
encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do
ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da
sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a
ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso
concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de
meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final
Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que
institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o
responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute
apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o
distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos
elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao
modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode
dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e
garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos
direitos fundamentais
191
Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz
das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da
falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo
O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e
definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem
duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal
Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes
do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento
do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua
introduccedilatildeo em nosso ordenamento
192
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TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo
Saraiva 2009
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo
Paulo Saraiva 1993
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
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VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito
processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez
Tavares Porto Alegre Fabris 1976
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez
Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003
_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-
2010
ABSTRACT
The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal
prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable
However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of
the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary
investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed
to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of
Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee
judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection
of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed
in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of
the judge from elements collected during criminal investigation
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 1
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7
2 As fases da persecuccedilatildeo 14
21 A fase judicial sentido e alcance 14
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25
31 Sistema acusatoacuterio 25
32 Sistema inquisitoacuterio 29
33 Sistema misto 32
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53
13 Devido Processo Penal 55
2 Direito de defesa 58
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77
4 A imparcialidade do juiz 81
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95
1 Consideraccedilotildees iniciais 95
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96
21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
123
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal
Brasileiro 139
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147
3 Atribuiccedilotildees 152
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
159
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo
penal166
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias 169
3 A escassez de recursos humanos e materiais 172
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181
6 Instacircncias recursais 183
CONCLUSAtildeO 188
BIBLIOGRAFIA 192
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido
reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais
atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em
decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista
a nova ordem constitucional vigente
A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance
Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento
histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente
da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao
Estado frente ao indiviacuteduo1
Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo
ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos
diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma
disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2
Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos
pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia
repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e
preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo
manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a
imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3
Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e
garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses
dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro
1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 21 2 IBID p 21
3 IBID p 19
2
mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem
garantismo4
Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito
penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de
outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais
assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo
penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir
eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos
direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o
contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos
outros
Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico
mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres
de Antonio Scarance Fernandes
Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do
sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois
interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu
poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus
direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6
Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute
a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar
os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da
persecuccedilatildeo penal7
4 IBID p 19
5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22
7 IBID p 21
3
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no
processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de
observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a
igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre
convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais
privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos
processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e
mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional
Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que
numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados
e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu
natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de
princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9
Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo
especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase
investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de
instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10
Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do
processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto
instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram
adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia
judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de
atuaccedilotildees11
8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob
o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 123 10
ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova
visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida
em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial
impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi
Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las
Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146
4
Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de
processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos
atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do
julgador durante a investigaccedilatildeo criminal
A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos
direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias
constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da
jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos
a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12
A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o
inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer
ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou
prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo
durante toda a persecuccedilatildeo penal
Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que
pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo
Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual
legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de
direitos e garantias fundamentais
Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por
exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o
juez de garantiacutea no Chile13
sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de
Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma
operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo
dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS
1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal
12
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 147 13
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89
5
De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de
um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo
orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um
magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do
cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal
O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da
proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro
Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a
primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado
democraacutetico de direito
Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as
caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio
inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria
cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais
adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado
estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos
No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido
processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos
analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das
garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como
imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente
relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais
sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos
O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo
preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
6
O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em
conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a
contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das
garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos
estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta
figura no ordenamento juriacutedico nacional
Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela
doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei
1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o
aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a
sua instituiccedilatildeo
7
CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES
INICIAIS
1 Persecuccedilatildeo penal finalidade
O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo
independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees
existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila
reciacuteprocas14
Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a
interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o
estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito
dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a
possibilitar o conviacutevio social
O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da
paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15
A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida
comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16
ldquoA
justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da
humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17
A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas
regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais
preciosos agrave condiccedilatildeo humana
14
JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares
Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15
IBID p 2 16
WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto
Alegre Fabris 1976 p 03 17
IBID p 02
8
Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por
um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18
Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo
existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave
existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano
social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado
consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal
deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente
quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19
Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de
impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento
de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)
Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute
que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico
e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e
inclusive o proacuteprio delinquente20
Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito
penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria
finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e
protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo
de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de
18
ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal
Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-
23 19
ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de
otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los
que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado
Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios
menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho
Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos
sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al
margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las
penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el
afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal
ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes
posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes
instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20
ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi
Artes Graacuteficas 1984 p 07
9
uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21
Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que
possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem
que exista previamente o devido processo penal22
Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge
como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva
justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten
de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del
arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23
Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se
fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de
aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem
juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela
jurisdicionalrdquo24
Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias
partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e
principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam
reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e
desenfreadordquo passaria a cometer25
Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder
repressivo26
impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida
ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao
conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da
estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27
Logo
21
LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris
2001 p 05 22
IBID p 05-06 23
FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez
Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes
Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24
LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p
06 26
IBID p 06 27
LOPES JR Aury Sistemas p 07
10
ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima
para a imposiccedilatildeo da penardquo28
Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo
penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua
imposiccedilatildeo
O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade
do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina
nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se
denomina de principio de la necesidad del proceso penal29
De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade
penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um
delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus
efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a
imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida
por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em
face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30
Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado
assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais
materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem
pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao
caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por
meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash
nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo
por meio do processo)31
Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual
penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem
a garantia das formalidades processuais32
O direito processual penal eacute portanto o
28
IBID p 06-07 29
GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona
Bosch 1951 p 27 30
FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32
ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone
lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale
sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un
11
conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos
oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam
aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33
Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada
por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar
a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que
o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o
direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do
direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento
conforme as formalidades legais34
Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo
que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e
processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35
Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos
detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos
fundamentais36
Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do
indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o
direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como
corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue
positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo
tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37
diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto
o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino
Unione Tipografico 1967 p 85 33
ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente
sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta
allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p
84-85 34
MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p
04 35
LOPES JR Aury Sistemas p 06 36
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a
efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37
FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39
12
Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as
proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele
objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes
objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute
essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o
processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela
primeira38
A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito
entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39
Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo
penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo
mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao
contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de
equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca
justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e
obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40
Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica
do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de
forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o
processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e
concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas
de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os
fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41
Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave
eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases
destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos
38
FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il
processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di
repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit
p 224 39
FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40
BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41
13
Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena
somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo
que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para
desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute
denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o
fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo
funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi
constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42
O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento
de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio
criminis43
Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal
por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao
delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a
concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o
ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44
Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve
ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45
que por sua
vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e
decisoacuterio46
Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a
necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave
investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47
No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis
apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o
processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de
42
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44
IBID p 104 45
ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que
prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria
p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio
de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47
ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis
puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da
unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35
14
julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase
de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser
requerida a imposiccedilatildeo da pena48
2 As fases da persecuccedilatildeo
21 A fase judicial sentido e alcance
Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da
norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49
Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo
imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas
pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a
defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua
imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da
prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50
Para ele se
o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou
dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios
seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51
De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do
procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria
Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo
formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo
48
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50
ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA
1959 v1 p 13-14 51
IBID p 13
15
defensiva do acusado52
O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a
propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53
e que daacute
iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso
penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo
corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila
torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente
ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo
pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54
Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do
direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a
juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito
de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo
esclarecendo o que deseja e o que almeja55
O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo
punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual
teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56
Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a
procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -
propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57
O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva
52
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54
ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del
processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa
irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o
percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a
quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a
quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve
premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere
sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p
65 55
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56
IBID p 104 57
IBID p 104
16
decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz
um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo
criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir
a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58
Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui
justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo
judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59
De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo
histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o
Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de
ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo
privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria
prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa
instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60
Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia
apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada
por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61
Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a
acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo
impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o
acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem
claramente indicadas62
Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a
sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser
observadas
58
ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da
reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o
negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato
fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato
dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave
della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61
IBID p 105 62
IBID p 105
17
Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das
provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o
pretenso culpado63
Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas
partes ou determinadas pelo juiz64
Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de
atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova
as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65
Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica
limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias
praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do
delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave
instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que
pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido
anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas
particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam
impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na
fase proacutepria66
Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as
partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o
juiz em seguida67
A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos
anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam
persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68
Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se
prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo
sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69
dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica
63
Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias
proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e
pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos
peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65
IBID p 131 66
IBID p 132 67
IBID p 35 68
IBID p 147 69
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07
18
ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70
Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma
fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele
antecedente aparelhando-o71
Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do
Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia
sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente
deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo
colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de
investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo
penal72
O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo
preliminar
22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance
Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa
provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim
termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73
Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de
Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os
efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo
suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio
audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74
Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
70
IBID p 07 71
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73
SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999
19
O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria
nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra
dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela
faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo
docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder
puacuteblico75
Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de
accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e
tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76
Ou seja a acusaccedilatildeo
prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo
penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato
aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo
bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77
De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo
preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os
postulados da instrumentalidade garantistardquo78
Isso porque uma vez que o processo penal
abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se
deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que
justifiquem o processo ou o natildeo-processo79
Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na
qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la
confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase
estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80
Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao
aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no
75
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 18 76
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77
SAAD Marta O direito p 22 78
LOPES JR Aury Sistemas p1 79
IBID p1 80
FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228
20
mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave
instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva
conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado
Estado81
Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a
expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem
estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito
penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual
penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82
Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe
pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos
poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83
Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades
desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis
com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a
apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a
fundamentar o processo ou o natildeo-processo84
Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da
persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85
que tem iniacutecio independentemente de sua
forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado
que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86
Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e
informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a
deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87
e tem como objeto por
sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve
81
SAAD Marta O direito p 22 82
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84
LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85
MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86
IBID p 107 87
IBID p 115
21
ou natildeo propor a accedilatildeo penal88
A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como
objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito
Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a
demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido
diverso89
A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu
competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal
privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo
objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e
predestinadas ao insucesso90
De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como
procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como
finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de
natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo
ter contra si um processo penal91
Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar
preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas
precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo
criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com
o passar do tempo92
A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida
decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio
dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia
bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de
88
IBID p 115 89
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites
constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90
IBID p 60 91
SAAD Marta O direito p 131 92
IBID p 131-132
22
tempo e de trabalho93
Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como
finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio
contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94
propiciando elementos e uma
base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95
Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a
comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96
Isto eacute deve-se
reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime
mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro
portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do
delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97
Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a
funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias
se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de
probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de
arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a
impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado
por processar um inocenterdquo98
Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite
falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito
passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e
juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem
acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99
A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para
93
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94
IBID p 17 95
SAAD Marta O direito p 23 96
ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione
avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97
ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato
ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non
di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a
stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98
LOPES JR Aury Sistemas p 47 99
IBID p 332
23
contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito
passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100
Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra
acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou
preacutevia
Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten
preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer
desaparecerrdquo101
Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer
surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por
vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o
acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da
investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas
diligecircncias102
No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo
preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e
fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo
do processordquo103
A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume
distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que
tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104
Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal
em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105
que por sua
vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a
ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando
os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de
100
IBID p 40-41 101
FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102
SAAD Marta O direito p 24 103
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104
LOPES JR Aury Sistemas p 45 105
Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee
de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria
24
prova106
Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por
um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees
precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos
colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua
que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a
condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla
defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo
em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no
convencimento do julgador107
Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a
crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo
do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o
julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do
inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi
produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do
julgamento108
A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em
essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do
processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados
repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por
isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez
com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse
diferentes regulamentaccedilotildees109
com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado
A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo
criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo
seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de
1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de
106
SAAD Marta O direito p 25 107
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 139-140 109
IBID p 74-75
25
Processo Penal de 1941
3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais
31 Sistema acusatoacuterio
Primeiro sistema processual concebido110
o sistema acusatoacuterio guardadas as
especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e
na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111
De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de
llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112
Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal
baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto
maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113
Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as
funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da
prova114
110
ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio
Op cit p 65 111
ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la
Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho
romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho
Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No
mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria
florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente
nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El
proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila
desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de
jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho
ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano
e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO
FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112
MAIER Julio B J Op cit p 206 113
TONINI Paolo Op cit p 26 114
ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base
26
No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina
acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e
o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo
sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate
contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115
Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio
ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il
giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice
decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti
limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la
carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116
Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um
aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um
oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo
de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o
tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o
processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e
contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo
havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila
resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos
julgadores117
al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da
interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni
processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si
rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115
ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto
pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la
acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral
y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116
TONINI Paolo Op cit p 26-27 117
MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute
27
Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade
doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute
inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo
equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118
Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do
sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do
processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel
autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do
outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente
equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119
O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia
conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo
acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente
inquisitoacuteriordquo120
Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no
sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo
de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da
proacutepria acusaccedilatildeo121
Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo
implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria
sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem
niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao
ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo
vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do
julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e
a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf
ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se
ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por
el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el
tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a
otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten
de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de
un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra
parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio
B J Op cit p 207 120
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o
Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium
set 2000
28
investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os
seus termosrdquo122
Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na
fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase
preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador
externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos
ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123
Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute
caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a
cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria
de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se
veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz
Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde
imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute
propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124
De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas
no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais
como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees
domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz
que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento
investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso
em seu desfavor125
122
ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial
CPP ago-2010 123
CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai
WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC
2000 p 146 124
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125
IBID p 73
29
32 Sistema inquisitoacuterio
O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte
juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash
e na Europa sobretudo a continental126
durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127
Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as
circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no
seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra
da Igreja128
Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios
decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao
procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129
O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz
iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou
a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130
Foi
trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como
um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram
em instrumento de dominaccedilatildeo131
A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central
absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da
soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132
O iacutenfimo valor da pessoa humana
126
ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra
ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y
perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten
laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p
210 127
ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho
germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el
siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista
histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de
los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los
ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de
procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129
FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131
IBID p 94 132
Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema
inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por
30
frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um
mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que
seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se
extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos
delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica
com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133
De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema
processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las
pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten
excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134
Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento
penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave
egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo
delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il
giudicerdquo135
elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia
il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice
decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle
prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136
Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos
de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma
uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137
Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)
a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca
exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133
MAIER Julio B J Op cit p 209 134
FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135
O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a
verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees
processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136
O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para
a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137
ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder
procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea
(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y
decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y
misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210
31
que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o
poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo
mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um
sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e
descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto
eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo
da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de
recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138
Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente
decorativo da defesa139
A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em
caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140
Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance
Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda
historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia
Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados
levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o
acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio
de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141
Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se
vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o
processo
Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica
138
MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140
MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo
processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de
liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees
de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio
o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o
acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito
Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se
transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO
Fernando da Costa Op cit p 94 141
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78
32
essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao
magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o
autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos
os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash
mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em
qualquer de suas fases142
Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio
adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse
puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade
passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima
instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a
ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143
Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da
produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144
Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo
processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel
distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos
colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente
aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145
33 Sistema misto
O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146
O sistema
142
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO
Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro
Renovar 2001 p 24 143
SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no
sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris
Editor 2005 p 45 144
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 145
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146
FLORIAN Eugenio Opcit p 66
33
inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que
havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code
dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147
O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e
ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram
por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do
Iluminismo148
Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao
sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e
conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo
dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do
sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149
razatildeo pela qual eacute este
tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150
Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na
impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151
Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de
processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam
elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior
parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o
Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois
sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do
acusado152
Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute
predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que
147
IBID p 66-67 148
MAIER Julio B J Op cit p 218 149
IBID p 213-214 150
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151
ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar
a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia
de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las
otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152
ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della
storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio
Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del
1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal
crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27
34
sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153
In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa
dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia
dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore
listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o
il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla
richiesta di rinvio a giudizi154
Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio
entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155
La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai
seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte
gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure
eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156
Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado
ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande
parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele
ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso
153
IBID p 27 154
A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema
inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de
pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a
denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155
IBID p 27 156
A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as
perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do
julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27
35
durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria
francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no
sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo
predominante na Europa continentalrdquo157
Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi
inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158
O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados
por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas
com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da
acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste
especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do
acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com
base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159
Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que
ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)
instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs
etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar
se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas
primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de
forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a
pessoas distintas160
Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada
157
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158
IBID p 42 159
ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el
primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad
del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal
judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado
antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del
Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el
juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la
presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del
acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit
p 214-215 160
TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96
36
ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em
determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria
dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de
direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser
considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a
culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os
interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe
outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo
preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta
de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um
procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo
procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou
condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas
por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees
satildeo recorriacuteveis161
Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute
entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes
havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute
necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica
de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162
Essa
investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e
precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou
promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163
161
MAIER Julio B J Op cit p 215 162
No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual
incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance
Teoria p 79 163
CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74
37
CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO
PROCESSO
1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo
Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes
sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal
sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes
que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram
gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do
desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo
criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de
peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa
Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que
garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal
intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-
Estado164
Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista
impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade
Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto
normas desse teor165
Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil
pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de
reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees
necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166
Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as
164
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 11 165
SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
170 166
GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense
Universitaacuteria 1990 p13
38
Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de
determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da
prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio
constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia
do contraditoacuterio e da ampla defesa167
Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual
foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a
Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de
regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168
formando-se da uniatildeo
dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um
conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro
A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e
redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos
direitos humanos169
institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no
Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos
fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como
o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170
Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo
expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula
geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros
decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171
Portanto aleacutem dos direitos e
garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela
adota
Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para
se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave
167
IBID p13-14 168
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua
estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010
p 190 170
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 24 171
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106
39
atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores
democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172
Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de
plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma
ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que
inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento
soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua
vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a
separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo
inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173
Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as
guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas
garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de
respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174
Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia
da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre
processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de
princiacutepios e regras de direito processualrdquo175
o que leva ao desenvolvimento de estudos
especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional
Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel
Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolverdquo176
De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a
ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais
colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento
172
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2001 p 08 173
IBID p 08- 09 174
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175
IBID p 15 176
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel
Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84
40
juriacutedicordquo177
transformando o processo em garantia da liberdade
Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro
apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto
dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado
contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178
O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e
Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios
constitucionais do processo179
rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute
viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180
A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal
constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181
Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais
do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a
natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria
Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo
penal182
de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de
inconstitucionalidade material
Entretanto ressalta Grinover
Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que
satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel
constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler
as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar
a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos
legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 85 180
IBID p 85 181
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182
TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 48
41
interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em
conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo
constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo
possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e
aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183
Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser
vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de
igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para
alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184
Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos
valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente
dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado
processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves
liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja
estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se
extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado
modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e
liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para
sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento
histoacuterico para um ou para outro lado185
Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal
constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja
feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e
sob a perspectiva dos direitos fundamentais
Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular
da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos
183
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184
NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185
IBID p 14
42
se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186
Assim
apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa
passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do
investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais
esclarecida187
O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular
de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188
De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular
de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos
e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos
simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189
Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na
persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando
tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios
inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um
processo penal mais justo190
Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem
obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da
dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo
de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional
do direito processual penal191
Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado
assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o
Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em
nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192
-193
186
IBID p 07 187
IBID p 07 188
SAAD Marta O direito p 205-206 189
IBID p 206 190
BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do
processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191
IBID 192
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp
Outubro 1999
43
Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na
medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na
liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente
fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo
sistema repressivo194
Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as
garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser
consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila
investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo
Estado na liberdade individual195
atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos
dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do
valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como
sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma
acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196
Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez
o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos
valores seguranccedila e liberdade197
sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de
soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198
Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo
criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi
Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal
garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma
forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199
Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo
193
Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da
Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno
RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194
SAAD Marta O direito p 07 195
IBID p 07-08 196
SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash
2006 197
SAAD Marta O direito p 12 198
IBID p 12 199
IBID p 15-16
44
criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica
de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz
das garantias objeto do presente estudo
11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica
O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute
invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas
origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta
particularmente o artigo 39 deste documento200
Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta
Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos
medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita
e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a
determinados homens201
Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei
que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de
constitucionalismo do seacuteculo XVIII202
Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a
do artigo 39
ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or
exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon
him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo
200
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra
Almedina 2000 p 480 201
GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 1973 p 23 202
IBID p 24-25
45
De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem
duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-
americana203
No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido
processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou
respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204
Assim qualquer
restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by
the law of the land205
A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que
na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a
expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica
mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206
Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada
pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual
ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State
or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or
imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by
the due process of lawrdquo207
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a
poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua
203
IBID p 25 204
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205
IBID p 184 206
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25
46
extensatildeo a todos208
De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas
expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the
landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente
limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209
Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of
lawrdquo satildeo usados como equivalentes210
Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi
sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que
invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a
interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law
transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente
agrave ideia moderna211
O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e
posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para
a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila
vinculante para todos os poderes do Estado212
A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos
Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens
satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca
da felicidade213
A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como
emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214
e especialmente quanto agrave claacuteusula do due
process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida
208
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209
IBID p 184 210
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211
IBID p 25 212
IBID p 26 213
IBID p 27 214
IBID p 27
47
ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous
crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases
arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time
of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be
twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to
be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without
due process of law nor shall private property be taken for public use without just
compensationrdquo
Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra
abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos
oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder
estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV
foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215
Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda
All persons born or naturalized in the United States and subject to the
jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they
reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or
immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person
of life liberty or property without due process of law nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the laws
Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave
afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser
tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda
atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216
215
IBID p 28 216
IBID p 29
48
Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como
um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio
exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da
Ameacuterica217
De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due
process of law pode sintetizar-se da seguinte forma
ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de
um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da
liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto
na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade
Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido
por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees
criminais particularmente gravesrdquo218
A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito
inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado
de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado
privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219
A accedilatildeo do
Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae
sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo
penal220
Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes
Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo
devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das
normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o
processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso
217
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218
IBID p 481 219
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220
IBID p 185
49
devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na
constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221
Segundo
o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o
direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo
legal dos mesmos processosrdquo222
Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de
que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da
consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223
uma vez que justiccedila e due
process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se
conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224
Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm
conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum
standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias
especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225
Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a
projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de
lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-
sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo
em uma perspectiva histoacuterica226
A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento
constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo
Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo
histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do
amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de
reasonableness227
Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do
221
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222
IBID p 481 223
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224
IBID p 34 225
IBID p 34 226
IBID p 35 227
IBID p 35
50
ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei
natildeo eacute suficiente228
Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das
formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades
legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo
estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas
regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229
Por fim leciona o autor
Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o
proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no
substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso
devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230
Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como
justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo
ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231
Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do
processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou
propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos
fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja
feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232
Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois
uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e
adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e
propriedade dos particulares233
Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser
materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso
228
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229
IBID p 185 230
IBID p 185 231
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232
IBID p 482 233
IBID p 482
51
devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-
legislativardquo234
Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam
alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em
processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do
processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e
pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo
Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235
Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria
exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e
punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a
ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236
Agraves autoridades legiferantes
deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da
propriedade das pessoas237
Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo
por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre
substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem
juriacutedica238
Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute
nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo
(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo
procedimentalrdquo)239
Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua
liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial
processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no
momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e
234
IBID p 482 235
IBID p 482 236
IBID p 482 237
IBID p 482 238
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239
GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185
52
injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240
Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo
legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos
limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de
direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de
modo discricionaacuterio ou imprudente241
Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer
obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242
Desse
modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as
formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria
configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando
ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o
princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras
formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico
subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto
processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244
de relevacircncia crucial
para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como
para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245
Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no
processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos
privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas
240
IBID p 185-186 241
GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242
IBID p 38 243
IBID p 38 244
Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente
declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias
satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias
ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a
declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos
consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva
seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela
norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais
se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf
ed Satildeo Paulo p 411 245
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187
53
tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo
processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246
Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui
segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido
processo legal
Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se
de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem
suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a
formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena
possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da
imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247
Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser
entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como
garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo
12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro
A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o
conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para
assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa
246
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247
IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini
DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes
como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes
de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do
exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo
54
Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a
partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar
que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de
status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional
(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional
(legalizaccedilatildeo)248
A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa
conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249
Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras
normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure
toda a disciplina do assunto250
conservando a foacutermula norte-americana dos direitos
impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta
Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados
ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251
Em
seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252
No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de
citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem
ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil
em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo
Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253
Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que
como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas
como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos
humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e
248
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249
IBID p 189 250
IBID p 191 251
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
cit p 91 252
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253
IBID p 189
55
benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254
13 Devido Processo Penal
O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a
natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto
normativo respectivo255
No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente
as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma
pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de
um devido processo criminal256
Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute
mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e
que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis
processuais que o disciplinamrdquo257
Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave
sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos
corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258
tratando-se
por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo
Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como
instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a
necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259
Segundo a autora ldquoa dicotomia
defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no
juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque
254
IBID p 187 255
IBID p 187-188 256
IBID p 187-188 257
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258
IBID p 69 259
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo
Paulo Saraiva 1976 p 27
56
de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260
Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser
reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261
sendo necessaacuterio que o processo proporcione
verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo
de suas provas262
Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o
processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo
do ldquodevido processo legalrdquo263
Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as
imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de
prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de
jurisdiccedilatildeo264
Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art
5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo
envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe
garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos
agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num
prazo razoaacutevel265
As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem
no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas
assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266
Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes
mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267
Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo
estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo
260
IBID p 27 261
IBID p 25 262
IBID p 25-26 263
IBID p 26 264
IBID p 26 265
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 76 266
GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267
FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo
Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio
Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo
Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192
57
jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268
isto eacute os textos constitucionais procuraram
assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa
do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas
Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas
seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em
mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)
da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos
a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos
atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)
da legalidade da execuccedilatildeo penal269
Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo
natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do
devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e
incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto
de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da
justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de
seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270
E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos
fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio
criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e
haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave
jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine
iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou
definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine
titulo)271
Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser
assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio
no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a
268
IBID p 192 269
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270
IBID p 71 271
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 62
58
atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo
julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente
elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido
como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo
razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de
reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis
ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela
inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo
reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em
julgado a sentenccedila condenatoacuteria272
Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma
ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273
Isso indica desde logo que o ldquojustordquo
processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em
princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei
objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um
conflito de interesses274
No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas
satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador
comum275
Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias
Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que
entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem
relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa
a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador
2 Direito de defesa
O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a
272
IBID p 62 273
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274
IBID p 189 275
IBID p 189
59
garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e
recursos a ela inerentes
A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado
eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276
Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual
Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees
anteriores277
Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278
1891 art 72 sect 16279
1934
art 113 n 24280
1937 art 122 n 11 segunda parte281
1946 art 141 sect 25282
1967 art
150 sect 15283
e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa
como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em
1937 e 1946284
Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de
que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada
com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo
judicial ou administrativo285
Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria
justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente
276
TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo
Saraiva 1993 p 203 277
FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2010 p 253 278
Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras
Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel
que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao
Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279
Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios
essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente
com os nomes do acusador e das testemunhas 280
Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281
Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela
autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria
asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282
Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela
desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das
testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283
Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute
foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285
IBID p 253
60
defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o
alcance de uma soluccedilatildeo justa286
O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de
interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa
agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso
de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287
A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo
atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da
defesardquo288
traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo
que proporcionam maior efetividade agrave garantia
Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da
imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da
produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa
teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)
a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289
Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da
ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais
distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da
audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida
(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290
A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a
ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo
pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo
razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo
do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291
286
IBID p 260 287
BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla
defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288
GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289
IBID p 110 290
TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291
GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro
e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema
61
Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio
autodefesa - defesa teacutecnica292
Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees
pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam
assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa
colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293
A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294
) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
(artigo 82d295
) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia
sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos
processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre
e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296
Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que
expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado
pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no
intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297
A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de
manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298
ambas
interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292
BATALHA Sergio Fedato Op cit 293
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla
defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a
autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos
sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN
Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo
RT 2000 p 210 294
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297
IBID p 221 298
IBID p 221
62
devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299
como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300
Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal
que assegura ao preso301
o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser
conciliados302
O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia
muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o
sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a
atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do
interrogatoacuterio303
Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar
nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o
imputado304
Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de
contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo
singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305
Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais
internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306
e 82e307
)
299
ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as
seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300
Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se
comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves
seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se
culpada () 301
Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo
somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem
de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais
grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro
Lumen Juris 2005 p 238 302
IBID p 238 303
IBID p 242 304
IBID p 242 305
IBID p 237 306
Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias
miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307
Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado
remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear
defensor dentro do prazo estabelecido pela lei
63
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308
) e
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309
)
Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto
constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()
sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo
Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia
de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o
tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo
nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)
Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e
acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via
de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal
em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310
A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem
de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta
apuraccedilatildeo do fato311
Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente
indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da
paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e
consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312
Isso porque ldquoquanto mais atuante
e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313
Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da
defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu
308
Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as
seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio
de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e
sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo
tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309
Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311
IBID p 234 312
GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234
64
pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado
de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314
Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a
necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute
processado ou julgado sem defensorrdquo
Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de
garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o
direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute
considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315
Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que
natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer
para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316
Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da
defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao
silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a
ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o
desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317
21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos
acusados em geral inclusive nos processos administrativos
A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada
como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318
Isso porque a expressatildeo
usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser
314
GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315
FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316
IBID p 268 317
GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
65
compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido
amplo319
Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de
incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de
maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320
Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado
pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo
penal321
Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como
ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de
persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322
- portanto uma vez que se
trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323
Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma
constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa
constitucional324
A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da
dignidade da pessoa humana325
Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de
processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio
de processo penal326
Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional
no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em
processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho
para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327
319
IBID p 251 320
SAAD Marta O direito p 367 321
BATALHA Sergio Fedato Op cit 322
Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o
policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323
SAAD Marta O direito p 367 324
BATALHA Sergio Fedato Op cit 325
IBID 326
IBID 327
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251
66
Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal
bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a
incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328
Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo
um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329
sobretudo
aqueles decorrentes do direito de defesa330
Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de
investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331
A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da
pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser
reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo
temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a
apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das
comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de
atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332
Tudo isso vale ressaltar independe do
estabelecimento de contraditoacuterio333
Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status
de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser
tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334
328
IBID p 250-251 329
MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel
em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330
ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas
corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo
reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a
crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta
Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo
com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa
fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury
Introduccedilatildeo p 235 331
ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos
constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo
preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a
possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332
IBID p 366 333
SAAD Marta Exerciacutecio 334
ID O direito p 366
67
Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do
inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser
considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher
defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o
envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento
apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335
O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo
imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336
Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a
ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do
inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337
Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma
ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as
acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em
silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua
inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338
A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do
acusado339
De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa
manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de
maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de
atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou
alegando negativas de autoria e de materialidade340
De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total
omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341
335
TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto
Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de
registro 12022001 336
SAAD Marta O direito p 202 337
ID Exerciacutecio 338
ID O direito p 367 339
IBID p 368 340
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341
IBID p 237
68
podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342
Natildeo apenas
pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima
contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343
podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo
simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344
A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa
constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do
acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345
Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida
por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de
complementaridade
Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica
com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a
teor do artigo 14 do CPP346
poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas
ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com
assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos
interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347
Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor
interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da
poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348
O sigilo do inqueacuterito
policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a
quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349
Consagrando tal
prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o
seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo
aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado
342
Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela
ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p
368 343
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344
SAAD Marta O direito p 368 345
IBID p 202 346
Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que
seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347
SAAD Marta O direito p 202 348
IBID p 369 349
IBID p 369
69
por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito
de defesardquo350
Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do
interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo
deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente
impraticaacutevel ou inuacutetil351
Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal
possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de
elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352
No entanto no
intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo
deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353
Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de
provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser
proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e
tempestivamente sua defesa354
Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja
garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida
por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao
Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio
defensor355
Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de
resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da
sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a
condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa
350
O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos
autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o
defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351
SAAD Marta O direito p 369 352
FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial
Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353
IBID 354
SAAD Marta O direito p 200-201 355
IBID p 368-369
70
no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem
evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356
ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos
fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade
policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de
diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos
constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm
a ganhar357
Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se
precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358
Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da
desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser
respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal
3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia
Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359
eacute o da presunccedilatildeo de
inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso
LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de
sentenccedila condenatoacuteriardquo
356
IBID p 204 357
ID Exerciacutecio 358
IBID 359
ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou
trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus
Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo
de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p
11
71
Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo
de natildeo culpabilidade360
esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao
ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo
sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361
As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do
Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da
common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na
Magna Carta362
Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo
dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant
preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes
necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo
a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no
periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363
de proteccedilatildeo dos direitos
humanos364
Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a
presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos
textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo
constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366
isto eacute o legislador
constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica
360
ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de
inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila
constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo
tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo
iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de
inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363
ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa
fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa
tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser
considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua
culpardquo (CADH art 82) 364
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355
72
clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e
igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de
regimes despoacuteticosrdquo367
Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um
processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368
Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio
informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo
de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os
valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369
Trata-se pois de
ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa
humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo
criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370
Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito
em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva
no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-
se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma
sentenccedila fundamentada371
Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de
inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende
um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele
denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria
probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372
373
367
IBID p 355 368
IBID p 358 369
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em
homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da
presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a
ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a
condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento
diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a
fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373
ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma
probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de
73
A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o
acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374
Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio
regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute
possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente
sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375
Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal
satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o
reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas
acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o
direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376
E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura
tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes
do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva
de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377
Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas
antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e
desde que fundadas em fatos concretos378
Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o
teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam
adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo
como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou
outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi
definitivamente julgado como autor de um crime379
inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide
de Presunccedilatildeo p 462 374
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376
GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA
Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo
Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12
74
A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no
Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente
em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380
Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se
tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando
pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se
compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como
uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como
inocente382
assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria
somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383
Sua abrangecircncia e acircmbito de
proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto
Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica
orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e
finalmente o que deve ser provado384
Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da
condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade
probatoacuteria385
Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a
presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se
encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386
Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a
inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu
conteuacutedo387
380
IBID p 12 381
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383
IBID p 427 384
IBID p 462 385
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386
IBID p 226 387
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538
75
Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e
subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu
o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388
Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal
informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute
que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de
demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material
probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha
conteuacutedo incriminador390
Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo
deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do
imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391
A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame
do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia
da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma
juriacutedica mais adequada ao caso concreto392
Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova
suficiente da culpabilidade393
Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova
segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave
absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas
provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no
momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394
A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar
convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a
direitos do imputado395
Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados
388
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal
Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391
IBID p 538 392
IBID p 462 393
GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394
IBID p 11 395
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539
76
na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir
orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no
ldquoin dubio pro reordquo396
que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou
manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397
Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de
inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de
um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees
como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado
pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de
alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes
investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no
acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo
judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a
ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398
Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus
aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes
ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da
pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a
396
IBID p 539 397
ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees
empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser
resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo
tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana
e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo
por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo
de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo
axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao
caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a
lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas
possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente
ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais
Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)
e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum
causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo
caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel
abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398
LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187
77
relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia
agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o
necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja
dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa
(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente
com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo
e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma
decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se
possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave
dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399
Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema
processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e
assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo
a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400
31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal
Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da
presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo
de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal
- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar
via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento
indiscutiacutevel de sua culpa
Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando
leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior
399
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400
IBID p 358
78
relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do
mero suspeito como culpado401
Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia
consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase
investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema
instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico
mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402
Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica
imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos
de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403
Jaacute
nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo
dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos
estatais404
ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo
de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405
Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser
humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de
sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406
Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de
tratamento do investigado407
aspecto mais significativo nessa fase investigativa408
401
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio
da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra
Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora
2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que
posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el
derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o
anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con
influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de
inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403
Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se
inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de
atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o
primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo
preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404
IBID p 492 405
IBID p 492-493 406
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493
79
Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado
que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409
Refere-se desse
modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito
policial410
e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash
o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja
intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de
direito411
Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento
dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de
um juiacutezo de culpabilidade412
Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo
apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor
mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o
imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413
Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as
medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo
podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414
Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de
inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415
ldquoA defesa teacutecnica garante que o
imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de
profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia
assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o
intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir
prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416
409
IBID p 493 410
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412
Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos
humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA
Ana Lucia Menezes Processo p 172 413
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414
ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio
(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416
IBID p 494
80
Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo
haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo
tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417
Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a
prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo
telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos
incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418
A presunccedilatildeo de inocecircncia exige
um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor
dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos
para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419
Em outros termos nenhum elemento
probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os
ditames da lei420
Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos
qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo
formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421
Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como
ldquonorma de juiacutezordquo422
De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem
ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos
incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa
legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a
denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase
persecutoacuteriardquo423
Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes
decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser
orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424
Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar
havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido
417
IBID p 494 418
IBID p 494 419
VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e
na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado
Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422
IBID p 494 423
IBID p 494 424
IBID p 494
81
pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja
como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425
4 A imparcialidade do juiz
A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado
genuinamente Democraacutetico de Direito426
Constitui indubitavelmente uma das mais
importantes garantias do devido processo criminal427
Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz
imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o
assegura428
Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante
um julgador parcialrdquo429
Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o
bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz
imparcial430
Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de
qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431
Assim natildeo seria possiacutevel
imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um
juiz equidistante das partes processuais432
Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um
juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando
eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do
proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a
425
IBID p 495 426
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa
imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique
Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz
nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em
httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427
GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429
IBID 430
IBID 431
IBID 432
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140
82
imparcialidade do juiz433
Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a
previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes
pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa
manifestar a imparcialidade434
(CF art 95 caput)435
Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute
suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para
decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute
exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a
quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436
Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente
intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437
(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438
Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de
suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439
(arts 252 e
seguintes440
) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de
433
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434
ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435
Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida
apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o
juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade
salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado
o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436
ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al
decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la
uacutenica ni es por ello suficiente436
Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo
la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa
situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op
cit p 484 437
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438
Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou
funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em
processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios
ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei
V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440
Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou
advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio
houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz
de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou
parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou
diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os
83
impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a
assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de
cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441
Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia
constitucional impliacutecita442
Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente
o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de
direitos humanos como veremos a seguir
O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo
imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas
internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da
Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito
em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal
independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos
Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa
forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis
preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo
81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443
(ldquoToda pessoa tem direito a ser
ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal
competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de
juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das
partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou
descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia
III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda
ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer
das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista
ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de
parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo
descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o
padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute
ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442
De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica
ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto
da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais
preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo
GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo
Malheiros 2006 p 144 443
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja
promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992
84
qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos
ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do
artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444
(ldquo Toda a
pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal
competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de
qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos
seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)
Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445
identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano
tutelado por diversos documentos internacionais446
donde se depreende que ldquotodo acusado
tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma
diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser
aplicadardquo447
De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode
ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do
processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e
especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes
conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em
conflitordquo448
Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser
compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota
indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida
como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas
sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se
depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449
444
Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento
juriacutedico nacional 445
CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op
citp 51 446
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448
GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos
Tribunais 2001 p 37 449
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de
85
Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de
legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450
Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face
do caso concreto451
ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses
subjetivos de quaisquer das partes processuais452
Impotildee-lhe por conseguinte atuar como
um ldquoobservador desapaixonadordquo453
exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e
sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter
processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454
Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em
conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso
agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar
regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455
Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a
independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de
modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder
Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo
garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo
especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre
imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en
princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456
Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige
seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457
permitindo com
garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450
IBID p 236 451
AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales
Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453
CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires
Bibliografia Argentina 1945 p 27 454
AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456
MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral
do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p
11
86
isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob
qualquer pretexto a nenhuma das partes458
Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo
juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que
exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave
atividade das partes processuais459
Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o
juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer
com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460
Eacute inadmissiacutevel pois pretender
que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha
uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461
Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido
em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma
constante troca de valores e experiecircncias462
Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo
utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o
meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no
contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo
quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar
A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da
sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma
postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas
na controveacutersia judicial463
Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual
apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo
penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das
partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave
458
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459
IBID p 11 460
OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel
em httpwwwibccrimorgbr 461
ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462
HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p
27-41 463
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113
87
realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos
princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464
Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser
julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma
relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional
uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos
deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o
exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles
inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465
Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo
do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a
obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466
o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute
natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467
Assim uma anaacutelise mais
minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas
convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes
internacionais468
Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem
sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo
por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack
vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade
objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto
subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto
e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir
qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469
464
IBID p 113-114 465
IBID p 115 466
LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468
IBID 469
ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to
ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is
determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH
88
Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se
pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade
subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando
por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de
amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode
resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do
processo470
Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de
convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante
do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute
demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva
consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel
duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471
Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma
determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o
que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a
averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam
contaminar o julgamento472
Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em
um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que
possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso
posto a julgamento473
Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo
que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua
Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo
sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined
according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given
case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees
sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined
whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts
as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint 470
AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo
Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473
IBID p 110
89
imparcialidade474
Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo
natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475
A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia
de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na
causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave
condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que
natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo
preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica
da lide por decidir476
Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume
especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento
firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser
resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade
democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta
imparcialidade477
Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de
ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478
Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente
imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute
necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz
objetivamente imparcial479
474
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de
Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475
IBID p 126 476
STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar
Peluso em voto-vista j 11112008 477
Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality
must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic
societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em
httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of
whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the
confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as
criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de
26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria
sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila
de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de
28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479
IBID
90
Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito
mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480
Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial
natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente
comprometido com uma das partesrdquo481
Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser
imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu
ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute
ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como
injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482
De acordo com o ditado inglecircs citado no caso
Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be
donerdquo483
Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente
comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto
do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo
justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484
41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar
A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias
incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que
se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de
imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo
Tribunal Europeu de Direitos Humanos
480
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482
IBID 483
ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one
refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may
allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v
Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484
LOPES JR Aury Direito hellip p 126
91
No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas
para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute
em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade
democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo
pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de
parcialidade485
natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante
Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva
a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado
havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele
Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o
magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia
consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486
Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do
investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo
determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior
com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada
no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de
485
ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw
What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In
order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be
taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos
department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his
duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer
sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982
disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486
ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage
the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly
detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is
quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to
play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to
weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the
Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself
has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary
investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the
bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the
force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a
restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental
principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the
provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society
within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984
disponiacutevel em httphudocechrcoeint
92
investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487
Isso porque a investigaccedilatildeo
encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo
temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de
sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees
telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos
ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees
referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime
e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas
medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um
prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da
causardquo488
Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489
Numa primeira
etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter
atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo
realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua
imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da
imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato
praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490
Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial
afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte
Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso
concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem
inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser
julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para
eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe
julgar491
Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que
487
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488
IBID 489
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IBID 491
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237
93
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato
criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois
ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no
Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que
justificam o temor pela perda da imparcialidade492
Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a
examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento
juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de
um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da
investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente
causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status
libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras
de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de
alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do
arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493
Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao
investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar
pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida
restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado
antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do
suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional494
Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a
forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente
considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode
acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente
492
IBID p 238 493
IBID p 239 494
IBID p 239-240
94
duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo
mesmo juiz495
Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que
acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos
durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e
consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa
O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo
penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a
privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante
a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo
responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e
dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a
investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela
atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa
questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo
Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo
magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro
Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma
abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo
criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
495
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito
95
CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL
1 Consideraccedilotildees iniciais
Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma
apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia
material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou
participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele
termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de
ser submetido a processo penal
Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo
Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas
e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a
justiccedila penal
Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma
garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso
envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees
a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um
julgamento por juiz imparcial
Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se
restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo
Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa
natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado
por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado
Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo
criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos
processuais historicamente ultrapassados
Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao
96
julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela
legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias
essenciais
Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento
juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de
compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado
Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa
legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa
Carta Poliacutetica496
Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na
investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo
nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo
2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico
21 As Ordenaccedilotildees do Reino
As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de
seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de
Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497
Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas
sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que
foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de
Processo Penal Imperial) e republicanas498
Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos
496
ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no
Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498
SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27
97
paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no
sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499
Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos
juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500
O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado
socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501
Notava-se no
processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento
inquisitorial502
Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito
Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas
inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto
de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da
suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503
Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia
a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do
acusado e de forma secretardquo504
Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e
o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois
na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505
A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve
como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim
acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506
499
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500
IBID p 78 501
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas
Bastos 1959 p 112 502
MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503
PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi
1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os
processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de
denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das
querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p
115 504
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505
IBID p 102
98
A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos
almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham
como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante
os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos
bairros)507
Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes
especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de
investigaccedilatildeo dos crimes508
Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se
principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees
devassas509
Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela
primeira vez no direito portuguecircs510
Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior
profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram
aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia
Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte
o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre
diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511
Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos
baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e
despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras
processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees
devassasrdquo512
No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os
procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos
e particulares513
506
IBID p 112 507
IBID p 120 508
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63
99
O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees
de querelas e de denuacutencias514
Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que
se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas
Ordenaccedilotildees Filipinas515
A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida
Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da
pronuacutencia516
Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da
cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de
devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo
judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a
pronuacutencia517
Assim era pois formada a culpa
A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito
tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos
culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os
instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes
graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o
julgamento518
Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram
diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519
As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes
comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas
que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas
especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520
As
devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as
especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro
de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia
ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e
514
IBID p 65 515
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517
IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519
IBID p 64 520
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133
100
ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas
especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros
comissionados para isso521
As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas
inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem
reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de
prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia
a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim
desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as
devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou
que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem
consideradas judiciais agrave sua revelia522
A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato
criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente
autordquo523
Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher
entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524
Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou
quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir
procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e
que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e
pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua
falta525
A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime
puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526
e soacute podia ser utilizada nos casos de
devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527
521
IBID p 133 522
IBID p 134 523
IBID p 134 524
IBID p 134 525
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526
IBID p 67 527
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135
101
Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por
moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos
juiacutezes da terra528
22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de
novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves
garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529
A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo
de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa
e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e
mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio
do povo e naccedilatildeordquo530
O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a
independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de
marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo
sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531
substituindo assim as
perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532
Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos
brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios
garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide
do Livro V das Ordenaccedilotildees533
A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI
Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534
528
SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529
SAAD Marta O direito p 29 530
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531
SAAD Marta O direito p 27 532
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533
IBID p 117 534
Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim
no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados
pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que
102
e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram
eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das
atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535
Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827
instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do
Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz
atribuiccedilotildees policiais preventivas536
e repressivas537
Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz
eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este
era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo
do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz
criminal538
Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a
formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a
qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava
para a prisatildeo do acusado539
Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as
determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540
A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto
as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo
de Processo Criminal de 1832541
todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que
a Lei determinar 535
Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo
algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira
por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536
ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-
los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em
outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os
vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar
as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537
Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada
(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538
SAAD Marta O direito p 28 539
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540
ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a
qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo
IBID p 121 541
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
103
Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham
enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e
formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542
que despontava como a base
da acusaccedilatildeo543
Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas
atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder
como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do
crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544
O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a
primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545
enquanto a segunda dispunha acerca da
forma do processo ou procedimento
No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute
observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546
visto que o chefe de poliacutecia
era tambeacutem um juiz de direito547
A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda
transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo
de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548
ldquoAs
querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias
liberais foram incorporadas agrave leirdquo549
As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem
diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no
542
Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentesrdquo 543
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o
futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo
ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544
SAAD Marta O direito p 31 545
Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias
dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e
cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de
quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico
(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que
poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o
chefe de poliacutecia 546
Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo
haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547
SAAD Marta O direito p 29 548
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549
SAAD Marta O direito p31-32
104
instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550
a
querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo
ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551
o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado
pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia
ainda que denuacutencia natildeo houvesse552
A formaccedilatildeo da culpa que compreende o
procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente
sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus
soacutecios553
Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute
aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que
abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do
delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou
improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados
para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554
A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era
subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555
ldquoIsto eacute
instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir
atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do
promotor puacuteblicordquo556
Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser
observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do
corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de
testemunhas d) no realizaacute-lardquo557
550
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552
ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou
cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo
ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553
IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de
formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em
siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees
interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo
1973 p 125 555
SAAD Marta O direito p 32 556
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557
IBID p 126
105
Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria
disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das
provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558
Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a
lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a
inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559
De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz
procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560
e que atuasse
sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561
com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562
Ao juiz de paz incumbia
reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563
bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo
houvesse denunciante564
mandando chamaacute-las de ofiacutecio565
para que depusessem sobre a
existecircncia do crime e autoria delitiva566
567
O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no
cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem
recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568
devido agrave inexistecircncia de um representante do
Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569
558
IBID p 126 559
SAAD Marta O direito p 32-33 560
Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos
delinquentes 561
Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes
em que tem lugar a denuncia 562
Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a
denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563
Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa
servir de prova 564
Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de
testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565
Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566
Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo
necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem
noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568
IBID p 126 569
Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os
Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado
um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os
Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios
106
O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito
ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570
Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571
ou
preventiva572
do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a
inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573
574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila
do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os
testemunhos
Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde
ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado
Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem
reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575
sem prejuiacutezo aos
objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576
Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de
seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do
interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz
de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a
procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577
Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos
substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de
570
ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de
serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria
inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto
Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571
Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute
presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou
emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em
flagrante delicto 572
Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo
tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo
pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573
Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser
conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado
pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575
Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua
ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577
IBID p 127
107
algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado
agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578
Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa
simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se
tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do
povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579
Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a
formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso
a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem
decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da
formaccedilatildeo da culpa580
Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas
mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila
despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a
aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica
poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando
da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de
autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva
tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581
As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do
paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios
legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem
reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de
janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582
578
SAAD Marta O direito p 35 579
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580
IBID p 128 581
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117
108
23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842
A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com
conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583
e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de
janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de
Primeira Instacircncia
Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e
artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes
tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para
recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584
A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente
centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se
propunha de tornar efetiva a autoridade legal585
Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do
Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo
judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as
excessivas prerrogativas dos elementos regionais586
Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832
afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz
de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a
poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587
588
E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo
produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do
poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura
583
SAAD Marta O direito p 40 584
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585
IBID p 119 586
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587
SAAD Marta O direito p 41 588
Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre
outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135
109
criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de
poliacutecia589
As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590
Estabeleceu-se que em
cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes
de direito pelo Imperador591
Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto
pelo chefe de poliacutecia592
e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu
presidente593
Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias
propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594
e nomeados pelo presidente da
proviacutencia respectiva595
596
Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o
juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e
subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597
589
SAAD Marta O direito p 40 590
ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento
policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591
De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os
Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos
seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos
Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das
Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada
pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592
Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou
outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que
forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro
de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as
qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593
Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os
Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos
Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento
12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das
Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias
observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas
propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594
Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de
Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e
obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o
Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros
quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595
Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte
e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas
as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos
propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597
SAAD Marta O direito p 41-42
110
O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em
administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-
as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no
bojo do artigo 3ordm598
as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e
apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599
Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma
ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito
das reformas procedimentais600
A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa
(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash
disposiccedilotildees criminais601
foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o
chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e
juiacutezes de direito602
- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603
com recurso ex officio
para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604
Esse magistrado tambeacutem
podia formar a culpa e pronunciar originariamente605
606
598
Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto
comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados
comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar
os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis
mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou
officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599
SAAD Marta O direito p 43 600
IBID p 43 601
Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602
Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da
culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts
72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603
ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais
produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal
natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou
revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este
foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604
Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos
respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm
5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas
attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm
6ordm e 9ordm
Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as
pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605
Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()
2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles
serviremrdquo 606
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131
111
Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os
juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das
formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas
circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados
proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para
ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos
290607
291608
e 292609
)610
Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de
corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a
de seus delegados nos respectivos distritos611
Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes
quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem
obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de
formarem a culpa612
O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613
esclarecia que tal
607
Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem
os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que
prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a
requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou
denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o
esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608
Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e
denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e
mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos
reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos
processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores
ou complices 609
Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou
soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal
que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o
processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle
lanccediladas nos autos 610
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612
Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos
districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e
esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas
circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente
comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo
poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613
Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e
12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias
extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego
de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter
aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem
do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas
ou denuncias que houverem
112
remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se
apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a
atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais
amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614
Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615
do Regulamento
nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro
das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de
colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira
autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da
culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais
esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes
competentesrdquo616
Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou
a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal
que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617
Aos juiacutezes de
paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era
permitido proceder ao auto de corpo de delito618
e agrave formaccedilatildeo da culpa619
concorrentemente
614
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615
Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa
enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais
esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na
conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-
se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria
enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que
escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os
casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados
de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no
expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem
perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das
penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados
participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila
que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu
expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617
SAAD Marta O direito p 46 618
Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619
SAAD Marta O direito p 43-44
113
Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos
empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620
Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621
conferindo agraves
autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622
Assim ldquoa reaccedilatildeo contra
o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de
paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash
confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623
Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e
projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871
apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram
sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da
poliacutecia e da judicatura624
24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871
A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro
620
Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo
Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de
responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos
Officiaes que perante as mesmas servirem 621
O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos
princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as
funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento
E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a
culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem
dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de
funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos
delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa
(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do
caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR
Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622
ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623
SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute
Olympio 1937 p 235 624
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64
114
do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e
poliacutecia625
e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626
627
O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo
constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628
Tal
estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos
na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do
Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no
sistema processual penal brasileiro629
A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as
disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que
nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas
ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a
jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630
Isto eacute
a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes
municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas
comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631
passou aos
juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do
distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632
como
faziam anteriormente633
625
Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo
facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente
exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e
Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado
mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de
qualquer autoridade policial 626
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627
A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo
ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a
prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA
JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio
da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram
como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629
ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem
dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades
tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre
pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632
Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os
outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento
115
Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que
fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao
cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634
determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo
10635
da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871
ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636
Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves
autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637
conservando os
juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638
O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam
assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do
crime639
por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de
instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e
nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de
seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos
respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos
Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do
Processo Criminal 633
SAAD Marta O direito p 51 634
A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da
comarca ou do termo 635
Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente
restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos
crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por
escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da
accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o
processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades
policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos
criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto
e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo
tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a
concessatildeo da fianccedila provisoria 636
SAAD Marta O direito p 51 637
A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871
Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia
de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as
circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO
Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639
Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a
noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias
para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos
delinquentes
116
tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640
Previa ademais que se presente a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato
criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio
seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo
promotor puacuteblico641
Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo
instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria
proceder ao inqueacuterito policial642
ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao
descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou
cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643
644
640
Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo
2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que
houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em
geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641
Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a
autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou
arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que
possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela
autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642
Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o
processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs
de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte
interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643
Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos
criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento
escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja
de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar
do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da
localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os
instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade
peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as
declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem
conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as
testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas
circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos
resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em
flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do
crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm
Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu
despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por
intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute
as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute
immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa
seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra
autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias
com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das
testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do
inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte
interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e
comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr
applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644
SAAD Marta O direito p 53
117
Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no
sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a
inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm
atribuiacutedo aos magistrados penais645
A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de
legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns
Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute
exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas
modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees
de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio
Marcos de Moraes Pitombo foram raros646
25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por
uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647
Ao
lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo
uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e
vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648
Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que
as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em
flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias
e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria
decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a
justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo
sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de
645
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647
ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648
Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal
118
Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos
ldquopseudodireitos individuaisrdquo
O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)
natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas
Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do
Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave
propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo
plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora
eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o
processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos
os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649
Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e
a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650
Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase
destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa
e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da
denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e
evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651
Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652
ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute
que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da
acusaccedilatildeo653
De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual
penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares
e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da
culpa654
ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o
649
MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650
PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651
FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652
A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para
situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653
ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654
PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de
119
todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-
serdquo655
Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de
1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de
instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o
Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes
argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a
dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado
de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria
juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos
distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os
apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila
de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal
agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657
sem
655
IBID 656
ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as
suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros
urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema
vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender
criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de
que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar
proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de
instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De
outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona
de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os
morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem
seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a
imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do
sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a
sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo
poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria
antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra
apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou
antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas
Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o
alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas
Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo
despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila
criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode
ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito
preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao
Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657
Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas
jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia
120
exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658
isto eacute o inqueacuterito
natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas
realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659
Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito
policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos
Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em
seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660
e
particulariza no artigo 6ordm661
as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial
assim que cientes da praacutetica de um delito662
Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que
a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos
mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de
direitos fundamentais663
Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia
criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio
Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em
virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a
requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o
trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a
definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma
funccedilatildeo 658
SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659
Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem
pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares
de Inqueacuterito 660
O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661
Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se
possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo
das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o
fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir
o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do
Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for
caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo
do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -
averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo
econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos
que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662
SAAD Marta O direito p 76 663
LOPES JR Aury Direito p 252
121
iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664
mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a
seguir
De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito
deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou
estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se
executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante
fianccedila ou sem elardquo
Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e
o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para
ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a
prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz
cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas
diligecircncias
Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo
quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo
Promotor de Justiccedila
Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa
para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico
promover o arquivamento das peccedilas665
No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo
juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute
remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer
a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no
pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo
Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer
fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada
664
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665
IBID p 112
122
pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por
representaccedilatildeo da autoridade policial666
A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas
pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o
sequestro de bens667
do indiciado e a busca e apreensatildeo668
Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes
instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de
obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz
portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar
seu convencimento669
Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi
sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou
todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do
Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que
eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar
seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670
Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no
Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo
juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671
)
Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da
livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das
provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as
outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672
666
Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva
decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da
autoria 667
Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante
representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda
antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668
Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670
IBID p 169 671
Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash
ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672
Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde
123
Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes
justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase
inquisitiva preacute-processual673
Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674
a rigor o magistrado
criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as
provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a
responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo
elemento surgisse para invalidaacute-las675
Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941
ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe
avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com
aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo
puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em
busca da formaccedilatildeo da opinio delicti
3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988
31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal
1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008
essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo
pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo
repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674
Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior
melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de
reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua
convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta
todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo
significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de
Processo Penalrdquo IBID p 172 675
MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70
124
Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o
ordenamento juriacutedico brasileiro676
A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o
processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime
autoritaacuterio militar instalado em 1964677
fator que ensejou consideraacutevel impacto
especialmente na esfera dos direitos fundamentais678
Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa
Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a
um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios
fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679
Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou
significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as
Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680
O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo
penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria
constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das
garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681
e nesta repetida em
abundacircncia682
Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na
sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica
Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo
Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores
constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e
676
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva
2008 p 21 678
IBID p 21 679
CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da
jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680
PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681
De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando
por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a
declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio
autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo
de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682
IBID
125
interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior
intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683
Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto
constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos
garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do
processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684
Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma
carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter
unicamente acusatoacuterio685
na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem
desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se
reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um
processo penal constitucional
As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no
processo penalrdquo686
multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser
encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens
Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica
assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I
da CF687
com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e
julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio
Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei
Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e
acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o
Ministeacuterio Puacuteblico688
683
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686
IBID 687
ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a
divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o
desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou
Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva
ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo 163 jun-2006 688
ABADE Denise Neves Op cit p 140
126
O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo
democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente
inquisitiva689
Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do
Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio
sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a
decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)
do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar
praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690
Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico
paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691
De fato um exame
superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de
inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 ainda subsistem no processo penal692
As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos
princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo
penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo
das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre
outros693
Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente
inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais
podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei
Maior694
Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras
preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos
689
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691
IBID 692
ABADE Denise Neves Op cit p 143 693
OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema
acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694
ABADE Denise Neves Op cit p 143
127
valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de
questionamento das garantiasrdquo695
O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura
constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo
criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696
Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional
acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos
inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o
ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697
A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo
preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade
exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema
acusatoacuterio
32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento
Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se cunfundam698
A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema
ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema
acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico
695
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697
IBID p 108 698
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2
p 41-46 julhodezembro 2008
128
assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a
reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699
Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a
etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700
passando a ser repelida a
valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria
ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de
papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701
Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja
essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702
A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da
separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do
Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de
qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703
Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e
portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente
estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704
A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo
legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais
que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705
ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de
combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de
acusadorrdquo706
A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da
efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo
punitiva do Estado707
Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de
699
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701
IBID p 108 702
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703
ABADE Denise Neves Op cit p 144 704
IBID 705
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706
IBID 707
IBID
129
buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da
acusaccedilatildeo708
Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial
princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em
que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente
afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709
Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder
Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do
juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710
Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz
preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de
investigador711
Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal
material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para
permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do
reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao
julgar e resolver a lide712
Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta
estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o
papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias
constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713
O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute
portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo
criminal
Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz
da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute
presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes
708
ABADE Denise Neves Op cit p 146 709
CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710
IBID 711
SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 713
CHOUKR Fauzi Hassan As reformas
130
competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito
extraprocessualrdquo714
Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a
legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo
intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715
Isso porque a
intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento
do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a
igualdade dos sujeitos do processo716
Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o
juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias
cautelaresrdquo717
Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o
papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade
intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718
Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal
buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do
magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719
Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela
Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das
investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista
Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro
no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado
poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de
parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na
ordem constitucional720
Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de
certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo
714
GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716
IBID p 109 717
GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista
Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719
IBID 720
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129
131
do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721
Os resultados da cultura inquisitorialista
herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo
vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722
A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo
Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo
fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do
investigado723
A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas
cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra
mais evidente
Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio
Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos
juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo
frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da
possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito724
A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga
possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente
por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema
acusatoacuterio725
Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o
oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que
tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de
inqueacuterito policial por parte do magistrado726
Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade
exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em
721
IBID p 129-130 722
IBID p 130 723
IBID p 130 724
IBID p 109 725
ABADE Denise Neves Op cit p 175 726
IBID p 175
132
tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por
intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade
exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema
acusatoacuterio727
Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise
eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a
formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no
caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728
Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em
nenhum caso729
Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos
fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir
como parte730
Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo
sobre a opinio delicti731
Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de
iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre
na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732
O sistema acusatoacuterio
atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de
elementos de convicccedilatildeo733
Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo
sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio
colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal
seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do
727
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro
Lumen Juris 2007 p 265 728
ABADE Denise Neves Op cit p 175 729
LOPES JR Aury Direito p 265 730
ABADE Denise Neves Op cit p 175 731
IBID p 175 732
IBID p 175-176 733
IBID p 176
133
Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734
ldquoQuem deve decidir portanto sobre
a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735
No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida
pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo
tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo
do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da
Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo
dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada
finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736
737
Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a
accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de
promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que
representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738
No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e
ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita
Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a
denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer
peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees
invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao
procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento
ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender
734
IBID p 110 735
LOPES JR Aury Direito p 265 736
ABADE Denise Neves Op cit p 110 737
ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno
informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia
conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de
assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela
Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista
determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738
IBID p 112
134
A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo
criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739
No acircmbito da
moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio
acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento
formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal
segundo os elementos coletados740
Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para
avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do
Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o
afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a
formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do
exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como
violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741
Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742
ao conferir iniciativa
probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a
determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter
restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase
extraprocessual
Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro
resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo
judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou
da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras
pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743
bem como da retirada do ordenamento
dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a
produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que
retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever
de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser
chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave
739
LOPES JR Aury Direito p 284 740
ABADE Denise Neves Op cit p 113 741
IBID p 113 742
Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743
SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150
135
intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo
jurisdicional744
321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz
A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve
ser muito restrita745
limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos
fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que
efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua
imparcialidade746
Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao
magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da
investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega
e desenfreada busca da verdade real747
O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela
observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em
incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos
direitos748
A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja
previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio
da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo
penal749
Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais
comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a
excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744
IBID p 150 745
LOPES JR Aury Direito p 247 746
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747
CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto
Esp 1996 748
IBID 749
LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro
Lumen Juris 2009 p 54-61
136
demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade
esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que
por meio dela se pretende atingir750
Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na
fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos
investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do
magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751
O exame dos
pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade
exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos
materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752
A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda
nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo
detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no
plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos
tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753
A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto
passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos
julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave
intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em
discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais
do investigado
Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a
privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da
necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos
Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de
Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente
750
CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova
Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo
Paulo LEUD 2000 p 65-69 751
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752
IBID p 187 753
ABADE Denise Neves Op cit p 141-142
137
patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o
magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com
a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de
sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica
Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade
do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem
margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos
incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a
instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
penal754
Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da
imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio
seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo
agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755
A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o
inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo
que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756
Sua imparcialidade estaacute
comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo
preliminar757
ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre
condutas e pessoasrdquo758
O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema
Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de
um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase
preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759
754
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755
IBID p 197 756
CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757
LOPES JR Aury Juiacutezes 758
IBID 759
Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)
138
Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo
acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que
verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760
de modo a preservar o distanciamento do juiz do
processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo
produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de
Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e
traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no
ordenamento juriacutedico brasileiro
O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das
garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
760
LOPES JR Aury Juiacutezes
139
CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no
Processo Penal Brasileiro
1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias
O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser
apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma
profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que
elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761
O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito
prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini
ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo
contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se
fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762
O processo dessa forma
com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no
exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado
para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763
Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela
visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a
necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764
Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para
conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme
liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi
761
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762
BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo
Revista dos Tribunais 2009 p 452 763
IBID p 452 764
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial
140
Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam
velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance
das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do
mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765
Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras
alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas
econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766
bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo
cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis
dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas
Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo
ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo
nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira
em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767
tiveram
vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do
Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o
alteraram neste longo periacuteodo
Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal
continuava defasado e desarticulado
Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo
penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo
e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas
765
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo
Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo
de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766
ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela
Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p
43 767
1946 1967 e 1969
141
pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo
constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768
Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo
Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769
ocorrida em quase sete
deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente
agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770
Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou
no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e
a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime
ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771
Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o
Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos
princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados
Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772
Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios
dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de
interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de
768
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769
A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze
Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito
projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei
apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770
A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras
regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de
Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771
PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772
MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas
cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo
Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75
142
compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituiccedilatildeo Federal773
Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo
determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos
preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das
disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os
princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos
institutos774
De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa
forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as
provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a
simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a
conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775
Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a
Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um
processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo
das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o
seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776
Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente
alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de
possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de
videoconferecircncia
773
SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e
contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma
Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774
BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775
ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de
competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1
julhodezembro 2008 p 111 776
FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual
Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17
143
Finalmente a Lei 124032011777
modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo
processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a
oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras
medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do
sistema penal778
Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo
Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de
graves viacutecios estruturais779
Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo
processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780
oriundos da nova
Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica
Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda
estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781
De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a
aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782
Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias
poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos
estrateacutegicosrdquo783
Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de
todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial
777
O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se
completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria
Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778
VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779
NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In
Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780
CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio
Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781
IBID p 101 782
Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo
inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo
de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de
conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o
sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 250 783
MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75
144
Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de
fundordquo784
No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas
reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas
virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785
Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual
penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais
Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do
Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute
muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como
sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser
inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor
que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto
central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786
De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma
global do nosso Coacutedigo de Processo Penal
Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute
verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho
de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio
seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787
Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser
um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma
constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode
ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788
784
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de
Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785
CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave
anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de
Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786
CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788
IBID p 80
145
Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma
mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal
com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda
progressos significativos em termos de garantias individuais789
Nesse sentido um novo
Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais
facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790
Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual
penal de 2008791
em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado
Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de
Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton
Carvalhido792
apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei
do Senado Federal 1562009793
Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de
2009794
Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na
Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795
Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da
imprescindibilidade de um novo Coacutedigo
789
IBID p 80 790
IBID p 80 791
Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que
entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792
Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de
Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato
Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do
Ato 1108 793
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal
1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v
200 jul 2009 794
OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo
IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795
O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi
apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente
por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados
determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer
sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para
emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013
146
Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao
alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal
brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um
novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de
1988
De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os
laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados
da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana
corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796
A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo
propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797
que busca
se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo
Dividido em seis Livros798
o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um
Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em
sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do
devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias
individuais
Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos
ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia
ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas
concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o
reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um
verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como
pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo
796
CAPEZ Fernando Op cit p 124 797
GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz
jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798
Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das
accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais
147
De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute
importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e
concretardquo799
Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades
merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e
definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da
atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800
e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo
de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801
a criaccedilatildeo do juiz das garantias
instituto que nos propomos analisar a partir de agora
2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares
Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz
das garantias no nosso ordenamento juriacutedico
Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal
impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo
dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal
Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as
elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e
assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial
Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou
inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores
do processo penal se confundam
799
MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800
Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801
Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009
148
Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio
pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o
risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa
a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo
Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao
magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo
penal ou de atuar como verdadeira parte no processo
O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar
alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado
Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute
mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito
passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm
lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado
Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria
estrutura dialeacutetica do processo penal
Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos
natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente
autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de
maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do
material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento
cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas
cautelares bem como de sua legitimidade
Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute
analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido
sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o
elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento
exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do
exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos
fundamentais do investigado
149
E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma
soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009
Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para
atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela
legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias
fundamentais do investigado802
cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela
claacuteusula de reserva judicial
Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo
criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o
Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803
Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo
controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos
individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder
Judiciaacuteriordquo804
Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no
nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura
de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do
artigo 16805
estaria impedido de funcionar no processo806
Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia
vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de
investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807
e 83808
do atual
802
MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos
de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim
IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804
Artigo 14 805
Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES
Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal
Salvador Juspodivm 2012 p 136 807
Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria
houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da
concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou
queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808
Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes
igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de
150
Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada
isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar
conhecimento do fato
O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das
garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809
Com efeito o juiz chamado a
intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um
giro de 180 grausrdquo810
ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811
A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009
reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a
fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees
judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na
experiecircncia internacionalrdquo813
podendo ser citados como exemplos o giudice per le
indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no
Chile814
Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada
ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo
como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815
algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da
queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2
o e 78 II c)rdquo
809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado
Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810
IBID 811
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812
MAYA Andreacute Machado Outra vez 813
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814
ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini
preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no
mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto
de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma
semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao
inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)
que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art
40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos
paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo
(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um
julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute
a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em
25082013 815
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
151
O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento
juriacutedico brasileiro
Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de
instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo
tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da
persecuccedilatildeo penal816
Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade
das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817
O
fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da
investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818
Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda
e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no
esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas
cautelares na fase processual819
Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de
separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a
distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820
com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e
Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal
acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do
processo do juiz da investigaccedilatildeo821
Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias
no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de
organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822
O juiz de
garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave
Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823
816
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo
MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de
reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817
IBID p 308 818
IBID p 308 819
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820
IBID p 89 821
IBID p 89 822
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823
IBID p 305
152
Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo
redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal
A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico
que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal
O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de
2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do
agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa
de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824
Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de
atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias
3 Atribuiccedilotildees
A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do
disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO
processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo
de acusaccedilatildeordquo
Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador
Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se
exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual
se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do
inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825
mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe
cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias
824
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de
Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem
ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90
153
investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo
nunca o gerente das tarefas policiais826
Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das
garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827
Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses
em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828
isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da
pessoa investigada829
As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final
ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009
Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da
investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe
especialmente
I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do
art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555
III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este
seja conduzido a sua presenccedila
IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal
V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar
826
IBID p 90 827
ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente
de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais
adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de
descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e
motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828
Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do
Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na
condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura
ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo
penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees
p 254 829
PASSOS Edilenice Op cit
154
VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como
substituiacute-las ou revogaacute-las
VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas
urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa
VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso
em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no
paraacutegrafo uacutenico deste artigo
IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver
fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento
X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre
o andamento da investigaccedilatildeo
XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de
comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de
comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e
apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de
obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado
XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia
XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos
termos do art 452 sect 1ordm
XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial
XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que
tratam os arts 11 e 37
XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a
produccedilatildeo da periacutecia
XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo
155
Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as
competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso
XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)
De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em
tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das
garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo
preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que
dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto
as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria
plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial
na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830
Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias
ressalvadas as de menor potencial ofensivo831
que seguem o rito dos juizados especiais832
Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833
isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo
penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834
Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai
de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees
pendentes835
podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em
curso836
No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees
do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma
regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837
830
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831
Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto
Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo
abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute
haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das
garantiasrdquo 832
PASSOS Edilenice Op cit 833
Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837
Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
156
Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de
diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos
do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838
Cabe-lhe tutelar a
regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839
Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado
como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-
se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em
construccedilatildeordquo840
Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se
esclarecer a sua finalidade
4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro
Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o
deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de
examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de
direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias
bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave
especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)
manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em
relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo
cada um deles
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que
ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839
IBID p 90 840
IBID p 90
157
41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal
A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para
atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo
jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais
Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na
esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o
estabelecimento de garante exclusivordquo841
A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a
criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um
juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que
atuou na fase preacute- processual842
De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo
Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse
tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase
processual843
Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado
que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade
da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844
Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue
exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e
qualquer processo de especializaccedilatildeo845
A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja
voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto
ganho de celeridade846
ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo
expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847
841
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843
SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844
IBID 845
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846
PASSOS Edilenice Op cit 847
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89
158
Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas
de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e
Satildeo Paulo848
onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos
acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece
ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra
um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa
nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse
sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849
No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do
juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas
competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes
ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850
De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia
evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento
das varas criminaisrdquo851
dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se
exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os
direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa
em prazo razoaacutevel852
Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia
no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo
penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com
um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais
848
IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito
policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias
deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das
garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo
tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua
participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa
investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver
necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz
da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850
COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global
do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851
SCHREIBER Simone Op cit 852
IBID
159
cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e
honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal
Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do
controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos
fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e
harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853
Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de
melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da
ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e
eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854
42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual
A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem
tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa
atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade
criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855
A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao
maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos
que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856
A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram
pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na
853
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo
Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias
160
atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a
imparcialidaderdquo857
O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo
prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a
Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas
tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo
consideravelmente reduzida858
No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de
direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode
prescindir da participaccedilatildeo do juiz859
que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o
mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da
competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo
Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por
um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo
e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode
se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que
sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860
E principalmente ele deve procurar
natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e
pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo
que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um
ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias
anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a
produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute
suficiente para condenarrdquo862
De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-
processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios
857
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858
SCHREIBER Simone Op cit 859
IBID 860
IBID 861
IBID 862
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
161
colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do
magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua
atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da
atividade jurisdicional penal863
Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um
magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse
primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864
Isso
porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo
preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo
constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende
inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865
Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees
distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja
funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do
material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866
No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a
autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que
impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz
acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos
das pessoas atingidas por tais medidas867
Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente
familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute
formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868
Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma
que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se
a defesa provar a inocecircncia do acusado869
Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo
863
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865
PASSOS Edilenice Op cit 866
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867
SCHREIBER Simone Op cit 868
IBID 869
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
162
formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo
de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda
a causa870
Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em
desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871
dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas
probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique
a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872
Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se
mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que
lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no
inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de
se fazer ouvir no processo873
A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute
indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro
pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo
definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela
envolvidas874
o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e
imparcialidade
A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos
com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente
daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo
da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875
O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o
cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um
juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande
870
IBID 871
SCHREIBER Simone Op cit 872
IBID 873
IBID 874
IBID 875
MAYA Andreacute Machado Outra vez
163
finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por
sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876
Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja
principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por
proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no
intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso
privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877
A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material
colhido na fase de investigaccedilatildeo878
Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade
objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja
imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que
esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879
atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e
durante o processo judicial
Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel
vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a
accedilatildeo penal880
ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave
etapa precedenterdquo881
O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela
legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882
Ao
contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em
melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela
fase883
ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois
do princiacutepio de imparcialidaderdquo884
876
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878
PASSOS Edilenice Op cit 879
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882
IBID p 89 883
IBID p 89 884
IBID p 89
164
Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e
assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009
separar as duas funccedilotildees885
Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio
Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias
que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos
cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou
contra uma das partes886
Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo
tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das
fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo
impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas
nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento
compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887
Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma
muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a
presunccedilatildeo de inocecircncia888
bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o
magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas
durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889
Tudo
porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com
isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890
Por
isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio
determinado constitucionalmente891
Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz
que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute
885
PASSOS Edilenice Coacutedigo 886
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887
IBID p 89 888
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889
MAYA Andreacute Machado Outra vez 890
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891
IBID
165
consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892
O juiz
competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees
relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e
imparcial893
Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em
seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre
as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a
causardquo894
Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das
garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm
1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal
mais justa garantista e eficiente895
Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua
inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de
parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das
criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo
das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo
Projeto de Lei 1562009
892
SCHREIBER Simone Op cit 893
IBID 894
BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895
SCHREIBER Simone Op cit
166
CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO
1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a
competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896
Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da
denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia
do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897
cabendo tal providecircncia
como consequecircncia ao juiz do processo
Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da
denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que
dispensa motivaccedilatildeo898
exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das
condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899
do atual Coacutedigo
de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900
Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou
queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo
existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901
Necessaacuterio pois o exame
pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou
rejeitada a peccedila inicial902
896
Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor
potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898
IBID p 228 899
Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar
pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio
da accedilatildeo penal 900
Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos
processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da
punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo
maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou
procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307
167
Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo
decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela
presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo
exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase
inquisitiva903
A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal
assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos
indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904
para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a
existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta
probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905
Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo
do Projetordquo906
Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se
afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907
A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas
decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os
elementos colhidos na investigaccedilatildeo908
sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que
natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do
projeto permaneceratildeo apensados ao processo909
ndash o material de convencimento da
existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910
903
REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm
113 p 109 904
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905
GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909
Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do
material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das
garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto
conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um
dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro
assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com
as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP
uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em
23102013 910
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228
168
O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o
alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do
processo911
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das
garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute
processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de
sua competecircncia912
passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo
processual jaacute plenamente formada913
No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do
recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo
juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos
colhidos na fase preliminar914
Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional
por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao
caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa
com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para
tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir
() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-
conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave
decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente
para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado
com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer
preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do
processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco
de comprometer sua imparcialidade objetiva
911
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912
IBID 913
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914
ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas
o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI
Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85
169
Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito
policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos
elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915
cuja produccedilatildeo tenha sido realizada
nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de
medidas cautelares916
Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar
a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917
Com isso se estaraacute afastando
qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material
informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para
tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918
De fato se o objetivo eacute afastar o juiz
do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a
decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919
2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves
decisotildees do juiz das garantias
Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a
accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920
-
compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees
proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes
o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921
915
Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma
audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a
acusaccedilatildeordquo 918
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919
IBID p 229 920
Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921
Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o
oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
170
A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a
qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922
Aqui no mesmo
sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz
do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz
pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido
oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923
Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o
oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo
julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua
competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a
duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924
Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da
autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem
decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925
Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem
Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das
garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute
reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo
A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz
da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926
Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das
garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo
preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de
realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a
denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas
923
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926
IBID
171
existentes no inqueacuterito policial927
E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar
sentenccedila final928
Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita
encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o
magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso
sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser
que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo
criminal929
Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a
possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a
quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930
Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo
reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora
com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931
e ao artigo 562932
do Coacutedigo933
com a
finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas
de reexame perioacutedico da medida
De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal
poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute
que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que
necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios
suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934
927
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928
IBID p 109 929
MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930
IBID 931
Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre
fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute
necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932
Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias
seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os
motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933
Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo
vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste
Coacutedigo 934
GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102
172
Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo
no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935
Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees
expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e
que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo
e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas
sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser
apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das
partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936
3 A escassez de recursos humanos e materiais
Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de
ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido
argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937
Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das
garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para
suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938
Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo
possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo
judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939
bem como que a proposta passaraacute
inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio
nacional e suas realidades regionais diversas940
Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento
desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo
A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas
935
IBID p 102 936
IBID p 102 937
MAYA Andreacute Machado Outra vez 938
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91
173
que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade
absolutamente incontornaacutevelrdquo941
Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada
Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave
Justiccedila em Nuacutemeros942
em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960
magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943
Paranaacute944
Minas Gerais945
Rio de Janeiro946
e Rio Grande do Sul947
Assim haacute nos 22 Estados
restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948
em
trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949
ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de
um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do
processordquo950
De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz
enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias
ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo
poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951
Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual
inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave
estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952
Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o
fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados
o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores
941
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942
httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em
15102013 943
2528 magistrados 944
1073 magistrados 945
989 magistrados 946
807 magistrados 947
734 magistrados 948
Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949
Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951
IBID p 110-111 952
ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136
174
Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de
investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953
De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do
sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos
seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num
mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal
da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira
bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954
Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos
tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual
com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de
favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955
Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave
noutros menos956
De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins
Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41
das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico
juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um
magistrado957
Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os
olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a
organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees
Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo
judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na
afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de
substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo
alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo
953
IBID p 136 954
GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955
IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo
apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior
aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957
IBID p 92
175
Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos
humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se
devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente
qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958
Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo
argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do
processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria
Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se
encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959
Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa
postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem
expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe
outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde
posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no
argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960
Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS
1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no
Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961
prevendo no art 701962
(Livro - Das
Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar
como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em
vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se
tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio
legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas
organizacionais do Poder Judiciaacuterio963
958
IBID p 92 959
MAYA Andreacute Machado Outra vez 960
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962
Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A
regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste
Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo
176
Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo
Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a
transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo
dispocircs no artigo 748 I964
natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver
apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a
criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra
transitoacuteria do artigo 748965
De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada
exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou
de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem
mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema
criminal atual966
Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser
definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos
fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de
natildeo mudarrdquo967
No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a
significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas
compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a
natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968
ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem
funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua
constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo
jurisdicional efetivardquo969
Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do
Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo
em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de
964
Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde
houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de
cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde
que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a
previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento
pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje
regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967
IBID 968
MAYA Andreacute Machado Outra vez 969
IBID
177
garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo
envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de
cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o
magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa
em outro processo e vice-versa970
Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz
das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de
comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971
quer atraindo as funccedilotildees de
garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras
alternativas972
Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as
alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes
obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a
implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal
chileno973
Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro
mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas
capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas
comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias
iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974
Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas
comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo
Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas
realidades975
Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira
970
BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971
MAYA Andreacute Machado Outra vez 972
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973
MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico
foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele
oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974
MAYA Andreacute Machado Outra vez 975
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92
178
Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de
impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro
lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as
comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do
Paiacutes976
Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo
para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o
engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977
Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente
possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da
estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida
observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do
julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre
atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo
contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros
do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute
com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os
argumentos defensivos978
Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que
da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a
conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder
Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do
Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo
Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979
ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute
mais relevante que mudar a leirdquo980
A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo
Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio
976
IBID p 92 977
IBID p 92 978
MAYA Andreacute Machado Outra vez 979
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980
IBID
179
mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981
Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a
apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura
condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e
compartilhadas por todos982
Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um
instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo
penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a
conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983
Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli
Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um
fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas
orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros
natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de
mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a
integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os
detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos
dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984
Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam
encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia
parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia
inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do
Estado Novo985
Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz
da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto
981
IBID 982
IBID 983
MAYA Andreacute Machado Outra vez 984
GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985
MAYA Andreacute Machado Outra vez
180
Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no
seacuteculo XXrdquo986
Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos
natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma
verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987
4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico
Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual
seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio
Puacuteblico Para Miguel Reale Jr
De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com
dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a
poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a
atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a
medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o
peso do aparato estatal988
Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de
poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande
parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o
que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais
oacutergatildeos em detrimento do indiciado
Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo
de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que
986
SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987
MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988
REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110
181
limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a
substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com
o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo
5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que
exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias
Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de
coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989
Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o
tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990
da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que
oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do
juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de
atuar no processo como relator991
Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das
garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o
impediu contudo de atuar na fase processual992
O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do
tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes
oferecida a denuacutencia993
Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como
juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele
atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro
grau994
989
ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990
Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves
disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash
as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental
que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In
ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de
Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106
182
Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo
quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso
desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute
insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma
participou da investigaccedilatildeo995
Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou
como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996
Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que
podem surgir tais como
O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e
se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo
que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das
garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute
como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria
preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria
for ajuizada997
Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998
do projeto ndash que ao impedir o
juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da
imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem
impedido de participar do julgamento999
A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do
quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado
provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute
do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000
995
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996
IBID p 370 997
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998
Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14
ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999
CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000
IBID p 371
183
6 Instacircncias recursais
Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de
o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo
posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a
imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos
fatos da investigaccedilatildeo preliminar
Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz
com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de
aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001
De acordo com
Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem
pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002
Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem
vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator
de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do
proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal
condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo
magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o
primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da
investigaccedilatildeo preliminar1003
Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004
impetrado em face
de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se
ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida
cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja
colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de
1001
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002
IBID p 197-198 1003
IBID p 231 1004
De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus
impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de
apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na
forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do
recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no
artigo 581 I do CPP IBID p 198-199
184
admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do
imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005
Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da
legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os
fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com
o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da
culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para
reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006
Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do
texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau
ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007
Nesse sentido Mauro
Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de
modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash
acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao
seu conhecimento1008
Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de
primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no
toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a
ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009
depois
quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer
magistrado (art 53 e ss)1010
Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo
1005
IBID p 198 1006
IBID p 198 1007
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008
IBID p 107 1009
IBID p 107 1010
Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos
atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu
cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau
inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila
ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash
tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash
ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o
terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo
impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes
consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de
suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz
manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes
hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu
cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo
sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente
consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
185
grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase
de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na
fase processual1011
Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da
imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado
Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais
satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012
Daiacute ser
necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal
uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do
direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013
Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator
do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente
para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o
mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal
estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado
processo penal1014
Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do
oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento
de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos
adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015
De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo
constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016
Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade
judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de
ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo
juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave
imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a
qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo
poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013
IBID p 231 1014
IBID p 198 1015
IBID p 202 1016
ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107
186
jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio
acusatoacuteriordquo1017
Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes
E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um
magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de
admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de
convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da
accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e
Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o
processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a
admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das
garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos
desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de
preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e
extraordinaacuterio1018
Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a
consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de
Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma
dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019
sob pena de a imparcialidade restar
assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser
alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de
meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha
analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso
formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a
culpabilidade do acusado1020
1017
IBID p 107 1018
GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019
MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020
IBID p 231-232
187
Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no
acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das
garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da
estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame
de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a
investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular
durante a instruccedilatildeo criminal1021
Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais
adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do
processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam
revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de
garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos
colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022
Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo
preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o
princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023
1021
IBID p 232 1022
Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional
IBID p 232 1023
IBID p 232
188
CONCLUSAtildeO
A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter
acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos
durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a
exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que
dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e
imparcial
De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de
interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um
sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam
precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada
Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e
resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a
interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta
inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade
A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo
penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo
restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a
privacidade e a honra
Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve
ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e
excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor
consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados
Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de
forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada
189
mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo
confere tal prerrogativa
Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos
fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da
investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e
autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem
na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela
verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem
como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na
investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao
magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo
a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando
verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali
documentados
Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto
verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito
exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por
ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos
direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no
subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento
que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade
exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal
Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira
presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em
clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional
deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse
modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no
processo
Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos
direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo
criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa
190
mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a
possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior
perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional
Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de
imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da
justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se
consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso
abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que
determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do
julgador impotildee-se o seu afastamento do processo
A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema
brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo
A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs
encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do
ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da
sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a
ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso
concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de
meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final
Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que
institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o
responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute
apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o
distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos
elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo
Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao
modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode
dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e
garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos
direitos fundamentais
191
Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz
das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da
falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo
O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e
definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem
duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal
Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes
do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento
do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua
introduccedilatildeo em nosso ordenamento
192
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2010