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O MECANISMO DOS CÂMBIOS EM
PADRÃO-OURO. ESTABILIDADE CAMBIAL E VIOLAÇÕES
DOS PONTOS DE OURO,
1854-1891
Rui Pedro Esteves* Fabiano Ferramosca**
2000
* Faculdade de Economia do Porto Rua Dr. Roberto Frias, 4200-464 Porto Tel: 225571100; Fax: 225505050 E-mail: [email protected] ** Faculdade de Letras Via Panorâmica, S/N, 4150 Porto
INVESTIGAÇÃO - TRABALHOS EM CURSO Nº 94, Maio 2000
ISSN 0870-8541
1
RESUMO
Um aspecto descuidado na história monetária em Portugal do século XIX tem
sido a avaliação da eficiência do funcionamento do padrão-ouro, enquanto
regime cambial. Nesse sentido ensaia-se aqui uma sua avaliação, a partir dos
pontos de ouro do real face à libra esterlina, para o período de vigência em
Portugal do chamado “padrão-ouro clássico”. Ao invés de se recorrer a
estimativas contemporâneas optou-se pela reconstrução retrospectiva dos
pontos de ouro, como forma de ultrapassar a inconsistência e a diversa
fiabilidade que usualmente caracterizam aquelas estimativas.
Palavras-chave: Portugal, regime cambial, padrão-ouro, pontos de ouro.
ABSTRACT
The efficiency of the gold standard, as an exchange regime, is an overlooked aspect of
the nineteenth century Portuguese monetary history. This work therefore addresses an
attempt of evaluating that efficiency, as gathered from the gold points of the Portuguese
real against the pound sterling, during the period of the so-called “classical gold
standard”. In order to avoid the usual inconsistency of contemporaneous estimates and
their different quality, a retrospective reconstruction of the gold points is favoured.
Key-words: Portugal, exchange regime, gold standard, gold points.
2
O MECANISMO DOS CÂMBIOS EM PADRÃO-OURO.
ESTABILIDADE CAMBIAL E VIOLAÇÕES DOS PONTOS
DE OURO, 1854-1891 †
I. INTRODUÇÃO
As páginas seguintes reportam os resultados provisórios de um projecto de investigação
em torno do funcionamento do sistema monetário padrão-ouro em Portugal, entre Julho
de 1854 e Junho de 1891. A necessária inventariação dos múltiplos dados necessários
ainda se encontra longe da conclusão. Não obstante, julgou-se útil apresentar uma
primeira versão parcial como forma de suscitar a discussão acerca da metodologia
empregue. Esta última passa pela reconstrução retrospectiva dos pontos de ouro, em
conformidade com a avaliação de Lawrence Officer de que,
Tipicamente, os historiadores que investigam a eficiência do padrão-ouro confiam em
estimativas contemporâneas dos pontos de ouro, mas estas estimativas são dispersas,
inconsistentes e de qualidade desigual. A única forma de obter pontos de ouro credíveis
é somar as componentes individuais do custo efectivo de arbitragem (Officer 1989: 27)
Na identificação destas componentes seguimos, no essencial (embora com algumas
ajustamentos para o caso português), trabalhos paralelos realizados por este e outros
autores para o caso do câmbio libra/dólar.
Era nosso propósito inicial testar a eficiência do padrão-ouro (entendida no sentido da
promoção da estabilidade cambial) por referência a duas taxas cambiais, a da libra e a
do franco. A introdução deste último cumpria entretanto a função adicional de testar a
tese da “serpente bimetálica” avançada por Boyer-Xambeu et al. (1994) como
alternativa ao modelo tradicional dos pontos de ouro, para o caso do câmbio
libra/franco.1 Contudo, a falta de dados, sobretudo no que toca ao preço da prata em
Portugal e em França, limitou-nos ao trabalho com a libra.
O texto encontra-se repartido em quatro secções. A segunda faz uma breve apresentação
do historial da introdução e do funcionamento do padrão-ouro em Portugal. A terceira
explicita a reconstrução dos dois pontos de ouro. A quarta descreve as proxies
† Comunicação apresentada ao XIX Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social - Universidade da Madeira, 25 - 26 de Novembro de 1999. 1 Anote-se que, apesar do carácter inovador desta hipótese, os autores limitam o alcance dos seus resultados ao admitirem, sem qualquer justificação, um custo de arbitragem fixo de 1%, tanto para o ouro como para a prata e para um período tão extenso como 1770-1870.
3
empregues e as fontes da informação recolhida. A quinta apresenta os resultados e
esboça alguns comentários. Seguem-se uma pequena conclusão e um anexo com dados
sobre a cotação franco/real.
II. O PADRÃO-OURO EM PORTUGAL
II.1 A ADESÃO AO SISTEMA
Na opinião de Jaime Reis, a entrada de Portugal para o padrão-ouro, «constitui motivo
de interesse, na medida em que nenhuma das causas apontadas para a emergência do
padrão-ouro como sistema monetário comum a vários países se ajusta de forma
satisfatória aos acontecimentos que levaram à decisão tomada em 1854» (Reis 1994:
203).2 Se enumerarmos os fundamentos estruturais que, na opinião de Gallarotti (1994),
se encontram por detrás da adesão generalizada ao padrão-ouro, a partir da década de
1870, dificilmente se reconduzirá o caso português a algum deles.3 O próprio timing da
adesão é singular, uma vez que Portugal foi a primeira economia a seguir o exemplo
inglês (em padrão-ouro desde 1821), numa época em que o exemplo externo lhe era
pouco propício. Com efeito, a descoberta de novas jazidas (Austrália e Califórnia), a
partir da década de 1840, levou a aumento da produção mundial de ouro e a uma
consequente desvalorização deste metal face à prata. Alguns países reagiram de forma
mais extremada (Holanda, Espanha e Nápoles), desmonetizando o ouro, enquanto
outros seguiram o exemplo francês, mantendo-se formalmente aderentes ao
bimetalismo, enquanto esperavam uma clarificação da situação monetária internacional.
A nossa adesão precoce deve então ser compreendida à luz de circunstâncias
económicas, monetárias e políticas internas.
No início do período regenerador Portugal defrontava-se com sérios problemas
monetários, sobretudo agravados pela drenagem de moeda da crise de 1846. A resposta
do governo foi a tentativa de atrair moedas estrangeiras de ouro e prata, dando-lhes
estatuto legal interno e uma cotação oficial superior à de mercado. Após sucessivos
diplomas, circulavam em Portugal 36 moedas diferentes, americanas e europeias, o que
2 Cf. também Reis (1990). 3 O autor enumera os seguintes fundamentos: o surgimento de uma ideologia do ouro, o facto do ouro estar melhor adaptado para o aumento das transacções internas e externas no contexto da industrialização e a ascensão política de grupos adversos à inflação (de origem urbana e industrial). Junta-lhe ainda um “efeito em cadeia”, com as adesões de uns países a forçarem as de outros.
4
dificultava as trocas e elevava os custos de transacção.4 Apenas quatro meses antes do
golpe de Saldanha conseguiu o governo reduzir esta pletora de moedas, só deixando
curso legal aos soberanos e meios soberanos britânicos.5 Entretanto, outra característica
da legislação monetária portuguesa deste período era a sobrevalorização legal do ouro (e
especialmente das moedas de ouro britânicas) num contexto de aumento de produção e
desvalorização face à prata. O ratio legal, em Portugal, era de 1:16½, enquanto a razão
de mercado, em Londres, passava dos 1:16 de meados da década de 40, a 1:15,7 em
1850. Na lógica da lei de Gresham o ouro tornou-se moeda fraca e a prata tende a sair
de circulação nos países bimetalistas (entre os quais Portugal), criando-lhes graves
problemas na realização de pequenas transacções. Em 1851, perante a incerteza quanto
ao futuro monetário mundial e a falta de estabilidade política, o governo apenas
conseguiu decretar um elevação do direito de exportação da prata a 12,5%. A medida
era manifestamente insuficiente para acorrer ao problema, mormente pelo contrabando
de que todos suspeitavam. Em 1854, já instalada a situação regeneradora e após dois
anos de desvalorização do ouro, encontravam-se reunidas as condições para a
apresentação às Cortes, no primeiro de Maio, de um projecto de reforma monetária. Lia-
se no seu preâmbulo:
a prata, que no estado de moeda se acha desfavorecida pela lei, por ser actualmente o
seu valor real superior ao seu valor legal, deve ser sucessivamente deslocada da
circulação pelo ouro; e principalmente pela espécies de moedas de ouro que mais
favorecidas são. É isto que infelizmente tem acontecido, de modo que nos achamos
reduzidos quase a não ter em circulação mais do que os soberanos e meios soberanos
ingleses, faltando a prata para as transacções mais numerosas, como são
indubitavelmente as de pequenos valores (Diário da Câmara dos Deputados, 1 de Maio
de 1854, p. 15)
A solução estava na instituição de um monometalismo ouro decalcado do existente na
Grã-Bretanha. 6 O ratio oficial era alterado para 1:14,1 de modo a bater o mercado e
atrair a prata necessária às transacções internas. Contudo, para evitar o desaparecimento
do ouro, era retirada aos particulares a liberdade de cunhar moeda de prata, ficando esta
4 O caso português não era, novamente, único. Outras economias, da Bélgica aos Estados Unidos, tiveram ocasionalmente de adoptar idêntico expediente. No início do séc. XIX estimava-se que 95% da moeda de prata circulante nos Estados Unidos era de proveniência estrangeira. Contudo, a legislação portuguesa era muito imperfeita, nomeadamente porque não entrava na devida consideração com os diferentes toques das várias moedas, dando azo a diferentes ratios ouro/prata legais. 5 Decreto de 15 de Fevereiro de 1851, promulgado com António José de Ávila na Fazenda.
5
sujeita a um monopólio estatal e a um poder liberatório máximo de 10 mil réis (depois
reduzido, na versão final a 5 mil).
O debate na Câmara dos Deputados, em tributo à complexidade da matéria, prolongou-
se pelas 11 sessões da primeira quinzena de Maio. Não obstante, os argumentos
esgrimidos foram de natureza sobretudo técnica, uma vez que o projecto foi
unanimemente aprovado na generalidade. A oposição, protagonizada sobretudo por
Carlos Bento e António José de Ávila, irá contudo levantar algumas dúvidas quanto à
conveniência de adoptar o ouro, quando a generalidade dos países e sobretudo a França,
se mantinham bimetálicos.7 Inquietava-se ainda com a possibilidade de o governo
abusar do seu monopólio da emissão da prata (tornada moeda fraca) para realizar
receitas de senhoriagem e de a cunhagem de moeda fraca levar a uma elevação dos
preços. Do lado do governo intervieram sobretudo Casal Ribeiro (relator da proposta),
Lobo de Ávila e o ministro Fontes Pereira de Melo. Em defesa do projecto
argumentaram que o aumento da produção de ouro não era motivo para preocupação,
pois o aumento da actividade económica mundial facilmente o absorveria. No plano
interno lembravam que a cunhagem de moeda fraca não elevaria os preços, dado o
limite de aceitação da prata nas trocas. Por outro lado, lembravam também que o
bimetalismo estaria sempre sujeito à instabilidade decorrente da lei de Gresham, a que
apenas se poderia obviar pela escolha de um único metal para base do sistema
monetário. A prata era duplamente desaconselhada. Primeiro por causa das perturbações
das suas súbitas drenagens para a Ásia. Depois porque, a circulação em Portugal já era
essencialmente constituída por moedas de ouro, pelo que a escolha da prata obrigaria à
aquisição de um novo stock monetário.
A proposta, após bastantes alterações de natureza técnica, veio a ser aprovada na
especialidade a 15 de Maio e promulgada pela Carta de Lei de 29 de Julho de 1854. Este
diploma, como já referido, copiava, no essencial, as características clássicas do padrão-
ouro britânico. A unidade de conta portuguesa, o real, era definida em relação ao ouro
(art. 1º).8 Os particulares poderiam livremente fazer cunhar ouro na Casa da Moeda,
6 Aliás, isso mesmo era confirmado por Fontes: «A base do projecto é harmonizar o valor de todas as moedas de ouro com o dos soberanos, e estabelecer a moeda de prata subsidiária como a relação de valor para o ouro, de 1:14,11.» (Diário da Câmara dos Deputados, 1 de Maio de 1854, p. 18). 7 Ávila, em particular, preferia a manutenção do padrão bimetálico mas revalorizando a prata à razão francesa de 1:15½ (Diário da Câmara dos Deputados, 2 de Maio de 1854, p. 35). 8 A paridade definida era de 1,7735 mg de ouro com um toque de 916 2/3 por real (ou 1,6257 mg de ouro fino). Esta definição revela mais uma proximidade ao modelo britânico, já que se escolheu o toque britânico e não o francês (900 por mil) e de maneira a que o par com a libra se fixasse em 4500 réis (ou 53 1/3 pence por mil réis).
6
mediante uma taxa de mil réis por quilograma (art. 11º). As notas de banco seriam
livremente convertíveis em ouro (art. 10º). A prata e o cobre ficavam instituídas em
moedas divisionárias, apenas cunhadas pelo estado (art. 12º) com um valor facial
superior ao de mercado (art. 5º) e com um poder liberatório limitado (art. 9º). No
entanto, era mantido o curso legal aos soberanos e meios soberanos britânicos, mas já
recebidos ao par e não sobrevalorizados, como na lei de 1851 (art. 3º).
Para além das circunstâncias que, em termos conjunturais, facilitaram a adesão ao
padrão-ouro, Jaime Reis identifica ainda um conjunto de condicionantes mais perenes
para essa decisão. Por um lado, o baixo custo de implementar o padrão-ouro em 1854,
quer porque o ouro já circulava largamente em Portugal, quer pelo seu baixo preço
internacional, quer ainda pelo facto da maioria dessa circulação ser constituída por
moedas britânicas. O que constituía uma vantagem adicional, uma vez que os soberanos
britânicos eram uma moeda internacionalmente reconhecida, de boa qualidade e cuja
cunhagem nada custava a Portugal. Depois, os factos de Portugal manter cerca de
metade do seu comércio externo com a Grã-Bretanha e de o serviço da sua dívida
externa (mesmo a contraída em Paris) ser maioritariamente efectuado em libras, mais
aconselhavam a solução de 1854.
II.2 O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA
Do ponto de vista da aderência do sistema monetário instituído em 1854 ao modelo
ideal do padrão-ouro, Portugal, como a generalidade dos países que participaram no
padrão-ouro, apresentou algumas divergências. Em particular, a aplicação das
disposições da Carta de Lei de 1854 respeitantes à moeda divisionária de prata irá
revelar-se bastante problemática. Embora o art. 8º §1º da lei determinasse a troca das
antigas moedas de prata num prazo de três meses para Lisboa e cinco para o resto do
país, esse prazo foi progressivamente prorrogado até 1873. Ao contrário do que havia
sido aventado na discussão da lei, em 1854, o governo não se havia precavido com a
compra prévia de prata, esperando pelo contrário, usar a prata antiga para cunhar as
novas espécies. Apesar de ainda ter realizado algumas aquisições no mercado
internacional, a operação era-lhe desfavorável por causa das elevadas cotações da prata.
De igual modo, os particulares também não tinham interesse em proceder à troca das
antigas moedas, uma vez que a lei estabelecia que a troca deveria ser feita pelo valor
nominal e não pelo peso. Ora, com a revalorização oficial da prata os particulares teriam
de suportar um prejuízo de 10% com a troca. O problema só se resolveria com a quebra
7
do valor internacional da prata, a partir da década de 1860, tornando atractiva a troca da
antiga moeda de prata.
Outra característica teórica do padrão-ouro, a estabilidade cambial no interior dos gold
points, parece ter sido grosso modo respeitada neste período, sem prejuízo de alguma
volatilidade cambial que, por vezes ultrapassasse aqueles pontos de referência, como
teremos oportunidade de constatar na secção V. No entanto, Salazar (1997 [1916]: 48-
51), citando os relatórios do Banco de Portugal a partir de 1873, apresenta um cenário
menos pacífico, de dificuldades na manutenção da proporção entre a reserva metálica e
a circulação fiduciária. Diz o autor que, com uma saída permanente de ouro, o banco
tinha de importar ouro para restabelecer a proporção entre as suas notas em circulação e
a reserva que as garantia. Contudo, com um câmbio normalmente desfavorável (abaixo
do par de 53 1/3 pence por mil réis) isso obrigava-o a suportar prejuízos importantes. E
de tal modo importantes que, por vezes, preferia ter prejuízos cambiais (oferecendo
papel cambial a um câmbio inferior ao do mercado para tentar melhorar este) a importar
ouro.9
O período em que Portugal se manteve integrado no padrão-ouro internacional (1854-
1890) é globalmente marcado por uma apreciável estabilidade nominal e não apenas em
termos cambiais. Com efeito, o nível geral de preços, construído por Nunes, Mata e
Valério (1989), quase estagnou, embora apresentando uma grande volatilidade no curto
prazo, provavelmente devida ao peso maioritário da agricultura no produto.10 O
comportamento do produto per capita revela-se igualmente favorável, quando
comparado com a estagnação até à década de 1850.11
O ambiente de estabilidade cambial e monetária, proporcionado pelo padrão-ouro
deverá ter, naturalmente, dado o seu contributo para estes resultados. Contudo, tentar
avaliar a importância desse contributo seria tarefa peregrina, que não tentaremos
9 O Banco de Portugal parece ter seguido, neste particular, as recomendações de Matias de Carvalho, director da Casa da Moeda, que, em 9 de Setembro de 1864 reclamava contra a inoperância do Banco de Portugal perante a drenagem de ouro do país. Em contrapartida, com a oferta de papel cambial em melhores condições que as do mercado «O banco de Portugal tinha prestado ao paiz um serviço relevante, sem perda, mas antes beneficio, em comparação das suas operações ordinarias.» (cit. in Aragão 1963-4 [1877]: 227). 10 O deflator do PIB teria crescido a uma taxa de um pouco menos de 0,3%, entre 1851 e 1890. No entanto, esta estabilidade dos preços prolonga-se pelo período seguinte, já em regime de papel-moeda inconvertível. A mesma taxa de crescimento do deflator, no período 1891-1910, apenas aumenta para pouco mais de 0,5. 11 A existência ou não de uma estagnação do crescimento, entre 1890 e a Primeira Guerra Mundial (como relevada das estatísticas de A. Nunes, E. Mata e N. Valério) é ainda uma questão aberta a debate.
8
empreender.12 Pelo contrário, fará talvez maior sentido notar a contradição entre a
adesão ao regime de disciplina monetária e financeira por excelência e a situação de
agravamento do tradicional deficit duplo, das contas públicas e da balança comercial.
Segundo Mata e Valério (1994: 264-5) essa contradição tornava inevitável, numa
perspectiva de longo prazo, o abandono do padrão-ouro, precipitado pela crise de 1891.
III. RECONSTRUÇÃO DOS PONTOS DE OURO
III.1 GOLD IMPORT
Na linha de Officer (1986, 1989 e 1993) procurámos identificar, ao longo dos vários
períodos, os tipos de arbitragistas dominantes, bem como os instrumentos cambiais mais
difundidos e as espécies de ouro preferidas nas transacções internacionais.
A primeira questão permanece em aberto, uma vez que não nos foi ainda possível obter
da literatura contemporânea qualquer evidência a propósito. Em conformidade optámos
pela solução menos dispendiosa em termos da recolha de dados, e que passa pela
consideração apenas da posição de potenciais arbitragistas portugueses ou sediados em
Portugal.13
No que se refere aos instrumentos cambiais também não nos encontramos em condições
de oferecer uma resposta precisa. Os próprios autores que estudaram os câmbios
Londres/Nova Iorque não alinham igualmente pela mesma bitola a este respeito.
Enquanto Clark (1984), Morgenstern (1959) e Spiller e Wood (1988) empregam
cotações à vista, Lawrence Officer argumenta pelo predomínio, até à I Guerra Mundial,
das operações cambiais efectuadas mediante letras de câmbio de maturidades diversas.
No caso português acresce a diversidade de instrumentos cambiais em uso ainda em uso
no início do nosso século:
12 Cf, no entanto, Bordo e Capie(1996). Os autores aplicam ao padrão-ouro a literatura sobre adopção de regras credíveis para evitar a inconsistência temporal da política. Argumentam que o comprometimento com as regras do padrão-ouro (sobretudo a paridade fixa contra o ouro) era um exemplo de regra credível. Os benefícios da adopção de semelhante regra estariam numa maior estabilidade nominal: «Na verdade, aqueles países que aderiram à regra do padrão-ouro tinham geralmente menores deficits fiscais, um crescimento monetário mais estável e menores taxas de inflação do que os que não o fizeram.» (p. 416). Para que a regra fosse credível os estados tinham de ser incentivados a cumpri-la. Os autores avançam a hipótese de que esse incentivo se traduzia em menores taxas de juro cobradas à dívida externa dos países periféricos (entre os quais, Portugal). 13 Para se poder alargar a análise aos arbitragistas britânicos ter-se-ia de dispor de dados dos câmbios e outras variáveis, tal qual cotados em Londres. Apesar de tanto o Diario do Governo como o Commercio do Porto se referirem, ocasionalmente, às condições do mercado londrino, os dados assim recolhidos são manifestamente insuficientes para os nossos efeitos.
9
O câmbio favorável significa o baixo preço do papel cambial de curto prazo, quer êsse
papel represente saque de comércio contra pagamento de mercadorias exportadas, quer
seja cheque enviado do estrangeiro ou sacado pelo cambista, quer seja coupon de dívida
pública, ou título de dividendo ou juros comerciais, etc. (Rocha 1913: 182)
Na falta de melhor informação escolhemos adoptar, em cada período, a cotação cambial
referente à operação com menor maturidade, das listadas pelos anúncios do Diario do
Governo.14 15 Isso implicou a seguinte distribuição de maturidades do papel cambial
envolvido nas operações cambiais:
d.v.=dias de vista
Tabela 1: Tipos de operações cambiais
Pelo que respeita à terceira questão acima enunciada, a resposta é tornada óbvia pela
consulta dos movimentos internacionais de ouro, publicados pelas autoridades
alfandegárias:
Exp. Imp.
Total 99,83% 97,99%
Grã-Bretanha 99,93% 99,88%
Fonte: Mapas Gerais do Commercio de Portugal com as suas possessões ultramarinas e as nações estrangeiras (1855-56, 1861, 1865-67), Estatistica Geral do Commercio de Portugal (1868-73, 1875-78, 1879) e Commercio do Continente do Reino e ilhas adjacentes com Paizes estrangeiros e com as Provincias Portuguesas do Ultramar (1880-91)16
Tabela 2: Peso do ouro amoedado nos movimentos
internacionais de ouro, 1854-1891
14 Esta escolha prende-se também com a questão prática de as menores maturidades apresentarem, normalmente, uma série mais completa de cotações. O que, por outro lado, pode ser talvez tomado como indício da maior liquidez dos mercados respectivos. 15 Houve, contudo, de transigir com algumas excepções a esta regra geral, em ordem a evitar mais falhas na série dos câmbios. Com efeito, algumas das cotações retiradas do Commercio do Porto referem-se a prazos mais extensos do que as obtidas do Diario do Governo para o mesmo período. Não obstante, isso apenas é verdade para 79 semanas (c. 6,2% do total de observações). 16 A base geográfica dos dados corresponde a Portugal continental e aos Açores e Madeira. Os dados totais respeitam às transacções internacionais de ouro sob qualquer espécie, designadamente, amoedada, em barra, em bruto e em obra (ourivesaria, passamanaria e bijuteria). Já os dados recolhidos para as exportações e importações de ouro com a Grã-Bretanha resumem-se ao ouro amoedado e em barra, as formas que seria de esperar encontrar nas operações de arbitragem.
1854-1876 1877-1881 1882-1889 1890-1891
30 d.v. 8 d.v. Cheque À vista
10
Quer no caso das exportações e importações totais, quer no das realizadas com a Grã-
Bretanha, o domínio do ouro em moeda é evidente. Acresce que as estatísticas revelam
igualmente o diminuto peso das moedas nacionais nestas transacções, à imagem do que
sucedia, de resto, na própria circulação interna. Em face do domínio que os soberanos
britânicos exerciam sobre a nossa circulação monetária parece ser pacífico eleger como
espécie dominante do ouro transportado a moeda de ouro britânica.
A resposta assim avançada a estas três questões condiciona a reconstrução dos pontos
de ouro, mormente pela necessidade de distinguir as operações cambiais “tituladas” (i.e.
suportadas por papel cambial) das realizadas à vista. Começando pela operação de
importação de ouro, se titulada, envolveria o seguinte encadeamento de operações:
1º Comprar/sacar papel cambial de curto prazo denominado em libras à taxa de câmbio
correspondente à maturidade do papel (Em).
2º Enviá-lo para Londres e usar a receita para obter libras, uma vez vencida a
maturidade ou através do seu desconto imediato à taxa b.
3º Converter as libras em ouro, junto do Banco de Inglaterra.17
4º Expedi-lo para Lisboa e lá trocá-lo por moeda portuguesa à Mint parity do real.
Se se atentar, a operação realizada desta forma elimina qualquer risco cambial, uma vez
que a conversão entre moedas é logo realizada no 1º passo, à taxa de câmbio conhecida.
Os passos remanescentes destinam-se apenas a realizar os custos da operação, uma vez
que a sua receita se encontra praticamente assegurada, através do encadeamento das
duas Mint parities. Na verdade, o único elemento de incerteza refere-se à duração da
viagem. Esta, se anormalmente prolongada poderia afectar adversamente os custos da
importação de ouro, p. ex., por um aumento inesperado de b e pelo aumento do custo de
oportunidade dos fundos investidos na arbitragem.
É chegado o momento de enumerar as parcelas (expressas como percentagem da
paridade central libra/real) do custo da importação “titulada” de ouro.
À cabeça estão o custo do frete (f), o seguro do transporte (s) e as comissões
eventualmente pagas a intermediários (c). Quanto à receita em libras a obter em Londres
vai-se considerar que o papel é descontado, em vez de se esperar até à sua maturidade.
Esta opção é feita por questões de simetria com o cômputo do ponto de saída de ouro,
17 De notar que se ignora a alternativa de o ouro ser adquirido no mercado uma vez que Officer (1989) apresenta evidência de que o Banco de Inglaterra era o interlocutor privilegiado da arbitragem de ouro. Admitiu-se pressuposto idêntico para a praça de Lisboa, tanto mais que não se conseguiu aceder a dados dos preços de mercado das moedas de ouro em Lisboa, depois da década de 1850. Não obstante, Boyer-
11
como veremos de seguida. Quanto à fórmula de desconto, uma fonte coeva cita o
desconto dito por fora, segundo a fórmula: desconto = 365
mbEm × .18
Em que m é a maturidade do papel comercial, com m=30 até 1876 e m=8 até 1881. Para
as cotações libra-cheque (1882-89) este custo é naturalmente eliminado. Note-se que Em
é expressa ao certo, ou seja, o câmbio é dado pelo número de pence por cada mil réis.
Outro elemento, já referido, é o custo de oportunidade que o arbitragista tem de incorrer
pelo período que a operação demora a completar-se. No caso da importação de ouro o
capital do arbitragista fica imobilizado durante a viagem do papel comercial até Londres
e depois, também durante a viagem de retorno do ouro até Lisboa. Sendo d o número de
dias de uma viagem Lisboa-Londres (ou Londres-Lisboa), o custo de oportunidade é
dado por:
1)1(2
1
365/1 −+∏=
d
jji
em que ij, j=1,...2d é a série de taxas de juro (anuais equivalentes) vigentes em Portugal
durante os 2d dias de imobilização do capital.
Outro elemento potencial do custo da importação de ouro da Grã-Bretanha prende-se
com a faculdade que o Banco de Inglaterra tinha de comprar/vender ouro a um preço
ligeiramente diferente da Mint parity oficial. Seja v=preço venda/ Mint parity – 1, o
valor desse desvio. Não se encontrou qualquer referência a que também a Casa da
Moeda praticasse um desvio face à Mint parity. Por fim, há ainda que contabilizar os
custos do desgaste das libras. No caso da importação de moeda britânica a percentagem
de desgaste entra a subtrair no custo da importação de ouro pois os soberanos britânicos
tinham curso legal em Portugal à taxa fixa de 4$500, ainda que a sua aquisição na Grã-
Bretanha, depois de contado o desgaste, importasse em menos. A própria Carta de Lei
de 29 de Julho de 1854 definia as tolerâncias de 2 por mil para o peso e de outros 2 por
mil para o toque de todas as moedas de ouro com curso legal, nacionais e britânicas (art.
4º). No entanto, a avaliar pelos protestos contemporâneos, o toque e o peso dos
soberanos importados da Grã-Bretanha deveriam ser bastante inferiores aos tolerados
Xambeu et al. (1994) argumentam, precisamente, pela necessidade de avaliar os pontos de ouro e prata na base dos preços de mercado dos metais preciosos, nas praças envolvidas. 18 Cf. Aragão (1963-4 [1877]: 227).
12
no interior do próprio Reino Unido.19 Seja a percentagem de desgaste notada por a. O
Gold import é enfim dado por:
( ) PiP
EmbavcsfGM
d
jj
m
���
����
�+++−+++= ∏
=
2
1
365/11365
onde P é a paridade central libra/real.20
Considere-se de seguida o caso de uma importação de ouro com câmbio à vista. A única
diferença está no facto de a aquisição de libras se fazer directamente em Lisboa, em vez
de indirectamente, mediante o envio do papel cambial para Londres. Saem, portanto
afectados os dois primeiros passos da operação e o valor do Gold point é agora dado
por:
( ) PiavcsfGMd
jj �
��
����
�++−+++= ∏
=1
365/11
Note-se a eliminação das despesas de desconto e a redução do período de imobilização
do capital para d dias.
III. 2 GOLD EXPORT
Na exportação de ouro é igualmente relevante a distinção entre operações “tituladas” e à
vista. No que respeita às primeiras, os procedimentos a observar seriam:
1º Aceitar papel cambial pagável em Londres, em troca de réis, à taxa de câmbio para a
respectiva maturidade.
2º Trocar a receita assim obtida por ouro, em Portugal.
3º Expedir ouro para Londres, junto com o papel cambial.
4º Trocá-lo pelo montante de libras necessário para saldar o papel na sua maturidade.
Com esta sequência não só não existe risco cambial como também não se tem de
suportar qualquer custo de oportunidade pois que o lucro da operação é realizado à
cabeça e para Londres é enviado o ouro apenas suficiente para saldar a dívida assumida
inicialmente. Não há, portanto, empate de capital no processo. Outra diferença em
relação ao cálculo do GM tem que ver com as despesas de desgaste. Como as
autoridades monetárias britânicas faziam pagar as despesas da retirada de circulação de
moeda britânica desgastada o custo correspondente acresce agora ao arbitragista.
19 Cf. Aragão (1963-4 [1877]: 230). 20 O valor do desconto é multiplicado por Em/P para aparecer expresso em percentagem da paridade central P.
13
Para efeitos de comparação com as cotações cheque e à vista, o valor do desconto deve
ser deduzido aos custos da arbitragem de exportação de ouro. Com efeito, partindo da
relação entre taxa à vista (E) e taxa de maturidade m (Em), E= Em(1-b.m/365), a banda
de flutuação cambial, definida pelos pontos-ouro, vem: 21
( ) 3653653651 bmEGXEbmEGMGXbmEGM mmmm +<<+⇔<−<
Por fim, o estado português cobrou, desde 1852, um direito sobre a exportação de ouro
amoedado. O referido direito apenas foi extinto por Decreto de 24 de Março de 1886.
Simbolizando-o por t, o Gold export é então dado por:
PP
EmbtavcsfGX m
��
���
���
�
� −+++++−=365
1
excluindo-se t após a data referida e onde v representa agora o desvio do preço de
compra de ouro face à Mint parity britânica.22
Por sua vez, a exportação de ouro com câmbio à vista difere novamente nos dois
primeiros procedimentos porque se tem de dispor de um capital para investir na
aquisição de ouro em Portugal. Para além disto, uma vez trocado por ouro, no Banco de
Inglaterra, as libras resultantes teriam de ser convertidas á taxa do mercado nesse dia.
Neste caso já existe risco cambial, porque nada garante que a taxa de câmbio no dia em
que se inicia a operação seja a mesma no dia em que ela se completa. Para evitar
confundir a arbitragem de ouro com a especulação cambial poder-se-ia usar um contrato
de câmbio forward para a data em que se esperasse a chegada do ouro a Londres. Não
parece, contudo, que tal alternativa se encontrasse disponível na época, em Portugal.
Um sinal disso mesmo é o facto de os prazos dos câmbios citados na imprensa não
corresponderem à duração habitual da viagem Lisboa-Londres. Clark (1984: 798)
deparou-se com problema idêntico, mas o autor resolveu-o pelo cálculo de uma taxa
forward implícita, resultante de um conjunto de operações que poderiam replicar, na
época, um contrato forward. Ao conjunto destas acções apelida-se money market
bridging. No caso vertente, o arbitragista português poderia começar por pedir
emprestado, em Londres, um montante de libras correspondente ao valor actual do ouro
a expedir, actualizado à taxa de juro vigente em Londres. O produto desse empréstimo
deveria ser convertido em moeda portuguesa e investido em títulos expressos em réis.
Aquando da chegada do ouro a Londres, a sua conversão em libras permitiria pagar o
21 Para uma descrição contemporânea deste tipo de operação, datada de 9 de Setembro de 1864 e da autoria do então director da Casa da Moeda, Matias de Carvalho, Cf. Aragão (1963-4 [1877]: 227-30). 22 A parcela do desconto é também eliminada após 1881.
14
empréstimo (com o competente juro), ao mesmo tempo que se vendem os títulos
portugueses. O câmbio acaba por ser efectuado na data inicial mas tem de se suportar os
custos do recurso ao mercado de capitais. Demonstra-se que esta taxa forward implícita
(F*) tem um valor de:
B
P
i
iSF
++
=1
)1(*
em que ip é a taxa de juro dos títulos portugueses, iB a taxa de juro do empréstimo em
Londres e S é a taxa de câmbio (à vista) expressa ao incerto.23
Como ip>iB � F*>S logo, tem de se pagar um prémio forward, que acresce aos custos
de arbitragem. Expresso em percentagem da paridade apelidar-se-á e. Ao contrário da
exportação suportada com papel cambial, a utilização do câmbio à vista já incorre no
custo de oportunidade pela duração da viagem de transporte do ouro até Londres. A
expressão do Gold point neste último caso é então de: 24
PieavcsfGXd
jj
���
�
���
�
���
�
�−+++++++−= ∏
=1
365/1 1)1(1
IV. DADOS
IV.1 TAXA DE CÂMBIO
Para unidade amostral escolheu-se a semana. Mau grado a opinião de Officer (1989: 27)
o mês pareceu-nos um período excessivamente dilatado para a análise de um mercado
tão volátil como o cambial. Contrariamente a Boyer-Xambeu et al. (1994) também não
recorremos a dados infra-semanais, com a principal razão a ser o facto de apenas
dispormos deles para parte da amostra.25
A principal fonte consultada foram os anúncios da Câmara dos Correctores Oficiais da
Praça de Lisboa, regularmente publicados no Diario do Governo. Para preencher
algumas falhas recorreu-se também aos dados publicados pelo Commercio do Porto. O
período amostral decorre de 2 de Julho de 1854 a 13 de Junho de 1891, o que
equivaleria a 1928 pontos amostra (semanas). Contudo, as duas fontes são omissas para
23 A prática da época era expressar o câmbio ao certo de 1$000. Assim S=1000*240/E. 24 Note-se que t já havia sido abolido no período a que se aplicou esta fórmula de cálculo. 25 Até 1869 o Diario do Governo limitou-se a publicar as médias semanais dos câmbios ou os câmbios vigentes no último dia da semana (sábado).
15
dois períodos extensos: de 7 de Fevereiro de 1869 a 10 de Junho de 1876 (383 semanas)
e de 19 de Setembro de 1886 a 26 de Janeiro de 1889 (123 semanas). A estes períodos
há ainda que adicionar falhas ocasionais num total de 145 semanas. Cômputo global,
conseguiu-se informação para 1277 semanas ou 66,2% do total.
A partir de 10 de Fevereiro de 1889 o Diario do Governo passou a publicar, em
separado, as cotações de compra e venda da libra. A partir daí utilizaram-se os dois
dados, comparando a cotação compra com o ponto de entrada de ouro e a cotação venda
com o ponto de saída.
Em face destas limitações dividiu-se o estudo dos câmbios em três sub-períodos:
Período Intervalo Nº Observações
I 2/7/1854 a 6/2/1869 713
II 11/6/1876 a 18/9/1886 447
III 27/1/1889 a 13/6/1891 £ compra 110 £ venda 84
Tabela 3: Períodos disponíveis do câmbio libra/real
IV.2 FRETE, SEGURO E COMISSÕES
A informação a que se conseguiu aceder sobre as duas primeiras destas parcelas é muito
escassa e procede exclusivamente de três fontes secundárias. São elas o já referido
relatório de 9 de Setembro de 1864 do director da Casa da Moeda, citado em Aragão
(1963-4 [1877]: 227-30), o texto preparado por Luciano Cordeiro para a apresentação à
Câmara dos Deputados da futura Carta de Lei de 15 de Maio de 1881 e Reis (1994:
227n34). Este último reporta-se, contudo, aos dados de uma transacção efectuada pelo
Banco de Portugal em 1856. Nesta altura, o frete orçaria por 0,5% e o seguro por
0,188%. Já Matias de Carvalho 1/8 ponto percentual de frete e 1/6 de seguro. Por fim,
Luciano Cordeiro avalia em 2 por mil o frete, seguro e despesas acessórias. Na posse
destes dados esparsos tomaram-se os valores recolhidos por Reis (1994) até 1856,
fazendo-se após interpolações lineares com base nos dois outros valores. Os resultados
vêm resumidos no Gráfico:26
26 Para a interpolação 1864-1881 assumiu-se que a descida global do frete mais seguro foi distribuída em partes iguais pelas duas parcelas.
16
Gráfico 1: Despesas com fretes e seguros
De notar a redução em 3/4 do custo do frete entre 1856 e 1881 e a progressão mais lenta
do seguro.
Quanto às comissões não foi possível obter qualquer informação, não se tendo também
tentado arbitrar qualquer valor para esta componente, p. ex., com base nos dados
disponíveis sobre as comissões impendendo sobre algumas operações de importação de
prata.27 De resto, perante a falta de dados para muitas das parcelas dos custos de
arbitragem e perante o carácter deficiente de algumas das proxies disponíveis esta
solução, conservadora, parece aconselhável. Pela mesma razão não foram consideradas
duas parcelas incluídas por Officer (1989, 1993): o lucro normal e o prémio de risco.
Analogamente, a parcela das despesas de descarga e entrega apenas foi introduzida
indirectamente, com base na estimativa de 0,1871% de despesas (fora impostos) na
alfândega, provinda do já citado relatório de Luciano Cordeiro.
IV.3 IMPOSTO
O direito sobre a exportação de ouro foi cobrado num montante de 4$537 por kilograma
de ouro até 1860 e de 5$000 até 24 de Março de 1886. Um kilograma de ouro puro valia
27 Cf. Reis, ibid e Fuschini (1896, Anexo VI: 67-75).
0.00%
0.10%
0.20%
0.30%
0.40%
0.50%
0.60%
0.70%
0.80%
1854 1861 1866 1875 1884
Frete Seguro
17
c. 615$097 pelo que o direito representava 0,7083% até 1859 e 0,8129% de 1860 até à
sua extinção.28
IV.4 DESCONTO
Ainda na lógica conservadora de estimação dos pontos de ouro optou-se pela menor
taxa de desconto concebível para o papel apresentado a desconto em Londres: a bank
rate do Banco de Inglaterra. Os dados foram recolhidos do Apêndice I de Hawtrey
(1938).
IV.5 CUSTO DE OPORTUNIDADE
Tanto Clark (1984) como Officer (1986, 1989) empregam como indicador do custo de
oportunidade as taxas de juro do mercado monetário de curto prazo. Poder-se-ia pensar
noutras alternativas como a taxa implícita no desconto de papel comercial. Contudo,
para Portugal a única série de taxa de juro, de periodicidade semanal, que conseguimos
recolher é a do empréstimo consolidado interno 3% de 1852. Como os títulos não são
amortizáveis, a taxa de juro decorrente é uma taxa de longo e não de curto prazo. Não
obstante, estes títulos movimentavam o segmento mais líquido do mercado de capitais
de então. Acresce ainda que a sua remuneração já incluía um substancial prémio de
risco, pelo que esse facto talvez substitua a omissão deste prémio no cômputo dos
custos de arbitragem. As taxas de juro foram calculadas a partir da fórmula da cotação
de uma perpetuidade: W
rii N
P
)1( −= , em que iN = 3%, W é a cotação média semanal
(expressa em percentagem do par) e r é a taxa do imposto de rendimento, que passou a
onerar com 3% os juros da dívida pública a partir do início do ano fiscal de 1880-81.29
As cotações do empréstimo foram igualmente obtidas dos anúncios publicados no
Diario do Governo, muito embora a série resultante seja mais completa que a dos
câmbios, tendo-se obtido informação 1843 para semanas (95,6% do total do período
amostral).
Para duração da viagem entre Lisboa e Londres tomou-se o valor de 5 dias. A escolha
teve por base as notícias do movimento marítimo do porto de Lisboa publicadas no
28 Como se tomou o soberano como o instrumento dominante da arbitragem de ouro, o valor de 1 Kg de ouro foi calculado a partir da definição de soberano (e não da coroa portuguesa) dada pelo art. 3º da Carta de Lei de 29 de Julho de 1854. 29 Na semana de transição entre os dois regimes fiscais (27 de Junho a 3 de Julho de 1880) fez-se
( ) ( ) 1%91,21%317 34 −++=Ni .
18
Diario do Governo, ao longo do período. As viagens de vapor para e de Londres ou
Southampton, segundo esta fonte, duravam habitualmente de 4 a 6 dias. A escolha desta
duração envolverá talvez alguma arbitrariedade para o início do período em análise em
que as carreiras a vapor para a Grã-Bretanha eram ainda comparativamente pouco
frequentes. Não obstante, a variação do número de dias tem um impacto diminuto sobre
os resultados, como se pode constatar da Tabela seguinte:
4 dias 6 dias 7 dias
Gold import + 13 - 9 - 13
Gold export 0 0 0
Tabela 4: Variações no número de violações dos pontos de ouro
Como se escolheu trabalhar com dados semanais a fórmula de cálculo do custo de
oportunidade foi ajustada em conformidade para: ( ) 11 3651 −+ +
di ou
( ) ( ) 111 365)72(2
5211 −++ −
++dii , no caso da importação de ouro suportada por papel
cambial. Nestas fórmulas i+t é a taxa de juro média t semanas após a semana em
consideração.
IV.6 DESVIO DA MINT PARITY
Os únicos dados da que tivemos acesso são os citados por Officer (1986, 1989) para o
período 1890-1906. À falta de melhor informação usaram-se, retrospectivamente, os
preços de compra (77s. 9d. por onça) e de venda (76s. 6d.) aplicados pelo Banco de
Inglaterra em 1 de Janeiro de 1890. Em termos percentuais estes valores representam
0,1605% a acrescentar aos custos de exportação de ouro e 0,0535% aos de importação.
IV.7 PRÉMIO FORWARD
No cálculo do prémio forward implícito na operação de money market bridging
empregaram-se como proxies das taxas de juro a taxa do empréstimo consolidado
interno 3% 1852 e a taxa das consols britânicas. Ao inconveniente de estas taxas serem
de longo prazo adiciona-se agora o facto de os títulos da dívida interna portuguesa não
serem habitualmente cotados em Londres. Contudo, a alternativa de considerar o
empréstimo consolidado externo 3% de 1852 não pôde ser considerada, uma vez que os
títulos deste último não eram denominados em moeda portuguesa, mas sim em libras.
19
Os dados do yield das consols foi igualmente obtido de Hawtrey (1938). Contudo, esta
fonte apenas apresenta as cotações dos dias anteriores a cada alteração da bank rate pelo
Banco de Inglaterra. No período de aplicação de F* (1890-1º semestre de 1891)
dispomos assim de 18 observações (em 69 semanas disponíveis) de iB.
Gráfico 2: Prémio forward (réis por libra), 1890-91
Para os períodos intermédios recorreu-se a interpolações lineares. A evolução do valor
deste prémio implícito vem sumariada no Gráfico 2. A sua ascensão está, obviamente,
associada à subida da taxa de juro da dívida pública portuguesa no início da década de
1890.
IV.8 DESGASTE
Não nos tendo sido, novamente, possível aceder a dados para o período tratado
recorremos a Officer (1986: 1050) que reporta um desgaste de 0,25% para os soberanos
em Dezembro de 1890.
V. RESULTADOS
V.1 CÂMBIOS E PONTOS DE OURO
Os resultados vêm sumariados nos Gráficos 3 a 7 e nas Tabelas 5 e 6.
60
70
80
90
100
110
120
130
140
1890 1891
R$/£
20
G
ráfi
co 3
: C
otaç
ão d
a li
bra
e p
onto
s d
e en
trad
a e
saíd
a d
e ou
ro. P
erío
do
I: 1
854-
69
50,551
51,552
52,553
53,554
54,555
55,5 18
7618
7718
7818
7918
8018
8118
8218
8318
8418
8518
86
50,551
51,552
52,553
53,554
54,555
55,5
1889
1890
1891
£ co
mpr
a £ ve
nda
G
ráfi
co 4
: P
erío
do
II (
1876
-86)
Grá
fico
5:
Per
íod
o II
I (1
889-
1891
)
21
Cotações Violações dos pontos de ouro Período Observações
Máxima Mínima De entrada De saída
(I) 1854-69 713 54 7/8 52 ¼ 93 84
(II) 1876-86 447 53 15/16 53 11/16 8 41
£ compra 110 53 7/8 50 37/48 5 - (III) 1889-91
£ venda 84 53 15/16 52 13/16 - 0
Tabela 5: Resumo da evolução cambial da libra
1854-69 1876-86 1889 1890-91 Total
Gold import 1,0198% 0,3982% 0,3113% 0,2563% 0,6686%
Gold export 1,4306% 1,5426% 0,7976% 3,2877% 1,4296%
Amplitude 2,4412% 1,9408% 1,1089% 3,1335% 2,1072%
Valores expressos em percentagem da paridade central
Tabela 6: Médias dos pontos de ouro
0
5
10
15
20
25
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
55 60 65 70 75 80 85
Violações Importações
Nº
contos
Fontes: as mesmas da Tabela 2 e os cálculos explicitados no texto
Gráfico 6: Comparação entre as violações do Gold import
e as importações de ouro da Grã-Bretanha (1854 – 1890)
22
0
5
10
15
20
25
0
500
1000
1500
2000
2500
55 60 65 70 75 80 85
Violações Exportações
Nº
contos
Fontes: as mesmas da Tabela 2 e os cálculos explicitados no texto
Gráfico 7: Comparação entre as violações do Gold export
e as exportações de ouro para a Grã-Bretanha (1854 – 1890)
O carácter provisório destes resultados não aconselha uma sua análise muito detida. Não
obstante, e sob esta limitação, é possível retirar algumas conclusões interessantes.
1. O padrão-ouro em Portugal apresentou um nível de estabilidade cambial razoável e
que se elevou ao longo do tempo. É, com efeito, patente a redução apreciável do número
de violações dos pontos de ouro, ao longo dos três períodos em que se seccionou a
amostra. O último período e em particular o ano de 1889, revelam um nível muito
elevado de estabilidade da taxa de câmbio. Refere-se o ano de 1889 uma vez que é
aquele com a menor amplitude dos pontos de ouro, sem que se verifique qualquer
violação dos pontos de ouro. A comparação com os resultados dos estudos para o
câmbio libra/dólar não desmerece assim muito da eficiência do padrão-ouro em
Portugal. Sendo certo que os resultados globais aqui apurados estão longe da
remarkable efficiency concluída por Officer (1989), não deixa de ser verdade que Clark
(1984) computava 43,51% de violações entre 1890 e 1898 e mais 9,85% de 1899 a
1908, percentagens consideravelmente mais elevadas que as obtidas para os dados
Lisboa/Londres.30 Acresce que, tomando-se apenas o último dos períodos (1889-91) a
eficiência do padrão-ouro no câmbio libra/real aproxima-se, senão ultrapassa a do
câmbio libra/dólar, como se verá em V.2.
30 Claro está, parte desta discrepância dever-se-á ao entendimento limitado dos custos de arbitragem por Clark (1984).
23
2. Da distribuição das violações dos dois pontos de ouro é ainda possível inferir uma
maior concentração de violações do ponto de entrada na fase inicial de funcionamento
do sistema, a que sucede a relação inversa na sua fase intermédia. A explicação para
violações do ponto de saída de ouro não parece prima facie muito complexa num país
com débitos constantes e elevados a pagar ao estrangeiro, quer por via da balança
comercial, quer pela via da balança de rendimentos, em que pesava o pagamento regular
dos coupons da crescente dívida externa. Já a compreensão da concentração de
violações do ponto de entrada nos anos iniciais de funcionamento do sistema (sobretudo
1854-56 e 1860-62) carece de investigação mais aturada da conjuntura coeva.
Independentemente da justificação desta distribuição no tempo, existe uma
correspondência apreciável entre o número de períodos de violação dos pontos de ouro
e os movimentos de ouro realizados com a Grã-Bretanha. Os Gráficos 6 e 7 ilustram
esta conclusão, que é sobretudo válida para a exportação de ouro. O caso das
importações é menos explícito. Em particular, não é possível fazer a comparação para
os anos de 1860-62 por falta de dados das importações de ouro suficientemente
desagregados. Contudo, para além da previsível imprecisão das estatísticas do comércio
de ouro, o caso das importações é ainda de mais difícil análise, pela introdução de um
outro factor.31 É ele a necessidade em que o Banco de Portugal se encontrava
periodicamente colocado de importar ouro, não propriamente para realizar ganhos de
arbitragem mas para recompor a sua reserva metálica.32
3. Pelo que respeita à amplitude dos pontos de ouro, a Tabela 6 resume a sua evolução.
Em média, a amplitude da banda de flutuação entre os dois pontos fixou-se em c. 2,1%
da paridade, para o conjunto da amostra disponível. O ponto de entrada revelou-se
também sempre de menor amplitude que o ponto de saída. Observando agora a evolução
temporal destes valores podem-se alinhar algumas observações. Primeiro, uma certa
resistência à baixa por parte dos custos de exportação de ouro, que apenas apresentam
uma redução significativa com a abolição do direito à exportação de ouro. Segundo,
uma redução mais acelerada dos custos de importação de ouro. Como é óbvio, ambos os
31 Reis (1990: 21) cita o testemunho dos próprios serviços alfandegários em apoio desta imprecisão. Já Salazar (1997 [1916]: 49) realça que a cobrança do direito sobre a exportação de ouro (ao favorecer o contrabando) falsearia as respectivas estatísticas até 1886. 32 Cf., a este propósito, Salazar (1997 [1916]: 48-49). Também Clark (1984: 814) invoca esta intervenção dos bancos centrais mas para explicar a maior discrepância que observa entre as violações do Gold export e as exportações de ouro. Argumenta que, um banco central interessado em manter a convertibilidade da sua moeda teria todo o interesse em dissuadir as exportações de ouro e favorecer as importações (quando estas se apresentassem rentáveis). Em face da nossa posição externa não é de esperar que o Banco de Portugal tivesse grande poder de dissuasão a este nível.
24
resultados estão directamente associados à alteração das formas de arbitragem descritas
em III.1 e III.2. Terceiro, o afastamento muito acentuado do ponto de exportação de
ouro, a partir de 1890. A este propósito cumpre notar que a opção pela taxa de câmbio à
vista para o período 1890-91 parece não ter sido a mais acertada, uma vez que a adição
do prémio forward implícito gravou improvavelmente os custos da exportação de ouro.
Uma hipótese de solução para este problema poderá passar pela utilização dos dados da
taxa de câmbio libra-cheque, como para os oito anos anteriores. O comportamento de
estabilidade cambial desde 1889 mais parece aconselhar esta solução.33
V.2 ESPECULAÇÃO E EFICIÊNCIA
Officer (1989 e 1993) avalia a eficiência do padrão-ouro, na promoção da estabilidade
cambial não só a partir dos pontos de ouro, como também da especulação estabilizadora
(ou uncovered insterest arbitrage), específica ao padrão-ouro. O autor conclui que, quer
para o período 1890-1906, quer para o período 1925-31, este tipo de especulação foi
responsável por um superior grau de eficiência ao que resultaria da mera arbitragem de
ouro. Não cabendo aqui nem a apresentação do modelo de Officer apresenta-se apenas
de seguida os resultados, para o caso português, da medida de eficiência especulativa
empregue pelo autor. Trata-se de um “rácio de eficiência” que compara o desvio da
cotação cambial do ponto médio dos pontos de ouro em duas hipóteses: com e sem
especulação estabilizadora. Valores menores que um significam um contributo positivo
da especulação no sentido da estabilidade cambial. Este rácio é ainda calculado segundo
três hipóteses para a forma funcional da função-perda da instabilidade cambial: linear,
quadrática e exponencial. 34
Em termos globais, a eficiência do padrão-ouro surge menor no caso do câmbio da libra
face ao real do que no do face ao dólar. Aliás, rácios de eficiência superiores à unidade
significam, na interpretação de Officer, uma especulação desestabilizadora, revelando
33 Embora nos faltem os dados de 1887 e 1888, o comportamento dos câmbios em 1889 e sobretudo em 1886 (Cg. Gráfico 4) parece abalizar a argumentação aduzida no relatório de apresentação da proposta de lei para a abolição do direito à exportação de ouro, em 1881. Lá se escrevia que: «Sob o aspecto financeiro e juridico, o imposto alludido que começando por alterar o valor legal da moeda e creando um gold point falso e oppressivo, vicia a medida e a equivalencia real da mercadoria monetaria [...] apenas offerece ao estado um pequeno rendimento apparente, auctorisando, por outro lado, uma especulação de contrabando, inevitavel» (Diário da Câmara dos Deputados, 1 de Abril de 1881, p. 961). Também se calculava em 58 contos a perda cambial no pagamento dos juros da dívida externa. 34 Para a compreensão desta e outras características do modelo remete-se o leitor para as referências citadas.
25
desconfiança quanto aos pontos de ouro. Esta era, de resto, a única forma de
especulação citada pelos autores coevos que consultámos.
Libra/real Libra/dólar
1854-69 1876-86 1889 1890-91 1890-1906 1925-31
Linear 1,51 1,35 0,45 1,42 0,87 1,02 (1)
Quadrática 2,23 1,76 0,22 1,58 0,85 -
Exponencial 1,51 1,35 0,45 1,42 0,87 -
(1) O autor calcula erroneamente um rácio de 0,51 e daí conclui pela maior eficiência do padrão-ouro entre guerras do que antes da I Guerra Mundial. Devia, pelo contrário, concluir pela presença de sinais de especulação desestabilizadora. Fontes: para o câmbio libra/dólar, 1890-1906, Officer (1989: 34) e 1925-31, Officer (1993: 118).
Tabela 7: Valores médios dos rácios de eficiência
Um testemunho, ainda que tardio, é o de Albino Vieira da Rocha que analisava da
seguinte forma a situação de ágio do ouro em Portugal:
o desequilíbrio da balança económica não é a conclusão forçada, em todas as hipóteses,
da existência de um câmbio desfavorável porque, na verdade, a especulação organizada
pode, com os seus artifícios e cálculos, tornar só de per si o câmbio desfavorável. Os
especuladores de câmbio compram o papel cambial a todas as pessoas credoras do
estrangeiro, retiram do mercado o papel comprado e acabam por fazer subir o seu preço
até que a necessidade intensa de papel sobre o estrangeiro lhes garanta um sólido e
amplo lucro (1913: 183)35
A única excepção a este panorama poderá ser a segunda metade da década de 1880.
Infelizmente apenas dispomos dos dados para parte de 1886 e para 1889. Estes últimos
indiciam de uma eficiência ainda superior ao do caso libra/dólar. A explicitação desta
situação carece, contudo, do preenchimento das falhas na série dos câmbios.
VI. CONCLUSÃO
Em face das limitações empíricas acima aventadas não é possível avançar, com
segurança, quaisquer conclusões acerca da eficiência do funcionamento do padrão-ouro
português. De qualquer forma estaríamos inclinados a afirmar que os resultados
apontam para um grau muito razoável de estabilidade cambial que, estando longe da
26
remarkable efficiency proclamada por Officer, também não se aproxima do pessimismo
de Clark e Morgenstern. Além do mais, todos estes autores trabalharam com períodos
que se situam no limite da nossa amostra, época em que era natural esperar uma maior
eficiência dos mecanismos internacionais de arbitragem, por comparação com as
décadas de 1850 ou 1860. Por outro lado, na segunda metade da década de 1880 e no
início da de 1890, antes das perturbações que conduziriam ao abandono do sistema,
indiciam de uma eficiência superior do câmbio libra/real face ao libra/dólar.
Em suma, tudo razões que aconselham a prossecução do projecto, desta feita pela
recolha de informação junto de fontes mais centrais à questão, que a imprensa coeva.
Pensa-se designadamente no Banco de Portugal e na Bolsa de Lisboa.
ANEXO
Como referido na introdução era nossa intenção realizar um teste semelhante à
eficiência do padrão-ouro com a cotação franco/real. Contudo, a ainda maior
indisponibilidade de dados inviabiliza, por enquanto, essa tentativa. As principais
características da série de câmbios recolhida vêm sumariadas na Tabela e no Gráfico
seguintes.
Cotações Coef. de variação Períodos Observações
Máxima Mínima Franco Libra
(I) 1854-69 723 546 515 0,11 1,80
(II) 1876-86 440 546,5 531,5 0,36 1,87
fr. compra 53 540 523 (III) 1889-91
fr. venda 70 544 533,5
0,00883 (1) 0,002299 (1)
As cotações vêm expressas ao incerto, dando o número de réis por 3 francos. O par é de 539,95 réis. (1) Valores obtidos tomando a média das cotações compra e venda
Tabela A.1: Caracterização da série de cotações do franco
Uma característica desde já relevante é a menor volatilidade da série do franco, por
comparação com a da libra. Com efeito, o coeficiente de variação, avaliado em torno da
paridade central de cada moeda, é substancialmente inferior para o franco, à excepção
dos anos terminais da amostra.36
35 Salazar (1997 [1916]: 18) apresenta o mesmo entendimento da especulação, embora não lhe atribua tanto peso, como Vieira da Rocha, na explicação do ágio. 36 Este coeficiente calculou-se avaliando o desvio padrão das cotações em torno da paridade, i.e.,
27
Gráfico A.1: Cotação do franco (3 francos/ réis), 1854-91
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( )�=
−=N
ii PE
N1
21σ .
R$ fr venda
fr compra
510
515
520
525
530
535
540
545
550
1854 1861 1866 1884
28
NUNES, Ana Bela, Eugénia MATA e Nuno VALÉRIO, 1989, “Portuguese Economic Growth 1833-1985”, Journal of European Economic History, Vol. 18, Nº 2, pp. 291-330. OFFICER, Lawrence, 1986, “The Efficiency of the Dollar-Sterling Gold Standard, 1890-1908”, Journal of Political Economy, Vol. 94, Nº 5, pp. 1038-73. OFFICER, Lawrence, 1989, “The Remarkable Efficiency of the Dollar-Sterling Gold Standard, 1890-1906”, Journal of Economic History, Vol. 49, Nº 1, Março, pp. 1-41. OFFICER, Lawrence, 1993, “Gold-Point Arbitrage and Uncovered Interest Arbitrage under the 1925-1931 Dollar-Sterling Gold Standard”, Explorations in Economic History, Vol. 30, Nº 1, Janeiro, pp. 98-127. REIS, Jaime, 1990, A evolução da oferta monetária portuguesa 1854-1912, Banco de Portugal, Lisboa, Série História Económica. REIS, Jaime, 1994, “Portugal: o primeiro a aderir ao padrão-ouro, Julho 1854” in Barry EICHENGREEN (org.), Conference on Historical Perspectives on the Gold Standard, Arrábida, Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento, pp. 203-229. ROCHA, Albino Vieira da, 1913, A reforma monetaria e as finanças em Portugal, Coimbra, França & Amado Livreiros editores. SALAZAR, António de Oliveira,1997 O ágio do ouro. Sua natureza e suas causas (1891-1915) (1ª ed., 1916) in O ágio do ouro e outros textos económicos. Introdução e notas de Nuno Valério, Lisboa, Banco de Portugal, Col. das obras clássicas do pensamento económico português. SPILLER, Pablo T. e Robert O. WOOD, 1988, “Arbitrage during the Dollar-Sterling Gold Standard, 1899-1908: An Econometric Approach”, Journal of Political Economy, Vol. 96, Nº 4, pp.882-92.