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O melhor presente de casamento

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A comovente história de Benjamin e Sara, dois jovens noivos judeus, que receberam o mais inusitado presente de casamento

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O VINHO DE CANÁ

Os raios prateados do luar invadem displicentemente a janela de um

tosco, mas cuidadosamente arrumado quarto de uma casa simples construída em pedras, iguais a tantas outras da pequena cidade de

Caná.

O vento fresco vindo do mar da Galiléia ameniza o calor do dia, que

castiga e torna a tez trigueira nas mulheres e a pele mais dura e avermelhada nos homens.

É justamente um desses homens, ainda muito jovem na idade e já

experimentado nos labores da vida que, dentro do quarto, contempla os raios do luar, que teimam em seduzir seus olhos, enquanto seu

coração vagueia e seu espírito devaneia de maneira quase que irresistível.

A noite tem o condão de trazer consigo sonhos, que, nesta época da

vida, além de serem belos, ainda que não isentos de preocupações,

são vivenciados mais acordados do que dormindo.

A voz do coração sempre é mais forte do que a da razão, mormente quando o coração ama e uma preocupação teima em turvar o ânimo

daquele que, mais do que nunca, deveria estar feliz.

O silêncio é completo e quando a sua música inaudível se faz

presente, apenas o contemplar do luar e do brilho das fulgurantes estrelas da Palestina levam os pensamentos cativos à imagem da

amada que, em algum lugar, não muito longe, dorme o sono das virgens prometidas.

O Rabi que há pouco chegara de Nazaré e de cuja fama se ouvia falar

em toda a região às margens de Tiberíades e para além da Galiléia, na província da Judéia; já conhecida por gentios e pelo povo da terra

ensinara que não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte.

Caná não ficava sobre um monte, mas essas noites enluaradas cujos raios prateados penetravam cada pequena fresta faziam dela um

espelho natural, impossível de não ser notado pelo natural ou pelo estrangeiro.

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Benjamin – este era o nome do moço amante e amado – recostado

em seu catre pensava sobre o grande passo que estava para dar. Seu sono havia ido embora, mas não por inquietações perversas, que

trazem dor ao coração e infelicitam a alma.

Sua vigília era provocada por outra sorte de inquietude: aquela que

somente o coração dos amantes tem o privilégio de conhecer. Não dormia por puro prazer em imaginar o sono da noiva, e tal

sentimento ele o trocava de bom grado por uma noite insone, ainda que suas mãos calejadas tivessem que albardar os camelos nas

primeiras horas da madrugada.

Pensava no meigo sorriso da doce Ester dormindo em sua magnífica

recâmara. Imaginava os cachos dourados de seus cabelos acalentando seus seios virginais, cobertos pela alva seda dos lençóis.

Com certeza os sonhos da jovem seriam para ele, sabidamente, o único amor de sua vida.

Mas...seu pensamento tornava ao novo Rabi, que curava os enfermos e dava pão aos pobres.

Benjamin dividia o seu coração entre a felicidade de pensar em Ester

e em considerar como seria esse Rabi tão desejado. Imaginava-o um

homem bondoso e compassivo; pois que outra razão senão essas qualidades poderiam mover um Sábio tão afamado a fazer de

pescadores seus mais íntimos amigos?

Entregue a essas reflexões, as fibras que teciam a rede na qual trabalhava feriam-lhe as mãos, sem que nem mesmo sentisse.

De repente, um pensamento, como um raio, atravessou-lhe a mente: Suas bodas com Ester estavam se aproximando; quem sabe por um

desses milagres inexplicáveis, de que tanto ouvira seu pai lhe contar, o Rabi novo pudesse estar presente, tornando a festa a mais linda

que Caná jamais presenciara?

Não havia ele próprio, e o pai, de viagem à Judéia, sido batizados por

João Batista, o profeta do deserto, nas águas do Rio Jordão? E não havia ele ouvido da boca de João Batista, aquelas palavras que

marcaram a sua vida indelevelmente?

“Aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que

lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do esposo. Assim, pois, já este meu gozo está cumprido”.

Ora, Ester estava para ser sua esposa e, pelo que sabia o novo Rabi

era jovem, quem sabe sete ou oito anos apenas mais velho do que ele. Enfim, exausto, dormiu com esse pensamento embalando seu

coração: ele, o noivo feliz com a sua amada; Ester, a linda esposa que lhe estava destinada; e, alegrando-se em sua alegria, o novo

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Rabi, como o amigo do noivo, assim mesmo como João havia dito, às

margens do Jordão, na Judéia.

De fato, seu coração adivinhava.

Alguns dias depois, o mais feliz de sua vida, finalmente o seu sonho

se realizou. As rubras faces de Ester, iluminada por seus lindíssimos olhos azuis como pedacinhos do céu, os seus lábios rosados e

trêmulos de felicidade; o seu talhe esbelto cuidadosamente ornado, enfim, Ester inteira, de corpo e alma era lhe entregue por esposa, na

tão esperada noite das bodas.

E quando os serventes mostraram-se aflitos porque o vinho da festa

se acabava, eis que surge o novo Rabi, como havia ele sonhado, e lhe dá o mais precioso dos presentes: O milagre da água agora

transformada no melhor vinho que jamais existira.

Antônio Tadeu

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