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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
FERNANDA DE CAMPOS
O MODELO CATARINENSE DE CONTROLE EXTERNO DA
ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Florianópolis
2010
FERNANDA DE CAMPOS O MODELO CATARINENSE DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e Processual Penal.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Bissoli Filho
Florianópolis
2010
"Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha." (Mahatma Gandhi)
Agradecimentos Dedico este trabalho em primeiro lugar a Deus, pela sua presença constante na minha vida, e por ter me iluminado nesta jornada. Aos meus amados pais, Claudio e Elenir, dotados de grande amor e generosidade, com os quais aprendi o que realmente é importante na vida. A minha irmã Renata por me ajudar a encontrar a disciplina. Aos amigos, professores e funcionários da Escola do Ministério Público, pessoas admiráveis, que com carinho e dedicação conquistaram meu sincero afeto. Ao Doutor Francisco Bissoli Filho, que me incentivou e orientou, com muita paciência e dedicação, servindo-me de estímulo à vida profissional, membro do Ministério Público, em cujas mãos refletem a busca de uma sociedade mais justa.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca deste.
Florianópolis, janeiro de 2010.
Fernanda de Campos
RESUMO
A presente monografia destina-se à análise do controle externo da atividade
policial exercido pelo Ministério Público, previsto no artigo 129, inciso VII, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e inserido, na legislação
infraconstitucional, pela Lei Orgânica do Ministério Público da União, Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público e Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos Estaduais,
culminando com uma abordagem mais específica relativa ao modelo catarinense de
controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Ao longo da explanação,
constata-se que, introduzida no rol de funções ministeriais, a fiscalização da atividade
policial caracteriza-se como uma expressão do sistema de freios e contrapesos adotado pelo
constituinte de 1988, visando ao equilíbrio necessário entre as funções estatais para a
realização do bem comum. Assim, sem relação de subordinação hierárquica, ao Órgão
Ministerial cabe controlar a legalidade e regularidade da atividade-fim promovida pela
polícia, a fim de assegurar o respeito aos direitos fundamentais do cidadão frente ao poder
de polícia estatal e o exercício da ação penal. Por meio da análise da doutrina e legislação
pátria, traça-se o perfil desta função fiscalizatória do Ministério Público, analisando-se sua
abrangência, seus limites e os principais obstáculos enfrentados para sua completa
aplicação prática.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1.................................................................................................................................................... 9
O CONTROLE RECÍPROCO DAS FUNÇÕES ESTATAIS ...................................................................... 9
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................................................ 9 1.2 O CONTROLE DO PODER ESTATAL COMO FORMA DE GARANTIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS........................................................................................................................................ 9 1.3 ESTADO E CONSTITUIÇÃO .............................................................................................................. 14
1.3.1 Instituição do Estado moderno e suas transformações: Do Absolutismo ao Estado Democrático de
Direito..................................................................................................................................................... 14 1.3.1.1 O Estado Absolutista.......................................................................................................................................15 1.3.1.2 O liberalismo e o Estado de Direito ..............................................................................................................16 1.3.1.3 O Estado Social...............................................................................................................................................17 1.3.1.4 O Estado Democrático de Direito..................................................................................................................18
1.3.2 Constituição ................................................................................................................................... 19 1.4 PODER ESTATAL E CONTROLE RECÍPROCO................................................................................ 24
1.4.1 Divisão do Poder do Estado .......................................................................................................... 24 1.4.2 Teoria dos freios e contrapesos ..................................................................................................... 26
CAPÍTULO 2.................................................................................................................................................. 30
O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO............... 30
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................................................. 30 2.2 A TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL E O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.................................................................................................................. 31 2.3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO.................................................... 37 2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL.................................................... 40
2.4.1 A Polícia Administrativa................................................................................................................ 42 2.4.2 A Polícia Judiciária ....................................................................................................................... 44 2.4.3 Das espécies de polícia e sua destinação ...................................................................................... 46
2.4.3.1 As Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal ................................................................47 2.4.3.2 As Polícias Civil e Militar ..............................................................................................................................51 2.4.3.3 As Guardas Municipais ..................................................................................................................................53
2.5 REGULAMENTAÇÕES ACERCA DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................................................................................ 54 2.5.1 A regulamentação prevista na Constituição da República Federativa do Brasil .......................... 54 2.5.2 A regulamentação prevista na Lei Complementar nº 75/93 .......................................................... 55 2.5.3 A regulamentação prevista na Lei n° 8.625/93.............................................................................. 57 2.5.4 A regulamentação prevista na Resolução nº 20 do Conselho Nacional do Ministério Público .... 59 2.5.5. Carta de Brasília........................................................................................................................... 65 2.5.6 Novo Manual de Controle Externo da Atividade Policial ............................................................. 66
2.6 LIMITES DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL................................................ 68
CAPÍTULO 3.................................................................................................................................................. 71
O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA ............................................................................................................................... 71
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................................................. 71 3.2 EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO CATARINENSE .............................................................. 71 3.2.1 A regulamentação prevista na Lei Complementar Estadual Catarinense n° 197/2000................. 71 3.2.2 A regulamentação prevista no Ato nº 063/2006/PGJ..................................................................... 73 3.2.3 A regulamentação prevista no Ato n º 467/2009/PGJ.................................................................... 75
3.3 OBSTÁCULOS À ATIVIDADE DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL............ 82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................... 90
8
INTRODUÇÃO
O tema da presente Monografia é o controle externo da atividade policial
exercido pelo Ministério Público, que se caracteriza como uma expressão do sistema de
freios e contrapesos adotado pelo constituinte de 1988, revestindo-se de relevante interesse
público, sendo um assunto atual, que desperta o interesse não somente da comunidade
jurídica, como de toda a sociedade brasileira. Sem relação de subordinação hierárquica, ao
Órgão Ministerial cabe controlar a legalidade e regularidade da atividade-fim promovida
pela polícia, a fim de assegurar o respeito aos direitos fundamentais do cidadão frente ao
poder de polícia estatal e o exercício da ação penal.
O objetivo deste trabalho é analisar a função controladora do Ministério
Público sobre a atividade policial, com abordagem da legislação sobre o tema, as
limitações e a relevância no Estado Democrático de Direito. O trabalho culmina com uma
abordagem sobre o modelo catarinense do controle externo da atividade policial pelo
Ministério Público.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, discorrendo sobre a necessidade de
controle exercido sobre as funções estatais, visando à observância dos direitos
fundamentais garantidos no Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, aborda-se a
evolução do Estado, bem como a importância da Constituição como norma suprema que
ilumina e legitima as normas hierarquicamente inferiores. Trata-se, também, do poder
estatal, bem como da teoria de freios e contrapesos, embasando a idéia da necessidade de
controle sobre as funções estatais.
No Capítulo 2, trata-se do controle externo da atividade policial pelo Parquet,
analisando a legislação sobre o tema, as limitações do controle exercido sobre a atividade
policial pelo titular da ação penal e tecendo breves considerações sobre o Ministério
Público e a Polícia brasileira.
Por fim, no Capítulo 3, discorre-se sobre o modelo catarinense, tratando da
evolução da regulamentação e dos obstáculos do controle externo da atividade policial no
âmbito do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
9
CAPÍTULO 1
O CONTROLE RECÍPROCO DAS FUNÇÕES ESTATAIS
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho discorrerá acerca do controle externo da atividade policial
exercido pelo Ministério Público, assim, para um melhor entendimento do assunto, faz-se
necessário um intróito acerca da necessidade de controle exercido sobre as funções estatais,
visando à observância dos direitos fundamentais garantidos no Estado Democrático de
Direito.
Nesse sentido, será abordada a evolução do Estado, bem como a importância
da Constituição como norma suprema que ilumina e legitima as normas hierarquicamente
inferiores. No mais, tratar-se-á sobre o poder estatal, bem como sobre a teoria de freios e
contrapesos, embasando a idéia da necessidade de controle sobre as funções estatais.
1.2 O CONTROLE DO PODER ESTATAL COMO FORMA DE GARANTIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
O ser humano para viver em sociedade teve que abdicar de parcela de sua
liberdade, não podendo agir de maneira que interferisse na esfera de liberdade do outro. O
Estado, em contrapartida, oferta segurança para os cidadãos, surgindo, assim, o direito de
punir. Beccaria já defendia que a reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade
constitui o fundamento do direito de punir, de modo que, todo exercício de poder que se
afaste desse fundamento constitui abuso e não justiça1.
Diante da evolução das relações entre o indivíduo e o Estado, ressalta
Fernandes, necessitou-se introduzir nas Constituições regras de caráter garantista, impondo
à sociedade e ao Estado o respeito aos direitos fundamentais.2
1 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Rideel, 2003. p. 19. 2 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 13.
10
Definem-se os direitos fundamentais como sendo todos aqueles direitos
oponíveis pelos homens perante o Estado, tendo por fim proteger os direitos à liberdade, à
igualdade, à propriedade, à segurança.3 Na visão ocidental de democracia, governo pelo
povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados.4
Rangel leciona:
Destarte, direitos e garantias fundamentais são aquelas que têm como escopo respeitar a dignidade da pessoa humana, protegendo-a do arbítrio estatal, criando, assim, condições necessárias para uma vida em sociedade livre de preconceitos e visando ao desenvolvimento do ser humano.5
Em que pese estarem os direitos fundamentais reconhecidos e declarados, é
necessário garantir o cumprimento desses direitos, prescrevendo medidas assecuratórias e
limitadoras do arbítrio do poder estatal e de seus governantes. Assim, as garantias
fundamentais são os instrumentos que irão dar efetividade ao cumprimento desses direitos.6
São as garantias fundamentais os instrumentos ou meios técnico-jurídicos que,
segundo Comoglio, possibilitam converter um direito reconhecido ou atribuído em abstrato
em um direito efetivamente protegido em concreto. 7 Desta forma, explica Rangel, os
direitos e garantias fundamentais consistem em mecanismos de limitação do poder dos
governantes, visando à proteção da sociedade em face dos abusos do poder político.8
As garantias decorrem das normas jurídicas, de princípios e jurisprudência
que asseguram o gozo dos direitos, resguardando os indivíduos contra os exageros e abusos
dos órgãos do Poder estatal.
3 VARGAS, José Cirilo De. Direitos e garantias individuais no processo penal. São Paulo: Forense, 2002.
p. 29. 4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. São Paulo: Saraiva, 1988. p.16. 5 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2003. p. 23-24. 6 VARGAS, José Cirilo de. Direitos e garantias individuais no processo penal. p. 29. 7 COMOGLIO, Luigi Paolo apud CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação
criminal. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 10. 8 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 20.
11
Um dos primeiros documentos que veio a cuidar dos direitos fundamentais foi
a Magna Carta, pacto firmado pelo Rei João Sem-Terra, pelos bispos e barões ingleses em
1215. Este documento serviu como uma referência para a elaboração de outros direitos e
liberdades civis clássicos.
A respeito, Slaibi Filho:
A Magna Carta foi a fonte dos direitos e garantias que permitiram aos ingleses a formação de uma arcabouço jurídico protetor da liberdade, o que reafirmaram e ampliaram depois através de outros instrumentos, entre os quais a Lei de Habeas Corpus, já no século XVIII.9
A preocupação em definir direitos fundamentais também se destacou na
Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789,
com a proclamação dos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Segundo
Pérez Lunõ, a declaração francesa reconheceu os ditos direitos naturais como inalienáveis,
invioláveis e imprescritíveis do ser humano, independentemente de casta social.10
Em 1948, explica Vargas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem
pela Organização das Nações Unidas, a proteção dos direitos do homem ganhou maior
destaque no âmbito internacional.11 Para Silva, a Declaração enaltece a dignidade humana,
com base em ideais de justiça, paz e liberdade. Visando ao ideal democrático, com respeito
ao progresso econômico, social e cultural e, sobretudo, o reconhecimento dos direitos de
resistência à opressão.12
É através da efetivação das garantias fundamentais que se promoverá a
dignidade da pessoa humana, esclarece Sarlet, que há uma íntima relação entre os direitos e
garantias fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que o
princípio é fundamento de todo o sistema de direitos e garantias.
9 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 2 ed. Editora: Forense, 2006. p. 331. 10 PÉREZ LUNÕ, Antonio-Enrique apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007. p. 51. 11 VARGAS, José Cirilo De. Direitos e garantias individuais no processo penal. p. 24. 12 SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros . 2009. p.
163.
12
A aplicação dos direitos e garantias fundamentais é de suma importância no
processo penal, pois, para a privação da liberdade de qualquer indivíduo, devem-se colocar
à sua disposição todas as garantias constitucionais. Nesse sentido, Rangel ensina que tanto
aquele que tem o seu direito violado, como também, aquele que comete um delito, o
agressor da norma, tem a proteção jurídica do Estado. Trata-se do respeito ao princípio do
devido processo legal.13
Para Vargas, as leis do processo penal funcionam como um complemento das
declarações de direitos, ou dos capítulos constitucionais relacionados aos direitos e
garantias individuais.14
No tocante à investigação criminal, a admissão das garantias pela
Constituição da República de 1988 significa um processo penal garantidor, à medida que
tais garantias constituem um grande instrumento de proteção das liberdades individuais em
face das arbitrariedades cometidas pelo Estado.
O modelo garantista, desenvolvido pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli a partir
do Movimento da Magistratura Democrática na Itália, por volta de 1964, propõe-se a
utilizar um sistema normativo constitucional, com escopo de limitar os abusos aos direitos
fundamentais e os arbítrios do poder, tutelando as liberdades públicas dos indivíduos,
enquanto seres livres, frente aos excessos de poder. Como bem destaca Rangel, “é a
efetividade dos preceitos constitucionais”.15
A teoria do garantismo penal reflete um Estado Democrático de Direito, uma
vez que, segundo Rangel, somente com o respeito ao princípio da legalidade e a
subordinação dos poderes estatais à Constituição, com o efetivo cumprimento das garantias
dos direitos fundamentais, é que a Constituição será implementada na sociedade.16
Sobre a teoria do garantismo, Ferrajoli pontua:
13 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 25. 14 VARGAS, José Cirilo De. Direitos e garantias individuais no processo penal. p. 44. 15 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 39. 16 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 40.
13
Segundo um primeiro significado, “garantismo” designa um modelo
normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade” SG. Próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos cidadãos. É, consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que se satisfaz efetivamente.17 (grifos no original)
É nesse sentido que a teoria do garantismo penal, característico do Estado
Democrático de Direito, prescreve formas de garantir aos cidadãos mecanismos para o
efetivo exercício dos direitos fundamentais violados por atos do poder estatal e, acima de
tudo, definir instrumentos para restabelecer a ordem jurídica.18
Para efetivamente coibir-se o excesso de poder, há a necessidade de controle.
Ao longo do tempo e das conquistas do homem, as Constituições vêm inserindo em seus
textos direitos fundamentais, garantias do cidadão perante o Estado, com o fim de limitar o
poder deste.
O controle exercido sobre os órgãos do Estado visa à retidão e transparência
das ações estatais, limitando ao agente público cumprir seu dever nos ditames das regras
estabelecidas, as quais possibilitam que os seres humanos, com todas as suas diferenças e
divergências, convivam em sociedade. Ainda, salienta-se que o medo da punição, por não
seguir as normas e regras estabelecidas, consiste numa forma de controle, o qual limita o
poder do soberano, evitando, assim, o abuso de poder e a tirania.
Ocorre que nem sempre existiu um Estado garantidor do indivíduo, sendo a
proteção dos direitos e garantias fundamentais do ser humano fruto de luta social e evolução
do Estado, o qual culminou na maximização do papel do poder público, hodiernamente
17 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002.p. 684. 18 RANGEL, Paulo. A investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 40.
14
chamado de Estado Democrático de Direito, tipo de organismo no qual, voluntariamente, o
Brasil filiou-se conforme proclame estampado no artigo 1º19 da nossa atual Lei Maior.20
1.3 ESTADO E CONSTITUIÇÃO
Importante abordar acerca da evolução do Estado moderno, bem como
destacar a importância da Constituição, norma suprema da Nação que irradia a legitimidade
para as leis do ordenamento jurídico.
1.3.1 Instituição do Estado moderno e suas transformações: Do Absolutismo ao
Estado Democrático de Direito
Estado é a nação ou comunidade política, jurídica e socialmente organizada.
A concepção do Estado Moderno, segundo Silva, vem atrelada ao entendimento de que o
Estado é o único criador do Direito e ele mesmo solucionará os conflitos sociais por
intermédio do Estado-juiz que aplicará as normas positivadas pelo próprio Estado-
legislador. É a monopolização da produção jurídica e sua aplicação por parte do Estado. 21
Estado é uma instituição organizada politicamente, socialmente e
juridicamente, ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma
Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto
interna como externamente. O Estado é responsável pela organização e pelo controle
social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força, possui o direito legitimado pelos
cidadãos de controlar e aplicar a punição. Desse modo, o Estado representa a forma
máxima de organização humana, somente transcendendo a ele a concepção de Comunidade
Internacional.
19 Art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos” [...] 20 MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 06 out. 2009. 21 SILVA, Enio Moraes da. O estado democrático de direito. Revista de Informação Legislativa, Brasilia, Senado Federal v.167, jul. 2005. p. 216.
15
O conceito de Estado moderno assenta-se sobre quatro elementos básicos: a
soberania, o território, o povo e a finalidade. Sendo uma sociedade política dotada de certas
características bem definidas, como conceito histórico concreto, com as idéias e a prática
da soberania, o que somente ocorreu no século XVII, existindo autores que apontam o ano
de 1648 (ano em que foi assinada a paz de Westifália) como a data oficial em que o mundo
ocidental se apresenta organizado em Estados.22
Dallari define Estado como sendo a ordem jurídica soberana que tem por fim
o bem comum de um povo situado em determinado território.23Destaca-se que com a
concretização do Estado dito moderno, marcado pela presença do poder soberano, pode-se
estabelecer uma evolução do Estado, conforme veremos a seguir.
1.3.1.1 O Estado Absolutista
O Estado Absoluto, que também pode ser chamado de Estado de Polícia,
segundo Silva caracteriza-se pela concentração de poder nas mãos do monarca, sendo a
vontade do rei a lei, atingindo seu pináculo na Idade Moderna, tendo ficado conhecida de
todos a frase de Luis XIV: L’Etat c’est moi (“O Estado sou eu”).24
O absolutismo iniciou-se com o fim do feudalismo, na Baixa Idade Média,
período de renascimento comercial e transição para a Modernidade, assistiu-se a vitória da
monarquia na luta dos poderes medievais travada no sistema feudal, concentrando o rei
funções “soberanas” antes repartidas por diversos setores sociais, principalmente a nobreza
e a Igreja. O Estado Moderno, então surgido, é, na sua primeira fase, um Estado
Absolutista.25
Sem dúvida foi a monarquia absoluta que realizou a idéia da unidade jurídica
e política do Estado no âmbito da Europa ocidental, sendo a monarquia absoluta a forma
22 SILVA, Enio Moraes da. O estado democratico de direito. Revista de Informação Legislativa. p. 216. 23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
118. 24 SILVA, Enio Moraes da. O estado democratico de direito. Revista de Informação Legislativa, p. 218. 25 WEINGARTNER NETO, Jayme. O estado democrático de direito: apontamentos histórico-críticos. Ajuris, Porto Alegre , v.35, n.109. mar.2008. p. 164.
16
com que, pela primeira vez, o Estado moderno se apresentou na Europa ocidental. O
Estado moderno surgiu como Estado Absoluto.26
Esse período histórico somente vem a ser ultrapassado por meio das
revoluções européias, iniciando-se na Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688, sendo
que, na França, por sua vez, o absolutismo foi afastado pela Revolução burguesa de 1789.27
1.3.1.2 O liberalismo e o Estado de Direito
O Estado de Direito caracteriza-se pela idéia da supremacia da lei, como
expressão da vontade geral, sendo o uso do poder limitado pela lei, existindo a separação
do Estado em três poderes. É nesta perspectiva que a Constituição passa a ser reconhecida
como documento jurídico, que engloba no seu conjunto as supremas normas da
comunidade.28
Reconhece Kelsen ser o Estado de Direito uma ordem jurídica relativamente
centralizada, dentro da qual a jurisdição e a administração estivessem vinculadas às lei,
normas gerais estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, os membros do governo
fossem responsabilizados pelos seus atos, os tribunais gozassem de independência e certar
liberdades fundamentais despontassem garantidas aos cidadãos.29
A submissão do Estado de Direito é resultado das revoluções burguesas do
século XVIII, surgidas em oposição ao absolutismo, para colocar os governantes sob a
vontade da lei (princípio da legalidade), sendo esta produto da vontade geral do povo ou da
nação, mas com o objetivo de manter o poder público na passividade, respeitando as
26 SARLET, Ingo Wolfgang. Maquiavel, o príncipe" e a formação do estado moderno". Ajuris, Porto Alegre, Associação dos Juízes do RS v.63, mar. 1995, p. 97. 27 SILVA, Enio Moraes da. O estado democratico de direito. Revista de Informação Legislativa, p. 218. 28 CAVALHEIRO, Carlos Alberto. Estado democrático de direito: uma utopia para além do estado de
direito. Revista de Direito Social, São Paulo, NOTADEZ INFORMACAO v.5, jun. 2002. p. 14. 29 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Flores, 2003. p. 315.
17
liberdades fundamentais do indivíduo (as chamadas liberdades públicas ou liberdades
negativas).30
O princípio da legalidade, que contém a afirmação da liberdade do indivíduo
como regra geral, seria a fonte única de todas as obrigações dentro de um Estado de
Direito. Assim, de cunho liberal, é caracterizado, em suma, pela presença da limitação do
poder estatal e o respeito dos direitos fundamentais do homem.31
A preponderância da lei no Estado Liberal, como meio de contenção dos
poderes do Estado e como forma de garantia das liberdades negativas, levou a um culto
exagerado da lei, transmudando o Estado de Direito em mero Estado de legalidade, sem
maiores preocupações com a qualidade de vida do cidadão.
1.3.1.3 O Estado Social
O Estado Social assume, na sua concepção de Estado do Bem-Estar,
concepção surgida no pós-guerra (2ª Guerra Mundial), na Europa, tendo um importante
papel de promover ações para superaras profundas desigualdades sociais produzidas pelo
Estado Liberal ou Estado Capitalista, e pela necessidade de uma redefinição do papel do
Estado. Este deveria intervir na economia para regular e assegurar, além da ordem pública,
uma vida digna a todos os cidadãos. Trata-se, portanto, do alargamento do conteúdo
simbólico da Constituição.32
Observa-se assim, uma mudança profunda na função do Estado liberal para o
social. Do abstencionismo, passa-se para a intervenção pública em prol do social, visando a
extirpar desigualdades no seio da sociedade.
No entanto, a fragilidade desse tipo de Estado é desnudada quando a
manifestação do seu aspecto social não passa de mero paternalismo e este se encontra
30 SILVA, Enio Moraes da. O estado democratico de direito. Revista de Informação Legislativa, p. 218. 31 SILVA, Enio Moraes da. O estado democratico de direito. Revista de Informação Legislativa, p. 219. 32 CAVALHEIRO, Carlos Alberto. Estado democrático de direito: uma utopia para além do estado de direito. Revista de Direito Social, p. 16.
18
imiscuído em uma estrutura política concentradora de poder, autocrática, ou mesmo
carecedora de legitimidade popular.33
Assim, no avançar da evolução do Estado busca-se a soberania popular,
elemento democrático do poder.
1.3.1.4 O Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito é um Estado baseado na soberania popular,
no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de
expressão e organização política democrática, que tem por objetivo assegurar a transição
para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o
aprofundamento da democracia participativa. O poder político, nesse modelo de Estado,
deriva do poder dos cidadãos.
Cumpre-se salientar a distinção entre Estado de Direito e Estado Democrático
de Direito. O primeiro refere-se única e exclusivamente aplicador da lei vigente, porém,
não traduz a vontade do povo na norma, uma vez que este anseio popular pode ter sido
violado através de uma lei elaborada, promulgada e sancionada por um governo despótico
e/ou ditatorial, ferindo o princípio da representação popular. O segundo reflete a pura
consciência da sociedade civil e seus desejos por uma justiça realmente dita. Sendo o
Estado Democrático de Direito um regime de governo que promove os Direitos Humanos e
garante as necessidades básicas de uma sociedade.34
Sendo assim, considera-se que a dimensão atual e marcante do hodierno
Estado Democrático de Direito resulta da aplicação das normas constitucionais. Ressalta-se
que a democracia é um princípio consagrado nos modernos ordenamentos constitucionais
33 SILVA, Enio Moraes da. O estado democrático de direito. Revista de Informação Legislativa, p. 225. 34 MAIA NETO, Cândido Furtado. O Ministério Público e o estado democrático de direito, estado de direito constitucional ou estado de direitos humanos. Jurisprudência Brasileira Criminal, Curitiba, Juruá v.42, maio 2002. p. 24.
19
como fonte de legitimação do exercício do poder, que tem origem no povo.35 Ressalta-se
que o aspecto principal do Estado Democrático Constitucional reside na distribuição e nos
mecanismos institucionais de controle do poder político, fazendo com que este seja
efetivamente submetido aos seus destinatários, ou seja, ao povo.
Segundo Cavalheiro, a limitação do uso do poder por meio da lei é a
formulação mais sofisticada que o homem desenvolveu. Não se pode aceitar,
racionalmente, como legítimo um Poder que não se funde no consenso oriundo do jogo
democrático. Assim, também, não se pode aceitar que o Estado, como conjunto de
aparelhos, se preste a outros fins que não a consecução do bem comum, realizando os fins
institucionais para o qual existe.36
Por esta razão, continua Cavalheiro, as funções do Estado, compreendidas na
administração pública, devem estar em harmonia com os princípios e objetivos
fundamentais que constituem o Estado. Exige-se, portanto, uma realização/materialização
dos direitos assegurados na Constituição.37
1.3.2 Constituição
No ordenamento jurídico vigente, busca-se resguardar os direitos
fundamentais existentes, evitando, ao máximo, o cerceamento indevido do Estado nas
liberdades individuais, conforme preceituam as normas constitucionais. Assim, cabe
dissertar acerca da Constituição.
Podemos definir Constituição como o conjunto de normas que organizam um
Estado, servindo para organizar e limitar o poder da sociedade politicamente organizada. A
Constituição regula o poder exercido na sociedade e garante direitos, limitando poderes.
35 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Apontamentos sobre o estado democrático de direito. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Belo Horizonte, INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE MINAS GERAIS v.9, jan. 2003. p. 224. 36 CAVALHEIRO, Carlos Alberto. Estado democrático de direito: uma utopia para além do estado de direito. Revista de Direito Social, São Paulo, NOTADEZ INFORMACAO. p. 22. 37 CAVALHEIRO, Carlos Alberto. Estado democrático de direito: uma utopia para além do estado de direito. Revista de Direito Social, São Paulo, NOTADEZ INFORMACAO. p. 23.
20
Para Canotilho, a Constituição é o estatuto jurídico (conjunto de normas) do fenômeno
político. Em outras palavras, é o documento de intermediação entre a sociedade e o Estado
que a governa.38
A palavra constituição significa, genericamente, o modo de como se constitui
algo, sua composição, organização e formação. No sentido jurídico Constituição é a lei
fundamental e suprema de um Estado que o organiza e garante os direitos individuais, bem
como limita o poder estatal. Conforme ensinamento de Moraes:
Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos[...].39
Nesse sentido é que, como destaca Grinover, que deve ler as normas
processuais à luz da Constituição da República, dos princípios e regras nela inseridos. É
adequar as demais leis “à letra e ao espírito da Constituição”, interpretando-as de acordo
com os preceitos constitucionais.40
Uma Constituição é feita para ser eterna. Com legitimidade provinda do povo,
a Constituição brasileira é rígida, pois necessita de um processo especial para modificação
da lei, uma solenidade. Isso acontece para garantir a superioridade do texto constitucional.
Temos restrições à elaboração de emendas à Constituição no seu art. 60, § 4º, no que diz
respeito às cláusula pétreas. O processo de alteração da Constituição é muito mais
complicado que a mudança de lei comum (ordinária), o que faz com que se mantenha a
estabilidade constitucional.
A Carta Magna de um Estado é a norma suprema, fundamental. Kelsen diz
que, para que uma norma seja válida é preciso que busque seu fundamento de validade em
uma norma superior, de modo que,para uma norma ter validade dentro do sistema,
38 CANOTILHO. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. São Paulo: Almedina, 2009. p. 85. 39 MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional.15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 38. 40 GRINOVER, Ada Pellegrini apud FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.
17.
21
necessita ser produzida em concordância com os ditames da norma superior, que representa
seu fundamento de validade. A Constituição esta no ápice da pirâmide de Kelsen.41
Apesar de a Constituição, segundo Silva, ser definida como o simples modo
de ser do Estado, 42 o termo Constituição pode ser compreendido nos seus sentidos
sociológico, político e jurídico.
Na visão sociológica, segundo Lassalle, prevalece o fator real da sociedade, a
realidade do Estado em determinada conjuntura histórica.43 Segundo Paulo e Alexandrino,
cabe à Constituição escrita reunir e sistematizar os valores sociais num documento formal,
sendo que, a simples folha de papel só terá validade se corresponder à realidade. Em caso
de conflito o papel sucumbe à realidade. Isso significa dizer que:
A Constituição é a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação (poder econômico, militar, político, religioso etc.), de forma que a Constituição escrita só terá eficácia, isto é, só determinará efetivamente as inter-relações sociais dentro de um Estado quando for construída em conformidade com tais fatores; do contrário, terá efeito meramente retórico (”folha de papel”).44
A concepção política de Constituição foi desenvolvida por Schmitt, para o
qual, segundo Paulo e Alexandrino, a Constituição é uma decisão política fundamental.45 O
sentido político distingue Constituição de lei constitucional, sendo considerada
Constituição a parte normativa que trata somente sobre as matérias de grande relevância
jurídica como a organização do Estado e os direitos individuais, ficando as demais normas
integrantes do texto da Carta Magna, tão somente, nominadas de leis constitucionais.
41 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 320. 42 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 37. 43 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4 ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 1998. p. 41. 44 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO. Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 4. Ed. São Paulo: Impetus. 2009. p. 6. 45 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO. Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. p. 7.
22
Nesse sentido, explica Lenza, a Constituição é a decisão política do titular do
poder constituinte.46 Conceituando a visão política, Silva distingue a Constituição das leis
constitucionais:
[...] aquela só se refere à decisão política fundamental (estrutura e órgãos do Estado, direitos individuais, vida democrática etc.); as leis constitucionais são os demais dispositivos inscritos no texto do documento constitucional, que não contenham matéria de decisão política fundamental.47
A Constituição, segundo Lenza, também pode ser definida tomando-se os seus
sentidos material e formal, critérios estes que se aproximam da classificação proposta por
Schimitt. O conceito material prioriza o conteúdo, considerando normas constitucionais as
que tratam de questão fundamental do Estado, mesmo não inclusas no texto constitucional
ou até mesmo se vigente somente no plano dos costumes. Por outro lado, no sentido formal
entende-se que qualquer norma que obedece ao procedimento de elaboração de norma
constitucional terá natureza constitucional, não importando o seu conteúdo, prevalecendo a
forma de nascimento da norma48.
Em sentido jurídico, especifica Kelsen, a Constituição é o vértice do sistema
normativo, não havendo necessidade de correlação com a realidade e prevalecendo o
dever-ser, numa perspectiva estritamente formal. A teoria pura do Direito procura
desvincular a ciência jurídica de valores sociais, sendo a Constituição considerada como
norma pura.49
A concepção de Kelsen define dois sentidos de Constituição: lógico-jurídico
e jurídico-positivo. Aquela trata de uma norma fundamental hipotética, uma norma
imaginada consistente na determinação de obediência da Constituição positiva. 50 Em
sentido jurídico-positivo, o termo Constituição corresponde à norma fundamental, lei
46 LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11 ed. São Paulo: Método. 2007. p. 54. 47 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. p. 37. 48 LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 54. 49 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 315. 50 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 316.
23
hierarquicamente superior, criadora da estrutura básica do Estado e parâmetro de validade
de todas as demais normas. Paulo e Alexandrino explicam que, em seu sentido jurídico:
A Constituição é compreendida de uma perspectiva estritamente formal, consistindo na norma fundamental de um Estado, paradigma de validade de todo o ordenamento jurídico e instituidora da estrutura primacial do Estado; a Constituição é considerada como norma pura, como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico.51
Ressalta-se que não há um sentido certo ou errado de conceber a Constituição,
talvez existindo uma perspectiva mais adequada para determinada situação. As concepções
pecam pela unilateralidade, havendo a possibilidade de se optar por determinada
perspectiva, embora a visão tenha de ser global ou sistêmica da sociedade. Deve-se utilizar,
assim, no conceito de Constituição, o auxílio de outras ciências como a Sociologia, a
Filosofia, criando laços de interconexão com o Direito. O sentido jurídico de Constituição
não se obterá se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social sem conexão com o
conjunto da comunidade.52
Ferrara defende que “A Constituição precisa ser respeitada não como carta de
intenções, mas como instrumento fundamental que contém regras que precisam ser
observadas sob pena de esfacelamento do Estado Democrático de Direito”.53
A Constituição é o fundamento de validade de todas as normas do
ordenamento jurídico, não podendo submeter-se ao nuto dos poderes constituídos nem a
fatores circunstanciais, pois a supremacia de que ela se reveste, enquanto respeitada,
constituirá a garantia real de que os direitos e liberdades não serão ofendidos. 54
A Carta Magna de 1988 retrata o anseio da sociedade de viver num regime de
liberdade, em que os princípio devem ser respeitados, sob a áurea de um Estado
51 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO. Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. p. 9. 52 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. p. 39. 53 FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3 ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987. p. 174. 54 D’ANGELO, Élcio Félix. O controle externo como mecanismo de celeridade e modernização do poder judiciário. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, RT v. 36, jul 2001, p. 222.
24
Democrático de Direito, assim, tanto o exercício do poder estatal como respectivo controle
devem, acima de tudo, respeitar os princípios e as normas constitucionais.
1.4 PODER ESTATAL E CONTROLE RECÍPROCO
1.4.1 Divisão do Poder do Estado
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição cidadã, visando
controlar o arbítrio dos detentores do poder, previu em seu artigo 2º a consagração da
tripartição dos Poderes, ao afirmar que são Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A separação dos poderes, segundo
Almeida, é dogma de organização política, o qual propõe a distribuição das funções do
poder a órgãos distintos, cabendo à Constituição estabelecer a cada um deles as garantias
que tornem efetivas as desejadas independência e harmonia55. Conforme preceitua Moraes,
os poderes são:
[...] independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado democrático de Direto56.
A célebre separação dos poderes, segundo Silva, já se encontra sugerida em
Aristóteles, Locke e Rousseau57 sendo imortalizada por Montesquieu, que em sua obra O
espírito das leis, atribui três funções estatais, quais sejam, a legislação, a administração e a
jurisdição para três órgãos autônomos entre si, que, em princípio, a exercerão com
exclusividade. Salienta-se que o Poder soberano é uno, indivisível, é do povo, o que ocorre
são divisões das tarefas estatais, distribuição de competências.
55 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. As imunidades parlamentares à luz da Emenda Constitucional n. 35/2001 in Lições de Direito Constitucional em homenagem ao jurista Celso Bastos. SP; Ed. Saraiva, 2005, pág. 625 a 643. Material da 5ª aula da Disciplina Poderes do Estado: Poder Legislativo e Poder Executivo, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Constitucional -Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG. p. 2. 56 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 382. 57 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 109.
25
A separação dos poderes estatais é de tamanha importância que a Constituição
vigente a elenca como cláusula pétrea, ou seja, é permanente, inexistindo possibilidade de
abolição, conforme estabelecido no artigo 60, § 4°, inciso III, somente sendo possível
extingui-la por uma nova Constituição, se assim entender o Poder constituinte originário.
Ainda, somente a Constituição poderá determinar ou mudar a função designada
a determinado órgão estatal. Destaca-se a existência das funções típicas dos Poderes, sendo
a do Poder Legislativo criar normas gerais e abstratas; do Poder Executivo, cumprir,
concretizar e se submeter à lei, tendo seus atos impacto concreto na sociedade; e do Poder
Judiciário, resolver conflitos, aplicando a norma ao caso concreto.
Referidas atividades são as funções típicas dos Poderes, no entanto, a
Constituição de 1988 tomou a liberdade de determinar algumas funções atípicas, como por
exemplo, a possibilidade do Poder Executivo expedir medidas provisórias e a faculdade do
Poder Legislativo instaurar Comissões Parlamentares de Inquérito, assim como de julgar os
mais altos mandatais do País. Nesse sentido, Moraes esclarece:
[...] cada um dos Poderes possui uma função predominante, que o caracteriza como detentor de parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional. São as chamadas funções típicas e atípicas. 58
A Constituição atribuiu diversas funções a todos os Poderes, sem, contudo,
caracterizá-las com a exclusividade absoluta. Não fere o princípio de separação dos
poderes o exercício da função atípica, pois tal competência foi constitucionalmente
assegurada pelo Poder Constituinte originário. Leciona Lenza:
Diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir maior interpenetração entre os Poderes, atenuando a teoria que pregava uma separação pura e absoluta dos mesmos. 59
Seguindo a evolução da humanidade, após muita luta social, a separação dos
poderes constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito, sendo sua abolição um
58 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 388. 59 LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 338.
26
retrocesso imensurável. Em face dessa separação de poderes ou funções, ressalta-se a
necessidade de fiscalização recíproca entre os Poderes, chamado de sistema de freios e
contrapesos. 60
1.4.2 Teoria dos freios e contrapesos
A Constituição da República de 1988 estabelece diversos sistemas de
controle, os quais visam ao equilíbrio entre os Poderes do Estado e as instituições públicas,
sendo a sociedade a maior beneficiada pela eficácia desses sistemas. Uma característica do
Estado Democrático de Direito, em que os Poderes, mesmo independentes entre si, estão
sujeitos aos mecanismos de controle recíprocos.
Assim manifesta-se Mazzilli:
Controles externos são sempre salutares – o que normalmente provoca mais polêmica é a forma de exercitar esse controle. O controle externo faz parte da própria harmonia dos Poderes, inserindo-se no sistema de freios e contrapesos.61
Salienta-se que também são garantias dos direitos individuais a separação dos
poderes e a determinação precisa das atribuições de cada um deles e da competência de
cada um de seus órgãos. Sendo especialmente importante que eles exerçam mútuo
contraste e vigilância de modo que nenhum possa exorbitar sem incorrer na censura e
correção de outros. Neste sentido, Guasque, Promotor de Justiça no Estado do Rio de
Janeiro, explana que: “Os poderes são independentes enquanto agem dentro da lei. Se a infringem
subpõem-se à ação corretiva dos outros”.62
Sobre o controle recíproco das funções do Estado, Santin esclarece que:
Todos os órgãos públicos devem possuir controles para maior e melhor vigilância, fiscalização, segurança, regularidade, eficiência e qualidade dos serviços públicos, para acompanhamento da correção e lisura do
60 D’ANGELO, Élcio Félix. O controle externo como mecanismo de celeridade e modernização do poder judiciário. Revista de Direito Constitucional e Internacional. p. 231. 61 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 17. 62 GUASQUE, Luiz Fabião. O Ministério Público e o controle externo da atividade policial. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. v.3, jan. 1996, p. 132.
27
comportamento dos servidores públicos, em prol do interesse da sociedade. Controle significa ato de vigilância, verificação administrativa, fiscalização, inspeção, supervisão e exame minucioso exercido sobre as atividades de pessoas, órgãos e departamentos.63
Assim, é importante entender a compreensão etimológica da palavra
“controle”, e quem dá a lição é Mazzilli:
[...] em vernáculo, a expressão "controle", advinda do francês controle, significa ato de vigilância e verificação administrativa; domínio ou governo; mais especificamente, ato de fiscalização, inspeção, supervisão, exame minucioso exercido sobre as atividades de pessoas, órgãos, departamentos, como seja a própria fiscalização financeira ou orçamenta-ria, ou o próprio corpo de funcionários encarregados de velar pela observância das leis mente em matéria financeira.64
Ressalta-se que a idéia de controle, conforme afirma Bobbio, está vinculada a
democracia, enquanto a incontrolabilidade, ao arbítrio.65Realizada esta análise etimológica,
cabe informar que o sistema existente na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 estabelece para todas as funções do Estado, a existência do controle de uma
instituição por outra, ou seja, um mecanismo de controles recíprocos, o qual contribui para
o bom funcionamento do Poder Público, bem como se considera um pressuposto essencial
para a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos.66
Assim, no ordenamento jurídico contemporâneo, apesar de permanecer na
tradicional idéia de tripartição de poderes, entende-se que essa teoria, se interpretada com
rigidez, torna-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de garantir os direitos
fundamentais dos indivíduos, devendo, pois, separar as funções estatais dentro de um
mecanismo de controles recíprocos, denominado "freios e contrapesos" (checks and
balances).
63 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. Bauru, São Paulo: EDIPRO, 2001. p. 70. 64 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p.
117-118. 65 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 13 ed, 1992, p. 47. 66 MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de
exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 02 nov. 2009.
28
Historicamente, a teoria de freios e contrapesos surgiu de forma esparsa e se
aperfeiçoou com o tempo. Quanto ao tema, Silveira ensina que o “balance” (contrapeso,
equilíbrio) surge na Inglaterra, a partir da ação da Câmara dos Lordes (nobreza e clero)
equilibrando os projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns (originados do povo),
com o objetivo implícito de conter o povo, principalmente contra as ameaças aos
privilégios da nobreza. Também decorrem do modelo político inglês, duas importantes
ferramentas iniciais do sistema de freios e contrapesos: o veto e o impeachment.67
Por sua vez, o “check”, surgiu por ocasião da célebre decisão de John
Marshall, Chief-Justice da Suprema Corte norte-americana, no caso Marbury versus
Madison (1803), que inaugurou o poder da judicial review (revisão judicial), segundo o
qual compete ao Poder Judiciário dizer se a lei está em conformidade com a Constituição.
Ainda, pela doutrina do judicial review, o Judiciário passa a controlar o abuso do poder dos
outros Poderes.68
Assim, da conjugação dos fatos oriundos dos sistemas inglês e americano
emergiu o que é considerado o principal elemento caracterizador do princípio da separação
dos poderes no Direito contemporâneo, o sistema de freios e contrapesos (checks and
balances), o qual traz a idéia de independência e harmonia entre os três poderes do Estado,
cada qual com atribuições próprias e impróprias, devendo-se ser criados meios para evitar
o mau uso do poder por parte daqueles que o detém, através dos freios necessários para a
proteção de todos.69
Desta forma, o sistema de freios e contrapesos firmou-se através do controle
externo, visto que os poderes do Estado se regulam, a fim de evitar abusos, sendo uma
separação de poderes pouco rígida que admite interferências recíprocas entre os poderes,
visando ao bem e harmonia da sociedade.
67 SILVEIRA. Paulo Fernando Silveira. Freios e contrapesos (checks and balances). São Paulo: Ed. DelRey. 1999. p.99 68 CURVINA. Rodrigo Mendonça. Reflexão sobre a teoria da tripartição dos poderes estatais: sua consonância com o atual regime democrático de direito. Disponível em < http://jusvi.com/artigos/35675>. Acesso em 03 jan. 2009. 69 PIÇARRA, Nuno. A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional. Ed: Coimbra, 1989. p.59-62 e 79-83.
29
A concepção clássica da independência dos poderes do Estado não pode ser
utilizada de forma rígida de modo a tornar-se um subterfúgio para neutralizar qualquer
possibilidade de controle social sobre os poderes do Estado. Atualmente, há no
ordenamento jurídico brasileiro instrumentos legais para aplicar efetivamente o controle
recíproco das funções estatais, sendo no sistema de freios e contrapesos que se encontra o
perfeito equilíbrio entre os Poderes e, na lei punitiva, o santo remédio para evitar desvios
de conduta do ocupante de cargo da função pública.70
Ante o exposto, passa-se a dissertar acerca do controle externo exercido pela
instituição do Ministério Público sobre a atividade policial, conforme previsto no inciso VII,
do artigo 129 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
70 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O controle externo: por que o controle externo?. Revista Jurídica
Consulex, Brasília, CONSULEX v.173, mar. 2004, p. 26.
30
CAPÍTULO 2
O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Já de posse dos fundamentos teóricos, pretende-se com este capítulo tratar do
controle externo do Ministério Público sobre a atividade policial, analisando a legislação
sobre o tema, as limitações do controle exercido sobre a atividade policial pelo titular da
ação penal pública, tecendo breves considerações sobre o Ministério Público e a Polícia
brasileira.
Em relação às inovações constitucionais e alterações na legislação processual
penal no Brasil, um dos temas que vem causando inúmeras controvérsias e polêmica quanto
a sua interpretação e aplicação é o exercício do controle externo da atividade policial,
atribuição constitucional conferida ao Ministério Público, embora, segundo adverte
Guimarães:
[...] o relacionamento do Ministério Público com a Polícia, em nosso País, já existia a nível infraconstitucional, antes mesmo do advento da Constituição da República de 1988, através das inúmeras disposições contidas no Código de Processo Penal e na antiga Lei Complementar n° 40/81. Ou seja, de uma forma ou de outra, o Ministério Público já exercia relativo controle sobre a atividade policial, ainda que, antes da citada Carta Magna, tal controle não viesse explicitamente disciplinado na lei, como agora estipulado e ampliado no art. 129, VIl 71 , da Constituição da República.72
Em virtude dessa disposição expressa, Guimarães complementa ressaltando
que muitas críticas vêm surgindo, grande parte delas provenientes da própia Polícia, no
sentido de não aceitar a atividade constitucional do Ministério Público, procurando
71 Art. 129 da Constituição da República Federativa do Brasil: São funções institucionais do Ministério
Público: [...] VII - exercer o controle externo da atividade policial [...]. 72 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Cad. Min. Pub. Paraná, Curitiba, v. 1, n. 2, nov. 1998. p. 41.
31
polemizar a questão e deturpar o real significado do controle externo da atividade policial, a
razão de sua existência e a forma de se efetivá-lo.73
Assim, com mais de duas décadas após a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, ainda se vivencia uma grande dificuldade no trato
do tema do controle externo da atividade policial, seja para conceituá-lo, seja para delimitar
o seu exercício.
Nesse sentido, Marques explica que:
[...] função constitucional introduzida pela Carta de 1988, o controle externo da atividade policial ainda hoje é um terreno pouco explorado pelo Ministério Público, seja porque as discussões sobre seu alcance mais dividem do que somam, seja porque ainda se tenta definir com clareza e praticidade o seu modo de exercício. 74
Reconhece, ainda, que tal controle foi estabelecido de modo genérico, e de
alguma forma, estaria relacionado com a titularidade do Ministério Público para o exercício
da ação penal pública, verdadeira parcela da soberania do Estado e de manifestação do jus
puniendi.75
2.2 A TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL E O CONTROLE EXTERNO DA
ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Então se pergunta, por que ao Ministério Público foi determinado o dever de
controlar a atividade policial? Cabe mencionar uma transcrição a respeito das polêmicas
que o tema suscita, na lição de Fazzio Júnior:
Quando o constituinte de 1988 atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial (art. 129, inciso VIl), não lhe conferiu uma autorização ou um poder mas uma determinação de dever (...) A atribuição do controle exterrno da atividade policial ao Ministério Público não é simples programação constitucional abstrata. Trata-se da imposição
73 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Cad. Min. Pub. p. 42. 74 MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 26 set. 2009. 75 Idem.
32
concreta de um dever material que não comporta juízos discricionários de oportunidade e conveniência.(...) Com efeito, a plenitude do exercício da legitimação ativa para a ação penal pública não se satisfaz com o mero repasse de elementos probatórios ao órgão jurisdicional. O exercício material pleno da legitimação ativa na ação pena pública reclama o controle da investigação como antecedente lógico e necessário para viabilizar a dedução da pretensão punitiva. Titular é o que detém o título, é o dominus, sendo natural que controle os atos preparatório. que instruirão sua postulação, tanto sob o aspecto extrínseco da legalidade como no plano substancial da eficácia e da objetividade. Ora, o inteiro cumprimenlo de uma imposição constitucional não se contenta com o simples desempenho formal de uma atividade; reclama exercício suficiente.(...) Por derradeiro, ao imperativo constitucional de controlar a atividade policial imposto ao Ministério Público, corresponde o direito subjetivo pessoal, cujo titular é qualquer cidadão, de exigir que o Parquet o faça.76
Para a otimização da persecusão criminal, far-se-á necessário um
comprometimento intenso do Ministério Público com a investigação criminal, pois a este
interessa diretamente o êxito do trabalho policial de coleta de provas. Assim, para que uma
ação penal tenha sucesso, é imprescindível ocorrer uma estreita ligação com a eficiência
demonstrada na fase investigatória, isto é, quanto maior o rol de indícios, circunstâncias e
elementos de prova coletados na fase de inquérito policial, mais segurança terá o Promotor
de Justiça de formar a sua convicção para o arquivamento ou para a propositura da ação
penal pública.77
Assim, o controle externo da atividade policial deve ser compreendido como
um conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em
relação a polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos tidos como criminosos, na
preservação dos direitos e garantias constitucionais dos presos que estejam sob
responsabilidade das autoridades policiais e na fiscalização do cumprimento das
determinações judiciais.78
76 FAZZIO JR., Waldo, O Ministério Público e o dever constitucional do controle externo da atividade policial. Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe, n. 12, 1997, p. 100. 77 MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 26 set. 2009. 78 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. 5 ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 63.
33
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 129,
inciso VII, descreve tão somente que o Ministério Público exercerá o controle da atividade
policial, sem definir se esta atividade policial é somente da Polícia Judiciária (Polícia
Civil), ou refere-se também a Polícia Preventiva (Polícia Militar).79
Guimarães observa que:
Ora, é sabido que o legislador não economiza palavras e tudo o que escreve tem uma razão de ser. Ainda mais em se tratando da Constituição de um País. Se não economiza palavras, por que razão teria escrito so-mente "controle externo da atividade policial", e não "controle externo da atividade policial judiciária"? Certamente, porque a intenção do Consti-tuinte não era de limitar esse controle externo somente à Polícia Judiciá-ria, estendendo-o, também, à chamada Polícia Preventiva, ou, no caso à Polícia Militar. [...] Ademais, é notório que alguns policiais militares, no exercício de suas funções, contrariando orientações de seus comandantes, não raras vezes, cometem abusos ou omissões, preferindo não comunicar à autoridade policial civil ocorrências de que tomam conhecimento. Agem, assim, como se estivessem autorizados a "escolher" quais infrações penais seriam passíveis de punição, e quais não, razão pela qual vêm a merecer a fiscalização de suas atividades pelo Ministério Público, que, em última ratio, sempre desempenhou seu papel de guardião das leis e de seu fiel cumprimento.80
Pode-se afirmar então, que a atual Carta Magna ao mencionar sobre o controle
externo da atividade policial, o faz de maneira genérica, sem restrição alguma. Portanto,
não sustenta que o controle se dará somente sobre esta ou aquela Polícia, refere-se somente
em “controle externo da atividade policial”.81
Em maio de 2007 o Conselho Nacional do Ministério Público, através da
Resolução n° 20 definiu que estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público, os
organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as
polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja
79 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 87. 80 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 89. 81 Idem.
34
atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução
criminal.
No tocante á persecução criminal, o sistema processual vigente no
ordenamento brasileiro é o acusatório, o qual assegura a todos os acusados o contraditório e
a ampla defesa, garantindo, também, a apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça
de direito, cabendo ao Judiciário a função de julgar os litígios, ofício que irá desempenhar
com imparcialidade. Nota-se que há uma verdadeira tripartição de funções, incumbindo a
diferentes agentes o poder de acusar, defender e julgar, característica essa essencialmente
acusatória.
Assim, no ordenamento jurídico atual há uma fase inicial inquisitiva, onde é
feita a investigação policial e a fase judicial com todas as garantias do processo acusatório.
Referente à fase inquisitiva, no inquérito policial, inexiste a figura do acusado,
mas somente do indiciado. Por não serem aplicados os princípios do contraditório e da
ampla defesa, o inquérito policial e o termo circunstanciado, peças informativas dos
elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por si só decisão
condenatória. Extrai-se da lição de Mirabete:
O inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal, como instrução provisória, de caráter inquisitivo, que é. Não se pode, por isso, fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, o que contraria o princípio constitucional do contraditório82.
O inquérito policial configura-se, segundo Thomé, como sendo um
procedimento administrativo, preparatório da ação penal, com o fim de apurar as infrações
penais e sua autoria. Tal procedimento serve de base para que o Ministério Público ofereça
82 MIRABETE. Código de Processo Penal Interpretado. 8ª ed. São Paulo. Editora Atlas. p. 89.
35
a denúncia ou peça o seu arquivamento83, servindo igualmente como alicerce na convicção
do Juiz em decisões relevantes no curso do processo criminal.84
Rangel explica que é por meio do inquérito policial, realizado pelo polícia,
órgão integrante da função executiva, que se inicia a persecução penal, observando-se o
controle das investigações pelo Ministério Público (cf. art. 129, VII, da CRFB).85
Para Malcher:
O Inquérito Policial é um procedimento administrativo, com caráter persecutório e de instrução provisória, documentando o fato em todos os seus elementos, destinado a preparar a ação penal. Com seus elementos investigatórios, fornece ao titular da ação penal os elementos necessários para formar o “opinio delicti” que o levará à propositura da ação penal; e com os elementos probatórios orientará a acusação na colheita e na produção da prova a ser realizada quando da instrução criminal.86
Trata-se, no dizer de Araújo, de um procedimento escrito, de natureza
inquisitiva, tendo em vista ser comandado por uma autoridade policial, com atribuições de
caráter discricionário, ou seja, possuindo a faculdade de agir livremente, dentro, porém, dos
limites fixados na lei e estando sujeita ao controle jurisdicional.87
Visando, sobretudo à celeridade e à informalidade, a Lei 9.099 de 1995
instituiu o termo circunstanciado, medida jurídica que visa a substituir o inquérito policial
nos crimes de menor potencial ofensivo.
Segundo Noronha, o inquérito policial e o termo circunstanciado são
procedimentos preliminares ou preparatórios da ação penal, onde se colhem elementos que
83 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 34. 84 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 2. ed. Florianópolis: Ed. do
Autor, 1997. p. 87. 85 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 72. 86 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. p. 97. 87 ARAÚJO, Sérgio Luiz Souza. Teoria geral do processo penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p.
280.
36
seriam difíceis e/ou impossíveis de se obter na instrução judicial. Não é, portanto, processo,
mas sim instrução provisória com o fim de apurar a infração penal e sua autoria88.
Não se pode deixar de recordar que ao exercer sua função precípua, a polícia
deve observar sempre os direitos fundamentais do homem previstos no artigo 5º 89 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o respeito aos princípios que
88 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 22. 89 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; [...] XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; [...] XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; [...] XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público [...] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ /Constituiçao.htm> . Acesso em: 08 de out de 2009.
37
informam a persecução penal90, sendo o Ministério Público o responsável em fiscalizar a
atividade policial.
Ante importante mecanismo de controle do Poder estatal, faz-se necessário
discorrer sobre os protagonistas do controle externo da atividade policial, tanto ativa
quanto passivamente, ou seja, o Ministério Público e a Polícia respectivamente.
2.3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição da República de 1988, abraçando a concepção da unidade do
Poder do Estado e a consequente repartição das funções da soberania, dividiu as tarefas
estatais, distribuindo as competências entre o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o
Ministério Público.
Visando dar efetividade aos direitos fundamentais como decorrência do
Estado Democrático de Direito, a Carta Magna, segundo Lenza, trata do Ministério Público
com o status de função essencial à Justiça, definindo as suas funções institucionais, as
garantias e as vedações de seus membros.91
Neste sentido, o artigo 127, caput, da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, define que o Ministério Público é, in verbis, instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.92
Ressalta-se a atuação da Instituição na defesa da sociedade, na tutela dos
interesses difusos e coletivos, como meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico,
turístico e paisagístico; pessoa portadora de deficiência; criança e adolescente, idoso,
90 GUASQUE, Luiz Fabião. O Ministério Público e o controle externo da atividade policial. p.132. 91 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 447. 92 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal: Senado Federal. 1988.
38
comunidades indígenas e minorias ético-sociais. Assim, tornou-se o Ministério Público
uma espécie de defensor da sociedade brasileira.93
Salienta Bulos que: “A Carta de 1988 pode ser apelidada de a Constituição do
Ministério Público,”pois “Do ângulo constitucional positivo, nunca se viu tanta atenção ao
Parquet como agora”.94
Na seqüência, em consonância com a atual Constituição da República
Federativa do Brasil, foram editadas a Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que
instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo a respeito de normas
gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, e, ainda, a Lei Complementar
Federal nº 75, de 20 de maio de 1993, que trata a respeito das organizações, atribuições e
estatuto do Ministério Público da União.95
Conforme a lição de Mazzilli:
Não deixa de ser interessante anotar que, na sua etimologia, a palavra ‘ministério’ se prende ao vocábulo latino manus e aos derivados ministrar, ministro, administrar – daí a ligação inicial aos agentes do rei (les gens du roi), pois seriam a mão do rei (hoje, certamente, para manter a metáfora, a mão da lei).96
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ampliou,
consideravelmente, os poderes conferidos ao Ministério Público, ressaltando Guimarães
que:
Como Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o Ministério Público ocupa espaço destacado na aplicação da Justiça em nosso País. Não mais se admite a prestação jurisdicional em sua plenitude, sem a intervenção efetiva do Ministério Público nas causas que interessam à sociedade. O termo 'essencial', empregado pelo constituinte, é bastante
93 MOURA, Magno Alexandre F. Escorço Histórico do Ministério Público. Revista do Ministério Público - Alagoas, n. 11:99-108, jul./dez. 2003. p. 104. 94 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 7. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006 – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1121. 95 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 516. 96 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 09.
39
claro e estabelece esta necessidade de participação do Ministério Público na prestação jurisdicional.97
Logo, o Ministério Público está incumbido da defesa dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, o que significa dizer que a sua atuação deve estar sempre voltada
a garantir aos cidadãos o pleno exercício de seus direitos, sejam eles sociais - interesses
difusos e coletivos - sejam eles individuais indisponíveis.
Assim, a atuação do Ministério Público visa à proteção de um interesse
público, que ora está ligado a pessoas determinadas (direitos individuais disponíveis,
quando atingirem relevância social, e individuais indisponíveis), ora a grupos de pessoas
determinadas ou determináveis (direitos coletivos), ora a grupos não determináveis
(direitos difusos) e ora a toda a coletividade.98
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 128,
afirma que o Ministério Público brasileiro abrange tanto o Ministério Público da União,
que por sua vez, se subdivide em: Ministério Público Federal; Ministério Público do
Trabalho; Ministério Público Militar; Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
quanto o Ministério Público dos Estados.99
Como já se disse, a atual Constituição da República Federativa do Brasil
ampliou as funções do Ministério Público, tornando-o, segundo Moraes, um defensor da
sociedade, tanto na esfera penal com a titularidade da ação penal pública, quanto no campo
cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade
administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública.100
97 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério
Público. p. 45. 98 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 213. 99 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal: Senado Federal.
1988. 100 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 520.
40
Ante todos esses preceitos não é difícil concluir que o Ministério Público tem
largo campo de ação não só para provocar a função jurisdicional, mas também para
medidas administrativas em prol do interesse público.101
Neste trabalho, reservar-se-á espaço de destaque para uma das funções
ministeriais: o controle externo da atividade policial. Assim, faz-se necessário discorrer
acerca da atividade policial.
2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL
A polícia, instrumento da Administração Pública é, no dizer de Mirabete, uma
instituição de direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade e na
medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a segurança individual.102
Já Guimarães define "polícia" como sendo a função administrativa estatal que
tem como escopo a manutenção da ordem pública, a fim de que se possa viver
harmoniosamente em sociedade, atuando de forma preventiva e repressiva no combate aos
desvios de conduta dos cidadãos.103
Para Moraes, polícia é:
[...] a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais.104
101 GUASQUE, Luiz Fabião. O ministério público e o controle externo da atividade policial. Revista do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. p. 134. 102 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas.2005. p. 79. 103 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. 1ª ed. p. 34. 104 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 653.
41
Pimenta Bueno, seguindo esse entendimento, também afirma que “a polícia é
a instituição estatal destinada a manter a ordem pública, a segurança pessoal, a propriedade
e assegurar os direitos individuais”105.
Enfim, Santin afirma que:
Atualmente, a palavra polícia é utilizada para denominar a instituição, corporação ou órgão encarregado de manter o cumprimento da lei, da ordem e da segurança pública e de reprimir e perseguir o crime. [...] A polícia é a instituição estatal destinada à manutenção da ordem e dos bons costumes, encarregada de preservar a tranqüilidade dos cidadãos e do patrimônio, dentro da noção de prestação de serviços de segurança pública, incumbida da prevenção, repressão e investigação de infrações penais. [...] Portanto, a polícia é o instrumento para a consecução da obrigação estatal de prestar segurança pública, com a participação do povo, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Dentre os direitos individuais garantidos encontram-se os atinentes à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput, CF), inseridos na prestação de segurança pública estatal, feita pela polícia. Os entes policiais existem para proteger o cidadão, sua incolumidade e patrimônio e manter a ordem pública. Também são direitos sociais (art. 6º, CF).106
Contudo, a atividade de polícia, como explica Silva, realiza-se de vários
modos, vislumbrando-se o dito poder de polícia do Estado, corolário de sua faculdade de
limitar as liberdades individuais em nome da manutenção da ordem pública e, por
conseqüência, a proteção do bem-estar coletivo, quando o Estado realiza os atos de
investigação, após a prática de um fato delituoso. Logo, segundo Marques, a investigação
nada mais é do que o exercício do poder cautelar que o Estado exerce por meio da polícia,
na luta contra o crime, para preparar a ação penal e evitar que se percam os elementos de
convicção sobre o delito cometido.107
Lenza explica que a atividade policial divide-se em duas grandes áreas: a
administrativa e a judiciária, sendo a primeira exercida pela polícia preventiva, ou
105 GOMES, Amintas Vidal. Novo Manual do delegado. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 01. 106 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 50-51. 107 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000.
v. 1, p. 159-160.
42
ostensiva, que atua no campo preventivo, evitando que o crime aconteça, e a segunda, pela
polícia repressiva, atuando repressivamente depois de ocorrido o ilícito penal.108
Santin ensina que:
A Polícia Administrativa limita os excessos da liberdade, protege as situações individuais e procura manter o equilíbrio social. O seu poder visa coibir as atividades nocivas aos interesses sociais ou que infrinjam as disposições legais ou regulamentares, estranhas à alçada criminal. Esta policia é de profissões, de associações, de liberdade de pensamento e censura, de comunicações, de construções e de vizinhança, dos serviços chamados de utilidade pública e sanitária. A restrição à liberdade e à propriedade se faz por meio de fiscalização, prevenção e repressão, agindo a Administração coercitivamente. [...] A Polícia Judiciária seria encarregada de investigação criminal e de auxiliar o Judiciário e o Ministério Público, no cumprimento de mandados e requisições.109
Bandeira de Mello também distingue a polícia administrativa da polícia
judiciária com base no caráter preventivo da primeira e repressivo da segunda. A polícia
administrativa se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais
enquanto a judiciária se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica.110
Passa-se a analisar de forma mais detalhada a polícia administrativa e a
polícia judiciária.
2.4.1 A Polícia Administrativa
A polícia administrativa limita os excessos da liberdade, protege as situações
individuais e procura manter o equilíbrio social, coibindo as atividades nocivas aos
interesses sociais ou que infrinjam as disposições legais ou regulamentares
Segundo Meireles, a Polícia Administrativa:
[...] atua preventivamente sobre os bens e as atividades que afetam a comunidade, incidindo direta e repressivamente sobre as pessoas que
108 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 483. 109SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 51. 110MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed., São Paulo: Malheiros,
2006. p. 791.
43
atentam contra as instituições e a sociedade ou agridem individualmente qualquer de seus membros.111
Cretella Júnior ensina que:
A polícia administrativa é também denominada polícia preventiva. Exerce atividades a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que as perturbações se verifiquem. [...] A polícia administrativa tem por escopo impedir as infrações da lei (sendo nesta parte preventiva) e sustentar a ordem pública em cada lugar, bem como em toda a parte do reino, assegurar a ordem e segurança públicas, a proteção dos direitos concernentes à liberdade, à vida e à propriedade, e, bem assim, a prevenção dos delitos, por meio de ordens e determinações a tal fim dirigidas. À polícia administrativa
ou preventiva incumbe, em geral, a vigilância, proteção da sociedade, manutenção da ordem e tranquilidade públicas, bem assim assegurar os direitos individuais e auxiliar a execução dos atos e decisões da Justiça e da Administração.112
Logo, segundo Tucci, sua atuação está ligada a imposição de limitações a
bens jurídicos individuais, especialmente à liberdade e à propriedade, em prol da garantia
do êxito da administração.113
Em síntese, Moraes diz que:
A polícia administrativa é também chamada de polícia preventiva, e sua função consiste no conjunto de intervenções da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade.114
Para Pinheiro:
[...] a polícia administrativa não apura as infrações penais, antes visa prevenir que elas aconteçam. Não participa, como a polícia judiciária, da persecução criminal, colaborando com o órgão acusador e o órgão Jurisdicional. Nem por isso o Ministério Publico pode deixar de acompanhar a sua atividade, por força da missão que lhe foi expressamente confiada no a n. 129, inciso II da Constituição Federal (...) Inegável que a atividade policial administrativa, que tem como finalidade a preservação da ordem
111 COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. Sobre a posição da polícia judiciária na estrutura do
direito processual penal brasileiro da atualidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, RT. p. 215.
112 CRETELLA JR., José. Direito Administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 556. 113 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 37-38. 114 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 653.
44
pública e da inco-lumidade das pessoas e do património, é um serviço da mais alta relevância pública. Assim, incumbe ao Parquet zelar para que os procedimentos policiais preventivos atendam aos ditames da legalidade e respeitem os direitos fundamentais consagrados na Lei Maior.115
Santin afirma que a polícia administrativa estabelece limites nos excessos da
liberdade, protege as situações individuais e procura manter o equilíbrio social. O seu
poder tem como função coibir as atividades nocivas aos interesses sociais ou que infrinjam
as disposições legais ou regulamentares
Assim, tem-se que a polícia administrativa é forma de expressão do poder de
polícia, configurando-se como a faculdade do Estado de restringir o uso e o gozo das
liberdades individuais que afetem a coletividade em geral.
Em face de todo o exposto, Bandeira de Mello finaliza afirmando que:
[...] pode-se definir a polícia administrativa como a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção ("nonfacere") afim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.116
Passa-se agora, a discorrer sobre a polícia judiciária.
2.4.2 A Polícia Judiciária
A Polícia Judiciária, em contrapartida, é denominação dada ao órgão policial,
a que se comete a missão de averiguar a respeito dos fatos delituosos ou das contravenções
penais ocorridas, a fim de que sejam os respectivos delinqüentes ou contraventores punidos
pela prática das infrações cometidas. É uma polícia repressiva, porque, segundo Oliveira e
Lopes, não se tendo podido evitar o mal (preventivamente), por não ter sido previsto de
115 PINHEIRO, Manuel, apud MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 02 nov. 2009. 116 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 791.
45
modo efetivo, ou por qualquer outra circunstância, procura, então, pela investigação dos
fatos, recolher provas, descobrir autores e entregá-los às autoridades judiciárias.117
Assim, a polícia judiciária é auxiliar dos órgãos jurisdicionais penais na
repressão ao crime que ocorreu, apesar de toda a vigilância realizada. Sua atuação, segundo
Tucci, é determinada pelas leis processuais penais, que conferem às autoridades policiais
garantias dos vários interesses que se entrechocam na persecutio criminis, além de certa
discricionariedade quando do exercício de suas funções.118
Conforme resume Franco:
Polícia Judiciária é o órgão que atua na repressão ao crime, isto é, após o crime acontecer. A função da Polícia Judiciária é apurar a infração penal e a sua autoria. [...] é exercida pelas autoridades policiais, que são os Delegados de Polícia. As autoridades policiais podem ser estaduais ou federais. [...] A Polícia Judiciária é auxiliar da Justiça. É ela quem colhe todas as informações, procede às investigações sobre a infração penal, apura a sua autoria e envia os autos ao Juízo competente para que o Promotor possa promover a ação penal.119
No mesmo diapasão, Santin afirma que:
A função de polícia judiciária é exercida para auxiliar o Judiciário e o Ministério Público, tendo em vista que essas instituições não possuem corpo policial próprio para desempenhar a execução de atividades técnico-criminais e de coerção legal, que exijam servidores especializados em segurança pública, no cumprimento de mandados e requisições de informações e diligências, previstas no art. 13, I a III, do Código de Processo Penal. Estas hipóteses legais são exemplificativas, não exaustivas. Tais ativídades policiais podem ser na execução de mandados de condução coercitiva, prisão cautelar e por condenação, busca e apreensão de documentos e objetos, quebra de sigilo de comunicações, localização de pessoas e realização de outras diligências necessárias, antes, durante ou depois da ação penal. Essas atividades são de auxílio, de cooperação, de ajuda; são complementares, auxiliares, subsidiárias.120
117 OLIVEIRA, Joél Bino de e LOPES, Rogério Antonio. Teoria e prática da polícia judiciária à luz do princípio da legalidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 15. 118 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. p. 38. 119 FRANCO, Paulo Alves. Inquérito policial. São Paulo: Sugestões Literárias, 1992. p. 01-02. 120 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 59.
46
Ressalta-se, contudo, que a autoridade policial não julga e não atua inter
partes, cabendo-lhe, sim, segundo Marques, a tarefa de reunir o que se fizer necessário
para a restauração da ordem jurídica violada pelo delito, não sendo, por isso, órgão
jurisdicional apesar da expressão Polícia Judiciária.121
Capez resume, afirmando que a polícia judiciária “possui a finalidade de
apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, a fim de fornecer ao titular da ação
penal elementos para propô-la.”122
Assim, tem-se que a polícia judiciária é órgão da Administração que exerce o
poder de polícia nos delitos cuja atividade preventiva da polícia administrativa não fora
suficiente, sendo sua finalidade auxiliar o judiciário (na busca dos delinqüentes e da
materialidade e das demais circunstâncias do fato típico), trazendo as evidências
necessárias para a propositura de ação penal pelo Ministério Público, procedimento
conhecido, enfim, como inquérito e termo circunstanciado.123
2.4.3 Das espécies de polícia e sua destinação
Conforme os ensinamentos de Santin, pode-se afirmar que todas as polícias
têm obrigação constitucional de prestar serviços de segurança pública para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.124 Nessa tarefa, há a
121 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 160. 122 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 68. 123 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 172. 124 Art. 144 da República Federativa do Brasil. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
47
divisão de polícias ostensivas e não ostensivas; as ostensivas são as polícias rodoviária e
ferroviária federais e as militares (art. 144, §§ 2°, 3° e 5°), com trabalho de prevenção e
repressão de crimes; já as polícias não ostensivas são a polícia federal e as polícias civis
(art. 144, §§ 1° e 4°, CF), que têm campo de atuação mais amplo: prevenção, repressão,
investigação e cooperação judiciária.125
Santin continua:
A Constituição Federal traça as funções e destinações das policias, no art. 144. O regramento constitucional trata do exercício da Segurança Pública pelos órgãos policiais estatais. Todos os órgãos policiais típicos (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros), além da guarda municipal, são usados e destinam-se ao cumprimento do dever estatal de prestar os serviços de segurança pública, sem prejuízo do exercício do "direito e responsabilidade de todos" retratado na possibilidade de participação do povo.126
2.4.3.1 As Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal
A Polícia Federal tem como função repreender o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, bem como ao contrabando e descaminho, além de estar-lhe
afeto o exercício das funções de polícia marítima e de fronteiras. A sua atuação abrange
todo o território nacional.127
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituiçao.htm> Acesso em: 08 de nov. de 2009. 125 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 53. 126 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 54.
127 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 32.
48
Guimarães explica:
Na apuração das infrações penais supra referidas, a Polícia Federal exerce, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União. Neste sentido, muito se tem dito a respeito do que se entenda por "exer-cer, com exclusividade", como dispõe o inc. IV, do § 10, do art. 144, da Constituição da República. [...] É certo que o dispositivo constitucional quis que as funções de Polícia Judiciária da União somente fossem exercidas pela Polícia Federal. Desta conclusão, simples e óbvia, extrai-se outra, ou seja: que as Polícias Civis e Militares, ou até mesmo o Exército, não podem exercer as atividades de Polícia Judiciária da União.128
Guimarães continua:
A Polícia Federal destina-se a apurar os chamados "crimes de natureza federal", ou seja, crimes praticados em detrimento da ordem política e social; crimes que lesem bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas; e aqueles cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, conforme disposição legal, como, por exemplo, no caso dos crimes contra o sistema financeiro nacional e mesmo no combate à criminalidade organizada. Neste último aspecto, considerando o exagerado crescimento dos crimes violentos ocorridos no país no ano de 2001 e início de 2002 e, principalmente, diante da intensa repercussão na mídia nacional do crime de seqüestro que resultou na morte do Prefeito da cidade paulista de Santo André, Celso Daniel, o Presidente da República editou a Medida Provisória 27, de 24.01.2002, regulamentando esta possibilidade de atuação investigativa da Polícia Federal, quando verificada a prática de crimes de seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro, se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública da vítima, bem como nos casos onde se verifique cri-mes de formação de cartel ou qualquer violação aos direitos humanos, assim definidos em tratados internacionais firmados pelo Brasil.129
No mesmo sentindo, ensina Santin:
O dispositivo referido trata com maior amplitude da policia federal, prevendo como sua destinação quatro funções: (1) a apuração de infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
128 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 32. 129 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 31-32.
49
segundo se dispuser em lei; (2) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo de ação fazendária ou de outros órgãos públicos; (3) exercer as funções de polícia marítima, aérea, portuária e de fronteiras; e (4) exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (art. 144, § 1°, I a IV, CF).130
Resumindo, a Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária da União,
agindo sempre com o objetivo de apurar os fatos e a autoria de crimes federais,
excetuando-se os crimes militares.
A Polícia Rodoviária Federal, órgão também classificado no artigo 144 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como a instituição responsável
pela segurança pública, esta incumbida de efetuar o patrulhamento ostensivo das rodovias
federais. As suas atribuições estão detalhadas no Decreto nº 1.655, de 03 de outubro de
1995, que diz:131
A Polícia Rodoviária Federal foi criada pelo presidente Washington Luiz no dia 24 de julho de 1928, através do Decreto nº 18.323 - que definia as regras de trânsito à época, com a denominação inicial de "Polícia de Estradas". Mas somente em 1935 Antônio Felix Filho, o "Turquinho", considerado o 1º Patrulheiro Rodoviário Federal, foi chamado pelo administrador Natal Crosato, a mando do Engenheiro-Chefe da Comissão de Estradas de Rodagem, hoje DNIT, Yeddo Fiúza, para organizar os serviços de vigilância das rodovias Rio-Petropólis, Rio São Paulo e União Indústria.132
A Polícia Rodoviária Federal tem a suas competências definidas pela
Constituição Federal no seu artigo 144, pela Lei nº 9. 503 (Código de Trânsito Brasileiro),
pelo Decreto nº 1.655, de 03 de outubro de 1995, e pelo Regimento Interno, aprovado pela
Portaria Ministerial nº 122, de 20 de março de 1997.133
Assim, além do patrulhamento ostensivo das rodovias federais, a Polícia 130 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 60. 131 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 33. 132 Polícia Rodoviária Federal. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/PortalInternet/index>. Acesso em 28 de novembro de 2007. 133 Idem
50
Rodoviária Federal, conforme Decreto supra mencionado e do Regimento Interno, tem
ainda as seguintes atribuições:
[...] exercer os poderes de autoridade de polícia de trânsito, cumprindo e fazendo cumprir a legislação e demais normas pertinentes, inspecionar e fiscalizar o trânsito, assim como efetuar convênios específicos com outras organizações similares [...] - aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito e os valores decorrentes da prestação de serviço de estadia e remoção de veículos, objetos, animais e escoltas de veículos de cargas excepcionais, executar serviços de prevenção, atendimento de acidentes e salvamento de vítimas nas rodovias federais [...] - realizar perícias, levantamento de locais, boletins de ocorrências, investigações, testes de dosagem alcoólicas e outros procedimentos estabelecidos em leis e regulamentos, imprescindíveis à elucidação dos acidentes de trânsito [...] - credenciar os serviços de escoltas, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escoltas e transporte de cargas indivisíveis [...] - assegurar a livre circulação nas rodovias federais, podendo solicitar ao órgão rodoviário a adoção de medidas emergenciais, bem como zelar pelo cumprimento das normas legais relativas ao direito de vizinhança, promovendo a interdição de construções, obras e instalações não autorizadas; executar medidas de segurança, planejamento e escoltas nos deslocamentos do Presidente da República, Ministros de Estado, Chefes de Estado e diplomatas estrangeiros e outras autoridades, quando necessário, e sob a coordenação do órgão competente; efetuar a fiscalização e o controle do trânsito e tráfico de menores nas rodovias federais, adotando as providências cabíveis contidas na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); colaborar e atuar na prevenção e repressão aos crimes contra a vida, os costumes, o patrimônio, a ecologia, o meio ambiente, os furtos e roubos de veículos bens, o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o contrabando, o descaminho e os demais crimes previstos em leis; o realizar concursos públicos, outros processos seletivos, cursos, estágios, formação, treinamentos e demais atividades de ensino na área de sua competência.134
Já no que diz respeito a Polícia Ferroviária Federal, salienta-se que também é
um órgão que está incluso no artigo 144 da Constituição da República Federativa do
Brasil, possuindo funções semelhantes a da Polícia Rodoviária Federal, uma vez que, ao
invés de efetuar o policiamento ostensivo e investigações nas Rodovias Federais, exerce
suas funções junto às ferrovias federais.135
134 Polícia Rodoviária Federal. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/PortalInternet/index>. Acesso em 28 de novembro de 2007. 135 Idem.
51
Guimarães ainda afirma que excluídos os crimes de alçada federal, nos
Estados-membros a polícia é exercida pelas denominadas Polícia Civil e Polícia Militar.136
2.4.3.2 As Polícias Civil e Militar
Em relação à Polícia Civil, Guimarães leciona que:
As Polícias Civis, a exemplo da Polícia Federal, estão subordinadas ao Poder Executivo e, mais precisamente, inseridas no contexto das Secretarias Estaduais da Segurança pública. [...] São dirigidas por Delegados de Polícia e a elas incumbem as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. [...] A carreira de Delegado de Polícia é precedida de prévio concurso público e exigido o grau de Bacharel em Direito para os candidatos. No entanto, em algumas localidades do País, e até mesmo em Estados considerados mais estruturados, ainda se verifica a existência do "Assistente de Segurança", vulgarmente chamado de "Delegado calça-curta", pessoa não habilitada formalmente em concurso público, de regra sem preparação jurídica alguma, indicada para exercer a função em razão de ligações políticas locais.137
A Polícia Civil exerce, assim, as funções da chamada Polícia Repressiva, e
atua no combate da criminalidade após a verificação de sua ocorrência.138
Ainda Guimarães:
Diferente papel é desempenhado pelas Polícias Militares, que atuam preventivamente, marcando presença ostensiva nos espaços públicos, a fim de, com a simples presença física do Policial Militar, intimidar as ações criminosas [...] Na prática, ambas as funções - de prevenção e repressão - acabam sendo exercidas pelas duas corporações, variando apenas a intensidade.139
O artigo 7º do Código de Processo Penal Militar afirma em síntese que a
polícia judiciária militar é exercida por diversas autoridades, sendo elas as seguintes:
136 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 33. 137 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 34. 138 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 33. 139 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 34
52
a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro; b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição; c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados; d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando; e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios; f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados; g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios;
Assim, nota-se que esse artigo transcrito acima não inclui diretamente a
polícia militar, porém na prática esta também exerce as funções de polícia judiciária
militar, conforme os ensinamentos de Assis:
[...] dentro do conceito genérico de Comandantes de Forças, referidos na letra “h”, deste artigo, estão o Comandante-Geral, o Chefe do Estado Maior, os Comandantes Regionais e os Comandantes de Unidades, tanto das Polícias Militares quanto dos Corpos de Bombeiros Militares.140
No mesmo sentido, Santin esclarece:
Três instituições policiais constitucionais (polícia federal e as polícias civis e militares) possuem finalidades de apuração de infrações penais e exercício de funções de polícia judiciária (art. 144, § 1°, I e IV e § 4°) e cinco (polícias federal, rodoviária e ferroviária federais e militar e guarda municipal) destinam-se à prevenção de crimes ou policiamento ostensivo (§ 1°, 11 e 111, §§ 2°, 3°, 5° e 8°). 141
Em conformidade com o artigo 144, parágrafo 5º142 , da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, à Polícia Militar incumbe ainda, a execução de
140 ASSIS, Jorge César de. Código de Processo Penal Militar Anotado. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 33. 141 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 55. 142 Art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos [...] § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
53
atividades de defesa civil, através dos Corpos de Bombeiros.143
2.4.3.3 As Guardas Municipais
A atual Constituição da República Federativa do Brasil possibilitou aos
Municípios a criação das Guardas Municipais, destinadas à proteção dos bens, serviços e
instalações municipais.144
Neste aspecto, muita discussão já se verificou nos Municípios que criaram as
suas Guardas Municipais. Em relação ao campo de sua atuação Guimarães explica:
Mais uma vez a prática revela-se conflitante com a mera disposição legal, na medida em que, o que vem efetivamente ocorrendo, é que a presença da Guarda Municipal nas ruas, não raras vezes, vem fazendo com que a mesma acabe atuando de forma a prevenir e, até mesmo, reprimir a prática de crimes outros que não aqueles relacionados com bens, serviços c instalações municipais - como disciplina a Constituição da República -, imiscuindo-se, assim, em primeira análise, nas funções inicialmente re-servadas às Polícias Militar e Civil.145
A respeito da questão destaca-se o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça:
A guarda municipal, a teor do disposto no § 8°, do art. 144, da CF/88, tem como tarefa precípua a proteção do patrimônio do Município, limitação que não exclui nem retira de seus integrantes a condição de agentes da autoridade, legitimados, dentro do princípio de auto-defesa da sociedade, a fazer cessar eventual prática criminosa, prendendo quem se encontra em flagrante delito, como de resto facultado a qualquer do povo pela norma do art. 301 do CPP. Nestas circunstâncias, se a lei autoriza a prisão em flagrante, evidentemente que faculta - também - a apreensão de coisas, objeto do crime. Apenas o auto de prisão em flagrante e o termo de apreensão serão lavrados pela autoridade policial.146
143 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 35. 144 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 36. 145 Idem.
146 Recurso Ordinário em Habeas Corpus 7.916 – SP – STJ – 6ª Turma – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. em 15.10.1998 – improvido – votação unânime, in DJU, Seção, 1, de 09.11.1999. Disponível em: <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 08 de nov 2009.
54
Em face das circunstâncias que envolvem a criminalidade de rua, a Guarda
Municipal acaba atuando como polícia repressiva, contribuindo para amenizar a violência
no país, agindo como destacou o Superior Tribunal de Justiça, em nome do princípio maior
de autodefesa da sociedade.147
2.5 REGULAMENTAÇÕES ACERCA DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE
POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
2.5.1 A regulamentação prevista na Constituição da República Federativa do Brasil
De forma exemplificativa, a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, estabeleceu no seu artigo 129, como funções institucionais do Ministério Público,
as seguintes:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; [...] VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; [...] VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.148
Com clareza, Bulos resume as funções penais e processuais do Ministério
Público:
[...] Na área penal, deu-se-Ihe o encargo privativo de interpor a ação penal pública; o controle externo da atividade policial, na forma da lei
147 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. p. 36.
148 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal: Senado Federal. 1988.
55
complementar; o poder de requisitar diligências investigatórias; a determinação de instaurar inquérito policial; o dever de indicar os fundamentos jurídicos das manifestações processuais. 149
Importa mencionar que a eficácia limitada da norma constitucional foi
ampliada pela Lei do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75 de 20 de maio
de 1993), a qual regulamenta o exercício do controle externo, estabelecendo mecanismos
de controle in genere, objetivando coletar elementos probatórios seguros, para a
instauração da ação penal150.
2.5.2 A regulamentação prevista na Lei Complementar nº 75/93
A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, estabelece que
incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela
Constituição Federal.151
Com relação ao controle externo da atividade policial estabelece em seu artigo
3º, in verbis:
O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista: a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; d) a indisponibilidade da persecução penal; e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.152
149 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. p. 1121. 150 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 20. 151 Lei Complementar Federal nº 75/1993 – Lei Orgânica do Ministério Público da União. Disponível
em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?20secao_id=58>. Acesso em: 29 nov. 2009.
152 Lei Complementar Federal nº 75/1993 – Lei Orgânica do Ministério Público da União. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?20secao_id=58>. Acesso em: 28 out. 2009.
56
Em seu artigo 9º, prevê que o dito controle será exercido por meio de medidas
judiciais e extrajudiciais, o que exemplifica citando:
I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV – requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão o fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V – promover a ação penal por abuso de poder.
Esses dispositivos visam permitir que o membro do Parquet tenha plena
ciência das condições materiais e humanas em que são desenvolvidos tanto os trabalhos
investigativos, quanto de segregação, em respeito aos já mencionados direitos
fundamentais153.
Na mesma seara, no artigo 10º da mencionada lei, também está prevista a
obrigatoriedade da imediata comunicação pela autoridade federal ou do Distrito Federal e
Territórios ao Ministério Público da prisão de qualquer pessoa, com indicação do lugar
onde se encontra e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da segregação.154
Tal providência facilita a fiscalização do cabimento da prisão e, por
conseguinte, possibilita a proteção à liberdade do segregado pelo Parquet, bem como dá
margem ao controle a posteriori da instauração ou não do respectivo inquérito policial155.
153 FREITAS, Manuel Pinheiro. Controle externo da atividade policial: do discurso à prática. Coleção Centros de Apoio Operacional. Ministério Público do Estado de Goiás. p.17.
154 Art. 10 - A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.
155 FREITAS, Manuel Pinheiro. Controle externo da atividade policial: do discurso à prática. p.19.
57
2.5.3 A regulamentação prevista na Lei n° 8.625/93
Visando à regulamentação estatal, a Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei Federal n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), fixa as normas gerais de
organização dos Ministérios Públicos Estaduais, de modo a aproximá-los e evitar
discrepâncias entre si, gerando, assim, uma identidade nacional da instituição156.
Estabelece o artigo 25 da referida Lei que, além das funções previstas nas
Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao
Ministério Público:
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [...] VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência; VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação; VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas. [...]
Em seu artigo 41, a lei ordinária prevê, ainda, o direito do órgão ministerial de
examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos
(inciso VIII) e de ter acesso ao indiciado preso, a qualquer momento, mesmo quando
decretada a sua incomunicabilidade (inciso IX).157
Também se encontra previsão acerca da mesma temática no artigo 10º, que
prescreve que compete ao Procurador-Geral de Justiça designar membros do Ministério
156 MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 133.
157 Art. 41: Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além
de outras previstas na Lei Orgânica: [...] VIII - examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; IX -ter acesso ao indiciado preso, a qualquer momento, mesmo quando decretada a sua incomunicabilidade [...]
58
Público para (inciso IX) acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória (alínea
“e”).158
Por derradeiro, ressalta-se a redação do artigo 26159, onde foi facultada ao
membro do Parquet a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no artigo 129, inciso VIII160,
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podendo acompanhá-los,
prerrogativas estas também concernentes à fiscalização e acompanhamento das atividades
da polícia judiciária161.
Em relação aos dispositivos mencionados acima, vislumbra-se a utilização de
diretriz idêntica àquela adotada pela Lei do Ministério Público da União. Ressalta-se que a
abordagem esparsa da lei ordinária acerca do tema fica suplementada diante da ordem nela
158
Art. l0: Compete ao Procurador-Geral de Justiça: [...] IX - designar membros do Ministério Público para: [...] e) acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços [...]
159 Art. 26: No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá : I - Instaurar inquéritos civis e outras
medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei; b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridade federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior; II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível; IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los; V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório; VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas; VIl -sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade; VIII - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz, da parte ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção [...]
160 Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público: [...] VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais [...] 161 DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996. p. 351.
59
contida para a aplicação subsidiária das normas da Lei Complementar n° 75/93, conforme
previsto no artigo 80162.
Assim, as disposições da Lei Complementar n° 75 de 1993 acerca do controle
externo da atividade policial, também se aplicam aos Ministérios Públicos Estaduais, sem
qualquer prejuízo163.
Importante, ainda, mencionar a Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007, do
Conselho Nacional do Ministério Público, que regulamentou o artigo 9º da Lei
Complementar nº 75 e artigo 80 da Lei nº 8.625, disciplinando, no âmbito do Ministério
Público, o controle externo da atividade policial.
Ainda sobre a regulamentação do controle externo da atividade policial,
Santin explica:
[...] a Lei Federal nº 8.625, de 1993, que traçou as normas gerais do Ministério Público dos Estados não tratou propriamente da função institucional de exercício do controle externo, restando para normatização pelas leis complementares estaduais [...]164
No âmbito estadual, a Lei Complementar Estadual Catarinense nº 197/2000,
que Institui a Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina, estabelece que dentre
as inúmeras funções institucionais do Ministério Público, está a de exercer o controle
externo da atividade policial, conforme se tratará detalhadamente no terceiro capítulo deste
trabalho.
2.5.4 A regulamentação prevista na Resolução nº 20 do Conselho Nacional do
Ministério Público
A Resolução nº 20 do Conselho Nacional do Ministério Público, de 28 de
maio de 2007, veio regulamentar o art. 9º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio
162 Art. 80: Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União. 163 FREITAS, Manuel Pinheiro. Controle externo da atividade policial: do discurso à prática. p.19. 164 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 74.
60
de1993, e o art. 80 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando, no âmbito do
Ministério Público, o controle externo da atividade policial.
Em seu artigo 3°, estabelece que o controle externo da atividade policial seja
exercido na forma de controle difuso, por todos os membros do Ministério Público com
atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos e em
sede de controle concentrado, por intermédio de membros com atribuições específicas para
o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada
Ministério Público.
A Resolução define, ainda, que estão sujeitos ao controle externo do
Ministério Público, os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição, bem
como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual
seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e
persecução criminal.
O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como
objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução
da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das
Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente,
para:
I – o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis; II – a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III – a prevenção da criminalidade; IV – a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; V – a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal; VI – a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal; VII – a probidade administrativa no exercício da atividade policial.165
165 Art. 2º da Resolução 20 do Conselho Nacional do Ministério Público. Disponível em <http://www.cnmp.gov.br/conselhos/cnmp/legislacao/resolucoes/pdfs-de-resolucoes/res_cnmp_20_2007_05_28.pdf.> Acesso em 30 nov. 2009.
61
O artigo 4° da Resolução n° 20 do Conselho Nacional do Ministério Público
estabelece que incumbe aos órgãos do Ministério Público, quando do exercício ou do
resultado da atividade de controle externo:
I – realizar visitas ordinárias periódicas e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição;
II – examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade;
III – fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos;
IV – fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos;
V – verificar as cópias dos boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário;
VI – comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar;
VII – solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo;
VIII – fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida;
IX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
62
Incumbe, ainda, aos órgãos do Ministério Público, havendo fundada
necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal
ocorrido no exercício da atividade policial.
O Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo visando
sanar as deficiências ou irregularidades detectadas no exercício do controle externo da
atividade policial, bem como apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento
injustificado das requisições pertinentes.
Decorrendo do exercício de controle externo repercussão do fato na área cível,
incumbe ao órgão do Ministério Público encaminhar cópias dos documentos ou peças de
que dispõe ao órgão da instituição com atribuição para a instauração de inquérito civil
público ou ajuizamento de ação civil por improbidade administrativa.
Deverá o membro do Ministério Público, no exercício das funções de controle
externo da atividade policial, efetuar visitas periódicas a estabelecimentos ou unidades
policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas
ou quaisquer outros estabelecimentos onde encontrem pessoas custodiadas, detidas ou
presas, cabendo-lhe, ainda,
I – ter livre ingresso em estabelecimentos ou unidades policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas ou quaisquer outros estabelecimentos onde se encontrem pessoas custodiadas, detidas ou presas, a qualquer título, sem prejuízo das atribuições previstas na Lei de Execução Penal que forem afetadas a outros membros do Ministério Público;
II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:
a) ao registro de mandados de prisão;
b) ao registro de fianças;
c) ao registro de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e outros objetos apreendidos;
d) ao registro de ocorrências policiais, representações de ofendidos e notitia criminis;
63
e) ao registro de inquéritos policiais;
f) ao registro de termos circunstanciados;
g) ao registro de cartas precatórias;
h) ao registro de diligências requisitadas pelo Ministério Público ou pela autoridade judicial;
i) aos registros e guias de encaminhamento de documentos ou objetos à perícia;
j) aos registros de autorizações judiciais para quebra de sigilo fiscal, bancário e de comunicações;
l) aos relatórios e soluções de sindicâncias findas.
III – acompanhar, quando necessária ou solicitada, a condução da investigação policial civil ou militar;
IV – requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial ou inquérito policial militar sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, ressalvada a hipótese em que os elementos colhidos sejam suficientes ao ajuizamento de ação penal;
V – requisitar informações, a serem prestadas pela autoridade, acerca de inquérito policial não concluído no prazo legal, bem assim requisitar sua imediata remessa ao Ministério Público ou Poder Judiciário, no estado em que se encontre;
VI – receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis, relacionados com o exercício da atividade policial;
VII – ter acesso ao preso, em qualquer momento;
VIII – ter acesso aos relatórios e laudos periciais, ainda que provisórios, incluindo documentos e objetos sujeitos à perícia, guardando, quanto ao conteúdo de documentos, o sigilo legal ou judicial que lhes sejam atribuídos, ou quando necessário à salvaguarda do procedimento investigatório.
A preocupação voltou-se, então, a fornecer ao representante do Ministério
Público as ferramentas necessárias para que possa, no âmbito da atividade policial,
examinar documentos, materiais e instalações, aferir rotinas e procedimentos, tudo com o
fim de certificar a sociedade de que os organismos policiais cumprem suas tarefas com
64
retidão e eficiência, com absoluto respeito aos direitos e garantias deferidos às pessoas em
geral.
O texto da Resolução estabeleceu o prazo de 90 dias para as unidades dos
Ministérios Públicos estaduais se adequarem às regras, dessarte, transcorrido o prazo,
solicitou-se aos vários Ministérios Públicos informações quanto aos atos de
regulamentação existentes no seu específico âmbito e sua adequação à Resolução nº 20 de
28 de maio de 2007, obtendo-se o seguinte quadro166:
Ato interno de cada Ministério Público e adequação à Resolução nº 20/2007 CNMP
– percentual
67%
25%
4% 4%
Ato precedente à Resolução 20
Ato posterior à Resolução 20
Não existe ato regulamentador
Não informado
Ainda sobre a Resolução n° 20 do Conselho Nacional do Ministério Público,
ressalta-se a discordância da OAB (Associação dos Advogados do Brasil), a qual ajuizou
no SFT (Supremo Tribunal Federal) a ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n°4220,
em 20 de março de 2009, contra a referida Resolução. Argüiu a OAB que não compete ao
Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre o tema, e sim, aos poderes
Legislativo e Executivo, através de lei complementar.
O ministro Eros Grau, em 25 de junho de 2009, determinou o arquivamento
da ADIn por entender que a OAB não tem competência para ajuizar ação sobre a matéria e
166 Disponível em <http://www.cnmp.gov.br/documentos/relatorios/arquivos-dos-relatorios-de-atividade/Relatorio_Corregedoria.pdf>. Acesso em 01 jan. 2010.
65
também porque, segundo o ministro, a Ação Direta de Inconstitucionalidade não é a via
adequada para a impugnação de atos regulamentares.167
2.5.5. Carta de Brasília
Os membros do Ministério Público presentes no Simpósio Sociedade Civil e
Fiscalização da Violência Policial, ocorrido de 18 a 20 de junho de 2008, no auditório do
MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios), em Brasília/DF, aprovaram,
após amplo debate ao final do referido simpósio, alguns enunciados que sintetizam
diretrizes de recomendável implementação por parte dos Ministérios Públicos, instituições
policiais e sociedade civil.
O documento chamado de Carta de Brasília, datado de 20 de junho de 2008,
relaciona diversas recomendações, destacando-se a dirigida às Corregedorias dos
Ministérios Públicos, no sentido de que criem regras e mecanismos para fiscalizar o efetivo
exercício do controle externo da atividade policial, como, por exemplo, a necessidade de
encaminhamentos periódicos de relatórios de visitas às Delegacias de Polícia e Unidades
da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, apresentando relatório qualitativo de
atividades de controle externo, dentre outros.
Recomenda também que os Ministérios Públicos organizem a atuação de seus
Membros, em Promotorias Especializadas, Núcleos ou Coordenações, fornecendo-lhes
recursos materiais e humanos e condições para o exercício do controle externo da atividade
policial, articulando-se estreitamente com os demais órgãos de execução do Ministério
Público em matéria criminal e do exame da probidade dos atos administrativos de policiais.
Ainda, os órgãos ministeriais especializados no controle externo da atividade
policial devem ter estrutura para pronta recepção das reclamações dos cidadãos sobre
condutas policiais, criando um procedimento interno para esclarecer os fatos e fornecer
uma resposta ao cidadão. Bem que, é recomendável que esses órgãos ministeriais elaborem
167 Consultor Jurídico. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2009-jul-03/acao-oab-resolucao-cnmp-controle-policia-arquivada>. Acesso em 01 jan. 2010.
66
relatório anual de suas atividades, com estatísticas, devendo haver publicidade desse
relatório, preferencialmente disponibilizando em sítio eletrônico do órgão ministerial, para
acompanhamento pela sociedade civil das atividades desempenhadas. 168
A Carta possui 29 diretrizes e os membros do Ministério Público presentes ao
Simpósio se comprometeram a trabalhar no sentido de efetivar estas proposições destinadas
a profissionalizar sua atuação. 169
2.5.6 Novo Manual de Controle Externo da Atividade Policial
O novo Manual de controle externo da atividade policial foi lançado, em
reunião extraordinária, na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de agosto de 2009, pelo Grupo
Nacional de Efetivação do Controle Externo da Atividade Policial, instituído pelo
Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
O Manual apresenta diretrizes, estratégias e sugestões de ações para o
adequado controle externo da atividade policial, com o objetivo de fomentar e uniformizar,
em âmbito nacional, o exercício dessa função pelos membros do Ministério Público.
Manifestou-se o Presidente do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do
Ministério Público dos Estados e da União), Procurador-Geral de Justiça do MPDFT
(Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) Leonardo Azeredo Bandarra, no
sentido de que “o Manual possibilitará que o Promotor de Justiça do Oiapoque ao Chuí írá ter
uma atuação idêntica. O controle externo será exercido de forma uniforme da maior à menor cidade
brasileira”.170
Ainda, segundo Bandarra,
168 Carta de Brasília. Disponível em <http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/imprensa/carta_de_brasilia.pdf>. Acesso em 03 jan. 2010. 169 Notícias do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Disponível em <http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=502&Itemid=342>. Acesso em 03 jan. 2010. 170 Portal de notícias do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/noticias/detalhe.asp?campo=9545&secao_id=372>. Acesso em 03 jan. 2010.
67
O controle externo da atividade da atividade policial não significa só cobrança, mas realça também o Ministério Público como indutor das políticas públicas nacionais. Tem como objetivo primeiro que as polícias possam exercer as suas atividades de forma independente, de forma competente, para que tenhamos uma polícia técnica eficiente, em que o delegado possa investigar de acordo com a Lei aquilo que ele deve investigar, e não que ele deixe de investigar em razão de intervenções políticas, politiqueiras ou por conta de corrupção. Controle externo significa fortalecimento da polícia. Mas controle externo significa que essa polícia forte tem que agir dentro da Lei.171
O Manual, com cerca de 100 páginas, é dividido em seis capítulos, com os
seguintes títulos: Plano Executivo de Atividades e Estratégias de Ação do Controle Externo
da Atividade Policial; O Controle Externo Da Atividade Policial; O Ministério Público na
Defesa da Ordem Jurídica; Instrumentos do Controle Externo da Atividade Policial;
Controle da Polícia Judiciária Militar: Nuances Específicas do Controle Externo da
Atividade Policial Judiciária Militar; e Fluxograma: Efetivação do Controle Externo da
Atividade Policial pelo Ministério Público Brasileiro.
Para a Procuradora-Geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira
Luz, a publicação do manual veio ao encontro dos anseios do Ministério Público:
Havia a necessidade de adequação dos procedimentos de controle externo da atividade policial. Objetivamos, com o manual, a busca da eficiência na atuação por meio da integração entre o Ministério Público e todas as polícias, entre as quais, a Polícia Judiciária Militar Federal, composta pelas Forças Armadas, e as Polícias Judiciárias Militares Estaduais, formadas pelos efetivos das Polícias Militares de todo o país, cerca de 420 mil homens. Todas as especifidades e especialidades de cada uma dessas tropas foram consideradas na formulação do documento.172
De acordo com o Manual o controle não enseja uma subordinação ou
hierarquia entre o Ministério Público e os organismos policiais. Pelo contrário, orienta os
Ministérios Públicos a firmarem acordos e termos de cooperação com as Polícias e as
Secretarias de Segurança, visto que o controle externo legitima o Ministério Público a
171 Notícias do Ministério Público Militar. Disponível em <http://www.mpm.gov.br/mpm/servicos/assessoria-de-comunicacao/acontece/mp-lanca-manual-do-controle-externo-da-atividade-policial>. Acesso em 03 jan. 2010.
172.Idem
68
requisitar e acompanhar as diligências, bem como a indicar rumos e linhas investigatórias,
sempre com o objetivo de possibilitar elementos que viabilizem o oferecimento da ação
penal e, sempre que necessário, conduzir investigações próprias, como meio de assegurar a
responsabilização penal dos que cometem crime.
Sobre o assunto, manifesta-se o Procurador-Geral de Justiça do Estado de
Santa Catarina, Gercino Gerson Gomes Neto:
É fundamental que todos tenham clareza que o controle externo da atividade policial não tem como objetivo a fiscalização no sentido de tutela, mas sim o aperfeiçoamento do sistema de segurança pública, para condenar efetivamente aqueles que cometerem crimes.173
O Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Lopes,
classificou o lançamento do Manual como um marco para o Ministério Público Brasileiro e
destacou:
Quando nós falamos do controle externo da atividade policial é importante que fique bem claro que não pretendemos exercer nenhum tipo de controle hierárquico em face da polícia. Não há qualquer subordinação hierárquica da polícia em relação ao Ministério Público. Não há qualquer tipo de controle administrativo do Ministério Público em relação à polícia. Apenas desejamos dar eficácia àquilo que determina a Constituição de 1988: o Ministério Público deve exercer efetivamente o controle externo da atividade policial.174
2.6 LIMITES DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
O Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público integra a
diretriz de freios e contrapesos. Assim, segundo Guasque, a expressão “controle externo da
atividade policial pelo Ministério Público”, não significa ingerência que determine a
subordinação da polícia judiciária ao Parquet, mas, sim, a prática de atos administrativos
173 Portal de notícias do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=9545&secao_id=8>. Acesso em 10 jan. 2010.
174 Jus Brasil notícias. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1788177/cnpg-lanca-manual-do-controle-externo-da-atividade-policial>. Acesso em 03 jan 2010.
69
pelo Ministério Público, de forma a possibilitar a efetividade dos direitos fundamentais da
pessoa175 assegurados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Ressalta D’Angelo, que ao cidadão também cabe exercer o poder
fiscalizatório das funções estatais, utilizando-se do controle difuso, podendo exercer o
controle externo, através dos meios legais a ele assegurados como o mandado de
segurança, a ação popular, as representações e reclamações administrativas.176
O artigo 129 da Constituição Federal, explica Araújo Júnior, conferiu ao
Ministério Público o exercício do controle externo da atividade policial, com o objetivo de
fiscalizar a atividade da polícia, na missão de apurar as infrações penais, para que o inquérito
seja revestido de elementos fortes para contribuir na propositura da ação penal e ao próprio
processo penal, bem como para que a atividade policial caminhe respeitando o princípio da
legalidade. Cabe salientar, que o Parquet exercerá o controle externo da atividade-fim da
polícia e não dos policiais, pois estes estão sujeitos a um controle interno, exercido por órgãos
hierarquicamente superiores, bem como as corregedorias de polícia.177
Assim, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público não
significa uma relação de hierarquia e subordinação. No âmbito funcional, segundo
Mazzilli, caso se verifique a ocorrência de quaisquer faltas disciplinares, tendo o órgão
ministerial atribuições de controle externo, tem que se dirigir aos superiores hierárquicos
do funcionário público faltoso (delegado de polícia, escrivão, investigador, carcereiro),
indicando então, as falhas e as providências que entender cabíveis, para que a autoridade
administrativa competente possa agir178.
Para Toledo Neto:
175 GUASQUE, Luiz Fabião. O Ministério Público e o controle externo da atividade policial. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. p. 133. 176 D’ANGELO, Élcio Félix. O controle externo como mecanismo de celeridade e modernização do poder judiciário. Revista de Direito Constitucional e Internacional. p. 221. 177 ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Taumaturgo de. Controle Externo da Atividade Policial, o outro lado da face. Disponível em <http://www.pgj.ce.gov.br/artigos/artigos.asp?iCodigo=34v> Acesso em 02 nov. 2009. 178 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 235.
70
O controle externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi. Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo.179
No mesmo sentido, Mazzilli explana:
Examinando-se as diversas formas de controle externo instituídas pela Constituição, e buscando a primordial finalidade da atuação ministerial, chegamos à conclusão de que, com esse dispositivo, intentou o constituinte de 1988 criar um sistema precípuo de fiscalização, um sistema de vigilância e verificação administrativa, teleologicamente dirigido à melhor coleta dos elementos de convicção que se destinam a formar a opinio delictis do promotor de justiça, fim último do inquérito policial.180
Desta forma, a finalidade do controle externo é aumentar a possibilidade de
fiscalizar as atividades policiais, por um órgão estatal não pertencente a estrutura policial e,
ao mesmo tempo, encarregado da ação penal e da defesa dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Cabe informar ainda, conforme ensina Santin, que a destinação da fiscalização
do trabalho policial está diretamente ligada à melhoria do trabalho investigatório, evitando
assim, eventuais omissões, abusos e irregularidades nos registros de ocorrência policiais,
na movimentação de inquéritos policiais, bem como na própria atividade investigatória.181
Passa-se à análise do modelo catarinense de controle externo da atividade
policial pelo Ministério Público.
179 TOLEDO NETO, Geraldo do Amaral. O Ministério Público e o efetivo controle da atividade policial . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2812>. Acesso em: 02 nov. 2009. 180 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 244.
181 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. p. 77.
71
CAPÍTULO 3
O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL NO ÂMBITO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O inciso VII do art. 129 da C.F. prevê o exercício do controle externo da
atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no § 5º do art. 128, de modo
que o controle externo será exercido na forma da lei complementar respectiva de cada
Ministério Público, a qual conterá o modo efetivo a ser exercido, por quais órgãos e
mediante quais instrumentos.
Apresentar-se-á neste Capítulo o modelo catarinense de controle externo da
atividade policial, tratando da evolução da regulamentação e obstáculos do controle
externo da atividade policial no âmbito do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
3.2 EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DO CONTROLE EXTERNO DA
ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO
CATARINENSE
3.2.1 A regulamentação prevista na Lei Complementar Estadual Catarinense n°
197/2000
No âmbito estadual, a Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina
(Lei Complementar nº 197 de 2000) veio disciplinar, em seu art. 82, XVII, o controle
externo da atividade policial por meio de medidas administrativas e judiciais, mencionando
os princípios que deverão servir de vértice para essa atuação.
Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável: [...] XVII - exercer o controle externo da atividade policial, civil ou militar, podendo, dentre outras medidas administrativas e judiciais: a) ter
72
livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; b) ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária, ou requisitá-los; c) requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; d) requisitar à autoridade competente a abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a investigações, quando necessário; e) acompanhar atividades investigatórias; f) recomendar à autoridade policial a observância das leis e princípios jurídicos; g) requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível; h) exigir comunicação imediata sobre apreensão de adolescente; i) avocar inquérito policial em qualquer fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem necessárias. 182
Cabe ressaltar, ainda, que a lei, no § 1º, do já citado artigo, também se
preocupa em indicar o objetivo fundamental do controle externo, qual seja, proteger os
fundamentos do Estado Democrático de Direito, os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil, os princípios informadores das relações internacionais, bem como os
direitos assegurados na Constituição Federal e na lei (inciso I), preservar a ordem pública,
a incolumidade das pessoas e do patrimônio público (inciso II), prevenir e corrigir
ilegalidade ou abuso de poder (inciso III), respeitar o princípio constitucional da
indisponibilidade da persecução penal (inciso IV), outros interesses, direitos e valores
relacionados ao exercício da atividade policial (inciso VI).183
Em suma, tem-se que a fiscalização do controle externo da atividade policial
visa proteger os direitos fundamentais da pessoa, em respeito aos mandamentos
182 Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, Lei Complementar nº 197/2000. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_lista.asp?campo=1524> Acesso em: 27 out. 2009).
183 Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável: [...] XVII - exercer o controle externo da atividade policial, civil ou militar [...] § 1º O controle externo da atividade policial será exercido tendo em vista: I - o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III - a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; IV - a indisponibilidade da persecução penal; V - a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública; VI - outros interesses, direitos e valores relacionados ao exercício da atividade policial (Lei Complementar Estadual nº 197/2000 – Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 27 out. 2009.
73
constitucionais, e para tanto, oferece um rol exemplificativo de medidas de que pode se
utilizar o membro do Parquet.184
3.2.2 A regulamentação prevista no Ato nº 063/2006/PGJ
O primeiro ato que regulamentou o controle externo da atividade policial, no
âmbito do Ministério Público de Santa Catarina foi o Ato nº 63, editado, em 4 de abril de
2006, pelo Procurador Geral de Justiça, contribuindo para aprimorar e dar maior eficácia
aos procedimentos relacionados com a apuração das infrações penais, bem como, visando
sanar a necessidade de regulamentação do exercício das atribuições afetas ao Promotor de
Justiça da área do controle externo da atividade policial, e estabelecendo a forma de
operacionalização e os limites dessa função institucional.185
O Ato n° 63/2006, que tinha como objetivo resguardar a legalidade dos
procedimentos da polícia judiciária na apuração das infrações penais e conferir maior
eficácia à persecução penal estabelecia que, em cada Comarca, haveria, no mínimo, uma
Promotoria de Justiça responsável pelo exercício do controle externo da atividade policial.
Em seu art. 3º, esse mesmo Ato definiu que o controle externo da atividade
policial compreendia as atividades das Polícias Civil e Militar, sempre que estivessem no
exercício do múnus de polícia judiciária, abrangendo, também, o controle das legalidades e
do regular exercício do poder pelas autoridades e pelos agentes policiais, tendo definido
estar igualmente sujeita ao controle externo a atividade dos agentes que fiscalizam presos
não condenados (provisórios) recolhidos em delegacias ou cadeias públicas.
O art. 4º definia, como incumbência dos Promotores de Justiça responsáveis
pelo controle externo da atividade policial, as seguintes:
I - atender ao público e receber representação ou petição de pessoa ou entidade envolvendo irregularidades ou infrações penais praticadas pela
184 FONTANELLA, Ricardo. Controle Externo da Atividade Policial. Disponível em: <http://www.mp.rr.gov.br/Intranet/pageDirectory/artigos/controleexterno.pdf>. Acesso em: 27 out. 2009.
185 Portal de normas do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=4802&secao_id=75> Acesso em 24 nov. 2009.
74
polícia judiciária no exercício de suas funções; II - instaurar procedimentos administrativos na área de sua atribuição, nos termos dos artigos 82 a 90 da Lei Complementar Estadual nº 197/2000 e do Ato Conjunto nº 001/04/PGJ/CGMP, de 5 de outubro de 2004, que instituiu o Procedimento Investigatório Criminal; III - decretar, fundamentadamente, o sigilo dos procedimentos administrativos que instaurarem. IV - oficiar nas representações que receberem, nos procedimentos administrativos criminais que iniciarem e nas ações penais resultantes desses procedimentos, relativas a irregularidades ou infrações penais praticadas por autoridades e agentes policiais no exercício da atividade de polícia judiciária, cabendo-lhes, inclusive, acompanhar as audiências judiciais e prosseguir nos respectivos feitos até decisão final; V - requisitar informações sobre as sindicâncias instauradas pelo Corregedor-Geral da Polícia Civil e Polícia Militar, relacionadas à atuação policial vinculada à persecução penal; VI - realizar visitas aos estabelecimentos policiais para os fins previstos na Lei Complementar Estadual nº 197/2000, no mínimo, a cada 3 (três) meses, sem prejuízo das necessidades urgentes, com o fim de verificar a existência dos livros obrigatórios e a correta anotação das ocorrências e as providências adotadas, consignando em ata tudo quanto de relevante for constatado, procedendo ao devido encaminhamento. VII - expedir recomendações e requisições para a correção das irregularidades constatadas quando da visita a que alude o inciso anterior; e VIII - remeter ao Centro de Apoio Operacional Criminal, até o dia 5 de cada mês, cópia da ata da visita, das portarias ou petições iniciais dos procedimentos instaurados, na Comarca, no mês antecedente, relacionadas com o exercício do controle externo da atividade policial.186
O Ato definia, ainda, que, recebida a notícia de infração penal praticada no
exercício da atividade policial, exceto atividade administrativa não relacionada com a
persecução penal, visto que controle externo não abrange a atividade policial de caráter
administrativo, envolvendo aspectos funcionais ou disciplinares, sujeita à fiscalização
hierárquica e ao poder correcional por parte dos órgãos e das autoridades do próprio
organismo policial, será a notícia formalizada pelo Promotor de Justiça com atribuição para
atuar na área respectiva, cabendo a ele decidir, de forma fundamentada, acerca de seu
eventual arquivamento, de instauração de procedimento administrativo ou de requisição de
inquérito policial e, sendo o caso, dar o devido encaminhamento processual.
186 Portal de normas do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_lista.asp?campo=4802>. Acesso em 10 jan. 2010.
75
3.2.3 A regulamentação prevista no Ato n º 467/2009/PGJ
Mas em razão da necessidade da readequação da atividade à atual estrutura do
Ministério Público de Santa Catarina, bem como em razão da edição da Resolução nº
20/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Ministério Público
catarinense resolveu aperfeiçoá-lo e ampliá-lo a partir de consulta aos Procuradores e
Promotores de Justiça do Estado, cuja adequação foi realizada por meio do Ato nº 467, de 3
de setembro de 2009, do Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina,187 o qual definiu
que estão sujeitos ao controle externo da atividade policial, pelo Ministério Público, os
órgãos relacionados no art. 105188 da Constituição Estadual, ou seja, as Polícias civil e
militar, bem como as Guardas Civis Municipais ou qualquer órgão ou instituição, civil ou
militar, ao qual seja atribuída parcela de poder de polícia relacionada com a segurança
pública e a persecução criminal, ficando igualmente sujeitos ao controle externo a atividade
os agentes que fiscalizam presos não-condenados (provisórios) recolhidos em delegacias,
quartéis ou cadeias públicas, assim, alargando consideravelmente a abrangência do
controle Ministerial.
O art. 2º define que o controle externo da atividade policial pelo Ministério
Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos
empregados na execução da atividade policial judiciária, bem como a integração das
funções do Ministério Público e das polícias voltadas para a persecução penal e o interesse
público, atentando, especialmente, para: I - o respeito aos direitos fundamentais assegurados na
Constituição Federal e nas leis; II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e
do patrimônio público; III - a prevenção da criminalidade; IV - a finalidade, a celeridade, o
aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; V - a prevenção ou a correção de
irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação
187 Portal de normas do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=4802&secao_id=75> Acesso em 24 nov. 2009. 188 Art. 105 da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - Policia Civil; II - Policia Militar.
76
criminal; VI - a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de
investigação criminal; VII - a probidade administrativa no exercício da atividade policial.
O controle externo da atividade policial abrange o controle da legalidade, do
abuso de autoridade ou qualquer violação aos direitos humanos praticados por policiais,
civis ou militares, no exercício da sua atividade-fim policial. Quanto aos atos de
improbidade administrativa que não se relacionem com a atividade-fim, serão apurados
pelas Promotorias de Justiça com atuação na área da moralidade administrativa.
No exercício do controle externo, decorrendo da atividade policial
repercussão do fato na área cível, como reflexo de crime praticado por policiais no
exercício da sua atividade-fim, incumbe ao órgão do Ministério Público instaurar o
inquérito civil e promover a respectiva ação por ato de improbidade administrativa, assim
como as ações civis públicas para a defesa dos interesses difusos e coletivos ou individuais
homogêneos vinculados à segurança pública. A instauração do inquérito civil e a promoção
da respectiva ação por ato de improbidade administrativa, constitui atribuição concorrente
entre a Promotoria de Justiça do controle externo e a com atuação na área da moralidade
administrativa. Ressalta-se que cabe à Promotoria de Justiça especializada no controle
externo da atividade policial o exercício da ação penal pública em decorrência de crimes de
abuso de autoridade praticados por integrantes das corporações policiais.
Incumbe, ainda, aos órgãos do Ministério Público, havendo fundada
necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal
ocorrido no exercício da atividade policial. O Ministério Público poderá instaurar
procedimento administrativo visando sanar as deficiências ou irregularidades detectadas no
exercício do controle externo da atividade policial, bem como apurar as responsabilidades
decorrentes do descumprimento injustificados das requisições pertinentes.
Destaca-se que o controle externo da atividade policial será exercido na forma
de controle difuso, por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal,
quando do exame dos procedimentos que lhes forem distribuídos e, em sede de controle
concentrado, por intermédio de membros do Ministério Público com atribuições
específicas, conforme disciplinado no âmbito de cada comarca.
77
Na sua forma difusa, o exercício do controle externo da atividade policial,
quando do exame dos procedimentos normais que lhe forem distribuídos, incumbe aos
membros do Ministério Público com atribuição criminal, os quais devem examinar se a
autoridade policial pautou-se pela legalidade, celeridade e eficiência no curso da
investigação e, em caso negativo, encaminhar cópia do feito à Promotoria de Justiça
especializada no controle externo concentrado, para as providências cabíveis.
Na sua forma concentrada, o exercício do controle externo da atividade
policial contará, no mínimo, com uma Promotoria de Justiça com atribuição especializada
na comarca, fixada por ato do Colégio de Procuradores de Justiça. Nas comarcas com duas
ou mais Promotorias de Justiça, ainda não estando definida a atribuição especializada, o
controle externo da atividade policial, na sua forma concentrada, será exercido
concorrentemente por todas as Promotorias de Justiça com atribuição criminal, atendidos
os critérios de distribuição e prevenção.
O controle externo da atividade policial militar, na sua forma concentrada,
será exercido na fase extrajudicial, concorrentemente, pela Promotoria de Justiça Militar e
pela respectiva Promotoria de Justiça do local do fato e na fase processual, exclusivamente
pela Promotoria de Justiça com atuação no Juízo competente para o processo.
Incumbe aos órgãos do Ministério Público, quando do exercício ou do
resultado do controle externo da atividade policial, na sua forma concentrada:
I - realizar visitas ordinárias semestrais e, quando necessário, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição;
II - examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade;
III - fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos;
78
IV - fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere a prazos;
V - verificar as cópias dos Boletins de Ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da Autoridade Policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário;
VI - comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva Corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar;
VII - requisitar, se necessário, a prestação de auxílio ou colaboração das Corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo;
VIII - fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida;
IX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
X - intensificar a fiscalização das abordagens policiais, recomendando inadmissível qualquer prisão para averiguações, com a limitação da liberdade de locomoção de qualquer pessoa sem ordem judicial, salvo os casos de flagrante.
As visitas aos órgãos policiais limitar-se-ão à atividade de polícia, não
envolvendo aspectos funcionais ou disciplinares atinentes à fiscalização hierárquica e ao
poder correcional por parte dos órgãos e autoridades do próprio organismo policial, cujas
faltas funcionais ou disciplinares serão comunicadas ao órgão correcional da corporação
respectiva, para as providências cabíveis. Nas visitas realizadas nos órgãos de perícia
técnica, o Promotor de Justiça deverá verificar o andamento dos exames periciais, a
apresentação dos laudos respectivos e as condições de pessoal e material para realização
das perícias.
79
A autoridade diretora ou chefe de repartição policial poderá ser previamente
notificada da data ou período da visita, bem como dos procedimentos e ações que serão
efetivadas, com vistas a disponibilizar e organizar a documentação a ser averiguada.
Nas visitas ordinárias semestrais e nas visitas extraordinárias, em repartições
policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes
em sua área de atribuição, o órgão do Ministério Público lavrará a ata ou relatório
respectivo, consignando todas as constatações e ocorrências, bem como eventuais
deficiências, irregularidades ou ilegalidades e as medidas requisitadas para saná-las,
devendo manter, na Promotoria de Justiça, cópia em arquivo específico.
O Centro de Apoio Operacional Criminal manterá informação atualizada
sobre os livros existentes, obrigatoriamente, em cada unidade policial, nos termos da
regulamentação própria, assim como a respeito do Sistema de Informatização da Segurança
Pública (SISP), informando, sempre que necessário, aos Promotores de Justiça com
atribuição no controle externo da atividade policial.
Nas visitas ordinárias às Delegacias de Polícia, o Promotor de Justiça
responsável pelo controle externo da atividade policial levantará os seguintes dados do
semestre anterior:
I - número de ocorrências registradas;
II - número de ocorrências que originaram inquéritos policiais;
III - número de ocorrências que originaram termos circunstanciados;
II - número de ocorrências que originaram a lavratura de prisão em flagrante;
IV - número de inquéritos policiais, termos circunstanciados e autos de prisão em flagrante remetidos ao Poder Judiciário; e
V - número de inquéritos policiais, termos circunstanciados e autos de prisão em flagrante em tramitação com prazo de encerramento excedido;
VI - número de ocorrências investigadas sem instauração de inquéritos policiais ou termos circunstanciados de ocorrências;
80
VII - número de ocorrências não investigadas;
VIII - número de autos de prisão em flagrante iniciados com a apresentação do autuado por policiais militares;
IX - número de inquéritos policiais em andamento;
X - número de inquéritos policiais instaurados por portaria da autoridade policial;
XI - número de laudos de exame cadavéricos produzidos no mês e ocorrências a que se vinculam;
XII - número de laudos de exame de corpo de delito produzidos no mês e ocorrências a que se vinculam;
XIII - número de mandados de prisão aguardando cumprimento.
Não coincidindo os dados levantados, o Promotor de Justiça pode instaurar
procedimento de investigação criminal, a fim de identificar e apurar os casos concretos em
que a autoridade policial não se pautou pela legalidade. As ocorrências geradas pela Polícia
Militar, laudos cadavéricos, exames de corpo de delito ou qualquer perícia gerada pelo
Instituto-Geral de Perícias, além de também sujeitos ao controle externo da atividade
policial por meio de exames periódicos, podem ser requisitados para confronto com os
números de inquéritos policiais, termos circunstanciados ou autos de prisão em flagrante
que, em tese, deveriam ter originado. Ressalta-se que o levantamento dos dados poderá ser
realizado através do acompanhamento on line dos procedimentos policiais.
O art. 8º do ato n° 467/2009 estabelece que aos órgãos do Ministério Público,
no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos ou unidades policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas ou quaisquer outros estabelecimentos onde se encontrem pessoas custodiadas, detidas ou presas, a qualquer título, sem prejuízo das atribuições previstas na Lei de Execução Penal que forem atribuídas a outros membros do Ministério Público;
II - ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:
a) ao registro de mandados de prisão;
81
b) ao registro de fianças;
c) ao registro de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e outros objetos apreendidos;
d) ao registro de ocorrências policiais, representações de ofendidos e notitia criminis;
e) ao registro de inquéritos policiais;
f) ao registro de termos circunstanciados;
g) ao registro de cartas precatórias;
h) ao registro de diligências requisitadas pelo Ministério Público ou pela autoridade judicial;
i) aos registros e guias de encaminhamento de documentos ou objetos à perícia;
j) aos registros de autorizações judiciais para quebra de sigilo fiscal, bancário e de comunicações;
l) aos relatórios e soluções de sindicâncias findas.
III - acompanhar, a seu critério, a condução da investigação policial civil ou militar;
IV - requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial ou inquérito policial militar sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, ressalvada a hipótese em que os elementos colhidos sejam suficientes ao ajuizamento de ação penal;
V - requisitar informações, a serem prestadas pela autoridade, acerca de inquérito policial não concluído no prazo legal, bem assim requisitar sua imediata remessa ao Ministério Público ou Poder Judiciário, no estado em que se encontre;
VI - receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis, relacionados com o exercício da atividade policial;
VII - ter acesso ao preso, em qualquer momento;
VIII - ter acesso aos relatórios e laudos periciais, ainda que provisórios, incluindo documentos e objetos sujeitos à perícia, guardando, quanto ao conteúdo de documentos, o sigilo legal ou judicial que lhes sejam atribuídos, ou quando necessário à salvaguarda do procedimento investigatório.
82
O novo ato, mais abrangente e com definições mais claras sobre o exercício da
atividade no Estado de Santa Catarina, segue as adequações previstas no Manual Nacional
do Controle Externo da Atividade Policial. Nota-se que existe uma evolução constante em
busca da melhor maneira de ser efetivado o controle externo da atividade policial, visando
à minimização dos obstáculos encontrados.
3.3 OBSTÁCULOS À ATIVIDADE DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE
POLICIAL
Em que pese a existência de norma constitucional, bem como normatização
infraconstitucional, que prevêem a fiscalização externa da atividade policial pelo
Ministério Público, os membros do Parquet deparam-se com obstáculos que dificultam
sobremaneira o exercício desta função.
Dentre os principais obstáculos, destaca-se a informalidade com que é
tradicionalmente exercida a atividade policial, especialmente no que tange ao
processamento do inquérito e investigação, que prejudica tanto o controle interno quanto o
externo. A falta de normatização específica acerca da forma do procedimento
administrativo destinado a documentar a investigação impede sua fiscalização, porquanto
não há como se vigiar aquilo que não é devidamente documentado, especialmente nos
casos em que o acompanhamento presencial é inviável.
Sobre o tema, Araújo esclarece:
É imprescindível para a institucionalização do serviço público policial que a atividade de investigação seja formalizada em certidões de diligências que retratem a investigação em seus detalhes, a fim de que a memória da investigação seja da instituição policial e não do agente ou autoridade policial. Inquéritos policiais não podem brotar depoimentos, sem uma semeadura clara, sem relatórios institucionais que permitam a seqüência do trabalho por qualquer agente ou autoridade e, ainda, os controles interno e externo189.
189 ARAÚJO, Carlos Alberto. O Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Florianópolis: Procuradoria Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, v.3, n.6, 2003. p. 27.
83
Ademais, segundo Araújo, a informalidade do trabalho policial facilita a
instalação da criminalidade no aparelho estatal ao possibilitar a desinformação, a
infidelidade dos dados e a manipulação administrativa no que tange à realização ou não de
determinada diligência ou investigação ou, pior ainda, “construção” de inquéritos eleitos ou
“privilegiados”190.
Segundo Martins, nenhum poder ou função pública se encontra a salvo de
mazelas e deficiências próprias da natureza humana, porque não são santos os que ocupam
cargos e exercem as funções, mas sim seres humanos, com todas as virtudes e defeitos.191
Araújo assevera que a atividade-fim da Polícia, que é a produção de base para o
exercício da ação penal pelo Ministério Público, somente será reconhecida, com respeito da
sociedade, se o inquérito policial, como instituição aberta, for orientado pela legalidade e
transparência transparente, assim alcançando a justificação e a confiança social192.
É bem verdade, ressalta Marques, que muitos membros do Ministério Público
“não querem nem assumir tal papel por achá-lo repugnante e de risco, chegando ao ponto de
prever a contaminação negativa da instituição”, pois poderia acarretar vícios dos organismos
policiais. Todavia, explica Marques, “todos esses argumentos (a maioria de fundo
corporativo ou de defesa ou disputa de nichos de poder) sucumbem quando confrontados
com o preceito constitucional que prevê o controle externo da atividade policial”.193
Outro aspecto polêmico em relação ao tema, segundo Araújo, é a falta de
previsão de punição para o não cumprimento das requisições ministeriais, quando
derivadas da sua atividade fiscalizatória. Ante a grande possibilidade de atingir a completa
190 ARAÚJO, Carlos Alberto. O Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 22.
191 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O controle externo: por que o controle externo?. Revista Jurídica Consulex. p. 27.
192 ARAÚJO, Carlos Alberto. O Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 23. 193 MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 27 set. 2009.
84
ineficácia, faz-se necessária a confecção de legislação que confira ao Ministério Público o
poder de requisitar – conditio sine qua non – o saneamento das ilegalidades e
irregularidades da atividade policial de persecução penal”194.
Neste diapasão, cumpre ressaltar que o descumprimento da requisição
ministerial pode ensejar a deflagração de ação penal, se existente o dolo específico de
satisfazer interesse ou sentimento pessoal, nos termo do previsto no artigo 319 195 do
Código Penal, que trata do crime de prevaricação. Cuidando-se, assim, para que o controle
externo da atividade policial não seja algo meramente “lítero-poético-recreativo”.
Araújo preceitua que, com o respectivo embasamento legal, necessário ante a
inexistência de sujeição hierárquica entre Ministério Público e a Polícia, que deve ser
estabelecida uma relação jurídica interinstitucional, com a previsão de poderes e deveres
entre uma instituição controladora e uma instituição controlada, atribuindo-se meios
sólidos para o exercício da analisada função fiscalizatória196.
O problema é enfrentado, no âmbito do Estado de Santa Catarina, no qual,
segundo Locatelli,
Percebe-se que a falta de um controle administrativo interno mais eficiente nas Delegacias de Polícia dificulta o conhecimento da situação fática e o efetivo controle. Verifica-se que inexiste no momento por parte da Secretaria de Estado de Segurança Pública [...], como também pela Corregedoria e Chefia da Polícia Civil, normatização determinando quais os registros que deverão existir junto às Delegacias. [...] O regramento sem dúvida traria reflexo na eficácia do Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público Catarinense197.
194 ARAÚJO, Carlos Alberto. O Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 23. 195 Art. 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. 196 ARAÚJO, Carlos Alberto. O Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 23.
197 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Florianópolis: Procuradoria Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, v.3, n.6, 2003. p. 61.
85
Entende-se prudente a atuação de Promotorias de Justiça especializadas que
detenham a atribuição específica de exercer o controle externo da atividade policial. No
Estado de Santa Catarina, grande parte das Promotorias de Justiça ainda não tem atribuição
para exercer o controle externo da atividade policial. Existem algumas Promotorias de
Justiça que detêm esta atribuição específica de exercer o controle externo da atividade
policial, tais como: a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tubarão e a 8ª Promotoria de
Justiça da Comarca de Itajaí.198
Pode-se citar como exemplo, uma Comarca com cinco Promotores de Justiça
atuando na área criminal, como júri, juizados especiais criminais e crimes comuns, todos de
forma concorrente e disjuntiva, estariam legitimados a exercer os atos de controle.199
Porém, seria necessário um maior abrangência para o bom andamento, que este
controle fosse incluído dentre as atividades desenvolvidas. Essa inclusão se procederia por ato
da Administração Superior, atribuindo às Promotorias a função deste controle.
Por fim, mencionam-se os ensinamentos de Locatelli:
Para edificar-se de forma sólida e contundente, deve o solo a ser construído o conceito da operacionalização do controle ser firme, inatingível de sofrer erosão. Deve o Promotor atuante não ceder a temeridade do confronto, pois o ódio irracional e a incompreensão de certos segmentos policiais não deverão servir de empecilho e deverão ser prontamente repelidos. Para isso, impõe-se uma construção gradual, ininterrupta e duradoura do controle externo da atividade policial. Superar obstáculos, dissipar preconceitos, inibir a possível aversão causada pela função, além de incitar o conhecimento interno da polícia também é prioritário. Nem sempre o exercício do controle externo será compatível com a expectativa advinda da consciência do Promotor de Justiça, gerada por sua própria convicção e fomentada pela instituição. É preciso compreender que o controle externo sofre limitações. A restrição advém do inconformismo de quem é controlado, num histórico de omissão do exercício dessa função principalmente pelo critério estrutural e orçamentário. As corporações tendem a se unir, impedindo a fiscalização e
198 SOUZA, Sandro Ricardo de. Aspectos controvertidos do controle externo da atividade policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Florianópolis: Procuradoria Geral de Justiça e Associação Catarinense do Ministério Público, v.3, n.6, 2003. p.71.
199 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 58.
86
muitas vezes, infelizmente, agentes são acobertados sob o manto das instituições, quando na realidade deveriam ter sua postura corrigida.200
Os obstáculos ao controle externo da atividade policial devem ser superados,
ante a importância da fiscalização externa da atividade policial exercida pelo Ministério
Público, a qual decorre do sistema de freios e contrapesos previsto no Estado Democrático
de Direito, e busca um comprometimento maior com a investigação criminal, sendo um
instrumento essencial no combate à criminalidade, bem como, visa à efetividade dos
direitos fundamentais assegurados na Constituição, como a dignidade da pessoa humana,
princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro.
200 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. p. 58-59.
87
CONCLUSÃO
A Constituição da República estabelece diversos sistemas de controle, os quais
visam ao equilíbrio entre os Poderes e as instituições públicas, sendo a sociedade a maior
beneficiada pela eficácia deste sistema. O controle externo da atividade policial pelo
Ministério Público compõe esta diretriz de freios e contrapesos, característico do Estado
Democrático de Direito, no qual os Poderes, mesmo independentes entre si, estão sujeitos
aos mecanismos de controle recíprocos.
Os instrumentos legais de tutela da legalidade pelo Ministério Público
encontram-se espalhados na legislação em vigor, sendo inerente às próprias funções
ministeriais de "fiscal da lei". O artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal de 1988
estabelece que cabe ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial,
ante a necessidade e o anseio da sociedade brasileira, visto que a instituição policial é
bastante suscetível à instalação da corrupção entre seus agentes, haja vista a ampla
liberdade com que exerce suas atividades, decorrente da ausência de normatização que
imponha uma forma específica para tanto.
A expressão "controle externo da atividade policial pelo Ministério Público",
não significa a subordinação da polícia judiciária ao Parquet. Mas sim a prática de atos
administrativos pelo Ministério Público, de forma a possibilitar a efetividade dos direitos
fundamentais da pessoa assegurados na carta de 1988. Tal controle não abrange toda e
qualquer atividade da polícia judiciária, limitando-se a sua atividade-fim, devendo ser
preservadas as autonomias próprias da carreira controlada, sendo considerando seus
próprios controles internos e hierárquicos. Conforme restou demonstrado durante a
presente explanação, a modalidade de controle externo sob análise abrange especificamente
as áreas da ação policial ligadas à função ministerial, o que, por excelência, é a
investigação criminal, e que dá suporte à ação penal.
Dotado da imparcialidade necessária, o Ministério Público exerce
a função fiscalizadora, visto que é, por excelência, o responsável pela defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, em
suma, pela proteção da sociedade com um todo.
88
Outro motivo que confere razoabilidade à referida legitimação é a
estreita ligação existente entre as funções do Ministério Público e da polícia investigativa.
A função precípua desta é justamente coletar e apresentar ao órgão ministerial os elementos
suficientes para embasar a eventual propositura de ação penal, cuja titularidade é exclusiva
daquele.
Assim, possibilitar a fiscalização do Parquet sobre as atividades
exercidas pelo autor das diligências investigativas representa corolário do sistema
acusatório adotado pela Constituição. Por certo, não seria coerente que o titular exclusivo
da ação penal pública, que se utiliza das provas coletadas no curso do inquérito, fosse
impossibilitado de verificar a lisura com que foram praticados os atos da persecução penal
em sua fase inicial.
Relativamente à aplicabilidade dos dispositivos legais que
prevêem a fiscalização da polícia pelo Ministério Público, observou-se que ainda há um
longo caminho para sua efetiva implementação.
Entre os obstáculos enfrentados pelo Ministério Público
catarinense é a informalidade com que é tradicionalmente conduzido o inquérito policial. A
inexistência de previsão da obrigatoriedade para a manutenção de registros precisos das
diligências realizadas pela autoridade policial, bem como dos eventos criminosos de que
toma conhecimento, por exemplo, tornam praticamente impossível que seja controlada sua
legalidade assim como dos atos que lhes sejam decorrentes.
De nada adianta confiar ao Ministério Público função de tamanha
expressão, se não há um contexto que se coadune com esta perspectiva.
O aumento assustador da violência, decorrente do avanço da
criminalidade hoje assistido pela sociedade brasileira, precisa de um Ministério Público
mais atuante no campo penal, que acompanhe o momento da coleta dos indícios
probatórios do crime e assegure com brilhantismo, o seu papel de titular da ação penal
pública.
Assim, tem-se que a fiscalização externa da atividade policial é um
instrumento essencial no combate à criminalidade e contra a deficiência da prestação da
atividade do Poder Administrativo e, em um segundo momento, do Poder Judiciário. Desta
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forma, bem vindas a inovações legislativas que, além de exemplificar os meios para que se
pratique a vigilância, preocupe-se em permitir que se cumpra o disposto na Constituição da
República.
Muito há para ser feito até que se mostrem claros e induvidosos os
limites e instrumentos do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.
Vale aqui dizer que o exercício dessa função constitucional não significa a supressão dos
organismos policiais, nem a sua subserviência hierárquica. O quadro normativo brasileiro
não permite e não aponta para isso. Ao invés, o aludido controle deve ser lido e
compreendido como controle externo da atividade-fim policial, mas que deve ser feito
nessa seara com toda a firmeza e rigor, buscando maior interação e eficiência dos órgãos
encarregados da segurança social, porém, sem jamais corroborar atitudes ilegais ou de
violência em desfavor do indivíduo ou da comunidade.
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