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III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
O OUTRO OCIDENTE: A IBÉRIA NO PENSAMENTO POLÍTICO
DE RAYMUNDO FAORO
Milton Andreza dos Reis1
Introdução:
Referências à Ibéria aparecem em “Os Donos do Poder: formação do patronato
político brasileiro”, 1958, antes mesmo de qualquer citação ao Brasil2. Logo na primeira
página, desta obra fundamental do nosso pensamento social, Raymundo Faoro
(1925/2003), apresenta os ibéricos sob o signo de Marte: Deus da guerra, amante de
Vênus e pai de Cupido, como oriundos de uma cultura específica, cunhada em uma região
geográfica dotada de singularidades históricas fundamentais para a compreensão da
formação do patronato político brasileiro: a península ibérica.
Para nosso autor a própria formação da sociedade brasileira está radicalmente
ligada à história da “Origem do Estado Português”. Seguindo de perto uma tradição
intelectual que valoriza a colonização como estrutura fundamental para explicar a gênese
do Brasil3. E, que neste movimento recorre a uma visão transnacional, pautada em uma
razão geográfica da história4. Neste artigo, exploramos Raymundo Faoro, nos
perguntando: qual a sua interpretação da importância da herança colonial ibérica em nossa
1 : UNESP/Araraquara: Pós Graduação, Doutorado em Ciências Sociais. Bolsista Capes/CNPq. 2 Faoro, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro,
Porto Alegre, São Paulo. Ed. Globo, 1958. 3 Alonso, Angela. Ideias em Movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil- Império. São Paulo, Ed.
Paz e Terra, 2002. 4Alencastro, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo. Ed.
Companhia das Letras, 2000.
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formação? À medida que registramos: quais as principais estruturas políticas e sociais?
Importantes em sua avaliação, que nos foram legadas.
Por meio de uma analise que entende o seu texto como porta de entrada para a
compreensão do seu pensamento social. Assumimos como pressuposto a dialética
marxista de que nenhuma grande constelação de ideias pode ser compreendida sem levar
em conta os problemas que tentou responder e sem atacar as formas em que foi
formulada5.
De tal modo que nenhum autor pode ser totalmente analisado circunscrito apenas
a um contexto determinado ou a uma única influência teórica. Todo texto reproduz e está
inserido em uma rede de produção simbólica6. Assim, a própria força dos clássicos está
justamente em extrapolar o contexto em que foi criado. Na sua capacidade de ainda
apresentar interpretações ou mesmo lançar luz orientadora, para o esclarecimento de
problemas sociológicos que não foram estabelecidos concretamente no momento em que
o trabalho foi publicado7. Raymundo Faoro não se esgota nele mesmo. Muito menos em
seu próprio contexto.
Interessa nos como a representação da Ibéria é construída, abordada e avaliada em
um trabalho especifico: a primeira edição de “Os Donos do Poder: formação do patronato
político brasileiro”, de 1958, publicado pela editora Globo: Rio de Janeiro - Porto Alegre
– São Paulo. Um livro de capa vermelha, fundo preto, com o título em branco, de pouca
repercussão quando surgiu, mas que na década de 1970, foi totalmente redescoberto,
diante da necessidade de se pensar a Ditadura Militar (1964-1988)8.
5 Lukács, Georg. Teoria do Romance. Tradução de Alfredo Margarido. Lisboa. Ed. Presença, 1962.
6 Bourdieu, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1974.
7Koselleck, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro.
Ed. Contraponto/PUC, Rio, 2006. 8 Guimarães, Juarez. Raymundo Faoro e o Brasil. São Paulo. Ed. Perseu Abramo. 2009.
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Texto que se comparado com a sua reedição de 1975, em que foi acrescido de
mais um volume, de revisões e notas, reserva um caráter ensaísta muito mais explicito.
Uma narrativa concisa em que longos contextos são sintetizados e abordados por meio de
um pensamento que movimenta repertórios da história, da sociologia, da antropologia,
das ciências políticas e da geografia livremente.
Uma ação criativa em que as ciências sociais não têm um limite claro, delimitado
de suas fronteiras9. Diferente, dos dois volumes de 1975, no qual o autor parece estar
imbuído de certa pressão intelectual, imposta pelo contexto, em ter que deixar claro
sistematicamente as suas opções teóricas: o ainda pouco difundido Max Weber
(1864/1920) e suas ideias políticas: principalmente, o seu liberalismo, descrente das
classes políticas, mas que só enxergava na democracia e no fortalecimento da sociedade
civil, com novos atores, a possibilidade de reorganização das prioridades do Estado
Nacional, então, considerado ator fundamental para a construção de uma sociedade que
pudesse superar o atraso. No limite: para Raymundo Faoro, o problema não era Estado,
mas sim a forma como historicamente ele estava organizado.
Um breve histórico: a Ibéria entre duas civilizações.
Foram os romanos que introduziram uma organização sócio-administrativa aos
povos autóctones da península ibérica. O que por sua vez, devido ao próprio sistema de
colonização, não significava uma coesão cultural profunda, evidente, nos diversos grupos
linguísticos que coexistiam nos territórios romanos subordinados ao latim10. A dominação
romana pautava-se estritamente na obediência civil e na cobrança de impostos, em
9 Adorno, Theodor W. O Ensaio como Forma. Sociologia. São Paulo. Ed. Ática, 1994. 10 Basseto, B. F. Elementos de Filologia românica. São Paulo. Ed. Edusp. 2001
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contrapartida cediam liberdades: como a de culto e às vezes, até mesmo, a de controle
político das cidades. A romanização era um processo lento, mesmo, assim, quando as
imigrações bárbaras começaram a forçar definitivamente o crepúsculo do Império, o
território já estava por completo romano e latinizado, administrado, no século IV, pelo
Imperador Diocleciano (224/313) em cinco províncias: Gallaecia, Tarraconensis,
Carthaginensis, Lusitania e Baetica.
Mapa I: península ibérica: romana e latina11. Mapa II: reinos: suevos, betica e visigodos12.
Para nosso autor as intensas guerras em seu território moldaram o ethos ibérico13.
Acerca da península ibérica aponta o campo de batalha como espaço privilegiado de
cultura política e discussão das questões territoriais em que “primeiro, os bárbaros do
Norte; depois, os mouros assentaram no seu solo as praças de combate. Duas civilizações
11 Adaptação Mapa: http: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg. 12 Adaptação Mapa: http: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg. 13 Weber, Max. A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo. Martins Fontes, 2000.
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– uma do Ocidente remoto, outra do Oriente Próximo – pelejaram dentro de suas
fronteiras pela hegemonia da Europa” (Faoro: 1958, 3).
A destruição do Império Romano no final do século IV impulsiona dois séculos
de migrações a península ibérica. Sua posição estratégica atrai povos não romanos, os
vândalos germânicos orientais, asdingos e silingos, além dos suevos, povos germânicos
ocidentais e dos alanos de origem indo iraniana, a migrarem para a região. Suevos e
asdingos fixam na região da Gallacecia, os alanos na Lusitania, e os sílingos na Betica.
Posteriormente, os visigodos, originários do sul da Escandinávia, adentraram ao território
conquistando os sílingos na Bética e expulsando alanos e asdingos para a Vandalusia14.
Em um espaço onde a espada era linguagem universal, estes reinos germânicos:
suevos e visigodos, não destruíram a tradição romana. Pelo contrário, foram romanizados
pelo cristianismo, subordinando, por exemplo, seus dialetos e costumes cotidianos,
mantendo uma forma de governo em que seus territórios eram divididos entre delegados
administradores, submetidos diretamente a um poder central. A tradição e a violência
eram as bases destas sociedades militarmente organizadas, no qual um líder: o Rei
soberano, hierarquicamente, estava no topo de uma pirâmide social, composta por outros
senhores territoriais, abaixo, o clero e um quadro administrativo especializado, que
formavam uma aristocracia feudal, acima dos servos domésticos ligados à vassalagem,
dos artífices, comerciantes, citadinos e camponeses15.
Como destaca Raymundo Faoro, não foram os bárbaros germânicos que
arrastaram a península ibérica a descentralização feudal, mas, sim a expansão árabe
islâmica. No século VI, o califa Abu Bakr (573/634) impulsionou a criação de um
território árabe de caráter profundamente religioso e militarizado. Um Império teocrático
14Duby, Georges. Atlas Historique Mundial. France. Ed. Larousse. 2014. 15 Veyne, Paul. Do Império Romano ao Ano Mil. História da Vida Privada. Vol. 1. São Paulo. Ed.
Companhia de Bolso, 2012.
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em que o comandante militar era também o governador civil, chefe religioso maior e juiz
supremo, por meio de uma autoridade estruturada no respeito a uma rígida tradição
familiar religiosa. O Mapa III demonstra como a expansão do islã foi rápida e eficiente.
Introduzindo novas técnicas de combate, particularmente, o uso de canhões e maquinas
de guerra, superiores as defesa cristãs medievais, bizantinas e persas, os árabes e berberes
em menos de um século dominaram toda a Península Arábica, o Norte da África e a
Península Ibérica16.
Mapa III: a expansão do islã17.
A expansão árabe foi favorecida pelos enfrentamentos entre cristãos e judeos no
Oriente Próximo. Contudo, foi certamente a sua forma especifica de dominação, baseada
mais na coexistência pacifica e certa tolerância religiosa, do que no controle efetivo do
território ou na necessidade de arabização, que possibilitaram o enraizamento de sua
conquista. Neste caso, para os árabes, diferente dos romanos: não importa a transformação
16 Martins, Oliveira, História da Civilização Ibérica, Lisboa, Guimarães Editores, 1994. 17 Adaptação do Mapa: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg.
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cultural dos povos conquistados, mas, sim a manutenção da prosperidade das relações
interculturais que já existiam.
Se, por sua vez, a romanização era um processo profundamente territorialista: os
romanos se fixavam em suas províncias estabelecendo laços de parentesco, - reproduzida
por meio da família a cultura romana ia se desenvolvendo, o projeto civilizacional sendo
colocado em prática, - formando cidadãos fundamentais para a manutenção de um
Império, que desde a sua origem tinha como escol garantir e expandir suas fronteiras.
A arabização tinha a mobilidade por essência. Também, se fixavam, mas eram
muito mais moveis do que os europeus cristianizados que conquistaram. Desprezam os
limites feudais, seus gigantes e grotescos castelos de pedra bruta que não suportavam um
tiro certeiro de um bom canhão calibrado, entendiam como seu território não apenas um
espaço limitado por fronteiras físicas ou jurídicas, seu lugar era qualquer lugar onde
pudessem livremente cultuar o islã.
O Corão era o livro fundamental desta nova religião, mas foi sobre a Hadith:
relatos da vida de Maomé e de seus primeiros seguidores, que se baseavam os rígidos
códigos cotidianos de conduta do mulçumano. Da união entre o Corão e a Hadith, a
Sharia, conjunto de leis mulçumanas eram os pilares deste Estado teocrático e militar:
dividido em Emirados e Califados, administrados por uma elite ligada por laços de
parentesco, composto por grupos étnicos diferentes, especialmente, na península arábica
e no norte da África, como por exemplo, os povos berberes18.
Na segunda metade do século VII a disputa pelo controle de um território tão vasto
praticamente extinguiu a dinastia Omíada que governa o Império Árabe a partir de
Damasco. Seu último remanescente Abd ar-Rahmãn (731/788), fugiu para Sevilha e
18 Cogni, Barbara Maria. Cristãos e Mulçumanos na Península Ibérica. São Paulo. Ed. ANPUH. 2012
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depois para Córdoba fundando ali um Califado. Neste momento a península ibérica,
torna-se um importante polo de radiação do poder muçulmano. De todo o território,
apenas o norte não sofreu, diretamente, sua influência cultural e controle político.
Ainda sob o comando de Abd ar Rahmãn a expansão para o norte da Europa era
um projeto plausível para os mulçumanos. Foram impedidos pelos persistentes católicos:
que entre as montanhas astúrias, conseguiram manter sua organização política e religiosa
distante da influência moura; a resistência dos primeiros Estados renascentistas da Europa
Ocidental: os francos de Carlos Martel (686/741); e pelas constantes invasões normandas:
que no contexto inauguravam uma nova rota de acesso e combate ao território via mares
ao norte do Oceano Atlântico19.
No seu conjunto estas ações fustigaram as superiores técnicas árabes de combate.
Com seus exércitos enfraquecidos, o Califado foi dividido em Reinos Taífas,
subordinados a Córdoba20. Durante praticamente seis séculos a cultura árabe floresceu na
península ibérica. Em um contexto, que como nos informa o Mapa IV: o território era um
verdadeiro ambiente de múltiplas identidades culturais, que conviviam sob a organização
de formas diferentes de sociabilidade, leis e códigos de conduta, no qual, geralmente,
imperava uma relativa independência religiosa21.
19 Chejne, Anwar G. História de Espanha Muçulmana. Madrid. Ed. Cátedra, 1993. 20 20 Antonio Cebrian, Juan. Aventura de La Reconquista. Espanha. Ed. Esfera de los Libros, 2013. 21 Lannes, Suellen Borges. A Formação do Império Arabe-Islâmico: História e Interpretações. Rio de
Janeiro. Tese de Doutorado apresentada a UFRJ. 2013.
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Mapa IV: mulçumanos e cristãos na península ibérica22.
Este capítulo árabe: evidente até os dias atuais, na arquitetura, no idioma e nos
hábitos alimentares de algumas regiões e cidades, assim, como a invasões normandas:
importantes no contexto das descobertas oceânicas são momentos da história ibérica,
totalmente, negligenciados por Raymundo Faoro. Entre as duas civilizações, lhe preocupa
a ocidental e católica. Não por acaso, é a Reconquista (século VIII), o que diretamente
lhe interessa. Pois, foi no interior desses enfrentamentos de fé que teve origem o Estado
Português23.
As origens do Estado português: com as mãos sujas de sangue.
22 Adaptação do Mapa: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg. 23 Saraiva, José Hermano. História Concisa de Portugal. Portugal. Ed. Sintra. 1999.
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Para Raymundo Faoro a herança colonial ibérica nos diz quem não somos. Sem
dúvida, o que poderíamos ter-nos tornado. E, porque, infelizmente, não nos tornamos algo
diferente do que somos. Uma história trágica, narrada em estilo romântico. De um senso
estético profundamente machadiano, irônico e sutil, em que o dilema do nosso atraso não
possui apenas uma dimensão estritamente econômica, mas, também, cultural24. Um
enredo no qual a Ibéria do século VIII passa a existir como um território geográfico
estratégico, de tradições culturais importantes, ponte entre mundos diferentes, mas,
convulsionada por conflitos de ordem múltipla e variada: por exemplo, por conta da peste,
do cristianismo e suas cruzadas, a presença moura, mas, sobretudo, por conta das guerras
de suserania e vassalagem entre os Reinos Cristãos.
Esses combates transformavam constantemente o tamanho dos territórios dos
senhores feudais, que sujeitos a tempos de paz e de guerra, mal conseguiam estruturar
suas fronteiras e suas linhagens hereditárias e já eram arrastados novamente em mais uma
aventura. Neste espaço social: condes e marqueses governavam seus territórios
cristianizados, mas nutriam um profundo sentimento de autonomia. Reuniam-se em
tempos de guerra. Celebravam festas, dias santos e casamentos. Mas, se necessário,
combatiam entre si, cristãos, em nome da soberania. Nas palavras de Raymundo Faoro,
na Ibéria: “bem cedo à espada impôs sua proeminência, valorizando a organização
militar das tropas mais que a posse do território fértil. O feudalismo cedeu lugar, ainda
mal assentado, a poder maior, centralizador e de natureza militar” (Faoro: 1958, 3).
Os primeiros Estados renascentistas cristãos da península formaram-se a partir de
três núcleos específicos: o asturiano, o pirenaico e o catalão25. Localizados no norte o
asturiano: nunca esteve totalmente sobre o domínio árabe e dele originou o Reino de
Oviedo, de Galiza e depois de Leão, e o Condado de Castela. Dos pirenaicos:
estabelecidos no noroeste, saíram os Reinos de Pamplona, Aragão, Navarra, Sobrarge e
24 Faoro, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. Rio de Janeiro. Ed. Globo, 1974.
25 Garcia, Nilsa Arian. Breve Histórico da Península Ibérica. Revista Phillologos. Ano 15. N° 45. Rio de
Janeiro: CIFEFIL, Set/Dez:2009.
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Ribargoza, que também conseguiram manter uma distância relativa à presença
mulçumana, mas, que por sua vez, durante muito tempo, foram duramente assediados
pelas invasões nórdicas. E o catalão: de influencia franca, da qual tem origem o Condado
de Barcelona.
Mapa V: reinos católicos na Reconquista (século VIII) 26.
A Reconquista (século VIII) alimentava o coração do cavaleiro e deixava solitário
o da donzela. Momento em que as artes renasceram patrocinadas pelo mecenato e
proteção da Igreja Católica Apostólica Romana foi igualmente um período em que no
campo da diplomacia, a busca pela centralização enquanto um ideal de Estado aparecia
no cerne das ações políticas dos reinos cristãos, enfatizado por Raymundo Faoro, que
deixa implícito o discurso de que esse designo não impossibilitou a construção de uma
experiência social, pautada na coexistência de organizações políticas e culturais oriundas
26 Adaptação do Mapa: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg.
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de grupos étnicos diferentes, que ao longo da história da península, contribuíram não
apenas para a apurada razão geográfica do espaço político de atuação da Coroa
Portuguesa, mas, também, para a expansão dos negócios do Rei.
Mapa VI: Condado de Portucale27. Mapa VII: Reino de Portugal28.
No mapa VI podemos visualizar o ducado Portucale, ainda sob a direção dos
reinos de Leão e Castela, e parte do território ocupado por árabes que só iriam ser
retirados no século XV, na guerra de Granada (1482-1492). No mapa ao lado, entretanto,
podemos observar o reino de Portugal com suas fronteiras definidas. Ou seja, o Estado
Português se constitui fruto, dos esforços de guerra de D. Afonso VI (1072-1109), rei de
Leão e Castela, que a partir do século XII, utilizando um exercito recrutado em todas as
regiões da Europa e não apenas nos reinos da península, inicia uma série de ataques aos
27Adaptação do Mapa: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg. 28Adaptação do Mapa: bachiller. sabuco.com/historia/images/Fases%20colonizaci%C3%B3n.jpg.
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árabes taífas, há tempos, acuados entre a espada longa e pesada dos reinos cristãos e a
adaga, leve e curva, dos demais califados árabes do outro lado do Mediterrâneo.
Para garantir o sucesso da sua apostólica missão os códigos feudais foram se
afrouxando e os soldados agora se agrupavam em milícias remuneradas e os senhores
territoriais já não eram os únicos a fornecer cavaleiros. O Rei a partir de ações de
capitação de fundos por meio de impostos e tributos cobrados junto a seus vassalos,
também, mantinha negócios particulares e neles estabelecia seus aliados distribuindo
favores, auxiliado por uma tradição política e administrativa, perpetrada pelos romanos,
absorvida pelos godos e mantida pelo clero, no qual: “governavam o reino como a própria
casa, não distinguindo o tesouro pessoal do patrimônio público. Seu poder gravitava em
torno do patrimônio, em torno deste gravitavam ele próprio, seus súditos e os interesses
econômicos da nação” (Faoro: 1958 11).
Para executar suas intenções D. Afonso VI, contou com o apoio de dois franceses:
os primos, D. Henrique de Borgonha (1066/1112) e D. Raimundo de Borgonha
(1070/1107), que após vitoriosos serviços prestados, receberam como recompensa as
mãos de suas filhas, Teresa (1093/1112) e Urraca (1079/1126), de Leão e Castela, mais
os territórios do Condado Portucale e da Galícia, respectivamente, bem como outras
áreas castelhanas reconquistadas.
O Condado Portucale, tornou-se, no entanto, independente na primeira metade do
século XII, sob a regência do filho de D. Henrique de Borgonha, o rei Afonso Henriques
de Borgonha (1109/1185), inaugurando, assim, a primeira dinastia portuguesa: afonsina.
A separação não ocorreu pacificamente, mas imbuídos não apenas da vontade verdadeira
de expulsar os árabes, como também de manter sua soberania, os monarcas portugueses,
continuaram o processo de lutas. Agora, em duas frentes uma contra os mouros e outra
contra os castelhanos.
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Apesar das guerras e da peste, enquanto na Europa Ocidental, no campo, as
intensas transformações enraizavam cada vez mais o feudalismo e uma religiosidade
ortodoxa, porém, critica, em conflito direto com novas formas de cristianismo, e nas
cidades, o renascimento já inaugurava a época das catedrais, em Portugal, a soberania do
Rei, atendia com fervor os chamados da Igreja, mas não se submetia a ela totalmente.
Muito pelo contrario, enquanto bastião fiel da fé adquire o direito do padroado, que lhe
possibilitava em seus territórios contralar as ações da Igreja, neste período, especialmente,
de sua força disciplinadora que de tempos em tempos se abatia sobre seus súditos, de
ascendia judia29.
Sob o reinado de D. Afonso I, Portugal se transforma em uma potência
mercantilista. Explorando, mesmo destruídas após anos de campanhas, as antigas vias
romanas e as modernas rotas terrestres criadas e pavimentadas pelos árabes,
comercializando, com aqueles que chegavam pelos mares do norte e os sagazes
navegadores italianos: genoveses e venezianos do Mediterrâneo.
Com a peste praticamente criando uma barreira intransponível, pela França, aos
territórios do Norte da Europa ou mesmo aos locais sagrados de peregrinação, no Reino
de Castela, Portugal adquire o status de porta de entrada e saída da península,
desenvolvendo um papel fundamental de entreposto de mercadorias30. Neste universo a
cultura urbana emerge tornando cidades como Lisboa em ambientes complexos. De
reminiscências: mouriscas e vigilância: católica. Mas, também, de boêmia, onde, poetas,
pintores, marinheiros, camponeses, mercadores, escravos, toda uma gama de pessoas
diferentes agora citadinos misturavam-se. Posteriormente, todos iriam dividir o convés
de algum navio em carrera, ao se envolverem na expansão ultramarina. Antes de
conquistar o mar o comercio já corria nas veias da península ibérica há muito tempo.
29 Oliveira, Fernando. História de Portugal. Portugal/Lisboa. Ed. Roma, 1999. 30Boxer. Charles R. O Império Colonial Português (1415-1825). Portugal. Ed. 70, 1969.
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Num paralelo, se na Europa Ocidental os que se dedicavam a esta atividade eram
vistos com desconfiança e ainda nem si quer imaginavam o papel importe que jogariam
na história contemporânea, em Portugal, a burguesia, também ainda não tinha
desenvolvido totalmente o seu espírito capitalista, mas a aristocracia dos centros urbanos
já entendia que as atividades que executavam eram diferentes as dos seus antepassados,
senhores territoriais preocupados estritamente em manter e fazer guerra, distantes do Rei,
dos centros urbanos e dos negócios.
Para Raymundo Faoro esta consciência da natureza comercial e patrimonial do
Estado Português se constrói durante a dinastia Afonsina, antes mesmo das ações
corajosas do Mestre de Avis: “a tradição monárquico-patriarcal portuguesa impediu,
quando da ascensão das cidades, que o comércio fruísse da maior parcela de poder
político. O rei desenvolveu sua economia com o tráfico, e mercê de seu poder e de sua
riqueza, regulou, incentivou e dominou a classe comercial. Evitou-se, dessa sorte, o
estado de coisas das cidades italianas, onde a facção comercial assumiu a liderança e o
controle dos negócios do Estado. O regime patrimonial foi um capítulo da luta do centro,
encarnado no príncipe, contra os barões. Os comerciantes, detentores da riqueza
mobiliaria, uniram-se ao soberano”. (Faoro: 1958, 11).
A “revolução de Avis” inicia uma nova etapa da constituição do Estado Português.
Ainda sob as repercussões das leis das sesmarias que obrigava o cultivo de gêneros
fundamentais para a subsistência do Reino e impedia a migração de camponeses para os
centros urbanos, D Fernando I (1345/1383) último rei da dinastia afonsina morre em 1383
sem deixar herdeiros, trazendo a tona novamente às antigas pretensões de dominação de
Castela e revivendo o pesadelo do fim da soberania.
Com o trono vago a aristocracia se divide. De um lado a territorial: ligada a
tradição medieval e a produção de bens primários, que defendiam a permanência da
Rainha Leonor Teles (1350/1386) ou as posições de D João I de Castela (1358/1390),
casado com Beatriz Teles (1373/1412), única filha de D. Fernando I. Do outro a
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aristocracia comercial: ligada aqueles muitos que executavam ofícios ligados à burocracia
do Estado, ao comercio, aos citadinos e aos camponeses, contrários a uma possível
dominação espanhola e perda do prestigio português.
Em seus feitos para chegar ao poder não faltou coragem ao irmão bastardo de D.
Fernando I. Literalmente sujando as mãos de sangue, ao estilo medieval, D. João (1357-
1443), Mestre da Ordem, na cidade interiorana, mas rota comercial importante, de Avis,
assassina seus adversários diretos, aliados da apregoada Rainha e com a ajuda de milícias,
resiste em Lisboa ao cerco de Castela, trava batalhas na fronteira, enquanto reestrutura a
organização administrativa do território, anexando e expropriando sob a regra da
vingança, tomando para si e também para seus aliados à medida que reforçava a
importância do quadro administrativo legal do Estado, que transformava em leis as suas
deliberações e acordos, a centralização se completa.
Raymundo Faoro registra que apesar de se assentar em fundamentos tradicionais,
a sociedade portuguesa que emerge possuía em seu interior uma forçar motriz específica,
movida por interesses particulares, que acabaria mudando a própria lógica do poder
patrimonial. Assim, vencida a sucessão e com a capital transferida para o Tejo, Portugal,
assumi sua vocação comercial e passa a ser governado por um Rei, soberano de um
Estado, que se organiza racionalmente sob códigos claros de leis juridicamente
estabelecidas. Lançando a mão Max Weber entende que: “a codificação do direito foi a
mais veemente expressão de soberania, que se impôs ao País e ao próprio Rei, definindo
seus poderes. O direito medieval, de rasgos feudais, consuetudinário e tradicionalista,
cedeu lugar ao direito canônico e, finalmente, ao direito romano. A influência dos
juristas que moldaram o caráter do estamento burocrático foi decisiva nessa opção”
(Faoro: 1958, 12).
Gerada pelo estamento burocrático - um grupo social de funcionários da Coroa
educados moralmente na cultura do Absolutismo e que por definição weberiana se
distinguia de uma classe, por nutrir certo distanciamento à lógica do estritamente material,
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intrínseca a sociedade social competitiva – essa transformação iria se manifestar, quando
a Coroa se lançasse a aventura ultramarina, momento em que se tornariam, cada vez mais,
peças fundamentais da manutenção e execução das vontades do Rei. Para Raymundo
Faoro, o estamento socialmente se diferenciava ao reforçar a importância do Estado, nele
conseguindo imprimir a sua própria lógica, desta forma, a economia racional, entregue
as próprias leis, com a calculabilidade das operações, é frustrada no nascedouro. Esse
pecado original da formação portuguesa ainda atua em suas influências, vivas e fortes
no Brasil do século XX” (Faoro: 1958, 12).
A herança colonial ibérica: uma visão negativa da formação social do Brasil.
A tese da transnacionalidade da formação social do Brasil: a ideia de que não
nascemos aqui, mas sim na Europa e que somos continuidade do processo civilizacional
do Ocidente, em Raymundo Faoro dialoga com uma tradição intelectual brasileira que
especialmente a partir do Segundo Reinado (1840-1989), começou a pensar o Brasil,
passando a limpo criticamente o papel que o legado português poderia desempenhar
naquela situação, um momento em que as democracias e o capitalismo industrial eram
uma realidade em boa parte da Europa e dos Estados Unidos e entre nós ainda apenas
projetos isolados ou iniciativas que se frustravam.
Nesta tradição o Brasil é o avesso de si mesmo. Não se ressaltava uma
interpretação centrada em símbolos e momentos decisivos da história31. Tão pouco, um
passado nacional que conseguisse estabelecer fundações sólidas, distintivas ao despertar
de um futuro que se esperava ser grandioso como o território. No caminho oposto, os
primeiros cientistas sociais brasileiros, membros em boa parte da geração de 1870,
31 Reis, José Carlos. As Identidades do Brasil: De Varnhagem a FHC. Rio de Janeiro. Ed. FGV, 1999.
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estavam preocupados em compreender as alternativas e possibilidades de
aprofundamento das mudanças inauguradas no contexto aberto com a Independência
(1822) do País em relação à metrópole.
Em uma análise sem miopias, entretanto, esses trabalhos não deixavam de anotar
o papel importante que o Estado brasileiro, estruturado como força disseminadora da
modernização, ainda poderia desempenhar, principalmente, diante uma sociedade civil
ainda incipiente, analfabeta e presa a tradicionais formas de ação social. Frente a esta
realidade a única solução liberal possível era a da reforma.
A da reconstrução do Estado no qual partir dele a estratificação social pudesse
ocorrer produzindo liberdades e garantindo direitos. Afastando o indivíduo da orbita do
Estado, que por sua vez, juridicamente, seria o verdadeiro fiador destas liberdades
políticas e sociais, em um ambiente no qual a lógica racional dos interesses, buscando
ações objetivas para a concretização da sua individualização, encontraria na sociedade
competitiva, e não mais no Estado, o ambiente da sua realização32.
No Segundo Reinado (1840-1989), as condições históricas especificas não eram
nenhum pouco favoráveis ao projeto reformista. Acusados de querer impor instituições
europeias a força da pena, como outros, em si, aponta Gildo Marçal Brandão era:
“preocupado com as formas, a confiança no poder da palavra escrita, a crença em que
a boa lei produziria uma boa sociedade, a ideia segundo a qual os problemas do País
são fundamentalmente políticos e institucionais, e só serão resolvidos por meio de
reformas políticas, a insistência em que na ausência destas, reformas econômicas e
sociais não seriam possíveis ou não se sustentariam” (Brandão: 2007,50).
32 Cardoso, Fernando Henrique. Pensadores que Inventaram o Brasil. São Paulo. Ed. Companhia das
Letras, 2013.
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A crítica da geração de 1870 a herança colonial ibérica foi absorvida e radicalizada
por Raymundo Faoro. Não por acaso, muitos dos trabalhos produzidos por essa geração
foram utilizados como fonte de reflexão e dados. Principalmente, sobre a Ibéria,
imaginada um território que possuía limites fronteiriços e características próprias, mas
que não era um espaço vazio, plano, sem vida, representável graficamente apenas. Longe
disso, seu o ensaísmo nos remete a uma visão em que o território é um ambiente de cultura
e história. E se somos fruto da colonização portuguesa, certamente um pouco desta
herança ibérica: romana, cristã, árabe e renascentista, está em nós.
Em “Os Donos do Poder” (1958) este legado era a nossa prisão. O nosso atraso,
sobretudo, por que tinha em seu núcleo um Estado centralizado, administrado por um
estamento que tornara a burocracia o principal mediador da vida social.
Utilizando, não apenas a sua proximidade com o Estado para perpetuar o seu
status-quo, juridicamente, mas também influenciando a própria racionalização da
sociedade civil, pois quando não podiam ou não conseguiam diretamente impregnar a
esfera pública de interesses privados, nas atividades que desempenhavam para o Estado,
na maioria das vezes, convocavam seus familiares mais próximos para a tarefa.
Se a família não podia ou simplesmente não queria se envolver, privilegiavam
aqueles que poderiam dividir os lucros ou pagar uma justa quantia pelo privilégio do
negócio. Impondo impõe não apenas os seus interesses, mas também a sua própria moral
a lógica do Estado tornando-se autônomos da sociedade civil: “tal poder minoritário
autônomo, sem controle nem firmes limitações da vontade popular, exerce, por meio do
funcionário, do militar e do clérigo, o patronato político, que influi e conduz os
movimentos sociais. Em Portugal e no Brasil como se verá, o comando lhe é assegurado
pela regulação material da economia, regulação conquistada pelo regime patrimonial e
perpetuada no Capitalismo estatal” (Faoro, 1958, 44).
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Ao dominar o Estado e controlar a vida social o estamento patrimonial burocrático
enraíza valores éticos, estéticos e religiosos que congelam as possibilidades de
transformação da cultura ibérica. O barraco reverberava o passado de conquistas e sua
opulência reluzia tanto ouro que cegava. Provocando uma estupefação constante diante
do magnífico excesso de suas formas.
A “decadente” atmosfera barroca, porém, não impede o capitalismo estatal de
florescer. Citando, Caio Prado Júnior (1907-1990), Raymundo Faoro aponta que os
interesses da Coroa Portuguesa, neste contexto, não são outros senão o acúmulo de
capital. O que por sua vez nos condenava a moderna condição de empresa agrícola,
católica, subordinada ao pacto colonial33.
O catolicismo, o absolutismo, o fiscalismo e as conquistas ultramarinas
normatização a criatividade portuguesa, influenciando na própria capacidade da Coroa
em resolver questões fundamentais para a sobrevivência do Império, o que tornava cada
vez mais, a teimosia a principal característica do português. Esta quando associada à
bravura ou a razão lhes proporcionaram vitorias e lucros, mas quando simplesmente
refletia uma ortodoxia fanática, lhes renderam derrotas e perdas.
A incrível historia do processo de construção do Estado Português Ultramarino é
abordada por Raymundo Faoro apenas superficialmente. A genialidade criativa dos
portugueses: na construção náutica e astronômica, as condições intelectuais e filosóficas
engendradas na missão de adentrar a um oceano inóspito e enfrentar os imprevistos do
inédito: em nome da evangelização e da ambição, não são destacados em nenhum
33 Prado Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia (1942). 10ª ed. São Paulo. Ed.
Brasiliense. 2000.
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momento. Explorando os equívocos, a imagem negativa da herança colonial ibérica se
reforça ainda mais.
A chegada dos portugueses ao Brasil foi uma etapa do processo de articulação
mundial do Império Colonial Ultramarino Português. Ocorrida em um período de inflexão
dos negócios do Rei na carreira da Índia, - onde já não detinha totalmente o monopólio
dos mercados de escravos da África e do transporte de mercadorias entre portos da Índia
e do Oriente, por conta da presença cada vez maior e mais violenta de holandeses
protestantes e ingleses anglicanos -, e da já flagrante falta de competência para a
exploração de novos horizontes comerciais, no contexto a “descoberta” não foi recebida
com muito entusiasmo. Em particular, porque que diferente dos espanhóis que chegaram
ao Caribe e se defrontaram com culturas complexas, ouro e prata, os primeiros relatos,
apesar de mencionar uma natureza exuberante e a pureza do gentil, não citavam nenhuma
tipo de riqueza comercial imediatamente explorável no Brasil.
Ao iniciar sua análise a respeito da formação da sociedade brasileira, observa que
apesar das normas jurídicas estabelecidas para o povoamento e segurança, a lei de terras
das sesmarias, estivessem ancoradas sob uma lógica pretensamente feudal, o fim,
estritamente comercial para qual eram destinadas, alterava totalmente a sua própria
essência34. Neste sentido, apesar de feudal o regime de terras na colônia atendia a um
interesse moldado pela lógica do capital. Executada diretamente pelo Rei, a distribuição
de terras no Brasil, era a tradução direta da solução a crise de desabastecimento causada
pela baixa produção dos campos cultiváveis, em Portugal, enfrentada por D. Fernando I,
que obrigava camponeses e jornaleiros a permanecerem nos campos, em detrimento das
cidades, trabalhando em suas terras, sob penas dracônias ou perda efetiva das mesmas,
que seriam realocadas exclusivamente aqueles que nelas tivessem a intenção de laborar e
pagar impostos.
34 Marx, Karl. O Capital: o processo de produção do capital. Tradução de Regis Barbosa e Flavio R.
Kothe. São Paulo. Ed. Abril Cultural, 1982.
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Para Raymundo Faoro não existe feudalismo brasileiro35. E nem mesmo a
colonização portuguesa pode ser comparada a norte americana a partir da ideia de que
entre nós, em virtude da distância as vontades do Rei não foram colocadas em prática, a
exemplo da colonização de povoamento inglesa 36. Isto porque se nos Estados Unidos a
metrópole se manteve distante do processo de colonização, deliberadamente, no Brasil,
mesmo distante, estava muito presente.
Muitas vezes, antes da própria população: “a administração metropolitana,
apressada e sôfrega em recolher tributos e quintos, instala-se com amplos tentáculos na
colônia. As peças do Estado português atravessam o oceano, firmando-se no litoral e nos
sertões. Despreza-se a realidade americana, as peculiaridades locais são esmagadas: a
disciplina da ordem pública portuguesa, prestigiada pelos batalhões, foi transplantada,
como carapaça sem as medidas do corpo. O Estado sobrepôs-se à sociedade amputando
todos os membros desta que não pudessem ser dominados” (Faoro: 1958, 78). De cima
para baixo, a administração da colônia acontecia no ritmo dos interesses do capitalismo
de Estado. Em nome desta lógica os atores que empreendiam a colonização, como
bandeirantes e entrantes, eram manipulados, reconhecidos apenas como executores da
vontade do Rei, que por meio da cooptação violenta ou aduladora, exercia sua autoridade,
arregimentando a todos, arbitrando os conflitos, fazendo valer a sua soberania, na letra e
na força.
Na letra era o fiscalismo português, toda a lenta e pesada máquina administrativa
portuguesa, que exercia a função de centralizar os interesses privados em nome do Estado.
Um complexo quadro administrativo regulava a colônia. Primeiro as capitanias,
submetidas à carta de donação do Rei. Depois os governos gerais, estavam sob a
vigilância do Conselho Ultramarino: organizador administrativo e fazendário da colônia.
Para questões religiosas e militares de Cristo a Mesa de Consciência e Ordens, era o
35 Duarte, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional: contribuição à sociologia
política brasileira (1936). São Paulo, Ed. Nacional, 1966. 36Freire, Gilberto. Casa- Grande & Senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal (1933). 49ª edição, São Paulo. Ed. Global, 2004.
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principal órgão responsável. Cada um destes dois órgãos eram intercortado de outras
inúmeras estruturas. Por sua vez, em uma sociedade em que dominar os meios era mais
importante que ter plenas garantias sobre a ação final e que o poder era representado por
conselheiros, governadores, capitães e burocratas, não eram poucos os conflitos entre
estamento, classe comerciaria ou lucrativa e classes senhorias.
Para Raymundo Faoro, os traços gerais da administração portuguesa no Brasil,
demonstravam o quanto Estado centralizado e capitalismo estavam unidos. Por exemplo,
diante de questões conflituosas era comum o Rei tomar o partido da classe comerciaria
mais próxima da burocracia patrimonial do que as classes senhoriais. Em virtude desta
situação: “a colônia conheceu forte conflito social, latente e aberto, entre os senhores
territoriais, cuja concepção de vida se aproximava do espírito feudal, liberal e
descentralizador, e a classe mercantil. Era a hostilidade entre a classe proprietária,
assim convertida pela prosperidade da lavoura, e a classe lucrativa. Com o apoio dado
a esta pela administração real, aquela foi contida, atada, imobilizada” (Faoro: 1958,
110).
A Independência do Brasil (1822) iria inverter esse quadro. Entretanto as alianças
continuariam as mesmas, de um lado no “partido” português, a classe comerciaria junto
com a antiga burocracia portuguesa e do outro no “partido” brasileiro, enriquecido pelos
ideais liberais trazidos na bagagem de sua casta educada na Europa, os senhores rurais e
parcela da população urbana. O conflito destes dois “partidos” marcaria a história do
Brasil, subjulgando, agora no espaço da ciência histórica, a contribuição que os embates
entre senhores e dominados, negros, índios e mulatos, tiveram em nossa cultura política37.
A transmigração da Coroa (1808) e a profunda alteração do status do Brasil, que
colônia na periferia do Império, transforma-se em metrópole, polo disseminador de
comando, acirram ainda mais a disputa entre o “partido” brasileiro e o “partido”
37 Faoro, Raymundo. A Aventura Liberal Numa Ordem Patrimonialista. São Paulo. Revista da USP,
São Paulo, N.14, Pg. 14/29, Jan/Abr. 1993.
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português. As posturas se tornam politicamente complexas e radicalizadas,
subterraneamente, os senhores territoriais, agora convivas da corte, já não querem mais
simplesmente o controle de suas possessões locais, mas aspiram por territórios maiores,
federações, confederações e pátrias próprias, distintas, distantes do poder centralizador
do Estado. Na outra ponta as classes lucrativas, não querem mais perder a possibilidade
de continuarem a expandir seus negócios, agora abertos ao mundo devido à crise do pacto
colonial provocada com abertura dos portos38.
Para Raymundo Faoro, durante a Independência D. Pedro I (1789/1834) assume
um tom conciliador entre os dois “partidos”, insistindo na unidade territorial como um
fator fundamental para o desenvolvimento da Nação. Entretanto, mesmo que tivesse,
durante algum tempo, conseguido acalmar os ânimos, não durou muito para que
novamente adeptos da centralização monárquica, fossem bombardeados politicamente,
por entusiastas federalista, em um período em que o liberalismo e suas vertentes era o
grande fermento da cultura política brasileira. Contexto em que a vida urbana tinha se
transformado profundamente atingindo ares mínimos de cosmopolitismo. Com os portos
abertos, chegam viajantes do mundo todo, convidados ou por conta própria, contribuindo
para as primeiras impressões do Brasil39.
A abdicação de D. Pedro I (1831) foi um dos momentos mais marcantes da força
política deste liberalismo autóctone que pretendia estruturar a sociedade brasileira de
baixo para cima. Entretanto, não conseguindo decisivamente encarar as questões sociais
intrincadas aos seus interesses estritamente econômicos, voltar atrás, se torna na cultura
política do contexto, uma pratica corriqueira. As rebeliões da regência parecem fortalecer
38 Jancsó, István, Pimenta, João Paulo. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência de uma identidade nacional brasileira) In. Mota, Carlos Guilherme (org). Viagem
Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): formação: histórias. São Paulo. Ed. Senac, 1999. 39 Souza, Antonio Candido de Mello. Formação da Literatura Brasileira. São Paulo, Ed. Itatiaia, 1959.
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esta tendência, em que a política deixa de ser orientada por valores públicos e passa a se
impregna de interesses particulares. Nesta, conservadores tornam-se liberais, e estes por
sua vez, tornam-se conversadores, que por vezes se necessário, regressavam a se tornar
liberais, mais radicais ainda se a situação solicitar.
Raymundo Faoro nos indica que a centralização do poder disperso com a Regência
(1831-1840), acontece antes mesmo da própria campanha pela maioridade e o retorno do
Imperador D. Pedro II (1825/1891). Obra dos regressistas conversadores, outrora liberais,
o parlamentarismo torna-se o sistema organizador da política interna, centraliza e impõe
novamente o Rei como representação de um país grande e sem divisões. Submetida as
rebeliões regionais, com perdões e promoções ao Exército, novamente as classes
comerciarias retornam a cena política. São elas quem vão interiorizar a centralização.
As eleições impõe uma rotina política. Os partidos impregnados pela lógica do
estamento transformam-se na antessala do poder. Um local onde sentados poderiam
esperar remuneradamente a sua vez de dirigirem eles próprios a Nação.
Os cargos públicos se multiplicam e com ele o tamanho do Estado e a sua presença
na vida cotidiana da sociedade, produzindo em seus súditos “um perigoso complexo
psicológico, que há muitos séculos inibe o povo brasileiro. Habitua-se a tudo esperar do
governo, com a solução das dificuldades grandes e pequenas, confiando que ele fará
milagres nas horas de agonia extrema” (Faoro:1958,194).
No Segundo Reinado (1840-1889) a obra centralizadora de D. Pedro II expunha
os limites do poder pessoal. Apoiada no poder moderador e num arcabouço jurídico
específico lhe assegurava a possibilidade de agir coercitivamente sobre as principais
estruturas da vida social. O Imperador, a partir da sua vistosa barba cunhava a figura do
Estadista esclarecido, que por sua vez, conjunto as falaciosas eleições, contribuía ainda
mais para uma visão negativa da imagem da força representativa do parlamento. Neste
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sentido, Raymundo Faoro acaba por admitir que muitas vezes a centralização executada
pela Coroa era resultado do próprio abismo que existe entre as classes comerciarias e
territoriais e o restante da população.
Desta forma, novamente o Estado se tornava o regulador e principal agente do
desenvolvimento econômico. Os senhores de terra, por exemplo, apesar de possuírem
poderes caudilhescos, estavam limitados entre a política econômica do Estado capitalista,
a burocracia e seus agentes comerciais lucrativos. Neste ambiente, o liberalismo que
renasce em meados dos anos 1850, tem novamente como pano de fundo a dificuldade em
enfrentar as questões definitivamente cruciais para a plenitude da ideia de República,
como por exemplo, a questão da escravidão.
Conversadores passaram então a defender os princípios monárquicos: a ideia de
que somente o centralismo poderia garantir a unidade e a modernização das estruturas
sociais sem sobressaltos revolucionários. Os liberais, progressistas ou pragmáticos: agiam
a partir do principio democrático, apregoando defender as instituições, mas limitar os
poderes do Imperador, assim lutavam por uma pauta voltada para a defesa dos direitos
individuais e de reformas na estrutura da organização política. Entre os republicanos: a
reforma do Estado era lançada como a única solução possível. A monarquia deveria ser
derrubada e o Estado assumir a sua dimensão laica, abolir a escravidão e ser regido por
uma Constituição que garantisse a divisão dos poderes40.
Para Raymundo Faoro o surgimento da República (1889) não foi resultado apenas
desse renascimento cultural do liberalismo, mas também da própria monarquia brasileira
que não conseguia mais manter a lógica patrimonialista em redias curtas. Primeiro,
porque perdeu o apoio dos senhores territoriais: com sua política paulatina de substituição
da mão de obra de escravos por trabalhadores assalariados, e segundo, porque apesar de
40 Faoro, Raymundo. Existe um Pensamento Político Brasileiro? São Paulo. Ed. Ática, 1994.
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até ter tentado evitar, o próprio estamento burocrático se reinventa: em um processo de
diferenciação interna que criaria elites jurídicas e militares. A falta de consenso entre
liberais e republicanos leva ao poder o antigo monarquista Marechal Deodoro da Fonseca
(1827/1892) e com ele frustrasse novamente a possibilidade de uma organização política
e social ligada a interesses produzidos na esfera pública, que buscavam uma estruturação
da sociedade brasileira, a partir de uma lógica democrática, liberal e republicana. O novo
poder mantém a velha estrutura legada, o estamento burocrático agora reinventado veste
farda e tem um dialético próprio, fala a partir da codificação jurídica.
Na opinião de Raymundo Faoro: a imagem do Estadista, responsável carismático
da Nação, cunhada por D. Pedro II, na República (1899) foi simplesmente substituída
pela do presidente. Sem grandes alardes, festejos ou velórios. Decorre então que a “Nação
e Estado se cindem em realidades diversas, estranhas, opostas, que mutuamente se
desconhecem. Formam-se duas sociedades justapostas – uma cultivada e letrada, a
outra, primária, com estratificações sem simbolismo telúrico. Os membros do estamento
sentem-se alheios, vivendo o drama de homens sem raízes, oscilando como fantasmas,
entre a cultura de sua gente, que lhes marca o temperamento inconsciente, e a cultura
europeia, que lhes forma a camada intelectual do pensamento” (Faoro: 1958, 268). A
manutenção da herança colonial ibérica ocorre para Raymundo Faoro quase de maneira
linear. As instituições que ela nos lega são o principal motivo do nosso atraso. Da sua
visão negativa da formação social brasileira, onde os atores políticos protagonistas da
nossa história surgem como indivíduos que não conseguiram enfrentar a necessidade
fundamental de questionar o abismo entre a Nação e a sociedade. Relegando-nos a uma
intensa sensação de “ser ou não ser, ir ou não ir, a indefinição das formas e da vontade
criadora. É uma monstruosidade social, engendrada por instituições anacrônicas –
comandadas pelo estamento burocrático – as quais haurem sua longevidade do veneno,
que as alimenta e corrompe o vinho novo, incapaz assim de fermentar” (Faoro: 1958,
271).
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Os homens fantasmas no tempo presente:
O caráter contemporâneo das opiniões, temas e conceitos, utilizados por
Raymundo Faoro, para pensar a formação social do Brasil, no oferecem uma gama de
ferramentas fundamentais para compreender o atual cenário político brasileiro. Um
momento em que a profunda revolução tecnológica que assolou a sociedade brasileira ao
longo da primeira década do século XXI parece ter apagado definitivamente a ideia de
que não estamos inseridos na sociabilidade técnica da modernidade Ocidental.
Duvida constante entre a intelectualidade brasileira na primeira metade do século
XX, hoje, acessando maquinas cada vez mais complexas. Percebendo a revolução
tecnológica atingir dimensões ficcionais. Inegavelmente, chegamos à conclusão de que
nos tornamos parte da aldeia global. Temos identidade digital e convivemos com o cyber
espaço.
Superamos a retrograda dimensão tecnológica que nos separava da experiência
técnica do mundo moderno. E, por sua vez, ao longo das três ultimas décadas ratificamos
nossos valores políticos e sociais em meio a um processo de consolidação do ordenamento
sistêmico da República e de uma economia capitalista de massas. Neoliberal na orientação
política econômica, mas, que possui singularidades marcantes, devido, especialmente, a
dimensão atuante do Estado41.
Presente como agente regulador do mercado, seja financeiro, via Banco Central,
seja do consumo interno, intervindo na lógica dos juros de produção para influenciar o
preço final da mercadoria, privatizando para aumentar a concorrência de serviços
41 Vianna, Luiz Werneck. Esquerda Brasileira e Tradição Republicana: estudos de conjuntura sobre
a era FHC- Lula. Rio de Janeiro, Ed. Revan. 2006.
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essenciais, e até mesmo atuando na regulação das liberdades de oportunidades, agindo
assistencialmente, nosso Estado, tem um perfil inspirado muito mais no liberalismo social
de Jonh Keynes (1883/1946) do que no neoliberalismo de Friedrich Hayek (1899/1992)
42. Portanto, frente aos resultados obtidos na recuperação da mais recente crise mundial
do sistema econômico, teoricamente, podemos apontar que o modelo adotado nos tornou
um pouco mais protegidos dos abalos sistêmicos da atual lógica capitalista financeira
internacional.
Tudo isso nos leva a pensar que superamos o atraso. Em particular, porque no
espaço da disputa política pelo Estado, parece que atingimos a consciência do seu
protagonismo, o modernizando, enquanto instrumento da transformação social do bem
comum e de preservação de valores éticos e públicos.
Entretanto, no âmbito da regulação dos jogos de poder e das redes da burocracia,
nunca nossas entranhas estiveram tão dolorosamente expostas, revelando a presença de
um passado que não conseguimos nos livrar. Em nosso tempo presente os homens
fantasmas estão em evidencia. Filmados e fotografados. Revelando, não apenas um
profundo desdém pela representação publica do cargo que exercem, mas, também, toda a
engrenagem das conexões existentes entre o desenvolvimento nacional capitalista e a
política em todos os seus níveis. Uma rede maquiavélica que interliga o interesse das
grandes corporações a campanhas políticas partidárias, a utilização do dinheiro público a
manutenção de mordomias e controle político parlamentar, o enriquecimento ilícito em
todas as esferas da burocracia a políticos profissionais capacitados em derrubar as
barreiras tênues entre o publico e o privado.
Novamente o estamento corroe internamente qualquer possibilidade de
racionalização da vida social a partir de uma lógica, liberal e republicana orientada pelos
interesses de uma sociedade civil complexa. A cada nova Comissão Parlamentar de
42 Merquior, José Guilherme. O Liberalismo Antigo e Moderno. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira,
1991.
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Inquérito, “Os Donos do Poder: história do patronato político brasileiro” (1958) é
atualizado enquanto obra fundamental para se compreender o Brasil, porque foi uma das
precursoras a nos apresentar apropriação privada do espaço público, como uma das
principais características da herança colonial ibérica. Presente no interior da sociabilidade
política do brasileiro moderno e manifesta na utilização maculosa da representação
publica de um cargo eletivo ou no abuso de poder da burocracia estatal, explorando a
própria apatia dos cidadãos. Da sociedade civil presa entre as simbologias de um Estado
e em contratos assistenciais elaborados para amarrá-la a trama dos interessados em poder
político e econômico.
Neste sentido, Raymundo Faoro procura na explicação de um período histórico,
que se inicia com a formação do Estado Português no século XIII, respostas para um
problema sociológico determinado: o patrimonialismo ibérico, enraizado em nossa
sociabilidade e que se consolidou como a mais forte tradição política do nosso Estado
Nação. A Ibéria nos legaria uma cultura jurídica administrativa em que o Estado,
exercendo sua autonomia frente às classes sociais, cria mecanismos para a legitimação do
seu poder.
O resultado desta sobreposição foi à construção de uma sociedade onde grupos
estrategicamente localizados próximos às estruturas do poder central, possuem direitos
reconhecidos que sustentam o seu status-quo, uma modernidade personalista que une a
todos em uma sociabilidade amistosa, mas que não consegue estimular uma consciência
social crítica das desigualdades e dos preconceitos enraizados.
Assim, se a experiência vital da modernidade derruba qualquer tipo de muro para
construir a sua própria fortaleza, ela também possui um caráter profundamente paradoxal.
Pois nos une e nos diferencia ao mesmo tempo. Diante dela somos parte do todo, mas
também somos obrigados a encarar as nossas relações concretas. Desta maneira,
acreditamos que retomar Raymundo Faoro pode contribuir não apenas para desmistificar
o interprete clássico da formação social do Brasil ou para compreendermos o quando
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reproduzimos o Ocidente em nós, mas sim evidenciar o quanto somos diferentes e como
podemos contribuir com ele.
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