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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 1 O "país do futuro” e o futuro do país: as contribuições de Ferdinand Denis e Von Martius Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira * Não se pode dizer que alguma coisa é, sem se dizer o que ela é. (Friedrich Schlegel) Este trabalho se propõe a uma aproximação entre dois importantes pensadores da cultura histórica nacional que, pertencendo a àreas distintas, raramente se encontram: são eles o francês Ferdinand Denis, cujo Resumé de L'histoire Litteraire du Brésil (1826) é considerado fundador da historiografia literaria brasileira e o naturalista bávaro Von Martius, autor de Como se deve escrever a História do Brasil(1845) que se tornaria o projeto historiográfico oficial do Império, após vencer o concurso do IHGB em 1841. 1 Os projetos fundantes destes dois autores serão aqui retomados a partir de uma analitica baseada nas categorias espaço de experiencia e horizonte de expectativas de Reinhart Koselleck, como ferramentas para uma nova abordagem da contribuição apresentada por estes autores e textos. Para Koselleck (2006), o que melhor caracteriza as concepções historiograficas da Modernidade é a dissociaçao entre o espaço de experiencia e aí se insere toda a memória e as expectativas para o futuro que conformam o horizonte vislumbrado pela consciencia histórica, não mais magistrae vitae. A Modernidade é o momento em que o futuro será sempre mais rápido, feliz e desenvolvido que o passado: portanto, quanto maior o grau de atrasode uma sociedade, maiores poderiam ser suas expectativas de futuro (KOSELLECK, 2006, 315- 16). A história, porém, não deixa de apresentar funcionalidade; é a partir de um passado que não é mais que podemos mensurar o quanto nossa civilização avançou. A história nos serve assim para construir uma memória do que deixamos de ser e contribuir nas projeções sobre o * Mestre em história e história da literatura pela Universidade Federal de Ouro Preto. 1 Sobre a importância de Denis para a historiografia literária brasileira confeir (entre outros) ZILBERMAN, Regina: Ferdinand Denis e os paradigmas da história da literatura(2006); ROUANET, Maria Helena. Eternamente em berço esplendido: A fundação de uma literatura nacional (1991) e BAREL, Ana Beatriz Demarche. Um romantismo a Oeste. (2002).

O Pais Do Futuro e o Futuro Do Pais as Contribuicoes de Ferdinand Denis e Von Martius-libre

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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)

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O "país do futuro” e o futuro do país: as contribuições de Ferdinand Denis e Von Martius

Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira* Não se pode dizer que alguma coisa é, sem se dizer o que ela é. (Friedrich Schlegel)

Este trabalho se propõe a uma aproximação entre dois importantes pensadores da

cultura histórica nacional que, pertencendo a àreas distintas, raramente se encontram: são eles

o francês Ferdinand Denis, cujo Resumé de L'histoire Litteraire du Brésil (1826) é

considerado fundador da historiografia literaria brasileira e o naturalista bávaro Von Martius,

autor de “Como se deve escrever a História do Brasil” (1845) que se tornaria o projeto

historiográfico oficial do Império, após vencer o concurso do IHGB em 1841.1 Os projetos

fundantes destes dois autores serão aqui retomados a partir de uma analitica baseada nas

categorias espaço de experiencia e horizonte de expectativas de Reinhart Koselleck, como

ferramentas para uma nova abordagem da contribuição apresentada por estes autores e textos.

Para Koselleck (2006), o que melhor caracteriza as concepções historiograficas da

Modernidade é a dissociaçao entre o espaço de experiencia – e aí se insere toda a memória – e

as expectativas para o futuro que conformam o horizonte vislumbrado pela consciencia

histórica, não mais magistrae vitae. A Modernidade é o momento em que o futuro será sempre

mais rápido, feliz e desenvolvido que o passado: portanto, quanto maior o grau de “atraso” de

uma sociedade, maiores poderiam ser suas expectativas de futuro (KOSELLECK, 2006, 315-

16). A história, porém, não deixa de apresentar funcionalidade; é a partir de um passado que

não é mais que podemos mensurar o quanto nossa civilização avançou. A história nos serve

assim para construir uma memória do que deixamos de ser e contribuir nas projeções sobre o

* Mestre em história e história da literatura pela Universidade Federal de Ouro Preto. 1 Sobre a importância de Denis para a historiografia literária brasileira confeir (entre outros) ZILBERMAN,

Regina: “Ferdinand Denis e os paradigmas da história da literatura” (2006); ROUANET, Maria Helena. Eternamente em berço esplendido: A fundação de uma literatura nacional (1991) e BAREL, Ana Beatriz Demarche. Um romantismo a Oeste. (2002).

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que ainda seremos.

Esta é a perspectiva presente nos projetos aqui abordados. A independencia recente do

Brasil impoe a necessidade de que se re-construa a imagem do passado para que, em negativo,

se justifiquem as esperanças no futuro: seu horizonte de expectativas, daí a urgencia de um

programa historiográfico. Os projetos aqui abordados representam respostas a essa demanda:

Da obra de Denis, especialmente o capitulo inicial do Resumé de l'histoire litteraire ... (1826),

que dedica a planear os rumos da historiografia literária brasileira à qual atribui a tarefa de

também narrar o passado nacional.2 Seguindo a perspectiva já realizada em obra anterior

Resumé de L'histoire du Bresil, publicado em 1825, nesse segundo momento o autor define

uma cronologia de épocas para a história do Brasil (sempre correspondentes à história

européia), os temas necessários dessa narrativa e incita ao debate de questões que se tornariam

fundamentais para a cultura histórica oitocentista, como a origem indígena para a

nacionalidade, a influencia (positiva) da natureza para a consolidação de uma civilização

americana, as relações entre as raças no Brasil, seus respectivos níveis de civilização e as

possíveis contribuições na construção da nacionalidade. Seu projeto foi abraçado com

pequenas ressalvas reticentes pela intelectualidade nacional, principalmente no tocante às

“raças” subalternas. Apesar de que a literatura indianista se arvorasse como defensora do

passado indigena, a narrativa histórica ai realizada dificilmente transbordava para o relato

histórico e a etnografia persistia como lugar da barbárie nativa.

Também em resposta a essa demanda e ainda esboçando uma definição do papel das

raças na construção da história nacional publicar-se-ia o projeto de Von Martius Como se deve

escrever a história do Brasil em 1846, sem grandes avanços. Martius retoma com mais

firmeza a questão da mistura de raças, que Denis propusera de maneira timida. O Naturalista

bavaro, porém, conscio da provável antipatia que seu texto poderia suscitar decide-se por

dedicar algumas páginas à admoestação e retórica em favor de que se tenha bons olhos para

com os elementos subalternos da brasilidade. Sua argumentação varia desde afirmar que a

história filosofica e pragmatica assim o exige, associada à reiteração da necessária filantropia

2 Essa associação entre narrativa histórica e literária era uma atitude recorrente da primeira metade do século

XIX e foi abraçada pelos brasileiros tal como se pode perceber pelos ecos de Denis no projeto de Gonçalves de Magalhaes, em 1836. (ARAUJO: 2008)

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filosófica da história moderna, sempre se baseando na crença monista da origem humana a

partir da qual acreditava que todas as raças fossem passiveis de redençao pelo progresso

civilizacional (MARTIUS: 1845, 382-4). Há que notar seu esforço de argumentar por mais de

três páginas de texto, em favor da inserção das etnias marginalizadas, ainda que

particularmente não acreditasse na capacidade de intervenção das mesmas na civilização

brasileira. Em comparação com Denis, para quem a história do Brasil se inicia no tempo

indigena (a nossa história antiga), Martius é mais restritivo, considerando o Brasil como

decorrencia imediata da História Europeia.

O projeto de Martius retoma com maior ou menor entusiasmo as categorias utilizadas

por Denis: natureza, cultura, civilização, mistura de raças, sempre à partir de uma perspectiva

que também se intitula história pragmática/filosofica. Sua percepção dessa modalidade

historiográfica porém, leva ao destaque das questões efetivamente culturais, conclamando ao

estudo da lingua e instituições indigenas em busca de traços de uma possivel perdida

civilização anterior.3

À partir de sua enfase no estudo das instituições sociais, da-se a perceber a proposta de

uma ligação provável ligação entre raça e cultura, subentendendo-se que algumas raças

estariam mais afeitas ao progresso que outras, independente do clima e lugar. Dessa maneira

Martius encontra um eixo de afirmação da história brasileira como parte da história universal,

ainda que em “leve” descompasso. Concluirá, como Denis, que o Brasil se insere no

movimento da história universal e que apesar dos diferentes graus civilizacionais das raças

presentes, é em direção ao nivel europeu que se deve dirigir seu horizonte de expectativas.

Assim é válido ressaltar que independentemente do espaço de experiencia dos autores,

sua apreensão da sociedade brasileira e seu processo de formação convergem num horizonte

de expectativas quase univoco que se referenda pela noção Moderna de história. Ambos

propoem que se possa e deva buscar a genese da nacionalidade brasileira através da

demonstração do desenvolvimento de uma civilização mais ou menos independente da

3 Lorelei Kury (2006-7) chama a atenção para a perspectiva pejorativa de Von Martius sobre a natureza

brasileira, na época de sua viagem de estudos ao Brasil (1817-20). Nesse momento Martius considerava a natureza americana como decadente, em decorrencia do calor dos trópicos. Muito possivelmente em função dessa “possível saia justa”, o tema da natureza praticamente desaparece de seu projeto historiográfico apresentado ao IHGB.

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portuguesa, em que as “raças” subalternas contribuam mais ou menos para a progressão geral,

sendo que ao fim seja sempre uma civilização decorrente da Europa, ainda que numa

temporalidade “tardia”. Assim se justifica afinal o saldo otimista de percepção do futuro

nacional que estes autores nos legaram. A noção de “país do futuro” torna-se uma dedução

plausivel, embasada pela metodologia cientifica Moderna.

De fato, estas obras não só iniciaram os debates e indicaram rumos para o pensamento

brasileiro, como também contribuiram na fundamentação de temas essenciais da identidade

brasileira como a “miscigenação positiva”, a “Natureza exuberante” e o “País do Futuro”,

noções que no século XIX contribuiram para que o pensamento cientifico nacional

encontrasse ferramentas para explicar a realidade com base nos saberes contemporaneos da

história natural e dos estudos históricos.

A apreciação encorajadora de um país de natureza exuberante, “cadinho de raças”

onde se misturaram, de maneira inédita, todas elas, indicava estes fatores como um sinal claro

de realizações futuras, que mereciam ser aguardadas com otimismo pelos naturais do Brasil.

Sua perspectiva histórica, embasada no que denominavam história pragmática e filosófica,

tendia a um horizonte de expectativas que justificava seu entusiasmo pela História e total

segurança na postividade de sua atuação: seu otimismo derivava menos de uma apreensão

idealizada do espaço de experiencia (o passado brasileiro), que da positividade atribuida a um

horizonte de expectativas construído à partir do conhecimento histórico moderno.

Por fim destacamos o carater convergente destas obras e autores de tradições e

realidades distintas. Estes longevos e prolificos autores, nascidos ambos no final do seculo

XVIII e que se transformariam em brasilianistas avant la letre, apesar de terem partido de

pontos distintos, coincidentemente foram modulados pela experiencia da viagem ao Brasil em

sentido nostálgico e academico. A formação humanistica de Denis, destinado a uma carreira

diplomática que não se realizaria e que terminou seus dias como Savant e administrador da

Biblioteca Saint Genevieve, autoridade máxima em assuntos da America e do Brasil (citar) ;

Carl Friedrich Von Martius, homem de ciencias, botanico, médico e futuro administrador do

Instituto de Botanica e scholar que, como Denis, seria agraciado pela acumulação de um

capital cultural devido à experiência no Brasil. Ambos transformaram a vivência da viagem ao

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Brasil em prospectiva para o futuro: a experiencia empirica se transformaria em objeto de

estudo e analise, habilitando-os à historiografia.

Ferdinand Denis “sobrevive” a uma França revolucionária em que sua familia de

tradicionais funcionários publicos leais à Coroa, sofre com as mudanças de estatuto da

burocracia francesa. Seus planos de seguir a carreira diplomática são desviados pela

experiência americana e, ao voltar à França, se tornaria um savant e detentor de invejável

capital cultural relativo à América do Sul. No tocante à suas projeções para a história do

Brasil, é o primeiro a atirar longe a baliza do progresso. Encantado com a exuberancia e

fertilidade do solo brasileiro, parece ver nela a primeira característica positiva em relação as

possibilidades futuras do Brasil. Apesar de considerar a possibilidade de uma civilização

brasileira (indigena) a ser resgatada no passado, Denis enfatiza por várias vezes a importancia

da natureza brasileira como elemento que alimente a imaginação.

São constantes suas exclamações sobre a grandeza do país, sobre o calor do sol, a

fertilidade do solo e a possibilidade de futuro encerrada nessa exuberância. “Nessas belas

paragens, tão favorecidas pela natureza, o pensamento deve se expandir como o espetáculo

que se lhe oferece”; O uso dos verbos sempre no futuro, nos indica que a perspectiva de Denis

se dirige sempre mais para as futuras realizações que sobre o presente, em que poucos

motivos de orgulho parece encontrar. É curioso que seu entusiasmo sobre o passado seja tão

ardente enquanto o presente se anuncie apenas como um preambulo para o glorioso futuro que

vislumbre. Ou não. Essa é, em nossa opiniao um dos mais fortes indicios de seu compromisso

com a narrativa historiográfica Moderna: o presente pouco representa, frente à profundidade e

exotismo do passado que apenas deve confirmar as glórias do progresso futuro.

Suas esperanças se iniciam pelo compartilhamento involuntário da cultura européia

entre portugueses e Brasil. Ainda que não o pretendessem os portugueses haviam deixado

escapar o “germe de todo conhecimento” enquanto arrancavam o ouro (DENIS, 414-5). Não

fora uma atitude deliberada, senão um efeito colateral. Denis acredita que a permeabilidade

entre culturas necessariamente influiria desde a mais elaborada até a menos sofisticada,

influenciando-a de maneira indireta no sentido de enriquece-la e desperta-la para o nivel

comum que a humanidade deveria atingir. Da certeza de que a humanidade desfrutasse de

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estagios semelhantes de desenvolvimento, Denis retira a esperança de que a pesquisa

arqueologica revelaria um passado indigena aparentado aos egipcios, assim como se tinha

descoberto algo semelhante na América Central.

Outro elemento importante do passado seria a natureza brasilica, diversas vezes

destacada pelo texto e associada ao clima e às tradiçoes como elemento de definição de uma

identidade e cultura (DENIS: 1826, 516). Em sua perspectiva a exuberancia da natureza

brasileira indica seu poder de colaborar no desenvolvimento dos seres, o que contraria teorias

iluministas de que ela levasse à decadencia do homem: e dai o estado “decadente” dos

indigenas. Denis inicia um valioso movimento de revisão, ao defender o vigor da natureza

como alimentador de uma civilização que se teria perdido devido à violencia da

colonização.4 Em sua opinião, os indigenas teriam atingido um grau de civilização

semelhante aos da antiguidade clássica e teriam decaido devido à violencia de levas invasoras.

(DENIS: 1826, 518) A natureza brasileira, portanto, não destroi, mas dá luz e animo.

Há na narrativa de Denis a monumentalização da natureza e do indio, como marcas do

passado e indicios de que o futuro já se prenuncia em evolução, onde os efeitos da civilização

já se fazem sentir e o autor chega ao otimismo de considerar que nosso destino seja superar a

a Europa (DENIS: 1826, 520). Na ausencia de monumentos a partir dos quais se poderia

construir uma história passada, Denis opta pelo paralelismo e escolhe por ponto de origem a

história do indigena, como momento fundante da história do Brasil, nossa Idade Antiga.

Essa baliza erige uma cronologia em que as eras européias são adaptadas à nossa

provável experiência (sempre estamos tratando de um projeto) cronologia esta que, pelo

recurso da comparação e das equivalencias, acredita em semelhanças entre períodos temporais

da America e da Europa, o que se dá a perceber pela “tradução” adaptativa dos respectivos

períodos (América e Europa), sendo os primeiros “traduzidos” para enformar um horizonte de

expectativas análogo aquele vivido pelos europeus. A história do Brasil inicia-se por uma

idade Antiga tupiniquim, à qual se poderia aceder através dos estudos arqueológicos e

etnográficos, onde vestigios materiais e linguisticos reconstruiriam uma grandeza tão 4 O debate sobre a capacidade destruidora ou regenerativa da natureza brasileira esteve no foco do surgimento

de um pensamento nacional, como nos esclarece Lorelei Kury (2006-7,83-4). Denis seria o primeiro europeu a discordar da tese de uma natureza negativa nos trópicos, o que seria de grande ajuda para o desenvolvimento de uma defesa da habilidade nacional para o progresso.

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exuberante quanto sua natureza seria capaz de inspirar. Se o esplendor da natureza brasileira

supera a Europa, o que ficariam a dever seus heróis do passado em comparação aos antigos

gregos? (DENIS: 1826, 517)

Ainda nessa perspectiva especular e paralela, a correspondencia à Idade Média se fará

com o período colonial brasileiro. Nesta altura é importante destacar que se por um lado a

Idade Média que o Romantismo busca é o momento de origem dos povos modernos e de

grandes heroismos (e ele os compara à empresa colonial) por outro também é o momento em

que a Europa se encontrava imersa em suposta obscuridade: o que representaria, em ultimo

caso, uma crítica à situação penosa da formação cultural brasileira.

Quanto ao presente (logo após à Independência) é momento de reflexão e planos,

dividindo-se em duas indicações: por um lado, é o tempo em que o poeta (e a história) deve

dedicar-se à memória dos desaparecidos, das lutas e dos vencidos. A história se apresenta

assim como um lamento e uma imagem reversa: o passado se encerra definitivamente em sua

narrativa. O presente é vazio, todo natureza e expectativas. Já o futuro, é totalmente brilhante,

assim como o sol dessa natureza que tanto o encanta (DENIS: 1826, 520). O “americano, em

que tantas raças se fundiram, ... orgulhoso de seu clima, sua riqueza e instituições, virá um dia

visitar a Europa,” como monumento do passado, assim como os europeus agora visitam o

Egito (DENIS: 1826, 520). Fascinado pela proximidade e exotismo do Oriente desvendado

pelas excursões napoleônicas, Denis preve com encantamento que o americano, será o

vitorioso do futuro. O americano, filho da Europa – ainda que misturado aos negros e

indigenas – e que receba deles e do clima influencias distintas, tem por dever e destino dar

continuidade à cultura ocidental como legitimo filho da raça vencedora (DENIS: 1826, 524).

É curioso que, apesar de descrever cada uma das raças, destacando qualidades

inerentes e mesmo sua habilidade para a civilização (e o negro sempre é o mais frágil dos elos

dessa cadeia); ainda que ele apresente as possibilidades de mistura racial como algo

caracteristico e positivo (DENIS: 1826, 524-5), não chega a afirmar que seja este o destino

brasileiro. Indica, no entanto que a “Providencia” aqui os teria reunido para formar um “povo

de irmãos”. A fusão total como produto brasileiro é a proposta do naturalista bávaro.

De inicio há que destacar que Von Martius, homem de ciencia e botânico de formação,

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não se impressiona pela natureza brasileira nas mesmas proporções de Denis. Após a estada

de três anos no Brasil (1817-20), seguirá uma bem sucedida carreira academica em sua terra,

onde assume a posição de brasilianista, mantendo contato privilegiado com a intelligentsia

Nacional. Apesar de sua formação em história natural, possuia habilidades e interesse em

assuntos de antropologia e etnografia, a ponto de considerar-se habilitado a inscrever-se num

concurso sobre “Como se deve escrever a história do Brasil”, proposto pelo IHGB em 1840.

Vencedor do concurso, o naturalista demonstra não só bom conhecimento das questões

prementes da cultura histórica brasileira em formação, como grande otimismo pelas

possibilidades futuras da nação brasileira. Acreditando que a história deriva das relações entre

cada raça humana e sua trajetória particular em um ambiente especifico, considera que a

mistura inédita de tres raças no mesmo espaço leva a possibilidades de desenvolvimento de

uma história em que “forças diagonais” serão as responsaveis pelos rumos futuros

(MARTIUS: 1845, 382)

Justificando as características da história brasileira pela atuação do “genio da história”

(MARTIUS: 1845, 383), ele justifica que o cruzamento das raças não seria uma novidade

absoluta nem um fato negativo, na história. Destaca, porém, o ineditismo da mistura das três,

tal como se fez no Brasil e reitera o dever que se atribui a uma história filosofica e pragmática

do Brasil de perceber esta mistura como resultante dos desejos desse mesmo “genio” cujos

objetivos seriam ao final, positivos. Por conclusão ele afirma ter sido a “vontade da

providencia” que teria destinado “o Brasil a essa mescla” (MARTIUS: 1845, 383) na qual,

sobretudo, o sangue portugues deverá predominar.

O projeto de Martius fica um pouco aquém da “isenção cientifica” que proclama. Seu

horizonte de expectativas sobre a história do Brasil é etnocentrico e desconsidera

sumariamente qualquer possivel contribuição à história do Brasil, vinda das raças subalternas.

Acreditando (como Denis) que cada raça tem sua história, afirma que a densidade dessas

histórias – e sua validade – advirá da capacidade de sofisticação civilizacional alcançada ao

longo do tempo. Para Martius, a História é essencialmente branca e ainda que não o afirme, a

possibilidade de história é praticamente negada às outras raças. Elas deverão ser absorvidas

pela cultura europeia de maneira totalmente passiva. Nessa altura a metáfora utilizada é a do

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rio para demonstrar a predominancia da raça (e civilização) portuguesa. As outras se

aglutinarão ao curso principal portugues, que em sua opiniao é o unico portador de história e

capaz de caracterizar a história brasileira como um ramo da portuguesa. Esse o destino da

Nação brasileira, situação “desconhecida na história antiga” (MARTIUS: 1845, 384). Ao

naturalista espanta que as raças “inferiores” que são excluidas da história em outras regiões

tenham no Brasil a possibilidade de participar do movimento geral.

Os negros ocupam nessa historia, tanto quanto para Denis, papel de pouca monta. Já

os indigenas merecem atenção especial, posto que, na opiniao de Martius, não sejam povos na

infancia, mas remanescentes decaidos de uma “muito antiga, posto que perdida história”

(MARTIUS: 1845, 485). Menos simpático aos autóctones brasileiros, Martius insiste que se

os compare aos demais povos americanos e se demonstra cético em relação a uma possivel

civilização perdida no Brasil afinal “mormente em países elevados se encontram vestigios de

uma tal civilização” (Martius: 1845, 389). Em sentido contemporizador, acena logo a seguir

com a esperança de que ela possa hipoteticamente ser encontrada pois se não há fatos que a

confirmem também não existem provas em contrário. A história do Brasil, para Martius, se

inicia com a chegada dos portugueses e é a este fato que se deve dar importancia.

Quanto ao momento de colonização, Martius desculpa os portugueses da decadencia

indigena: eles ja teriam sido encontrados no estado de “ruinas de povos” e, portanto sua

influencia seria necessariamente negativa. Do esforço de colonização, ambos os autores,

Martius e Denis o reconhecem como um movimento de heroismo ocidental (MARTIUS:

1845, 391). Enquanto Denis busca um paralelismo com a Idade Média, comparando as

façanhas dos portugueses à bravura dos europeus do periodo medieval, Martius segue num

viés mais pragmático, ao indicar que o movimento de colonização da América Portuguesa é

parte de um processo de expansão dos lusitanos e, portanto, insere-se no desenrolar da história

universal. (MARTIUS: 1845, 391)

Dai a necessidade de se estudar o transplante das instituições portuguesas – e sua

civilização – para o Brasil, a partir do estudo da legislação e das instituições5. O processo de

5 Daqui o historiador deverá passar para a história da legislação e do estado social da nação portuguesa,

para mostrar como nela se desenvolveram pouco a pouco tão liberais instituições municipaís, como foram transplantadas para o Brasil, e quais as causas que concorreram para o seu desenvolvimento, nesse país.

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transplante necessariamente organico, interferiria na transformação e adaptação das

instituições ao novo solo e natureza. Ele acredita que a partir do estudo do transplante das

instituições certamente se dará a perceber “como aí se estabeleceram as ciencias e artes, como

reflexo da vida europeia.” (Martius: 1845, 394) (itálico nosso). Afinal, em sua opiniao, a

escrita da historia do Brasil deve considerar que (MARTIUS: 398-9)

não lhe compete tão somente descrever o desenvolvimento de um só povo, circunscrito em estreitos limites, mas sim de uma nação cuja crise e mescla atuais pertencem à historia universal, que ainda se acha no meio de seu desenvolvimento superior. ... Nos pontos principaís a história do Brasil será sempre a história de um ramo da portuguesa; mas se ela aspirar a ser completa e merecer o nome de uma história pragmática, jamais poderão ser excluidas as suas relações para com as raças Etiópica e India.

É uma história que por um lado é ramo da história universal, por outro, é o resultado

da mistura entre estas raças aqui agregadas e, portanto, acompanha de maneira defasada o

desenvolvimento da história em geral. Os elementos não brancos são considerados atrasos no

desenvolvimento da história brasileira, de um sentido de somatória em que o elemento

europeu entra com sinal positivo e os demais, com simbolos neutros ou negativos. Quanto à

natureza, ora é elemento desagregador – afinal cada parte do brasil tem caracteristicas fisicas

distintas – ora serve como fator de enriquecimento para o leitor da história do Brasil, como

cenario necessário para a narrativa dessa história, que leva ao reconhecimento de si.

Na conclusão, as expectativas de Martius se aproximam vigorosamente das de Denis:

“Justamente na vasta extensão do país, na variedade de seus produtos, ao mesmo tempo que

seus habitantes tem a mesma origem, o mesmo fundo histórico, e as mesmas esperanças para

um futuro lisonjeiro, acha-se fundado o poder e a grandeza do país.” (MARTIUS, 1845, 402)

O país gigantesco, a natureza exuberante, o povo valoroso, o futuro sorridente: o programa da

Nacionalidade estava devidamente esboçado.

BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Valdei Lopes de. A Experiência do tempo – Conceitos e Narrativas na Formação Nacional. São Paulo: Hucitec, 2008.

(MARTIUS: 1845, 392)

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