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1 O PAPEL EDUCATIVO DE MÔNICA A PARTIR DO OLHAR DE SANTO AGOSTINHO PEINADO, Maria Rita Sefrian de Souza (PPE/UEM/FECILCAM) Neste texto, discutiremos sobre a educação feminina enunciada por Mônica, a mãe de Santo Agostinho, utilizando como fonte o texto do livro escrito pelo próprio filho, as Confissões. No qual, na medida em que Santo Agostinho desenvolve seu relato em homenagem à mãe, ressalta virtudes da mulher cristã. Discorre sobre a educação que Mônica recebera dos pais. Menciona características da educação que legara ao filho. Trata sobre o modo como a mãe se relacionava com o marido, bem como esse relacionamento consistia em ensino para com as mulheres e para com os amigos do filho. Mônica foi mãe de um grande autor clássico, um dos maiores influenciadores do pensamento ocidental. Ao pensarmos nesta perspectiva, temos uma mãe imortalizada juntamente com o filho, o grande Mestre de Hipona, que nos instiga a perscrutar as virtudes de sua mãe. É necessário que tracemos alguns aspectos do itinerário histórico de Mônica, mesmo através da ótica sagrada de seu filho, pois é nele que ela "fala" (inclusive seu inconsciente, como veremos), é por ele que se forma a sua imagem de mãe cristã. Mônica "entra" na História através da obra Confissões, de seu segundo filho, Santo Agostinho (Aurelius Augustinus, 13.11.354 d.C.), escrita aproximadamente no ano de 397. Ela teria nascido no ano de 331 d. C., embora existam controvérsias quanto a essa data (A Igreja aceita a data de 331) (Liturgia das Horas - Ofício das Leituras, 1982: 1.534. Quanto à discordância da data, ver Webster’s Biographical Dictionary, 1953: 1.038). Seus pais eram cristãos, que se mantiveram católicos durante o cisma donatista (LOYN, 1990: 122) (COSTA,1995). Referenciada pelo filho como exemplo de conduta, Mônica apresenta características marcantes da educação feminina do período de transição da Antiguidade para a Idade Média. Com sua conduta marcada pela orientação cristã, direcionou a educação de seus filhos, ensinou outras mulheres e, ainda hoje, é fonte para nossa pesquisa, na medida em que sua conduta representa uma sociedade que principiava a se formar.

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O PAPEL EDUCATIVO DE MÔNICA A PARTIR DO OLHAR DE

SANTO AGOSTINHO

PEINADO, Maria Rita Sefrian de Souza (PPE/UEM/FECILCAM)

Neste texto, discutiremos sobre a educação feminina enunciada por Mônica, a mãe de

Santo Agostinho, utilizando como fonte o texto do livro escrito pelo próprio filho, as

Confissões. No qual, na medida em que Santo Agostinho desenvolve seu relato em

homenagem à mãe, ressalta virtudes da mulher cristã. Discorre sobre a educação que Mônica

recebera dos pais. Menciona características da educação que legara ao filho. Trata sobre o

modo como a mãe se relacionava com o marido, bem como esse relacionamento consistia em

ensino para com as mulheres e para com os amigos do filho.

Mônica foi mãe de um grande autor clássico, um dos maiores influenciadores do

pensamento ocidental. Ao pensarmos nesta perspectiva, temos uma mãe imortalizada

juntamente com o filho, o grande Mestre de Hipona, que nos instiga a perscrutar as virtudes

de sua mãe.

É necessário que tracemos alguns aspectos do itinerário histórico de Mônica, mesmo através da ótica sagrada de seu filho, pois é nele que ela "fala" (inclusive seu inconsciente, como veremos), é por ele que se forma a sua imagem de mãe cristã. Mônica "entra" na História através da obra Confissões, de seu segundo filho, Santo Agostinho (Aurelius Augustinus, 13.11.354 d.C.), escrita aproximadamente no ano de 397. Ela teria nascido no ano de 331 d. C., embora existam controvérsias quanto a essa data (A Igreja aceita a data de 331) (Liturgia das Horas - Ofício das Leituras, 1982: 1.534. Quanto à discordância da data, ver Webster’s Biographical Dictionary, 1953: 1.038). Seus pais eram cristãos, que se mantiveram católicos durante o cisma donatista (LOYN, 1990: 122) (COSTA,1995).

Referenciada pelo filho como exemplo de conduta, Mônica apresenta características

marcantes da educação feminina do período de transição da Antiguidade para a Idade Média.

Com sua conduta marcada pela orientação cristã, direcionou a educação de seus filhos,

ensinou outras mulheres e, ainda hoje, é fonte para nossa pesquisa, na medida em que sua

conduta representa uma sociedade que principiava a se formar.

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Esta sociedade emergia da dissolução dos costumes do mundo Antigo, da

desarticulação das relações políticas de um Império outrora glorioso, a saber, o Império

Romano. Nesta sociedade, novos valores norteadores das relações sociais principiavam a se

estabelecer com a consolidação institucional da Igreja. Como declara Cambi (1999):

A afirmação do cristianismo produziu também uma profunda transformação na célula educativa fundamental e primária: a família. As relações internas entre seus membros foram se redefinindo em termos de “amor” e não (ou não apenas) de “autoridade”. Muda-se a relação com o pai (o próprio Deus é visto como “Pai nosso”, misericordioso e amorável, ao qual se recorre com confiança e intimidade) que agora é o guia da família, mas guia atento e amoroso e não mais o pai-patrão das sociedades antigas (sobretudo a romana), do qual se tem medo e se espera um severo controle e um eventual castigo; ainda mais central e mais afetivo torna-se o papel da mãe: a figura que apóia, que socorre, chegando até o heroísmo; mais íntimas se tornam as relações entre os pais e filhos (p. 133).

A partir destas considerações gerais, analisaremos algumas peculiaridades das virtudes

de Mônica destacadas por Santo Agostinho, no livro nono das Confissões:

Deixo de relatar muitos fatos, na pressa de ir adiante. Recebe a minha confissão e a minha ação de graças, ó meu Deus, também pelos fatos que silencio. Mas não quero calar os sentimentos que me brotam na alma a respeito de tua serva, que me deu a vida temporal segundo a carne e que, pelo coração, fez-me nascer para a vida eterna. Não falarei sobre suas qualidades, mas sobre os dons que lhe concedeste; porque não foi ela que se fez ou se educou por si (AGOSTINHO, Confissões, Liv. IX, cap. 8).

Santo Agostinho relata a conduta de sua mãe de modo que se tornou uma referência

sobre a educação feminina. Nesse sentido, até mesmo do novo ideal de mãe que estava se

formando em um meio social. Principiamos, citando a passagem em que ele descreve a

educação recebida por Mônica na casa de seus pais. Uma educação cristã rígida e abnegada,

recebida pelos cuidados de uma escrava que a instruía na sabedoria e na prudência. Depois

destacamos a aplicabilidade que Mônica confere às virtudes em seus relacionamentos

familiares. Em seguida, destacamos as virtudes explícitas no comportamento de uma mulher

comprometida moral e socialmente.

Foste tu que a criaste; nem mesmo o pai ou a mãe podiam prever a personalidade daquela que geraram. Foi o bordão do teu Cristo, a disciplina do teu Filho Unigênito que a educaram no teu temor, no seio de uma família fiel, que era digno membro da tua Igreja. Mais que a diligência da mãe por

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sua educação, Mônica enaltecia a dedicação de uma velha escrava que já carregara às costas meu avô materno, ainda menino, como é costume ser trazidas as crianças pelas meninas mais crescidas. Por isso, como também por sua idade avançada e seus costumes exemplares, a velha escrava era muito respeitada por seus patrões nessa casa cristã. Ocupava-se também com a solicitude da educação das filhas de seus patrões, que lhes fora confiada, repreendendo-as quando necessário, com santa e enérgica severidade, instruindo-as com discreta prudência (AGOSTINHO, Confissões, Liv. IX, cap. 8).

Ressaltadas as virtudes da mulher cristã educada no âmbito familiar, ainda se tratando

de quando recebera as instruções como filha. Podemos perceber uma formação pautada nos

referenciais que direcionariam a vida de sua futura família:

Desse modo, educada no pudor e na sobriedade, e submissa por ti a seus pais, mais que por seus pais a ti, quando chegou à idade de casar-se, foi dada a um marido a que serviu como senhor. Procurava conquistá-lo para ti, falando-lhe de ti através das virtudes, com as quais tu a tornavas bela e pelas quais o marido a respeitava, amava e admirava. Suportou infidelidades conjugais, sem jamais hostilizar, demonstrar ressentimento contra o marido por isso. Esperava que tua misericórdia descesse sobre ele, para que tivesse fé em ti e se tornasse casto. Embora de coração afetuoso, ele se encolerizava facilmente (AGOSTINHO, Confissões, Liv. IX, cap. 9).

A sabedoria de Mônica se evidenciava no seu modo de se relacionar com o esposo,

Patrício. Ela expressava sua virtude nas atitudes de amor e de respeito para com o marido.

Sábia no relacionamento com seu cônjuge, ela procurava agir, a partir de seus referenciais e

não instigada pela violência ou pela vingança.

O excerto a seguir, apesar de conter mais de uma temática, gostaria de mantê-lo na

íntegra, para em seguida analisá-lo, dado ao encadeamento da linguagem utilizada por Santo

Agostinho ao se referir ao relacionamento de seus pais e também como esse modo de

tratamento da mãe para com o pai se tornava exemplo para outras mulheres.

Minha mãe havia aprendido a não o contrariar com atos ou palavras, quando o via irado. Depois que ele se refazia e acalmava, ela procurava o momento oportuno para mostrar-lhe como se tinha irado sem refletir. Muitas senhoras, embora casadas com homens mais mansos, traziam sinais de pancadas que lhes desfiguravam o rosto e, nas conversas entre amigas, deploravam o comportamento dos maridos. Minha mãe, pelo contrário, ainda que com ar de brincadeira, lhes reprovava as conversas, lembrando-lhes que o contrato lido no casamento devia ser considerado como o documento da própria submissão, não tendo elas condição de assumirem atitudes de soberba contra seus senhores. Conhecendo o tipo de marido

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colérico que minha mãe suportava, muito se admiravam por nunca se ouvir dizer ou se revelar, por algum indício, que Patrício tivesse batido na mulher, nem que algum dia tivessem brigado em casa. As amigas perguntavam-lhe confidencialmente a razão disso, e ela explicava-lhes o comportamento que acabo de descrever. Algumas então adotavam o mesmo sistema e congratulavam-se por havê-lo experimentado. Aquelas que não o observavam continuavam a sofrer violências. (AGOSTINHO, Confissões, Livro IX, Capítulo, 9)

Apesar de não enfrentar o marido na hora em que ele estava inflamado pela ira,

Mônica estabelecia, por meio do diálogo com o esposo, a possibilidade de que ele refletisse

sobre o próprio comportamento.

Abordamos os aspectos da vida privada de Mônica que teve conduta considerada

exemplar com o marido, pela relevância dessa contribuição para a sociedade, na medida em

que a atitude dela se constituiu em referência de relacionamento para suas contemporâneas.

As outras mulheres recebiam instruções de Mônica para o próprio convívio familiar. Com isso

a cultura familiar fora se estabelecendo sob nova perspectiva, em função de sua contribuição

eminentemente prática e das novas contingências decorrentes das transformações do contexto

histórico.

Mônica cultivava hábitos que expressavam seu posicionamento como mulher cristã:

Do alto estendeste a tua mão e arrancaste a minha alma de um abismo de trevas, enquanto minha mãe, tua fiel serva, chorava por mim mais do que as mães choravam pela morte física dos filhos. É que ela com o espírito de fé com que a dotaste, via a morte da minha alma, e tu, Senhor, lhe ouviste os pedidos. Ouviste-a e não lhe desprezaste as lágrimas que, brotando dos olhos, regavam a terra por toda parte em que orava. Sim tu a ouviste (AGOSTINHO, Confissões, Liv. III, cap. 11).

Dentre as características de Mônica, temos o relato de que se dedicava às orações.

Fazia orações pelo filho para que se tornasse um cristão e ensinava-lhe cuidadosamente os

princípios de sua fé. A fé para ela, portanto, se traduzia tanto em atitudes de compromisso em

sua vida pessoal, quanto em ensinar os princípios que norteavam suas ações. Esse

posicionamento permitiu a ela influenciar, não somente sua família, mas estendeu-se para a

sociedade na medida em que outras mulheres puderam perceber e praticar os ensinamentos e

verificar os resultados de um comportamento direcionado pelo uso da razão.

Esse aspecto da vida de Mônica foi ilustrado na imagem que segue.

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Figura 1 – ‘Mônica rezando por seu filho Agostinho’ (Afresco de Benozzo Gozzoli – San Geminiano,

Igreja de Santo Agostinho). Fonte: SESÉ, Bernard, 2007, p. 34.

Essa prática de Mônica teve grande repercussão na vida de Santo Agostinho,

culminando na decisão dele em se tornar cristão e se constituiu em ação educativa, pois a

prática da mãe se tornaria exemplo para o filho e para a conduta de outras mães, que

aprendiam também pela apreciação da arte.

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O amor de Mônica para com o filho foi expresso ainda de um modo que nos chama a

atenção: o fato de tê-lo conduzido aos estudos, permitindo-lhe, inclusive, morar em Madura e

Cartago, cidades visinhas, para prossegui-los.

Na imagem que segue constatamos esse aspecto educativo, na medida em que ressalta

o compromisso que as famílias deveriam ter, o de encaminhar os filhos à escola.

Figura 2 – ‘O menino é levado à escola de Tagaste por sua mãe’ (Afresco de Benozzo Gozzoli – San

Geminiano, Igreja de Santo Agostinho). Fonte: SESÉ, Bernard, 2007, p. 13.

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Soube tratar o filho como pessoa permitindo que tivesse suas experiências acadêmicas,

amorosas, que tivesse contato com outras doutrinas, sem, contudo, deixar de externar seu

desejo ardente de que o filho se tornasse cristão.

Propôs com clareza os limites, como também as possibilidades para o filho. Desse

modo, ao ter contato com o estudo da filosofia, Santo Agostinho teve uma formação

fundamentada nos clássicos da Antiguidade. Isto se tornou relevante na vida desse autor, na

medida em que, posteriormente, se dedicou a escrever as obras divulgando a doutrina cristã e

o fez utilizando-se do arcabouço teórico de sua formação.

Esta característica de Mônica nos leva a pensar em algumas questões sobre a educação

dos filhos por parte dos pais. A primeira é se os pais têm conduzido os filhos com clareza no

objetivo. Outra questão é quanto à atenção para com as necessidades psicológicas, as

emocionais e também as físicas. Pois os filhos têm necessidade de limites definidos, como

também de possibilidades para o desenvolvimento a fim de poderem construir sua própria

identidade e fazerem escolhas coerentes. Mônica teve a percepção da necessidade e da

importância do seu encaminhamento educativo para a vida do filho.

Nesse sentido, a função educacional exercida pela mãe, contribui com nossa reflexão

na medida em que a ação educativa é construída socialmente. Entendemos que a educação das

novas gerações acontece no desenvolvimento das relações sociais, seja em âmbito familiar,

escolar, ou social.

Mônica teve a percepção de que o crescimento e o desenvolvimento pessoal e

intelectual do filho resultariam de um conjunto de fatores: do seu contato com a realidade,

bem como do conhecimento dos clássico e das Escrituras. Neste caso, pelo fato de ser uma

mãe cristã.

Ela deixou o filho caminhar, se expor ao contato com o conhecimento clássico, bem

como com outras vertentes filosóficas, consideradas pela Igreja como “heresias”. Em seu

contato com autores como Cícero, com a doutrina dos maniqueus se formou em Santo

Agostinho um caráter combativo.

Esse caráter combativo tornou-se profícuo e se constituiu em motivação para a escrita

de várias obras. Santo Agostinho tratou sobre diversos assuntos que o instigavam,

respondendo com maestria aos seus contestadores e até se antecipava aos possíveis

contestadores com seus argumentos para convencê-los da grandiosidade ou da necessidade

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dos seus tratados, como no caso de A Doutrina Cristã, em que o autor discorre sobre a

necessidade de escrever normas para que conduzissem os estudiosos das Escrituras.

Além de dedicar-se aos filhos, ao marido, Mônica exercia uma função de conciliadora.

Procurando ouvir ambas as partes.

[...] Sempre que havia discórdia entre pessoas, ela procurava, quando possível, mostrar-se conciliadora, a ponto de nada referir de uma a outra, senão o que podia levá-las a se reconciliarem. E isso fazia, depois de ter ouvido de um lado e de outro, as queixas amargas que costumam surgir nos casos de forte antipatia, quando o rancor provoca as mais ásperas acusações contra as amigas ausentes. Esse dom me pareceria de pouca importância, se uma triste experiência não me houvesse mostrado que grande número de pessoas – não sei por qual horrendo e muito difundido contágio do pecado – não só repetem a pessoas inimigas o que umas dizem das outras, sob o império da ira, como ainda acrescentam palavras que jamais foram pronunciadas. Para uma pessoa realmente humana, não será suficiente limitar-se a não provocar ou aumentar as inimizades, com ditos malévolos, mas também procurar extingui-las com boas palavras (Agostinho, Confissões, Livro IX, Capítulo 9).

Ser conciliadora também se mostrou na mãe de Santo Agostinho uma função social,

desempenhada pela grandiosidade de uma pessoa que contribuiu para o desenvolvimento das

boas relações sociais no âmbito do convívio dela pela instrução no uso das palavras. Mônica

as usava para promover a amizade entre as pessoas.

Assim, desde a educação que recebera na infância na casa dos pais, sob os cuidados da

escrava. Os cuidados para não aderir aos vícios demonstram uma educação regrada. No

entanto, Santo Agostinho ainda atribuiu o aspecto de melhora no comportamento aos

fundamentos do cristianismo.

Mônica, filha obediente aos pais, esposa prudente no trato com o marido, pelo seu

exemplo tornou-se conselheira das outras mulheres, desempenhou uma função fundamental

na educação dos filhos, bem como dos amigos de Santo Agostinho.

Sua conduta ao tratar o marido com delicadeza, mesmo quando a ira aflorava nele, a

distinguia das demais mulheres. A violência que as mulheres sofriam tornava o exemplo de

Mônica ainda mais expressivo, na medida em que o seu esposo não era o mais manso dentre

os demais maridos de seu tempo.

Estabelecer estratégias para conversar com o marido, em um momento em que ele não

estivesse irado, pressupunha um exercício de elaboração racional de pensamento, para além

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de se pensar unicamente no objetivo de não ser espancada em uma situação de ira. Com isso,

Mônica propiciava a Patrício que desenvolvesse o pensamento reflexivo.

No convívio com os amigos de Santo Agostinho, Mônica também os influenciou,

dispensando-lhes seus cuidados:

Minha mãe era a serva de todos os teus servos. Todos os que a conheciam louvavam, honravam e amavam profundamente a ti, por nela sentirem a tua presença, comprovada pelos frutos de uma vida santa. Tinha sido esposa de um só marido, tinha cumprido seu dever para com os pais, tinha governado a casa com dedicação e dado o testemunho das boas obras. Educara os filhos gerando-os de novo tantas vezes quantas os visse afastarem-se de ti. Enfim, ainda antes de adormecer para sempre no Senhor, quando vivíamos em comunidade depois de ter recebido a graça do batismo – já que por tua bondade, ó Senhor, permites que falem teus servos – ela cuidou de todos, como se nos tivesse gerado a todos, servido a todos nós, como se fosse filha de cada um (Agostinho, Confissões, Livro IX, Capítulo, 9).

Dentre as características de Mônica, esta passagem demonstrou a perseverança com

que ela se dedicava às orações pelos filhos para que se tornassem cristãos e como lhes

ensinava cuidadosamente os princípios de sua fé por meio de palavras e de atitudes.

Inserimos neste texto as imagens que expressam o amor para com o filho, Santo

Agostinho, nas orações e no fato de tê-lo conduzido aos estudos. Por entender a função

educativa desempenhada pela arte. Essas imagens destacam aspectos que ficaram registrados

nas Confissões e, por conseguinte em nosso texto.

Abordamos, ainda, os aspectos relacionais de Mônica que teve conduta considerada

exemplar com o marido e em que medida isto se constituiu em fator relevante no seu

relacionamento com suas contemporâneas.

Diante do exposto, podemos considerar que, para além de uma homenagem à mãe,

Santo Agostinho ressaltou virtudes que se faziam necessárias às mulheres no contexto social

em que estavam inseridas. E, portanto, a valorização de um convívio familiar, bem como de

um convívio social pautado em referenciais que o cristianismo propôs à sociedade, bem como

o incentivo para os estudos estavam sendo colocados como referenciais.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Traduzido por Maria Luiza Jardim Amarante. 17. ed. São

Paulo: Paulus, 2004.

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AGOSTINHO, Santo. A Doutrina Cristã. Traduzido por: Ir. Nair de Assis Oliveira. São

Paulo: Paulus, 2002.

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Traduzido por Álvaro Lorencini. São Paulo:

Fundação Editora da UNESP (FEU), 1999.

SESÉ, Bernard. Agostinho, o convertido. Traduzido por Magno Vilela. 6. ed. São Paulo:

Paulinas, 2007.

COSTA, Ricardo da. Santa Mônica: a criação do ideal da mãe cristã. Disponível em

<http://www.ricardocosta.com/pub/stamon.htm>. Acesso em 25 ago 2009.