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O Pastor e o Culto1
Introdução: Escolhidos para Adorar:
�Pudéssemos imaginar os homens
vindo ao mundo no pleno exercício da
razão e juízo, seu primeiro ato de sacrifí-
cio espiritual seria o de ação de graças� � João Calvino, O Livro de Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 50.14), p. 409. �Há a mais íntima das conexões en-
tre a teologia cristã e a maneira como
que os cristãos cultuam e oram. Não
pode ser permitido que teologia e doxo-
logia � para dizer, uma compreensão
de culto e adoração � saiam por seus
caminhos, como se os caminhos em
que os cristãos cultuam não causassem
nenhum impacto em suas reflexões teo-
lógicas� � Alister E. McGrath, Paixão pela
Verdade: a coerência intelectual do Evange-
licalismo, São Paulo: Shedd Publicações,
2007, p. 40. �A vida cristã deve ser vivida nas nos-
sas vocações � no local de trabalho, na
família, na nossa posição na cultura �,
mas é na adoração da Igreja que o cris-
tão é preparado e recebe energia para
esse serviço� � Gene Edward Veith, Jr., De
Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cul-tura Cristã, 2006, p. 93.
Paulo em sua maravilhosa doxologia (Ef 1.3-14), declara que Deus nos tem abençoado continuamente em Cristo. Ele bendiz a Deus com uma expressão de a-ção de graças, considerando as bênçãos de Deus que recebemos por Cristo: �que
nos tem abençoado (eu)logh/saj)� (3). O particípio aoristo (eu)logh/saj), indica den-tro deste contexto, um fato consumado e a ação continuada de Deus. Podemos in-terpretar que Deus na eternidade já nos abençoou definitivamente; a sua bênção é
completa; todavia, ela é-nos comunicada continuamente através da história. Essas
bênçãos são multifacetadas: �toda sorte� (pa/sh), na realidade, �todas� e �cada� bên-
1 Palestra Ministrada na Primeira Semana Teológica do Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da
Conceição, São Paulo, Capital, no dia 14 de maio de 2008.
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O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 2
ção que temos, sem exceção, provém do Senhor. As �regiões celestiais� (e)n toi=j e)pourani/oij = lit. �dos céus�, �celestiais�)
2 indicam a procedência das bênçãos. Elas
provêm de Deus, o Pai que habita os céus (Mt 6.9) e, para onde Ele mesmo nos le-vará (2Tm 4.18). Devemos estar atentos ao fato de que tudo que temos provém de Deus, por intermédio de Cristo, sendo comunicado pelo Espírito. De modo especial o
texto destaca algumas dessas bênçãos: a eleição (4-5), a redenção (7), o selo do
Espírito (13-14). Portanto, �é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar al-
guém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena
que ele alcança�.3 As bênçãos são espirituais porque se originam em Deus, sen-do-nos comunicadas pelo Espírito. Essas bênçãos relacionam-se diretamente ao mi-nistério de Cristo, que é celestial (2Tm 4.18), tendo um alcance cósmico (Ef 3.10).
Isso também denota a nossa nova condição: Deus �nos fez assentar nos lugares ce-
lestiais (e)pourani/oij)� (Ef 2.6) juntamente com Cristo (Ef 1.20). Essa realidade é al-tamente estimulante: cada bênção de Deus, o Seu cuidado mantenedor e preserva-dor constitui-se na administração de Sua graça, concedida em Cristo Jesus desde a
eternidade. Devemos então, considerar que, �se desejamos refrear nossas pai-
xões, devemos recordar que todas as coisas nos têm sido dadas com o pro-
pósito de que possamos conhecer e reconhecer o seu autor�.4
Considerando essas bênçãos, que ultrapassam em muito a nossa capacidade de
pensar, sentir ou imaginar (Ef 3.20), devemos buscar o reino de Deus (Mt 6.33); as �coisas lá do alto� onde Cristo está à direita de Deus (Cl 3.1). Tudo que temos é �em Cristo�. �Vê-se então que a fé nos ensina que todo o
bem que nos é necessário e que em nós mesmos não existe está em Deus e
em Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, em quem o Senhor constituiu toda a
plenitude das Suas bênçãos e da Sua liberalidade�.5 Neste texto, Ef 1.3-14, há
pelo menos doze referências diretas a Cristo, indicando a verdade de que, fora de
Cristo nada somos e nada temos; Ele é o fundamento da Igreja. Juntamente com os
dons celestiais, Cristo dá-se a Si mesmo por nós (Rm 8.32). A eleição tem um senti-do escatológico: é da eternidade para a eternidade em santificação: até que a nossa
salvação seja consumada na glorificação.6
Paulo inicia a doxologia bendizendo a Deus, demonstrando que Deus é digno de
ser bendito. A palavra bendito (Eu)loghto\j = �louvado�, �bem-aventurado�) (Hebrai-co: Baruk; Latim: Benedictus) ocorre 8 vezes no Novo Testamento e é sempre usada
para Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.37).8 A
2E)poura/nioj: Mt 18.35 (variante textual); Jo 3.12; 1Co 15.40,48,49; Ef 1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12; Fp 2.10; 2Tm 4.18; Hb 3.1; 6.4; 8.5; 9.23; 11.16; 12.22. 3 João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 17.14), p. 346.
4João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 72.
5 João Calvino, As Institutas, (1541), III.9.
6 Vd. J. Calvino, As Institutas, III.22.10.
7�Ele (Jesus), porém, guardou silêncio e nada respondeu. Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e
lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? (Eu)loghto\j)� (Mc 14.61). �Bendito (Eu)loghto\j) seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo� (Lc 1.68). �Pois eles mudaram a
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fraseologia desta saudação, também empregada em 2Co 1.3, assemelha-se à de
Pedro em 1Pe 1.3. Na Epístola aos Coríntios, Paulo bendiz a Deus considerando o
fato de que é Ele quem nos conforta em toda a nossa tribulação: �Bendito (Eu)loghto\j) seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericór-
dias e Deus de toda consolação!� (2Co 1.3). Pedro bendiz a Deus considerando a nossa regeneração efetuada pela misericórdia de Deus, para que tenhamos uma vi-va esperança por intermédio da ressurreição de Cristo: �Bendito (Eu)loghto\j) o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia,
nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo
dentre os mortos� (1Pe 1.3). Em Efésios, Paulo, contemplando a extensão da obra
do Deus triúno de eternidade a eternidade efetuando a nossa eleição, dá graças a
Deus. (Ver o Salmo 103).9 Ele vai compartilhar com os santos crentes as bênçãos de
Deus a fim de que estes também tenham os seus corações inflamados pelo mesmo espírito de gratidão e louvor.
10 O ato de bendizer antecedendo ao que o motivou a esta atitude predispõe os seus leitores a ficarem mais atentos ao que Paulo vai des-crever. Os eleitos bendizem a Deus pelo que Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gra-tidão deve nortear o nosso relacionamento com Deus. �Não há um caminho mais
direto (à gratidão), do que o de tirarmos nossos olhos da vida presente e
meditar na imortalidade do céu�.11 Paulo dá graças a Deus considerando então as bênçãos de Deus derramadas sobre o seu povo: No passado: (Eleição) (Ef 1.3,4); No presente: (Redenção) (Ef
1.7); No futuro: (Posse definitiva da vida eterna) (Ef 1.12-14). O mesmo Espírito que nos abençoa, orienta-nos em nossa adoração, a fim de
que ofereçamos a Deus �hinos e cânticos espirituais� (Ef 5.19), conforme acentuou Old: �Os hinos e salmos que são cantados na adoração sãos músicas espiri-
tuais, isto é, elas são as músicas do Santo Espírito (Atos 4.25; Ef 5.19)�.12 (Ver: Cl
3.16). Paulo bendiz a Deus contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eterni-dade a eternidade efetuando a nossa eleição. Os eleitos bendizem a Deus pelo que
Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gratidão deve nortear o nosso relacionamento
com Deus. �Não há um caminho mais direto (à gratidão), do que o de tirar-
verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito (Eu)loghto\j) eternamente. Amém!� (Rm 1.25). �Deles são os patriarcas, e também deles descende o
Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito (Eu)loghto\j) para todo o sempre. A-
mém!� (Rm 9.5). �O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é eternamente bendito (Eu)loghto\j), sabe
que não minto� (2Co 11.31). 8 Na Septuaginta, a única vez que a palavra é usada para referir-se ao homem é em Gênesis 24.31.
9Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul´s Epistles to the Ephesians, Peabody, Massachu-
setts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349. 10
Ver: João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.3), p. 22. 11
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73. 12
Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press, 1984, p. 6.
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mos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do céu�.13
Deus deve ser sempre o alvo de nossa adoração sincera, resultante de um cora-ção consciente e agradecido, que reconhece a Sua Glória e os Seus atos salvadores
e abençoadores (2Ts 2.13/Ef 5.20). Comentando o Salmo 6, Calvino assim se ex-pressa: �Depois de Deus nos conceder gratuitamente todas as coisas, ele
nada requer em troca senão uma grata lembrança de seus benefícios�.14 Fomos eleitos por Deus na eternidade para que O adoremos. Portanto, no culto a igreja vivencia o propósito de sua eleição: o fim principal do homem é glorificar a
Deus! A igreja é a comunidade de adoradores que se congrega para testemunhar
publicamente os atos graciosos de Deus.
1. A Igreja como Comunidade Litúrgica:
É necessário que entendamos que o culto cristão não é algo periférico ou um a-dendo à vida da igreja. Por outro lado, ele também não tem um caráter mágico, dis-sociado de nossa fé e apego à Palavra. O culto é justamente a expressão individual e coletiva da vida da Igreja. O culto dominical que comunitariamente oferecemos a Deus nunca poderá ser algo maior do que a realidade da igreja no que se refere à
sua comunhão com o Senhor. O culto coroa a nossa relação de amor e obediência a
Deus. Temos prazer em cultuar porque sentimos alegria em conviver com o Senhor.
A) CONCEITUANDO IGREJA:
A nossa palavra "Igreja" é uma tradução do grego e)kklhsi/a, que no grego antigo significava uma assembléia de cidadãos convocados pelo pregoeiro; a as-sembléia legislativa (At 19.32,39,40). A palavra e)kklhsi/a, é formada por duas ou-tras: e)k ("fora de") & kale/w ("chamar", "convocar"), significando: "Chamar para fo-ra". e)kklhsi/a ocorre cerca de 114 vezes no Novo Testamento. Tomando o sentido etimológico de e)kklhsi/a, podemos dizer que "Deus em Cris-
to chama os homens 'para fora' do mundo".15 A Igreja é constituída por aque-les que estavam mortos, mas que receberam vida � regeneração � pelo Espírito.
16 Portanto, o ponto em comum entre todos os cristãos, é o fato de termos sido cha- 13
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73. 14
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 6.5), p. 129. Por sua vez, �os ímpios e hipócritas
correm para Deus quando se vêem submersos em suas dificuldades; mas assim que se vêem
livres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frenética hilaridade� [João Calvino, O
Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 28.7), p. 608]. 15
Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, São Paulo: ASTE,
1965, p. 31. 16
Vd. Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Edi-tora os Puritanos, 1999, p. 422.
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mados por Deus: a Igreja se reúne porque Deus a convocou; e ela também o faz,
para ouvir a voz do Seu Senhor.17(Vd. At 10.33). Podemos operacionalmente definir a Igreja como sendo a comunidade de peca-dores regenerados, que pelo dom da fé, concedido pelo Espírito Santo, foram justifi-cados, respondendo positivamente ao chamado divino, o qual fora decretado na e-ternidade e efetuado no tempo, e agora vivem em santificação, proclamando, quer
com sua vida, quer com suas palavras, o Evangelho da Graça de Deus, até que
Cristo venha.
B) CONCEITUANDO LITURGIA:
A nossa palavra �liturgia�, provém do grego, passando pelo latim. No grego,
temos lh/i+ton18 (�concernente ao povo ou à comunidade nacional�) & e)/rgon (�servi-ço�), tendo portanto, o sentido primário de �serviço público�. No grego antigo era em-pregado de várias formas, sendo porém o sentido cultual pouco freqüente.19
No Novo Testamento, leitourgi/a e seus cognatos que ali aparecem, leitourgo/j (�Ministro�, �Auxiliar�), leitourge/w (�Serviço Sagrado�) e leitourgiko/j (�Ministra-dor�) ocorrem cerca de 15 vezes, tendo uma relação direta ou indireta com o serviço
religioso. Resumindo, podemos dizer que este conjunto de palavras têm três significados
especiais no NT., a saber:
a) Serviço de um ser humano aos outros: Rm 15.27; 2Co 9.12; Fp 2.17,30.20 b) Serviço especificamente religioso: Lc 1.23; At 13.2; Hb 8.2,6.21
17
Vd. William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reim-pressão), p. 46. 18
Esta palavra é oriunda de lao/j e lew/j que significam �povo�. 19
Cf. I.-H. Dalmais, et. al., Liturgia: In: Angel Di Berardino, dir. Diccionario Patristico y de la Antigüe-
dad Cristiana, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1992, Vol. II, p. 1279a. 20�Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque, se os gentios têm sido participantes
dos valores espirituais dos judeus, devem também servi-los (leitourge/w) com bens materiais� (Rm 15.27). �Porque o serviço desta assistência (leitourgi/a) não só supre a necessidade dos santos,
mas também redunda em muitas graças a Deus� (2Co 9.12). �Entretanto, mesmo que seja eu ofereci-
do por libação sobre o sacrifício e serviço (leitourgi/a) da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me
congratulo� (Fp 2.17). �Visto que, por causa da obra de Cristo, chegou ele às portas da morte e se
dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de socorro (leitourgi/a) para comigo� (Fp 2.30). 21�Sucedeu que, terminados os dias de seu ministério (leitourgi/a), voltou para casa� (Lc 1.23).�E,
servindo (leitourge/w) eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barna-
bé e Saulo para a obra a que os tenho chamado� (At 13.2). �Ora, o essencial das coisas que temos di-
to é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono da Majestade nos céus, 2
como ministro (leitourgo/j) do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o ho-
mem� (Hb 8.1-2). �Agora, com efeito, obteve Jesus ministério (leitourgi/a) tanto mais excelente,
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c) Aquele que está a serviço do seu Senhor: Rm 13.6; 15.16.22
Liturgia significa serviço prestado a Deus.23 A Igreja como povo de Deus en-
contra a sua realização no ato de Culto, no qual revela publicamente o significado de
Deus para a sua vida, tornando patente o que Deus é, fez e faz. O culto é um tes-temunho solene e público das "Virtudes de Deus" (1Pe 2.9-10; Hb 13.15)
2 . Definição de Culto:
O culto cristão é a expressão da alma que conhece a Deus e, que deseja dialogar
com o seu Criador; mesmo que este diálogo, por alguns instantes, consista num mo-nólogo edificante no qual Deus nos fale por meio da Palavra. A seguinte definição
expressa bem esta realidade: "Em essência o culto é um encontro de Deus com
Seu povo no qual se estabelece um diálogo: Deus fala à Sua Igreja através
de Sua Palavra e a Congregação expressa sua adoração ao Senhor medi-
ante as orações, oferendas e hinos".24
A Igreja em sua caminhada, apresenta-se ao Seu Senhor como oferta voluntária e
total, na qual está expressa uma atitude de adoração, gratidão e consagração: A-
doração pelo que o Senhor é e tem prometido; Gratidão pelo que Deus fez e conti-nua fazendo � �.... a principal parte do culto divino consiste nisto: que os ver-
dadeiros crentes pública e solenemente reconhecem que Deus é o autor de
todas as coisas excelentes�;25 Consagração, como testemunho de que o Deus adorado é o seu Deus. Assim, a Igreja vivencia a sua natureza litúrgica (Rm 12.1).
"O culto é a essência e o coroamento da atividade cristã".26 Por isso, é que
podemos fazer coro à declaração de que, "Adorar a Deus é a nossa mais alta ati-
vidade pois coloca o espírito humano em comunicação com Deus eterno.
Atividade tão essencial que é o próprio Deus quem busca adoradores".27
O grande teólogo de Princeton, B.B. Warfield (1851-1921), em certa ocasião, fa-lando sobre o preparo dos estudantes de teologia, fez uma advertência muito perti-nente àqueles que alegam frieza no culto e ausência de Deus: �Se não há fogo no
púlpito, cabe a você acendê-lo nos bancos. Nenhum homem pode fracas-
quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas�
(Hb 8.6). 22
�Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros (leitourgo/j) de Deus, atendendo,
constantemente, a este serviço� (Rm 13.6). �Para que eu seja ministro (leitourgo/j) de Cristo Jesus
entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a oferta deles
seja aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo� (Rm 15.16). 23
Vd. Hermisten M.P. Costa, Teologia do Culto, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987. 24
Víctor M.S. Garcia, Musica y Alabanza: In: Revista Teológica, México: Vol. IX, nº 31-32, 1978, p. 47. 25
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 22.25), p. 500. 26
C.F.D. Moule, As Origens do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1979, p. 45. 27
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 46-47.
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sar em encontrar-se com Deus no santuário, se ele traz Deus consigo para ali.
Como é fácil transferir a culpa de nossos corações frios para os ombros de
nossos líderes religiosos!�.28
O culto é a resposta reverente e adoradora que só se torna possível pela graça de
Deus, que nos dá vida (Jo 10.10; Ef 2.1,5; Cl 2.13), capacitando-nos para este even-to. A grandeza do culto não está em sua pompa
29 � em geral superficial, crédula e
inutilmente substitutiva �, pretensa qualidade das pessoas, brilho do coral, eloqüên-cia do pregador, beleza do templo ou qualquer outra coisa que possamos apresen-tar; na realidade a grandeza de nosso Culto está na santidade majestosa de Deus.
30 Nada é mais eloqüente do que a nossa obediência a Deus em nosso culto solene e
em nossa vida de culto.
3. A Essencialidade do Culto como Resposta a Deus:
Normalmente quando se fala de Culto ou do seu porquê, tem-se seguido cami-nhos desviantes da fé cristã ou, quando se localiza a trilha correta, confunde-se, muitas vezes, o caminho da ação com o da resposta, percorrendo-se, assim, apenas a metade da estrada, esquecendo-se da sua origem, da sua �causa primeira�. Afirmo
isto porque tenho observado que, quando o assunto é culto, amiúde tem-se partido do ponto referente à aproximação do homem em direção a Deus, colocando, desta
forma, o ponto de partida no homem, no desejo deste em buscar a Deus, evidenci-ando-se, embora de modo correto, a teocentricidade do Culto. Todavia, isso não é
suficiente. O culto cristão não é uma ação humana, mas sim, uma resposta; uma ati-tude responsiva à ação de Deus que primeiro veio ao homem, revelando-Se e capa-citando-o a responder-Lhe. A essencialidade desta atividade é apontada pelo fato de
que é Deus mesmo Quem procura constantemente31 Seus adoradores:32 �....vem a
hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
28
B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, p. 23. �Devemos entender por a-
queles que se apresentam diante dele no exercício de fé genuína, e não pela ocupação de
um espaço em seu templo em sua aparência externa. Mas, além disso, ser escolhido e ser
chamado a fim de corrigir qualquer vã idéia de que às ovelhas do rebanho de Deus se
permite vaguear ao sabor de sua vontade, por certo tempo, sem serem trazidas ao reba-
nho. Esta é uma forma pela qual nossa graciosa adoção se evidencia, a saber, que nos a-
chegamos ao santuário sob a liderança do Espírito Santo�. À frente: �Os hipócritas podem en-
trar lá, mas regressam vazios e insatisfeitos no tocante ao desfruto de alguma bênção espiri-
tual� [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 65.4), p. 612,613]. 29
Vejam-se: John Calvin, �The Necessity of Reforming the Church,� John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 218-219; John Calvin, Sermons on 2 Samuel, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1992, p. 246. 30
Ver: John Calvin, Calvin�s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. II/1, (Lv 19.1), p. 422. 31
O verbo zhte/w na sua forma indicativa, conforme aparece em Jo 4.23, aponta para a atividade contínua e habitual de Deus. 32
Ver: Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 46-47; John Frame, Em Espírito e em Verdade, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 33.
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em verdade; porque são estes que o Pai procura (zhte/w)33 para seus adoradores� (Jo 4.23).34 Deus não procura líderes, �facilitadores�, mestres ou discípulos, mas
33
Este verbo (92 vezes no NT), quando empregado referindo-se à ação do Pai e do Filho, em suas
poucas aparições, tem um sentido altamente significativo. a) Jesus, o Filho, busca não a sua glória,
mas a do Pai: �Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. Se
alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo
por mim mesmo. Quem fala por si mesmo está procurando (zhte/w) a sua própria glória; mas o que
procura (zhte/w) a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro, e nele não há injustiça� (Jo 7.16-18); �Replicou Jesus: Eu não tenho demônio; pelo contrário, honro a meu Pai, e vós me desonrais. Eu não
procuro (zhte/w) a minha própria glória; há quem a busque (zhte/w) e julgue� (Jo 8.49-50). b) O Filho
busca fazer a vontade do Pai: �Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo.
O meu juízo é justo, porque não procuro (zhte/w) a minha própria vontade, e sim a daquele que me
enviou� (Jo 5.30). c) O Filho veio buscar o perdido: �Porque o Filho do Homem veio buscar (zhte/w) e salvar o perdido� (Lc 19.10). Esta passagem faz eco à promessa de Deus que, por intermédio de
Ezequiel, dissera: �Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas,
assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia
de nuvens e de escuridão. Tirá-las-ei dos povos, e as congregarei dos diversos países, e as introduzi-
rei na sua terra; apascentá-las-ei nos montes de Israel, junto às correntes e em todos os lugares habi-
tados da terra. Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem;
deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei
as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o SENHOR Deus. A perdida buscarei, a desgarrada torna-
rei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei; mas a gorda e a forte destruirei; apascentá-
las-ei com justiça� (Ez 34.12-16). Na Parábola da �Ovelha Perdida�, temos figura semelhante: �Que
vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará ele nos montes
as noventa e nove, indo procurar (zhte/w) a que se extraviou?� (Mt 18.12). No Antigo Testamento ao povo rebelde, distante de Deus, alheio à Aliança, Deus o conclama a
voltar-se para Ele com integridade de coração. Deus se deixaria achar: �Buscar-me-eis e me achareis
quando me buscardes de todo o vosso coração� (Jr 29.13/Dt 4.29; Is 55.6). Na reforma levada a efeito por Asa � o terceiro Rei de Judá após a divisão das tribos de Israel. Asa governou durante 41 anos (c.
910-869) �, houve esta busca sincera por Deus: �Israel esteve por muito tempo sem o verdadeiro
Deus, sem sacerdote que o ensinasse e sem lei. Mas, quando, na sua angústia, eles voltaram ao
SENHOR, Deus de Israel, e o buscaram, foi por eles achado� (2Cr 15.3-4). O Cronista fala de várias
pessoas das tribos de Israel que se juntaram a Judá com o propósito de buscar a Deus: �Entraram em
aliança de buscarem ao SENHOR, Deus de seus pais, de todo o coração e de toda a alma� (2Cr 15.12). No Novo Testamento, Jesus Cristo ratifica o ensino do Antigo Testamento, estabelecendo a prioridade do Reino e de sua justiça: �Buscai (zhte/w), pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua jus-
tiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas� (Mt 6.33). Temos também a promessa de encon-trar Aquele a quem buscamos: �Pedi, e dar-se-vos-á; buscai (zhte/w) e achareis; batei, e abrir-se-vos-
á. Pois todo o que pede recebe; o que busca (zhte/w) encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe-á.� (Mt
7.7-8). No entanto, Jesus não se deixa enganar: Ele sabe da sinceridade de nosso coração e de nos-sos verdadeiros desejos: �Quando, pois, viu a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípu-
los, tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum à sua procura. E, tendo-o encontrado no outro la-
do do mar, lhe perguntaram: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em
verdade vos digo: vós me procurais, (zhte/w) não porque vistes sinais, mas porque comestes dos
pães e vos fartastes� (Jo 6.24-26). Paulo, considerando a liberdade cristã em relação aos �rudimentos do mundo�, exorta: �Portanto,
se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai (zhte/w) as coisas lá do alto, onde Cristo vive,
assentado à direita de Deus� (Cl 3.1). De fato, como somos peregrinos neste mundo, buscamos in-tensamente a cidade eterna: �Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos
(e)pizhte/w) a que há de vir� (Hb 13.14). Lucas relata que o procônsul Sérgio Paulo, que ouvia a Paulo e a Barnabé, tinha grande avidez
pela Palavra: �.... o procônsul Sérgio Paulo, que era homem inteligente. Este, tendo chamado Barna-
bé e Saulo, diligenciava (e)pizhte/w) para ouvir a palavra de Deus� (At 13.7). 34
Vd. Confissão de Fé de Westminster, IX.3,4.
O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 9
sim, adoradores. Hendriksen (1900-1982) corretamente assevera: �Não no sentido
em que existem pessoas que se tornaram esse tipo de adoradores, e que o
Pai, por assim dizer, os está procurando, mas sim, no sentido em que Ele pro-
cura seus eleitos para que os tenha como tais adoradores. Sua busca é sal-
vadora (cf. Lc 19.10)�.35 Deste modo, devemos enfatizar que �a finalidade ou o
propósito do evangelismo e de missões é criar um povo para adorar a
Deus�.36 A adoração é a nossa mais importante e permanente atividade, tanto aqui
como na eternidade. Portanto, nós cultuamos a Deus não para simplesmente �evan-gelizar� os incrédulos, antes, para expressar em fé a nossa adoração, louvor e grati-dão.
37 O Culto a Deus deve ser a atitude natural do povo de Deus em reconheci-mento prazeroso de Seu senhorio sobre a nossa existência e de ser Ele o originador
e provedor de todas as bênçãos celestiais que temos recebido em Cristo Jesus:
�Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com
toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo� (Ef 1.3). A adoração correta ao verdadeiro Deus, é uma atitude de fé, gratidão e obediên-cia na qual o adorador se prostra diante do Deus que o atraiu com a Sua graça irre-sistível.
38 Neste ato de culto, o homem confessa sua dependência de Deus, profes-sando a sua fé em resposta à Palavra criadora de Deus (Jo 1.1-3; Rm 1.16; 10.17; Tg 1.18,21; 1Pe 1.23).39 A Palavra de Deus é criadora porque gera a fé e, todas as
vezes que Deus fala ao homem, algo de novo acontece, o homem não pode ser
mais o mesmo, ele não pode mais ignorar este acontecimento (At 4.20). E isto, se expressa em culto. Deus fala e o homem adora; Deus Se mostra, o homem contem-pla; Deus abençoa, o homem louva... "De longe se me deixou ver o Senhor, dizendo:
Com amor eterno eu te amei, por isso com benignidade te atraí" (Jr 31.3). Quando nos reunimos para cultuar a Deus, exercitamos o Sacerdócio Universal
dos Crentes, que só se torna possível por intermédio do sacrifício expiatório de Je-sus Cristo (Vejam-se: Hb 7.22-28; 9.11-14; 10.19-2540/Hb 6.19-20). Ele foi o nosso
35
William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 4.23), p. 226. 36 Terry L. Johnson, Adoração Reformada: A adoração que é de acordo com as Escrituras, São Pau-lo: Puritanos, 2001, p. 23. �Deus salva os homens para fazê-los adoradores� (A.W. Tozer, O Po-
der de Deus, 2ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 113). 37
Vd. Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 84. 38
Vd. Confissão de Fé de Westminster, X.1,2. 39
�No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio
com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez� (Jo 1.1-3).�Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de to-
do aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego� (Rm 1.16). �.... a fé vem pela pregação, e a
pregação, pela palavra de Cristo� (Rm 10.17). �Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela pala-
vra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas� (Tg 1.18). �Portanto, des-
pojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós im-
plantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma� (Tg 1.21). �Pois fostes regenerados não de
semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente� (1Pe 1.23). 40�Por isso mesmo, Jesus se tem tornado fiador de superior aliança. Ora, aqueles são feitos sacerdo-
tes em maior número, porque são impedidos pela morte de continuar; este, no entanto, porque conti-
nua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável. Por isso, também pode salvar totalmente os que por
O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 10
precursor à presença de Deus (Jo 14.2-3/Hb 6.17-20;41 Rm 5.2; Hb 4.16). No culto público nós exercitamos o Sacerdócio Universal dos Crentes da seguinte forma: 1) Falamos com Deus expressando a nossa fé por meio dos cânticos, das ora-ções, das ofertas, e dos Credos. 2) Ouvimos e somos alimentados pela Palavra de Deus a qual é lida e exposta. 3) Compartilhamos a nossa fé por intermédio do testemunho uníssono daquilo
que cremos e que Deus tem feito. Por isso, já no primeiro século, a aqueles que eram tentados a se ausentarem do culto por motivos irrelevantes, o escritor da Epístola aos Hebreus exortava: �Não
deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admoesta-
ções, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima� (Hb 10.25). A nossa freqüência aos cultos deve pressupor um desejo de adorar, aprender e servir a Deus. O culto nunca é uma atitude passiva, antes envolve o desejo de parti-cipação. Temos um bom resumo do sentimento que deve nortear a nossa participa-ção no culto em Hb 10.22-25. Por outro lado, como bem observou Warfield (1851-1921): �Nenhum homem pode excluir-se dos cultos regulares da comunidade
ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Com efeito, nos convinha um sumo
sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do
que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifí-
cios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas,
quando a si mesmo se ofereceu. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à fraque-
za, mas a palavra do juramento, que foi posterior à lei, constitui o Filho, perfeito para sempre� (Hb 7.22-28). �Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o mai-
or e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de
sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez
por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de
uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito
mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, puri-
ficará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!� (Hb 9.11-14). �Tendo, pois,
irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho
que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de
Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de
má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem
vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimu-
larmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes,
façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima� (Hb 10.19-25). 41�Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade
do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é
impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar
mão da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do
véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo sacerdote para sempre....�
(Hb 6.17-20). �Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois
vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim
mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também� (Jo 14.2-3).
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à qual pertence, sem sérios prejuízos para sua vida espiritual pessoal�.42 E:
�..... nem o indivíduo mais santo pode se dar ao luxo de dispensar as formas
regulares de devoção, e que o culto público regular da igreja, apesar de to-
das as suas imperfeições e problemas localizados, é a provisão divina para o
sustento da alma�.43
4. O Culto como Labor Inteligente:
Um ponto pacífico para os Reformadores é a concepção bíblica de que a Igreja é
vocacionada a prestar culto. Portanto, como povo de Deus ela encontra a sua reali-zação no ato de Culto, no qual revela publicamente o significado de Deus para a sua vida, tornando patente o que Deus é, fez e faz. O culto é um testemunho solene e
público das "Virtudes de Deus" (1Pe 2.9-10; Hb 13.15).44 O culto dentro da perspectiva Reformada adquire uma condição de labor, visto
que envolve o homem todo: a sua mente, emoções e vontade. Não pode haver um
genuíno culto descompromissado, distante e dispersivo. Aqui temos um elemento de tensão: Dentro de uma sociedade extremamente pragmática e superficial, torna-se difícil falar e, principalmente, oferecer um culto que exija entendimento, concentra-ção e vontade de servir. Parece-nos mais fácil um culto elaborado dentro de uma
perspectiva dispersiva e esquizofrênica, visto que qualquer parte pode ser entendida
e principalmente sentida em si mesma, já que nenhuma parte tem a ver com a ante-rior ou a posterior; seria como uma lógica existencialista na qual a história é compos-ta de eventos estanques que não tem relação de causalidade nem com o que vem
antes nem com o que o sucede.45 Justamente por esta superficialidade é que o culto a Deus cada vez mais é entulhado com elementos estranhos e alienantes, visando tão-somente à distração dos participantes, enchendo o momento de culto com
shows variados e personagens dos mais diversos matizes teológicos que narram
suas experiências ou aquelas que ainda que não experimentadas, sem dúvida ne-nhuma serão vividas por aquele auditório tão sugestionável; assim temos: �sopro do
espírito�; �arroto do espírito�; pessoas caindo, outras dando gargalhadas em meio a
um vozerio intenso onde predominam palavras de confirmação ou adoração: �a-mém�, �é verdade Senhor�; �cura a tua serva�, �restaura o teu servo�; �Tu és grande
Senhor�, etc. Todo esse alvoroço litúrgico � conscientemente ou não � reforça a
prática do não-pensamento; afinal, dentro dessa lógica malévola, religião é uma
questão de �coração�; leia-se: de sentimento sem inteligência. Nesse arcabouço: to-
42
B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999,
p. 19. 43
William Robertson Nicoll. Apud B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, p. 25. 44
�Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa
luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado
misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia� (1Pe 2.9-10). �Por meio de Jesus, pois, ofereça-
mos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome� (Hb 13.15). 45
Vd. Otto A. Piper, A Interpretação Cristã da História, São Paulo: 1956, (Coleção da �Revista de
História�, VIII), p. 21; A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 37.
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mem-se fazer gestinhos, frases de efeito, caretas piedosas, palavras mágicas: �foi
ou vai ser uma bênção�, �amém?�; �cumprimente o seu vizinho�, �palmas para Je-sus�, coreografias, trenzinho do espírito, etc. Em geral, muito disso acompanhado de um fundo musical; já não basta orar; tem que ter música. E, como aqui já se ora, de-lega-se o contágio propositadamente alienante à música. Aliás, é muito contagiante
falar com música que reforcem ou forjem sentimentos. Já imaginaram um filme de
aventura, de terror ou suspense sem sonorização? Creio que estamos trazendo isso
para dentro de nossas igrejas. Por outro lado, talvez conforme presunção implícita
pela prática explícita Deus não ouça sem música ou, a oração � falar com Deus �, já não nos emocione mais... Estamos tão acostumados com a subestimação de
nossa inteligência que não esperamos outra coisa quando vamos à Igreja. Por sua
vez, os líderes, mal preparados, acovardados ou ambas as coisas, na presunção de serem �comunicadores� transformam o culto num show onde Deus é o ausente que,
de quando em quando é invocado para convalidar os seus desejos. E ai dele se não
gostar de nosso culto... Vamos para o �mundão� buscar um Deus mais compreensi-vo... Notemos que tudo isso nos conduz à infância espiritual, satisfazendo o nosso de-sejo lúdico. Acontece, que cultuar a Deus é algo extremamente sério, responsável e
alegre. Isso não significa que o culto Reformado seja ou deva ser algo morto, sem
vida e emoção. É justamente o contrário: a racionalidade do culto se revela em sua
emoção contagiante e no desejo de servir e agradar a Deus por meio do que Ele mesmo tem nos proposto na Sua Palavra e dentro das oportunidades que Ele tem nos oferecido em nossa cotidianidade. Em 1898, Abraham Kuyper, escreveu:
�O fato de hoje nossas igrejas calvinistas serem consideradas frias e u-
nheismish, e de uma reintrodução do simbólico em nossos lugares de ado-
ração ser ardentemente desejada, devemos à triste realidade de que a
pulsação da vida religiosa em nossos dias está muito mais fraca que esta-
va nos dias de nossos mártires. Mas longe de pedir emprestado desta o di-
reito de descer de novo ao nível inferior da religião, esta fraqueza da vida
religiosa deve inspirar à oração por uma obra mais poderosa do Espírito
Santo. A segunda infância em sua velhice, é um movimento retrógrado,
doloroso. O homem que teme a Deus e cujas faculdades permanecem
claras e inalteradas, não retorna do ponto de maioridade para os brin-
quedos de sua infância�.46
Comparemos as palavras de Kuyper, com outro contemporâneo nosso, James
Montegomery Boice (1938-2000). Dentro de outra perspectiva, escreve:
�A televisão não é um meio de bom ensino ou informação, como a
maioria das pessoas supõe. Na verdade é um meio de entretenimento
grandemente negligente. Devido ao fato de ser tão penetrante � a média
de lares americanos tem a televisão ligada mais de sete horas por dia � es-
46
Abraham Kuyper, Calvinismo, p. 156.
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tá moldando-nos a pensar que o objetivo principal do homem é comprar
coisas e ser entretido. Como podem pessoas, cujas mentes estão cheias
de baboseiras desmioladas dos programas de entrevistas da tarde ou seri-
ados cômicos da noite, ter qualquer coisa além de pensamentos triviais
quando vêm à casa de Deus nas manhãs de domingo � se, de fato, pelo
menos têm pensamentos sobre Deus? Como podem apreciar sua santi-
dade, se suas cabeças estão cheias de esterco moral dos programas de
entrevistas? Não podem. Assim, tudo que eles podem procurar na igreja,
se procurarem algo, é alguma coisa que os faça se sentirem bem por cur-
to espaço de tempo, antes de se dirigirem de volta à cultura da televi-
são�.47
5. O Culto como expressão compreensível de fé:
A) CULTO INTELIGÍVEL:
Todas as partes do culto devem ser a expressão daquilo que cremos, conforme é-nos ensinado nas Escrituras. Portanto, é necessário que tenhamos consciência
daquilo que falamos, cantamos e ouvimos. O nosso "Amém" não pode se transfor-mar em �vãs repetições�
48 desconexas, antes, deve ser fruto da fé e da compreen-são do que foi falado e cantado. Deste modo, o culto deve ser compreensível aos
47
James M. Boice, O Evangelho da Graça, p. 170. 48
A expressão usada por Cristo em Mt 6.7, Battaloge/w, que só ocorre aqui, parece ser onomato-péica, significando �falar sem sentido�, �balbuciar�, �repetir palavras ou sons inarticulados�, �falar sem
pensar�, �falar futilmente�, �gaguejar�, �dizer sempre a mesma coisa�, �tagarelar�, �uma repetição su-pérflua e exagerada�, �repetir uma fórmula muitas vezes�.
[John Calvin, Commentary on a Harmony of
the Evangelists, Mattew, Mark, and Luke, Grand Rapids, Michigan: Baker, (Calvin�s Commentaries,
Vol. XVI), 1981, Vol. I, p. 313], etc. Tyndale traduz: �Tagareleis demais�; Knox: �Useis muitas frases�; Velha Versão Siríaca: �Não digais coisas ociosas�. O verbo Battaloge/w é constituído de (Ba/ttoj = �gago� & loge/w = �falar�). Ele é de derivação incerta; Erasmo (c. 1469-1536), por exemplo, entendia que esta expressão era proveniente de �Bato�, personagem descrito por Heródoto: �Chegando a Te-ras, Polineto, homem de alta posição, tomou a jovem como concubina, e o casal teve, no fim de certo tempo, um filho que gaguejava e sibilava. Essa criança, segundo os Tereus e Cireneus, recebeu o
nome de Bato� (Heródoto, História, IV.155. Vd. Ba/ttoj: In: A Lexicon Abridged from Liddell and
Scott�s Greek-English Lexicon, London: Clarendon Press, 1935, p. 128b). No entanto, Heródoto, que
discorda desta explicação para o nome do menino, diz que �batus significa rei na língua dos Lí-
bios� (Heródoto, História, IV.155). Também especula-se que esta expressão viria por derivação de
um poeta medíocre, Battus, que teria feito hinos extensos, cheios de repetições (Vd. A.B. Bruce, The
Gospel According to Matthew: In: W. Robertson Nicoll, ed. The Expositor�s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. I, p. 118-119; John R.W. Stott, A Mensagem do
Sermão da Montanha, 3ª ed. São Paulo: ABU., 1985, p. 146). O fato é que ninguém consegue preci-sar a origem da palavra [Para maiores detalhes, vejam-se: G. Delling, Battaloge/w: In: G. Kittel & G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. I, p. 597; Battologe/w: In: James Hope Moulton & George Mulligan, The Vocabulary of the Greek New Testament, Grand Rapids, Mich-igan: Eerdmans, 1982 (reprinted), p. 107; H. Balz, Battaloge/w, In: Horst Balz & Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, Vol. I, p. 209; Battaloge/w: In: Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament, 5ª ed. Chica-go: The Chicago Press, 1958, p. 137]. Para maiores detalhes, Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai
Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 14
participantes a fim de que todos possam fazer ressoar em seus lábios a oração de
seus corações: Amém! O apóstolo Paulo enfatiza que o culto deve ser prestado no
idioma dos participantes, ou seja; deve ser inteligível (1Co 14.9-11); dirigir o culto de forma não compreensível aos participantes é um ato de desrespeito para com os
adoradores; é uma atitude de barbárie.49
B) A CENTRALIDADE DA PALAVRA:
A pompa artificial de uma cerimônia religiosa serve apenas para nos enganar.
Deus não se fascina com nada disso; o que Ele deseja de nós é obediência aos
Seus preceitos, inclusive na forma de adorá-Lo. O culto cristão é oferecido por san-tos em santificação. Fomos separados por Deus para prestar-Lhe culto e por meio do culto a nossa santidade se aperfeiçoa. No culto somos aperfeiçoados, sendo
transformados cada vez mais na imagem de Cristo, que é o nosso modelo e meta
(Rm 8.29-30).
Para nós Reformados soa no mínimo estranho que, enfatizando corretamente
como fazemos a centralidade das Escrituras em todas as coisas, sendo a Palavra a norma de nosso pensar, sentir e atuar, estejamos com demasiada freqüência avali-ando o nosso culto pelo grau de entretenimento e prazer concedidos ao �adora-dor�.50 Em suma, queremos um �bom espetáculo�.
51 Enfim, a igreja parece conven-cida de que seu objetivo final é promover espetáculos e entreter as pessoas até à
próxima reunião.52 Queremos ver para sentir; as imagens valem mais do que a Pa-
lavra. Os nossos modelos deixaram de ser bíblicos para serem televisivos. Ferguson faz uma crítica pertinente: �O evangelicalismo contemporâneo se deleita em
colocar o foco na centralidade do que está �acontecendo� no espetáculo
do culto em lugar de no que é ouvido no culto. A estética, seja artística ou
49
Calvino comenta: �.... É fora de propósito e um absurdo que alguém fale numa assembléia
da Igreja sem que os ouvintes entendam sequer uma palavra do que ele diz. (...) Não impor-
ta quão refinada uma língua venha ser, mesmo assim uma pessoa será descrita como �bár-
bara� se ninguém a pode entender!� [J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.11), p. 415]. 50
"O culto cristão contemporâneo é motivado e julgado por padrões diversos: seu valor de
entretenimento, seu suposto apelo evangélico, sua fascinação estética, até mesmo, talvez,
seu rendimento econômico. A herança litúrgica da Reforma nos recorda a convicção de
que, acima de tudo, o culto deve servir para o louvor do Deus vivo" (Tymothy George, Teologia
dos Reformadores, p. 317). 51
Cf. R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 327. 52
No século XIX, Spurgeon (1834-1892) já escrevera: �O novo método consiste em incorporar o
mundo à igreja e, deste modo, incluir grandes áreas em seus limites. Por meio de apresenta-
ções dramatizadas, os pastores fazem com que as casas de oração se assemelhem a tea-
tros; transformam o culto em shows musicais e os sermões, em arengas políticas ou ensaios fi-
losóficos. Na verdade, eles transformam o templo em teatro e os servos de Deus, em atores
cujo objetivo é entreter os homens. Não é verdade que o Dia do Senhor está se tornando,
cada vez mais, um dia de recreação e de ociosidade; e a Casa do Senhor, um templo pa-
gão cheio de ídolos ou um clube social onde existe mais entusiasmo por divertimento do
que o zelo de Deus?� [C.H. Spurgeon, Um Templo ou um Teatro?: In: Fé para Hoje, São José dos
Campos, SP.: Fiel, nº 18, 2003, p. 30]. Veja-se também: John MacArthur, Cristianismo e Entreteni-mento: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 18, 2003, p. 27-29.
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musical, tem prioridade sobre a santidade. Cada vez mais se vê, e menos se
ouve. Há uma fartura sensorial e uma fome auditiva. O profissionalismo em li-
derar o culto tornou-se um substituto barato do acesso genuíno ao céu, ain-
da que vacilante. Drama, e não pregação, tornou-se o didache escolhi-
do�.53 Neste propósito, os dirigentes tornam-se animadores de auditório esforçando-se por distrair o seu público. A popularidade substitui a fidelidade; a ficção (fábula)
ocupa o lugar da palavra profética. A pregação, se é que podemos chamar assim o
que é feito, se propõe a distrair, aliviar as tensões e, algumas vezes, comover a pla-téia. Para isso, o sermão é repleto de ilustrações para não cansar o auditório. É claro
que nestes �cultos� não podemos esperar o impacto transformador da Palavra em nossa vida. Quando o culto é praticado com estes subterfúgios, estamos usando o
nome de Deus em vão, de forma vazia e pecaminosa; quebramos assim, o terceiro mandamento. John MacArthur com a sua costumeira veemência acentua: �.... Não
ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclama-
ção direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam
a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um
meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo�.54 Mais à frente
continua: �Os que desejam colocar a dramatização,55
a música e outros mei-
os mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte:
Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que
a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido
por �loucura� [1Co 1.21] é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra
moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é,
literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estraté-
gia de Deus para proclamar a mensagem�.56
A história aponta para o fato de que onde a pregação bíblica se expande, a igreja se fortalece; onde ela é minimizada ou substituída, a igreja retrocede em sua espiri-tualidade, perdendo sua dimensão de povo de Deus no mundo. �Onde quer que a
Igreja tem progredido espiritualmente, tem-se dado ênfase à pregação�.57 A
tendência moderna, no entanto, é de se querer menos a Palavra de Deus e sua ex-posição, substituindo-a pela música que assume, cada vez mais intensamente, o
papel de �alma do culto�.58 Nessa prática, consideramos a nossa expressão vocal e
53
Sinclair B. Ferguson, Arrependimento, Recuperação e Confissão: In: James M. Boice & Benjamin
Sasse, orgs. Reforma Hoje, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 138. 54
John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p.
117-118. 55�Quando o teatro, a música, a comédia e outras atividades têm a permissão de usurpar o
lugar da pregação da Palavra, a verdadeira adoração inevitavelmente é prejudicada. E,
quando a pregação é subjugada à pompa e à circunstância, ela também obstrui a adora-
ção genuína. Um culto de adoração sem o ministério da Palavra tem um valor questionável� (John MacArthur, Como Devemos Cultuar a Deus?: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fi-el, nº 10, 2001, p. 13). 56
John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 130. 57
A. W. Blackwood, A Preparação de Sermões, São Paulo: ASTE, 1965, p. 19. Ver também: p. 17. 58
Expressão de W. Robert Godfrey (Ver: W. Robert Godfrey, A Reforma do Culto: In: James M. Boi-ce, et. al. eds. Reforma Hoje, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 159).
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física mais importante do que ouvir o que Deus deseja nos falar. E, além disso,
quantas vezes nos perguntamos para onde nos conduz as nossas práticas e ele-mentos que inserimos no culto?59 Repare que aqui não estamos emitindo juízo de
valor a respeito da sinceridade dos adoradores � isto pertence a Deus �, antes, es-tamos pontuando a substituição da Palavra por outros elementos que, com grande facilidade adquirem um status de essencialidade. Nos chamados �períodos de lou-vor�, há uma espécie de culto dentro do culto, visto que independentemente do que
foi feito antes liturgicamente, aquele roteiro tem que ser seguido; por exemplo, se o dirigente orou e passou a palavra ao �grupo�, este, se tiver programado começar o-rando, orará novamente. O mesmo ocorrerá se antes a igreja houver cantado um hi-no e o seu roteiro começar por um cântico, ele fatalmente fará isso. Ou seja: há um
isolamento intelectual e espiritual do antes e depois. Aquele período é o culto; o res-to pode ser até dispensado. Dentro dessa lógica, alguns dos componentes do con-junto, não se constrangem até mesmo de irem embora após o termino de sua parti-cipação. Nesse �período de louvor�, ainda que não exclusivamente, vêem-se com freqüência o uso de chavões, expressões fisionômicas que parecem misturar dor e
alegria; erguem-se as mãos enquanto cantam, fecham-se os olhos para louvar, etc. Temos, também, uma limitação da amplitude da experiência cristã, dando a impres-são que temos apenas vitórias, conquistas e sucesso nesta vida. Cantamos, com
muita freqüência, um amontoado de clichês repetitivos e fáceis de decorar, reprodu-zindo sempre a mesma experiência.
60 Uma série de gestos empiricamente aprendi-dos, que supostamente denotam uma comunhão mais intensa e sensorial com Deus,
são repetidos. As melodias, independentemente de sua qualidade, são em geral
marcadas por grandes batalhas nas quais o Senhor, o nosso grande líder, nos co-munica a vitória. O amém é indagado, não declarado. Se a resposta do auditório for
considerada �fraca� pelo dirigente, ele pode perguntar de forma estimulante: �a-mém?!� A intensidade sonora da resposta serve como aferidor ao líder da espirituali-dade do culto. O puxador de amém transforma o culto em um programa de auditório
� obviamente com menos carisma e recursos do que os televisivos �, onde ele �inte-rage� com o auditório de forma sensorial, transformando-se o culto, supostamente di-rigido a Deus, numa academia aeróbica, nem sempre bem ritmada. As minhas emo-ções afloram e o meu suor o atesta. Confesso minha ignorância quanto à possíveis
pesquisas sobre o quanto de calorias podemos perder neste �exercício espiritual�... Esses �cultos�, onde a Palavra de Deus é cada vez mais esquecida, são em geral
considerados uma �bênção�. De fato, esta prática, excita e relaxa. A sensação é de
grande conforto, assim como se você praticasse determinado esporte que envolves-se intensa movimentação física e depois, entrasse numa banheira de hidromassa-gem. Sem dúvida, em seguida você dormiria de forma intensa. É natural: depois de
grande tensão física na prática esportiva, descansou, relaxou. Boa noite! Bons so-nhos; você não precisa pensar em mais nada.
Concordo com Frame quando afirma que �Quando nos distraímos de nosso
Senhor da aliança e nos preocupamos com nosso próprio conforto e prazer,
59
Ver: James M. Boice, O Evangelho da Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 179-181. 60 Ver: Michael S. Horton, O Cristianismo e a Cultura, p. 108.
O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 17
algo seriamente errado aconteceu com nosso culto�.61
C) CULTO E EMOÇÃO:
Culto não pode ser confundido com emoção. Porque me emocionei com algo não quer dizer que cultuei a Deus. A dificuldade nesta questão está no fato de que
não existe culto sem emoção;62 e que emoção! Como me relacionar com Deus sem
me sentir fortemente emocionado? Como cantar hinos sem me sentir comovido pelo significado da letra? Como orar sem me sentir carente e desejoso de maior comu-nhão com Deus? Como entregar meus dízimos e ofertas sem me alegrar com a fiel
provisão de Deus? No entanto, o culto não começa pela emoção destituída de com-preensão: culto a Deus leva-nos a pensar. A lógica não é que nos emocionemos e
agora entendamos, antes, que nos emocionemos porque pela graça de Deus enten-demos o que Deus nos disse por intermédio da Sua Palavra e respondemos a Ele com fé, inteligência e emoção. �Emoções fortes despertadas durante o culto
não constituem necessariamente uma evidência de que houve verdadeira
adoração. (...) Adorar significa atribuir glória a Deus por causa dessas verda-
des; significa louvá-Lo por aquilo que Ele é, aquilo que tem feito e aquilo que
tem prometido. Por conseguinte, adoração tem de ser uma resposta à ver-
dade que Ele revelou a respeito de Si mesmo. Tal adoração não pode resul-
tar de um vazio. É motivada e vitalizada pela verdade objetiva da Palavra
de Deus. Cerimônias mortas e entretenimento também são incapazes de
provocar essa adoração, não importa quão emocionantes tais coisas sejam.
Elas não edificam. No máximo, elas podem despertar emoções. Mas isso não
é adoração�.63
O culto não nos faz simplesmente adormecer, antes nos estimula a aplicar em nossa vida cotidiana a Palavra, a refletir como poderemos agradar a Deus de forma consciente, aceitando os novos desafios que se configuram diante de nós, na busca
intensa de viver a Palavra em cada área de nossa existência. No entanto, a observação de Godfrey serve-nos de alerta e desafio: �Numa cul-
tura antiintelectual e pragmática, irão parecer mais apropriadas as formas
de culto que mais apelam às emoções do que à mente, as que são imedia-
tamente acessíveis e que atraem o povo, e não as que apresentam um de-
safio ou que são disciplinadas. O entretenimento substitui a edificação�.64 Notemos que não estamos excluindo a satisfação do adorador; antes, a nossa ênfa-se é a satisfação de Deus. Quando o culto é agradável a Deus, conforme os Seus
preceitos, ele será sempre edificante e por isso mesmo, em última instância, praze-
61
John Frame, Em Espírito e em Verdade, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 25. 62
Ver: James M. Boice, O Evangelho da Graça, p. 179. 63
John F. MacArthur Jr., Como Devemos Cultuar a Deus?: In: Fé para Hoje, São José dos Campos,
SP.: Fiel, nº 10, 2001, p. 14. 64
W. Robert Godfrey, A Reforma do Culto: In: James M. Boice, et. al. eds. Reforma Hoje, p. 161-162.
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roso.65
D) CONFORME AS PRESCRIÇÕES DIVINAS:
Segundo nos parece, é preciso que estejamos vigilantes para que não cami-
nhemos em direção oposta à satisfação de Deus, ao Seu agrado. A beleza é uma
questão de harmonia e proporções. A origem do senso de beleza está em Deus. A-inda que possamos elaborar um livro, uma peça, um quadro ou música de qualidade duvidosa com o objetivo de distrair, comover ou entreter, não podemos simplesmen-te apresentar isso a Deus como expressão de culto, visto que é Deus mesmo quem
estabelece o modo como deve ser adorado. A Confissão de Westminster (1647) cap-ta bem isso ao dizer: �.... O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é ins-
tituído por Ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada,
que Ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos
homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível,
ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.�(XXI.1).66 Ado-rar a Deus de modo não prescrito em Sua Palavra é um ato idólatra, pois deste mo-do, adoramos na realidade a nossa própria vontade e gosto;
67 tornamo-nos �auto-adoradores� (Hug Binning). Aqui há uma inversão total de valores: em nome de
Deus buscamos satisfazer os nossos caprichos e desejos;68 Deus se tornou um me-ro instrumento para a expressão de nossa vontade; a lógica dessa atitude é a se-guinte: desde que estejamos satisfeitos, descontraídos e leves, é isso o que importa.
Quem assim procede, já recebeu a sua recompensa: a satisfação momentânea do
seu desejo pecaminoso.
65
Ver: John Frame, Em Espírito e em Verdade, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 29-30. 66
Vejam-se também: Catecismo Maior de Westminster, Perg. 109 e Catecismo de Heidelberg, Perg. 96. Hodge comentando o Capítulo XXI.1 da Confissão de Westminster, diz: �Por isso, necessaria-
mente segue-se: visto que Deus prescreveu o modo como devemos aceitavelmente adorá-
lo e servi-lo, é uma ofensa e um pecado contra ele que negligenciemos seu método ou, em
preferência, pratiquemos o nosso próprio. (...) Como demonstramos anteriormente à luz da
Escritura, não só todo o ensino humano em termos de doutrinas e de mandamentos, mas
também toda forma de culto próprio, de atos e formas de culto estabelecidos pelo homem,
são abomináveis para Deus. (...) Não temos, em nenhuma circunstância, qualquer direito,
com base nos gostos, na moda [fashion] ou conveniência, de ir além da clara autoridade
da Escritura� [Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora
Os Puritanos, 1999, Cap. XXI, p. 369]. �Deus em muitas passagens proíbe qualquer novo culto
desprovido da sanção da Sua Palavra, e declara-Se gravemente ofendido pela presunção
de tal culto inventado, ameaçando-o de severa punição....� [John Calvin, �The Necessity of
Reforming the Church,� John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 218]. 67
Vejam-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 37; Paulo Anglada, O Princípio Regulador do Culto, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (1998),
p. 28ss. 68
Calvino pergunta: �Que pecado cometemos se não queremos aceitar que a maneira legí-
tima de servir a Deus seja ordenada pelo capricho dos homens, o que Paulo ensinou ser into-
lerável?� (João Calvino, As Institutas, IV.10.9).
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6. O Pastor como Mestre da Igreja: Uma Aproximação Calvinista:
A) MINISTROS POR GRAÇA:
Calvino sustenta a importância dessa consideração, visto que, �se queremos
ensinar adequadamente a Palavra de Deus, comecemos conhecendo nos-
sas próprias debilidades. E conhecendo-as seremos motivados a tal modéstia
e benignidade que teremos um bom espírito para pronunciar a Palavra de
Deus.�69
Portanto, �uma pessoa nunca será indicada como mestre, até não
haver assumido um afeto paternal e haver conhecido, em primeiro lugar, su-
as próprias debilidades.�70
Deus dentro de Sua soberana vontade, vale-se, por graça, de homens pecadores e incapazes como nós, para pregar a Sua Palavra.
71 A vocação ministerial é, portan-to, um grande privilégio: �Entre tantos dotes preclaros com os quais Deus há
exornado o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que digna a Si con-
sagrar as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar Sua pró-
pria voz�.72 �Deus nos recebe em seu serviço, inclusive a nós que somos so-
mente pó diante de Sua presença, que somos totalmente inúteis; nos dá
uma missão honrosa de levar Sua Palavra, e quer que seja entregue com to-
da autoridade e reverência�.73 �Quando Deus resolve, por si mesmo, levar
avante as coisas, ele nos toma, seres insignificantes que somos, como seus
auxiliares e nos usa como seus instrumentos�.74 Deus mesmo nos capacita para o exercício de nossa vocação: �Sempre que os homens são chamados por Deus,
os dons são necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não ves-
te homens com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os su-
pre com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequada-
mente de seu ofício�.75 Em outro contexto, falando sobre o chamado de Davi para ser rei de Israel, faz comentário semelhante: �Ora, Deus geralmente supre aque-
les a quem imputa a dignidade de possuir esta honra a eles conferida com
os dons indispensáveis para o exercício de seu ofício, a fim de que não sejam
como ídolos sem vida�. 76
69
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, (Sermon nº 17), p. 211. 70
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre
Job, p. 211. 71
Ver: J. Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.12), p. 38-40. 72
João Calvino, As Institutas, IV.1.5. 73
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 203. Ver também: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.1), p. 129; (2Tm 3.16), p. 262-263. 74
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.9), p. 107. 75
João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119. 76
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 4.3), p. 96.
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B) FIDELIDADE DO MINISTRO:
Na questão fidelidade, não é a idade que conta, mas, sim a submissão a Deus:
�Timóteo era ainda jovem, embora mantivesse uma eminente posição entre
os muitos pastores, e assim vemos que é debalde estimar o valor de uma
pessoa segundo o número de seus anos�.77
A Palavra de Deus é o conteúdo da mensagem do Ministro. Quando ensinamos a
Palavra com fidelidade, nada acrescentando ou omitindo, podemos ter a certeza de que a nossa mensagem não se distingue da própria Palavra de Deus.
78 Por isso, ele resume a função e responsabilidade dos pastores: �Os ministros da Igreja Cristã
são aqueles que pregam o Evangelho�.79
A Escritura torna o homem sábio para a salvação; por isso ele precisa manejá-la bem visto que os falsos mestres também a empregam como pretexto para justificar
os seus falsos ensinamentos: �É uma recomendação por demais sublime das
Escrituras dizer que a sabedoria suficiente para a salvação não pode ser en-
contrada em outra parte (...). Ao mesmo tempo, porém, ele nos diz o que
devemos buscar na mesma Escritura, pois os falsos profetas também fazem
uso dela em busca de pretexto para o seu ensino. Para que ela nos seja pro-
veitosa para a salvação, temos que aprender a fazer dela um uso correto�.80
�A infidelidade ou negligência de um pastor é fatal à Igreja�.81
Por isso mesmo, Deus cobrará deles: �Nossa salvação é dom de Deus, visto que ela
emana exclusivamente dele e é efetuada unicamente por seu poder, de
modo que Ele é o seu único Autor. Mas esse fato não exclui o ministério hu-
mano, tampouco nega que tal ministério possa ser o meio de salvação, por-
quanto é desse ministério, segundo Paulo diz em outra parte, que depende o
bem-estar da Igreja [Ef 4.11]. Esse ministério é por natureza inteiramente obra
de Deus, pois é Deus quem modela os homens para que sejam bons pastores
e os guia por intermédio de seu Espírito e abençoa seu trabalho para que o
mesmo não venha a ser infrutífero. Se um bom pastor é nesse sentido a sal-
vação daqueles que o ouvem, que os maus e indiferentes saibam que sua
ruína será atribuída aos que têm responsabilidade sobre eles. Pois assim co-
mo a salvação de seu rebanho é a coroa do pastor, assim também todos os
que perecem serão requeridos das mãos dos pastores displicentes�.82 �Um
77
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.12), p. 122. 78
Cf. John Calvin, �Commentary on the Prophet Haggai,� John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Ag 1.12), p. 24. 79
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 9.13), p. 274.. 80
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.15), p. 261. 81
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.16), p. 126. 82
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.16), p. 126-127.
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pregador do Evangelho, portanto, deve ter como sua meta, na realização
de seu ofício, oferecer a Deus as almas purificadas pela fé�.83
Um antídoto contra o fascínio da ostentação é a lembrança de que o Deus que
nos chamou é o mesmo a Quem prestaremos contas: �A fonte de toda e qual-
quer disputa doutrinal consiste em que os homens de mente inventiva tudo
fazem para exibir suas habilidades aos olhos do mundo. E Paulo, aqui, apre-
senta o melhor e o mais eficaz antídoto contra tal enfermidade, dizendo a
Timóteo que mantivesse seus olhos firmados em Deus. É como se dissesse:
�Certos homens buscam o aplauso do vulgo; quanto a ti, porém, que o teu
alvo seja apresentar-te, a ti mesmo e ao teu ministério aprovados diante de
Deus.� Aliás, não há nada mais eficaz para testar o insensato amor à osten-
tação do que recordar que é a Deus que teremos de prestar contas�.84
C) PRIVILÉGIO E RESPONSABILIDADE:
�Aquele que a prega (a Palavra)
descobrirá que a ninguém pregou em
vão� � João Calvino, Exposição de He-
breus, (Hb 4.12), p. 110.
O biógrafo de Calvino, William Wileman (� 1944), escreveu: �Como expositor
da Escritura, a Palavra de Deus era tão sagrada para ele como se a tivesse
ouvido dos lábios de seu Autor�.85
O ensino da Palavra é um privilégio responsabilizador; consiste em partilhar com o nosso próximo as riquezas que o Espírito tem nos concedido: �Quando o Senhor
nos abençoa, também nos convida a seguirmos seu exemplo e a sermos ge-
nerosos para com o nosso próximo. As riquezas do Espírito não são para se-
rem guardadas para nós mesmos, mas sempre que alguém as recebe deve
também passá-las a outrem. Isto deve ter uma aplicação especial aos minis-
tros da Palavra, mas também tem uma aplicação geral a todos os homens,
a cada um em sua própria esfera�.86 Na introdução das Institutas (1541), referin-do-se às Escrituras e aos que a ensinam, escreveu: �Portanto, o ofício dos que
receberam mais ampla iluminação de Deus que os outros consiste em dar
aos simples o que lhes é necessário neste assunto e em saber estender-lhes a
mão para os conduzir e os ajudar a encontrar a essência do que Deus nos
quer ensinar em Sua Palavra. Ora, a melhor maneira de fazer isso é com as
passagens que tratam dos assuntos principais e, por conseguinte, as que es-
83
João Calvino, Romanos, 2ª ed. (Rm 15.16), p. 507. 84
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.15), p. 233-234. 85
William Wileman, �John Calvin. His Life, His Teaching & Influence,� John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 100. 86
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 1.4), p. 17.
[HMPC1] Comentário:
O Pastor e o Culto � Rev. Hermisten M.P. Costa � 15/05/08 � 22
tão contidas na filosofia cristã�.87 Os ministros devem ter consciência da graça de Deus em seu ministério; eles são
servos como os demais, tendo, contudo, uma tarefa especial: �Ministros são aque-
les que colocam seus serviços à disposição de Cristo, para que alguém possa
crer nele. Além do mais, eles não possuem nada propriamente seu do quê
se orgulhar, visto que também não realizam nada propriamente seu, e não
possuem virtude para excelência alguma exceto pelo dom de Deus, e cada
um segundo sua própria medida; o que revela que tudo quanto um indiví-
duo venha a possuir, sua fonte se acha em outrem. Finalmente, ele os man-
tém todos juntos como por um vínculo comum, visto que tinham necessida-
de do auxílio mútuo�.88
Mesmo a igreja tendo a oportunidade de ler as Escrituras individualmente, aos pastores compete a tarefa de ensinar a Palavra com sistematicidade, simplicidade e profundidade, adequando o ensino ao nível de seu público. Calvino traduz a metáfo-ra usada por Paulo, �maneja bem� (o)rqotome/w)89(2Tm 2.15) por �dividindo bem�,
87
João Calvino, As Institutas (1541), Introdução. 88
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 102-103. Exposição de 1 Coríntios, �Não logra-
remos progresso a menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a
nossa perseverança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que faze-
mos.� [J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.7), p. 106]. 89
O verbo o)rqotome/w � �cortar em linha reta�, �endireitar� �, que só ocorre neste texto, é formado
por o)rqo/j (�direito�, �reto�, �certo�, �correto�) (* At 14.10; Hb 12.13) e te/mnw (�cortar�), verbo que não
aparece no Novo Testamento. Na LXX o)rqotome/w é empregado em Pv 3.6 e 11.5 com o sentido de
endireitar o caminho. Analogias e aplicações variadas são possíveis, tais como: a idéia de lavrar a ter-ra fazendo os sulcos em linha reta; construir uma estrada em linha reta a fim de que o viajante alcan-ce com facilidade o seu objetivo sem se desviar por atalhos; o alfaiate que corta o tecido de forma correta a fim de fazer a roupa (Paulo como fabricante de tendas estava acostumado a este serviço no
que se refere ao corte dos tecidos de pelo de cabra); o pedreiro que corta a pedra de forma correta para o seu perfeito encaixe, etc. A partir de 2Tm 2.15 várias analogias são feitas, tais como: a idéia
de conduzir a Palavra pelo caminho correto para atingir de modo eficaz seu objetivo, manuseá-la bem, ministrá-la conforme o seu propósito, expô-la de maneira correta, ensinar correta e diretamente a Palavra, etc. [Vejam-se, entre outros: Helmut Köster, o)rqotome/w: In: G. Friedrich & Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8ª ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, Vol. VIII, p. 111-112; Joseph H. Thayer, �Thayer�s Greek-English Lexicon of the NT,� The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 2, p. 270; A. Barnes, �Notes on the Bible,� The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 15, p. 795; Adam Clark, �Commentary the New Testa-ment,� Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 8, p. 222-223; R. Klöber, Retidão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1983, Vol. IV, 217-219; William F. Arndt & F.W. Gingrich, A
Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, Chicago: University of Chicago Press, 1957, p. 584; Russel N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, Guaratingue-tá, SP.: A Voz Bíblica, (s.d.), Vol. 5, p. 379; John R.W. Stott, Tu, Porém, A mensagem de 2 Timóteo,
São Paulo: ABU Editora, 1982, p. 59-60; J.N.D. Kelly, I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário,
São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1983, p. 170; William Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 323-324; Newport J.D. White, Second Epistle to Timothy:
In: W. Robertson Nicoll, ed., The Expositor�s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. 4, p. 165; p. 798-799; R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament, Pe-abody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, Vol. 10, p. 425; W.C. Taylor, Dicionário do No-
vo Testamento Grego, 5ª ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1978, p. 152-153; A.T. Robertson, �Word Pic-
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fazendo a seguinte aplicação: �Paulo (...) designa aos mestres o dever de gra-
var ou ministrar a Palavra, como um pai divide um pão em pequenos peda-
ços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo a �dividir bem�, para
não suceder que, como fazem os homens inexperientes que, cortando a su-
perfície, deixam o miolo e a medula intactos. Tomo, porém, o que está ex-
presso aqui como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa
ministração da Palavra, a qual é adaptada para o proveito daqueles que a
ouvem.90
Há quem a mutile, há quem a desmembre, há quem a distorce, há
quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como observei, se mantém na
superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina. Ele contrasta todos es-
ses erros com a boa ministração, ou seja, um método de exposição ade-
quado à edificação. Aqui está uma regra pela qual devemos julgar cada in-
terpretação da Escritura�.91
D) MINISTÉRIO: UNIÃO COM CRISTO E COM A IGREJA:
Calvino entende que a vocação ministerial liga o homem definitivamente a
Deus e à Sua Igreja: �O homem, uma vez chamado, que ponha indelevel-
mente em sua mente que ele não mais é livre para retroceder, quando bem
lhe convier, se por exemplo, as frustrações arrebatarem seu coração ou as
tribulações o esmagarem; porquanto ele está dedicado ao Senhor e à Igre-
ja, e se acha firmemente amarrado por um laço sagrado, o qual lhe seria
pecaminoso desatar�.92
E) A AUTORIDADE RELATIVA DO MINISTRO:
Calvino acentuou a responsabilidade do Ministro. Como vimos, Deus Se dignou
em nos consagrar a Si mesmo �as bocas e línguas dos homens, para que neles
faça ressoar Sua própria voz�.93 (Grifos meus). Portanto, os pastores não estão a
seu próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas
para Jesus Cristo: �A fé não admite glorificação senão exclusivamente em
Cristo. Segue-se que aqueles que exaltam excessivamente a homens, os pri-
vam de sua genuína grandeza. Pois a coisa mais importante de todas é que
eles são ministros da fé, ou seja: conquistam seguidores, sim, mas não para
tures in the New Testament,� The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 4, p. 703; William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, Vol. 12, (2Tm 2.15-18, p. 183]. 90�Um sábio mestre tem a responsabilidade de acomodar-se ao poder de compreensão
daqueles a quem ele administra o ensino, de modo a iniciar-se com os princípios rudimenta-
res quando instrui os débeis e ignorantes, não lhes dando algo que porventura seja mais for-
te do que podem suportar� [J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.1), p. 98-99]. 91
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.15), p. 235. 92
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 9.16), p. 276-277. 93 João Calvino, As Institutas, IV.1.5.
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eles mesmos, e, sim, para Cristo�.94
A esfera da autoridade do ministro é derivada da Palavra: �A primeira regra do
ministro é não tentar fazer coisa alguma sem estar baseado nalgum man-
damento�.95 �A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão
de extrair dela tudo o que eles expõem diante do seu rebanho�.96
Todo o ofício do Ministro gira em torno da Palavra: �Porque devemos ter como
coisa resolvida que todo o ofício deles se limita à administração da Palavra
de Deus, toda a sua sabedoria consiste somente no conhecimento dessa Pa-
lavra, e toda a sua eloqüência ou oratória se restringe à pregação da mes-
ma. Se se afastarem dessa norma, serão tolos em seus sentidos, gagos em
seu falar, traiçoeiros e infiéis em seu ofício, sejam eles profetas, ou bispos, ou
mestres, ou pessoas estabelecidas em dignidade mais alta�.97 Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as ten-sões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessi-dades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas
não a cura para as suas reais necessidades. Os ministros foram chamados por Deus não para pregarem suas opiniões mas, o
Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza, sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mestres:
��A verdade do evangelho� deve ser considerada como sendo sua genuína
pureza ou, o que vem a ser a mesma coisa, sua pura e sólida doutrina. Pois
os falsos apóstolos não aboliam totalmente o evangelho, mas o adulteravam
com suas noções pessoais, de modo que ele logo passava a ser falso e mas-
carado. Isso é sempre assim quando nos apartamos, mesmo em grau míni-
mo, da simplicidade de Cristo. Quão impudentes, pois, são os papistas ao se
vangloriarem de que possuem o evangelho, pois ele não só é corrompido
por uma infinidade de invenções, mas também é mais que adulterado por
dogmas infindáveis e pervertidos�.98
Dargan (1852-1930) comentando sobre o trabalho de Calvino como exegeta e ex-positor das Escrituras, diz: �Na pregação de Calvino o método expositivo dos
pregadores da Reforma encontrou ênfase. Seus comentários eram frutos de
sua pregação e aula, e seus sermões eram comentários ampliados e aplica-
dos. (...) [O seu estilo) mostra-nos como o comentarista obteve o melhor do
pregador. Contudo os seus sermões não eram meros comentários. Ali temos
uma agilidade de percepção, uma firmeza no posicionamento, um poder
de expressão que aliados fazem o pensamento da Escritura marcar e produ-
94
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102. 95
João Calvino, As Institutas, (1541), IV.13. 96
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.13), p. 123. 97
João Calvino, As Institutas, (1541), IV.15. 98
João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.5), p. 52.
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zir sua impressão sem o auxílio da arte do orador�.99
F) OUSADIA NO ENSINO E NA DISCIPLINA:
�É dever de um pastor não só pôr-se contra as práticas perversas e ego-
ístas daqueles que procedem de maneira inconveniente, mas também, pelo
seu ensino e contínuas admoestações, precaver-se contra todos esses peri-
gos, quando estiver em seu poder fazê-lo�.100 Os pastores devem assumir o seu Ministério sem melindres, com coragem, ousadia e abnegação, sabendo que haverá
sempre lutas e desafios. O que eles não podem fazer é se desviar de sua missão:
�Os pastores piedosos e probos terão sempre que manter esta luta de des-
considerar as ofensas daqueles que querem desfrutar de vantagem em tu-
do. Pois a Igreja terá sempre em seu seio pessoas hipócritas e perversas, as
quais preferem suas próprias cobiças à Palavra de Deus. E mesmo as pessoas
boas, quer por alguma ignorância quer por alguma fraqueza, são às vezes
tentadas pelo diabo a ficar iradas com as fiéis advertências de seu pastor. É
nosso dever, pois, não ficar alarmados por quaisquer gêneros de ofensas,
contanto, naturalmente, que não desviemos de Cristo nossas débeis men-
tes�.101 Não há lugar também para timidez. Em muitos casos, o nosso silêncio, resultante
de nossa tibieza, pode pôr em risco o rebanho: Portanto, �um bom pastor deve
estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutri-
nas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma irrefreada oportu-
nidade de difundi-las�.102
Por isso, o ministro deve ser apegado à doutrina fiel. Concessões feitas levam ao
precipício doutrinário: �Quão arriscado é afastar-se mesmo que seja um fio de
cabelo da doutrina. (...) Em razão da fragilidade da carne, somos excessi-
vamente inclinados a cair, e o resultado é que Satanás pela instrumentalida-
de de seus ministros, pronta e facilmente destrói o que os mestres piedosos
constroem com grande e penoso labor�.103 �Satanás jamais descansa en-
quanto não envida esforço para obscurecer, com suas mentiras, a santa
doutrina de Cristo, e a vontade de Deus é que nossa fé seja provada com
tais conflitos�.104
99
Edwin C. Dargan, A History of Preaching, Grand Rapids, Mi.: Baker Book House, 1954, Vol 1, p. 449. Para um estudo sobre a pregação de Calvino: método, estilo e mensagem, bem como sua influ-ência sobre os pregadores de fala inglesa, Ver: T.H.L. Parker, The Oracles of God: An Introduction to
the Preaching of John Calvin, Cambridge, England: James Clarke & Co. 1947, (2002) Reprinted, 175p. 100
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.7), p. 135. 101
João Calvino, Gálatas, (Gl 1.10), p. 36-37. 102
João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 316. 103 João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 317. 104
J. Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 129.
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Uma armadilha para o ministro, é desejar simplesmente agradar a congregação,
obtendo o seu apoio à revelia da Palavra: �Paulo ensina que o alvo de todos os
ministros deve ser, antes de tudo: não ficar de espreita a espera do aplauso
da multidão, senão que devem agradar ao Senhor. Ele procede assim com
vistas a evocar o trono do juízo divino e a pôr aí os mestres ambiciosos que se
achavam intoxicados pelas glorificações do mundo e não pensavam em
nada mais....�.105 �Quem quer falar retamente, de acordo com Deus, tem
que ter os olhos fechados quanto à complacência dos homens. (...) Se nos
distraímos olhando as criaturas ao ponto de não poder falar com a devida
liberdade, acaso não estamos desonrando a Deus?�.106 �Quanto mais emi-
nentes nos tornamos, menos justificativa temos em fracassar e mais obriga-
dos somos a nos manter em nossa firme trajetória�.107 A nossa maior meta, no entanto, deve consistir em sermos fiéis ministros de Cristo na edificação da Igreja
por meio do ensino da Palavra.108 Não há nada mais importante do que desempe-nhar com fidelidade o ministério da Palavra: �Os homens amiúde põem diante
de si algum outro ideal que não tem nada a ver com a aprovação de si
mesmos por parte de Cristo; muitos estão à procura de aplausos para suas
habilidades, sua eloqüência ou seu conhecimento profundo, e essa é a ra-
zão por que deixam de prestar atenção às necessidades básicas que co-
mumente não produzem a desejada admiração popular. Paulo, porém, diz a
Timóteo que vivesse satisfeito com esta única coisa, a saber: que fosse um fiel
ministro de Cristo. E com certeza devemos considerar essa qualidade como
o mais honroso título, do que sermos mil vezes laureados com a sutileza dos tí-
tulos seráficos e de doutores. Lembremo-nos, pois, de que a honra mais ex-
celente que pode sobrevir a um pastor piedoso é ser ele considerado um
ministro de Cristo, de tal modo que, durante todo o seu ministério, não tenha
ele outro alvo além desse. Pois aqueles que tiverem alguma outra ambição
podem ser bem sucedidos em granjear a aprovação humana, mas não con-
seguirão agradar a Deus. E assim, para não sermos privados de tão imensa
bênção, aprendamos a não buscar nada mais, a não pensar em nada mais
importante; sim, a pensar em tudo como sendo comparativamente sem va-
lor diante desta bênção�.109 Por isso mesmo, no desempenho de seu ofício, o
ministro necessita de perseverança e solicitude: �Já que as lutas dos ministros de
Cristo surgem desde o exato momento em que começam a desempenhar
fielmente o seu ofício, o apóstolo também lembra-lhe de ser determinado e
inamovível diante da adversidade�.110 �Quanto maior for a dificuldade em
ministrar fielmente à Igreja, mais solícito deve ser o pastor em aplicar todas as
105
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.8), p. 106. 106
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre
Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 17), p. 203. 107
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.12), p. 174. 108
Vejam-se, conforme citações já feitas: J. Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.14-15), p. 232-235. 109 João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.6), p. 116. 110
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 4.5), p. 273.
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suas faculdades nesse ministério; não apenas por um curto tempo, mas com
inexaurível perseverança. Paulo lembra a Timóteo que, nesta obra, não há
espaço para indolência ou frouxidão, pois ela requer a máxima solicitude e
assiduidade�.111
Considerações Finais:
O culto reflete a nossa maneira de perceber a Palavra de Deus, visto que no culto respondemos com fé em adoração e gratidão a Deus;
112 o nosso responder revela a nossa teologia.113 Há uma conexão iluminadora. A nossa adoração é a nossa res-posta a Deus conforme o percebemos em Cristo partindo das Escrituras e, concomi-tantemente, esta compreensão, que nada mais é do que a nossa teologia, é impac-tada no ato de culto.114 O culto reflete a nossa teologia e, ao mesmo tempo ilumina, vitaliza a nossa reflexão teológica. A pura reflexão sem culto determinará uma fria
esterilidade �acadêmica�. A adoração sem reflexão redundará no distanciamento da
plenitude da revelação bíblica tendendo ao paganismo, à criação de um deus da
nossa experiência, não das Escrituras. É impossível uma genuína teologia bíblica divorciada de uma adoração bíblica; a
chamada �flexibilidade litúrgica� nada mais é do que uma �flexibilidade teológica� que
envolverá sempre uma �teologia� de remendos, distante da plenitude da revelação
Bíblica, em acordo, quem sabe, com a cultura que nos circunda. Devemos estar atentos ao fato de que ser Reformado envolve uma cosmovisão
unificada que se reflete em nossa maneira de ver e atuar no mundo; toda e cada fa-ceta de nossa existência. Ser Reformado não significa uniformidade, mas uma pers-pectiva semelhante da vida e da eternidade. Assim sendo, não nos parece razoável,
nem possível fazer sincretismos teológicos e litúrgicos e, ainda assim sobrevivermos
111 João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.14), p. 124. 112
Vejam-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 56.12), p. 503-504; As Institutas, II.8.16. O princípio de que devemos ser agradecidos a Deus considerando os seus feitos para conosco, é enfá-
tico no pensamento de Calvino: �Sempre que Deus manifesta sua liberalidade para conosco,
também nos encoraja a render-lhe graças; e prossegue agindo em nosso favor de forma
semelhante quando vê que somos gratos e cônscios do que ele nos tem feito� [João Calvino,
O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 40.9), p. 231]. �Embora Deus de forma alguma careça de nossos
louvores, contudo sua vontade é que este exercício, por diversas razões, prevaleça em nos-
so meio� [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 40.9), p. 232]; �Seja qual for a maneira em
que Deus se agrada em socorrer-nos, ele não exige nada mais de nós senão que sejamos
agradecidos pelo socorro e o guardemos na memória� [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 40.3), p. 216]. 113
�O culto reflete a teologia eclesiológica e deve marcar a fronteira entre o mundano
concupiscente e o sagrado espiritualizado� (Onezio Figueiredo, Culto (Opúsculo II), São Paulo:
(s.editora), 1997, p. 25). 114
Veja-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 40-41.
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como Reformados.115 A Teologia Reformada não nos autoriza a fazer racionaliza-ções que justifiquem a nossa acomodação ao status quo em nome de um espírito
�pastoral�, �compreensivo�, �didático� e supostamente equilibrado. Não é possível
uma teologia Reformada esquizofrênica! O culto reflete a nossa maneira de perceber a Palavra de Deus. Horton, acerta-damente, escreve: �Não há nada de errado com a arte que apela aos senti-
mentos e à imaginação, mas há muito de errado com um culto motivado
por sentimentos e imaginação�. Continua: �Não podemos adorar a Deus com
as nossas próprias opiniões ou emoções; nosso culto (que inclui nossa música)
deve ser rigorosamente verificado por sua integridade teológica. Não é uma
apresentação para divertir�.116 Calvino entende que �os pastores são como que despenseiros a quem Deus
tem confiado a incumbência de governar sua casa�.117 De fato, é responsabi-lidade do pastor a instrução, correção, edificação e disciplina da Igreja. Cabe ao pas-tor, portanto, instruir a sua Igreja quanto ao modo de adorar a Deus, mostrando de forma perseverante o que Deus mesmo declara em Sua Palavra. Como Presbítero
docente o pastor é responsável pela forma e conteúdo do culto público oferecido por sua igreja. Deste modo, ele deve se desdobrar em sua tarefa para que os fiéis, por
uma lamentável ignorância espiritual, não apresentem a Deus algo que Lhe seja es-tranho e desagradável. Assim sendo, a instrução de Paulo é-nos útil também aqui: �Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com
toda a longanimidade e doutrina� (2Tm 4.2). Que Deus nos ajude. Amém.
São Paulo, 14 de maio de 2008.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
115
Veja-se: Terry L. Johnson, Adoração Reformada: A adoração que é de acordo com as Escrituras, São Paulo: Puritanos, 2001, p. 11. 116
Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura, p. 92. 117
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.14), p. 96.