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o Patrimonio Como Categoria de Pensamento. in. Memoria e Patrimonio Ensaios Contemporaneos. Lamparina 2009. - Goncalves j. r. S-libre

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Memória B património: ensaios contemporâneosRegina Abreu; Mário Chagas (orgs.)

i. ed. (1003). Rio de janeiro: DP&A.

© Lamparina editora

Revisão

iVlicliell e Strzoda (i . ed.)Angelo Lessa (2. ed.)

Projelo gráfico, diagiámação e capa

Priscila Cardoso .

Imagem da capaPintura corporal e arte gráfica wrt/ãpi. Seni Wajãpi/2OOO.

O texlo deste li\i o foi adaptado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinadoem 1990, que começou a vigorar em t" de janeiro de 1009.

Proibida a reprodução, total ou parcial, por qualquer meio ou processo, seja reprográ-fico, fotográfico, gráfico, microfilmagem etc. Estas proibições aplicam-se também àscaracterísticas gráficas e/ou editoriais. A violação dos direitos autorais é punível co-mo crime (Código Penal, art. 184 e §§; Lei 6.895/80), com busca, apreensão e inde-nizações diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais - arts. 112,123, iz,j e 126).

Catalogação-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros

2.ed.Memória e património: ensaios contemporâneos / Regina Abreu, Mário Chagas (orgs.)

— i. ed. — Rio de Janeiro: Lamparina, 1009.320p.: i l.inclui bibliografia

ISBN 978-85-98271 -59-0

i. Património cultura! — Proteçào — Brasil. 2. Memória — Aspectos sociais — Brasil. I.Abreu, Regina. II . Chagas, Mário.

08-1519. CDD: 363.690981CDU: 35r.853(8i)

Lamparina editoraRua Joaquim Silva, 98, 2° andar, sala 201, LapaCep 20241-110 Rio de Janeiro RJ BrasilTe!./fax:.(21) 2232-T768 [email protected]

MEMÓRIA E PATRIMÓNIOENSAIOS CONTEMPORÂNEOS

ORGANIZADORES

REGINA ABREU « MÁRIO CHAGAS

CLÁUDIA CRISTINA DE MESQUITA GARCIA DIAS

JAMES CIIFFORD

JOSÉ REGINALDO SANTOS GONÇALVES

JOSÉ RIBAMA R BESSA FREIRE

LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE

MÁRCIA SANT'ANNA

MARIA CECÍLIA LONDRES FONSECA

MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS

RUBEN GEORGE OLIVE N

VERA BEATRI Z SIQUEIR A

2a edição

lamparin a

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l ; .

k.

O PATRIMÓNIO COMO CATEGORIA DE PENSAMENTO"

JOSÉ REGINALDO SANTOS GONÇALVES

Gostaria de elaborar algumas reflexões sobre as limitações e as pos-sibilidades que a noção de património oferece para o entendimentoda vida social e cultural.

O estudo das categorias de pensamento é uma contribuição ori-ginal da tradição antropológica. A história da disciplina é marcadapela descoberta e pela análise de categorias exóticas e aparentemen-te estranhas ao pensamento ocidental: tabu, mana, sacrifício, ma-gia, feitiçaria, bruxaria, mito, ritual, totemismo, reciprocidade etc.

No caso, estamos focalizando uma categoria não exótica, masbastante familiar ao moderno pensamento ocidental. Nossa tare-fa consiste em verificar em que medida ela está também presenteem sistemas de pensamento não modernos ou tradicionais e quaisos contornos semânticos que ela pode assumir em contextos histó-ricos e culturais distintos.

Como aprendemos a usar a palavra "património"?"Património" está entre as palavras que usamos com mais fre-

quência no cotidiano. Falamos dos patrimónios económicos e fi-nanceiros, dos patrimónios imobiliários; referimo-nos ao patrimó-nio económico e financeiro de uma empresa, de um país, de umafamília, de um indivíduo; usamos também a noção de patrimóniosculturais, arquitetônicos, históricos, artísticos, etnográficos, ecoló-gicos, genéticos; sem falar nos chamados patrimónios intangíveis,de recente e oportuna formulação no Brasil. Parece não haver limi-te para o processo de qualificação dessa palavra.

* Comunicação apresentada na mesa-redonda "Patrimónios emergentes e novos desafios:do genético ao intangível", durante a 2.6* Reunião Anual da Associação Nacional de Pris-Craduação em Ciências Sociais, realizada em Caxambu, em 23 de outubro de 2002.

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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO

Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria emfins do século XVIII,-juntamente com os processos de formação dosEstados nacionais,-o que é correto. Omite-se, no entanto, seu carátermilenar. Ela não é simplesmente uma invenção moderna. Está pre-sente no mundo clássico e na Idade Média. A modernidade ocidentalapenas impõe os contornos semânticos específicos assumidos por ela.Podemos dizer que a categoria "património" também se faz presentenas sociedades tribais.

O que estou argumentando é que estamos diante de uma cate-goria de pensamento extremamente importante para a vida sociale mental de qualquer coletividade humana. Sua importância nãose restringe às modernas sociedades ocidentais.

A categoria "colecionamento" traduz, de certo modo, o processode formação de patrimónios. Sabemos que esses, em seu sentidomoderno, podem ser interpretados como coleções de objetos móveise imóveis, apropriados e expostos por determinados grupos sociais.Todo e qualquer grupo humano exerce algum tipo de atividade decolecionamento de objetos materiais, cujo efeito é demarcar domí-nio subjetivo em oposição ao "outro". O resultado dessa atividadeé precisamente a constituição de um património (Clifford, 1985;Pomian, 1997).

No entanto, nem todas as sociedades humanas constituem pa-trimónios com o propósito de acumular e reter os bens reunidos.Muitas são as sociedades cujo processo de acumulação de bens temcomo propósito sua redistribuição, ou mesmo sua simples destrui-ção, como é o caso do kula trobriandês e do potlatch, no Noroesteamericano (Malinovvski, 1976; Mauss, 1974).

O que se precisa focar nessa discussão, penso, é a possibilidadede transitai analiticamente com essa categoria entre diversos mun-dos sociais e culturais. Em outras palavras: como é possível usaressa noção comparativamente? Em que medida ela pode nos serútil para entender experiências estranhas à modernidade?

Do ponto de vista dos modernos, a categoria "património" tende aaparecer com delimitações muito precisas. E uma categoria indivi-dualizada, seja como património económico e financeiro, seja comopatrimónio cultural, seja como património genético etc.

O PATRIMÔ N IO COMO CATEGORI A DE PENSAMENTO 27

Nesse sentido, suas qualificações acompanham as divisões es-tabelecidas pelas modernas categorias de pensamento: economia,cultura, natureza etc. Sabemos, entretanto, que. essas divisões sãoconstruções históricas. Pensamos que elas são naturais, que fa-zem parte do mundo. Na verdade, resultam de processos de trans-formação e continuam em mudança. A categoria "património", talcomo é usada na atualidade, nem sempre conheceu fronteiras tão

bem delimitadas.É possível transitar de uma a outra cultura com a categoria "pa-

trimónio", desde que possamos perceber as diversas dimensões se-mânticas que ela assume e não naturalizemos nossas representa-ções a seu respeito. Em contextos sociais e culturais não modernos,ela coincide com categorias mágicas, tais como mana e outras, edefine-se de modo amplo, com fronteiras imprecisas e com o poderespecial de estender-se e propagar-se continuadamente.

A noção de património confunde-se com a de propriedade. A li-teratura etnográfica está repleta de exemplos de culturas, nas quaisos bens materiais não são classificados como objetos separados dosseus proprietários. Esses bens, por sua vez, nem sempre têm atri-butos estritamente utilitários. Em muitos casos, servem a propósi-tos práticos, mas carregam, ao mesmo tempo, significados mágico-religiosos e sociais. Configuram aquilo que Mareei Mauss (1974)denominou "fatos sociais totais". Tais bens são, simultaneamente,de natureza económica, moral, religiosa, mágica, política, jurídica,estética, psicológica e fisiológica. Constituem, de certo modo, exten-sões morais de seus proprietários, e estes, por.sua vez, são partesinseparáveis de totalidades sociais e cósmicas que transcendem suacondição de indivíduos. O mesmo autor assinalou:

f...] se a noção de espírito nos pareceu ligada à de propriedade, in-versamente esta se liga àquela. Propriedade e força são dois termosinseparáveis; propriedade e espírito se confundem (id., ib., p. 133).

Nos contextos sociais e culturais modernos, esse aspecto mági-co não está ausente das representações da categoria "património",embora esta tenda a ser delineada de modo nítido, separadamente

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de outras localidades. A exemplo do mana melanésio, discute-sea presença ou ausência do património, a necessidade ou não depreservá-lo, porém não se discute sua existência. Essa categoria éum dado de nossa consciência e de nossa linguagem; um pressu-posto que dirige nossos julgamentos e raciocínios.

Ainda que possamos usar a categoria património em contextosmuito diversos, é necessário adotar certas precauções. É precisocontrastar cuidadosamente as concepções do observador e as con-cepções nativas.

Recentemente, construiu-se uma nova qualificação: o "patrimó-nio imaterial" ou "intangível". Opondo-se ao chamado "patrimóniode -pedra e cal", aquela concepção visa a aspectos da vida social e cul-tural dificilmente abrangidos pelas concepções mais tradicionais.

Nessa nova categoria estão lugares, festas, religiões, formas demedicina popular, música, dança, culinária, técnicas etc. Como su-gere o próprio termo, a ênfase recai menos nos aspectos materiaise mais nos aspectos ideais e valorativos dessas formas de vida. Di-ferentemente das concepções tradicionais, não se propõe o tom-bamento dos bens listados nesse património. A proposta existe nosentido de registrar essas práticas e representações e acompanhá-las para verificar sua permanência e suas transformações.

A iniciativa é bastante louvável, porque representa uma inovaçãoe flexíbilização nos usos da categoria "património", particularmenteno Brasil. Ela oferece, também, a oportunidade de aprofundar nossareflexão sobre os significados que pode assumir essa categoria. Paraisso, gostaria de trazer uma experiência recente como pesquisador.

Nos últimos anos, venho realizando pesquisas sobre as Festas doDivino Espírito Santo entre imigrantes açorianos, nos Estados Uni-dos e no Brasil. Podemos dizer que essas festas constituem um "fatode civilização", no sentido atribuído por Mareei Mauss a esse termo(1981, p. 475-493). Não se restringem a uma determinada área sociale cultural, transcendendo fronteiras nacionais e geográficas. É vas-ta sua área de ocorrência: Açores, Canadá, Estados Unidos (Nova

. Inglaterra e Califórnia, principalmente) e Brasil (especialmente nasregiões Sul e Sudeste).

O PATRIMÓNIO COMO CATÍCORIA DE PENSAMENTO 29

Em termos históricos, a manifestação apresenta grande profun-didade. Os mitos de origem da festa referem-se à sua criação noséculo XIII , em Portugal. Mas há referências sobre sua existênciana Alemanha e na França, ainda no século XII . Estamos, pois,diante de uma estrutura de longa duração.

Trata-se, também, de um "fato social total", na medida em queenvolve arquitetura, culinária, música, religião, rituais, técnicas, esté-tica, regras jurídicas, moralidade etc., o que suscita algumas questõesrelativamente voltadas às concepções de património. Em especialpelo fato de essas diversas dimensões não aparecerem, do ponto devista nativo, como categorias independentes. Evidenciam-se de modosimbólico, totalizadas pelo Divino Espírito Santo. Este, por sua vez, érepresentado não exatamente como a terceira pessoa da SantíssimaTrindade, mas como uma entidade individualizada e poderosa.

Essas festividades são exemplo do que poderíamos chamar de"património transnacional". Todavia, classificar essa festa como pa-trimónio exige cautela. É preciso reconhecer algumas nuanças nasrepresentações do que se pode entender por património.

É bem verdade que são as próprias lideranças açorianas que fa-lam de um "património açoriano" ou da açorianidade. Mas esse usoestá distante das concepções assumidas pelos devotos do EspíritoSanto em sua vida cotidiana. A diferença fundamental encontra-se precisamente no uso das categorias "espírito" e "matéria", quesão diversamente concebidas por intelectuais e lideranças açoria-nas, pelos padres da Igreja Católica e pelos devotos.

Do ponto de vista dos devotos, a coroa, a bandeira, as comidas,os objetos (todo esse conjunto de bens materiais que integram afesta são propriedade das irmandades) são, de certo modo, mani-festações do próprio Espírito Santo. Do ponto de vista dos padres,são apenas "símbolos" (no sentido de que são matéria e não se con-fundem com o espírito). Na visão dos intelectuais, são apenas re-presentações materiais de uma "identidade" e de uma "memória"étnicas. Sob essa ótica, as estruturas materiais que poderíamos clas-sificar como património são, primeiramente, boas para identificar.

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JU MtMUKIA £ PATRIMÓNIO

As classificações dos devotos são estranhas a tal concepção depatrimónio. Do ponto de vista deles, trata-se fundamentalmentecie uma relação de. troca com uma divindade. E, de acordo com essaconcepção total, culinária, objetos, rituais, mitos, espírito, matéria,tudo se mistura. Sabemos do caráter fundador dessas relações de tro-ca com os deuses. Segundo Mareei Mauss (1974, p. 63), foi com elesque os seres humanos primeiro estabeleceram relações de troca, umavez que aqueles eram "os verdadeiros proprietários das coisas e dosbens do mundo".

Como podemos usar adequadamente, em contextos como es-ses, a categoria "património"? É possível ali, certamente, identificarestruturas espaciais, objetos, alimentos, rezas, mitos, rituais nessacategoria. Mas é preciso não naturalizá-la e impor àquele conjuntoum significado peculiai e estranho ao ponto de vista nativo.

Há uma diferença básica que reside no modo como é representadaa oposição entre matéria e espírito. Sabemos que a concepção deuma matéria depurada de qualquer espírito é uma construção mo-derna (kl., ib., p. 163). O mesmo acontece com um espírito, indepen-dentemente de toda e qualquer materialidade. Não é a partir dessadicotomia que pensam os devotos. É necessário levar em conta essefato, se quisermos entender a concepção nativa de património.

É possível preservar uma "graça" recebida? É possível tombar os"sete dons do Espírito Santo"? Certamente não. Mas é possível,sim, preservar, por meio de registros e acompanhamento, lugares,objetos, festas, conhecimentos culinários etc. É nessa direção quecaminha a noção recente dê "património intangível", nos recentesdiscursos brasileiros acerca de património.

É curioso, no entanto, o uso dessa noção para classificar benstão tangíveis quanto lugares, festas, espetáculos e alimentos. Decerto modo, essa noção expressa a moderna concepção antropo-lógica de cultura. Segundo ela, a ênfase está nas relações sociaisou mesmo nas relações simbólicas, mas não nos objetos e nas téc-nicas. A categoria "intangibilidade" talvez esteja relacionada a essecaráter desmaterializado que assumiu a referida moderna noçãoantropológica de cultura. Ou, mais precisamente, ao afastamento

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dessa disciplina, ao longo do século XX, do estudo de objetos ma-teriais e técnicas (Schlanger, 1998). Não por acaso, são antropólo-gos muitos dos que estão à frente daquele projeto de renovação ou

ampliação da categoria património.Do ponto de vista dos devotos, o património é pensado não exa-

tamente como um símbolo de realidades espirituais, nem, necessa-riamente, como representações de uma identidade étnica açoriana.Na verdade, ele é pensado como formas específicas de manifesta-

ção do Divino Espírito Santo.Afinal, os seres humanos usam seus símbolos sobretudo para

agir, e não somente para se comunicar. O património é usado nãoapenas para simbolizar, representar ou comunicar: é bom para agir.Essa categoria faz a mediação sensível entre seres humanos e di-vindades, entre mortos e vivos, entre passado e presente, entre océu e a terra e entre outras oposições. Não existe apenas para re-presentar ideias e valores abstratos e ser contemplado. O patri-mónio, de certo modo, constrói, forma as pessoas.

Vale sublinhar que esses diversos significados não se excluem.As mesmas pessoas podem operar ora com um, ora com outro sig-nificado, como no caso da "coroa do divino", um elemento ex-tremamente importante desse património. Exposta num museu,estabelece a mediação entre os visitantes e a "cultura açoriana",torna visível essa dimensão do "invisível" (Pomian, 1997). Numa ir-mandade religiosa, circula entre os irmãos, está presente em festase cerimónias, nos almoços rituais, manifestando concretamente apresença do Espírito Santo, fazendo uma mediação sensível entre adivindade e seus devotos. No último contexto, não se trata de umasimples coroa de prata. No contexto de uma exposição museológj-ca, é um objeto cultural, parte do chamado "património açoriano",aqui entendido em seu sentido estritamente moderno.

A originalidade da contribuição dos antropólogos à construção eao entendimento da categoria "património" reside, talvez, na ambi-guidade da noção antropológica de cultura, permanentemente ex-posta às mais diversas concepções nativas. Explorando essa dire-ção de pensamento, é a própria categoria património que vem a ser

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pensada etnograficamente, tomando-se como referência o pontode vista do outro. Pergunta-se: em que medida essa categoria é útilpara entender outras culturas? Em que medida permite entendero universo mental e social de outras populações?

Mareei Mauss (1974, p. 205) dirigia aos antropólogos a famosarecomendação:

[...] antes de tudo, [é necessário] formar o maior catálogo possível decategorias; é preciso partir de todas aquelas das quais é possível saberque os homens se serviram. Ver-se-á então que ainda existem muitasluas mortas, ou pálidas, ou obscuras no firmamento da razão.

Estamos certamente diante de uma dessas categorias. É neces-sário comparar os diversos contornos semânticos que ela pôde epoderá ainda assumir no tempo e no espaço. Contudo, no cumpri-mento dessa tarefa, é importante assinalar que nos situamos numplano distinto das discussões de ordem normativa e programáticasobre o património. Não poderemos responder qual a melhor op-ção em termos de políticas de património. Mas, apontando para adimensão universal dessa noção, talvez possamos iluminar as ra-zões pelas quais os indivíduos e os grupos, em diferentes culturas,continuem a usá-la. Mais do que um sinal diacrítico a diferenciarnações, grupos étnicos e outras coletividades, a categoria "patrimó-nio", em suas variadas representações, parece confundir-se com asdiversas formas de autoconsciência cultural. Ao que parece, esta-mos diante de um problema bem mais complexo do que sugeremos debates políticos e ideológicos sobre o tema do património.

Referências

GLIFFORD, J. Objects and selves: an afterword. In: STOCKINO, G. (org.)Objects and others: essays on museums and material culture. Madison:The University of Wisconsin Press, 1985.

O PATRIMÓNIO COMO CATEGORIA Dt PINSAMENTO

MALINOWSKI , B, Argonautas do Pacífico ocidental. São Paulo: Abril, 1976.

Gol. Os Pensadores.MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca em sociedades

arcaicas. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974.. Civilizações: elementos e formas. In: Ensaios de sociologia. São

Paulo: Perspectiva, 1981.POMFAN, K. Coleção. In: RucGiERO, R. Enciclopédia Einaudi: Memóría-

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