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O PERFIL DEMOGRÁFICO DA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA: UMA
PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO DO CADASTRO ÚNICO
GT 22: Visibilidade das populações tradicionais e interface com políticas públicas
RESUMO: Este artigo possui o objetivo de apresentar o perfil por idade e sexo da
agricultura familiar brasileira, a partir da utilização dos inscritos no Cadastro Único
(CadÚnico) do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). O CadÚnico, após sua
divulgação de microdados amostrais, apresenta-se como uma potencial fonte de
dados para o campo de estudos da sociologia rural e da demografia, particularmente
no que se refere a populações tradicionais pobres. Os dados de 2016 revelam que o
perfil etário e por sexo da agricultura familiar é bastante heterogêneo entre as grandes
regiões brasileiras. Isto revela diferentes estágios da Transição Demográfica. O Sul
apresenta um perfil populacional de agricultores familiares mais envelhecidos, com
elevada razão de dependência. O Norte se caracteriza por uma concentração de
jovens. O Nordeste e Sudeste, com perfis etários bastante próximos, com acentuada
concentração de população jovem. O Centro Oeste com perfil etário distinto dos
demais, onde verifica-se a menor representação do sexo masculino, sobretudo entre
os jovens. De forma geral as disparidades entre as pirâmides sugerem que processos
dinâmicos, como a migração interna, podem influenciar a estrutura populacional,
expressiva entre a população jovem em todas as regiões.
Palavras-Chaves: Cadastro Único, Fonte de Dados, Agricultura Familiar
1
O PERFIL DEMOGRÁFICO DA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA: UMA
PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO DO CADASTRO ÚNICO
Pedro Gomes Andrade
Giovana Gonçalves Pereira
Raphael Mendonça Guimarães
José H. C. Monteiro da Silva
INTRODUÇÃO
O Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), criado em 2001,
apresenta-se como instrumento de mapeamento de famílias beneficiárias de baixa
renda de programas sociais do governo federal. Este registro contabiliza o estoque de
famílias beneficiárias de políticas sociais voltadas ao combate da pobreza, de baixa
renda, ano a ano, definidas pelo Decreto nº 6.135/2007. As famílias são elegíveis a
partir de dois critérios: i) possuam renda familiar per capita de até meio o salário
mínimo; e ii) renda familiar total de até três salários mínimos.
Estão presentes no CadÚnico os beneficiários do Programa Bolsa-Família
(PBF), do Benefício de Proteção Continuada (BPC), do Programa Nacional de
Inclusão de Jovens (ProJovem), Programa Minha Casa, Minha Vida, Programas
Cisternas, Bolsa Estiagem, Programa Nacional da Reforma Agrária, Programa de
Fomento às Atividades Produtivas Rurais/ Assistência Técnica e Extensão Rural,
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e demais políticas da rede
socioassistencial nos níveis locais, estaduais e federais.
A partir desta fonte de dados é possível a desagregação das informações por
distribuição territorial, composição por sexo e faixa etária, assim como, por
características socioeconômicas das famílias e consequentemente dos indivíduos
Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP). E-mail: [email protected] Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP). E-mail: [email protected] Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP). E-mail: [email protected] Aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP). E-mail: [email protected]
2
cadastrados. Além disso, segundo Januzzi (2017), a base de dados do CadÚnico, ao
contar com a atualização regular das famílias beneficiárias dos programas sociais,
“[...] acaba funcionando como um censo contínuo da população mais pobre do país”.
Ainda, esta fonte de dados também possibilita mapear Grupos Populacionais
Tradicionais e Específicos (GPTEs) como: famílias indígenas, quilombolas,
ribeirinhas, extrativistas, ciganas, agricultores familiares, entre outras.
Destarte, o artigo busca apresentar a utilização dos microdados do CadÚnico
para mensurar o perfil por idade e sexo das famílias de agricultores familiares, entre
as cinco grandes regiões brasileiras. O perfil demográfico das pessoas envolvidas em
agricultura familiar no Brasil ainda é pouco conhecido, o que traz relevância para o
artigo. A partir disso tem-se o objetivo de apresentar a potencialidade da utilização
dos dados amostrais do CadÚnico para estudos demográficos e de sociologia rural,
com enfoque para a pobreza.
MATERIAIS E MÉTODOS
Bases de Dados
Foram utilizados os microdados amostrais referentes ao ano de 2016
disponibilizados pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) e
Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), vinculadas ao Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS)1. A iniciativa de disponibilização de dados amostrais
desidentificados do CadÚnico possibilita a utilização de dados anuais desde de 2012
e tem o objetivo de fomentar a utilização de informações socioeconômicas sobre
famílias e pessoas de baixa renda cadastradas por pesquisadores, para análise de
políticas sociais. Devido a utilização de dados amostrais, todas as análises
apresentadas neste artigo foram feitas no software R version 3.4.0, com a expansão
da amostra realizada através do pacote survey (LUMLEY, 2017).
Os microdados amostrais do CadÚnico estão dispostos em dois diferentes
bancos de dados: um referente às informações de famílias e outro referente às
informações das pessoas. A identificação de pessoas pertencentes aos GPTEs,
dentre os quais se inserem os agricultores familiares, é feita por meio do código de
identificação de cada família, presente nos dois tipos de bancos de dados.
1 O download dos microdados pode ser acessado em: < https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=212> Acessado em 8 fev 2018.
3
A forma de identificação de qual GPTEs pertence à família é dada a partir da
pergunta: “Indique abaixo se sua família pertence a algum grupo populacional
tradicional ou específico” e o respondente se autodeclara pertencente a alguma
população tradicional específica, dentre as seguintes opções: “família cigana”; “família
extrativista”; “família de pescadores artesanais”; “família pertencente à comunidade
de terreiro”; “família ribeirinha”; “família de agricultores familiares”; “Família Assentada
da Reforma Agrária”; “Família beneficiária do Programa Nacional do Crédito
Fundiário”; “Família Acampada”; “Família Atingida por Empreendimentos de
Infraestrutura”; “Família de Preso do Sistema Carcerário”; “Família de Catadores de
Material Reciclável”; e “Nenhuma”2.
Operacionalmente, na utilização dos microdados, foi necessário em um primeiro
momento identificar os códigos das famílias de Agricultores Familiares, variável
presente na base de dados de famílias e em seguida, com tais identificadores em
mãos, selecionaram-se somente os indivíduos com vínculos com a agricultura familiar
no banco de dados de pessoas.
A base de dados de famílias, no ano de 2016, contava com 30 variáveis e 34
variáveis na base de pessoas (Quadro 1), abarcando amostras de 15.319.911
pessoas e 5.208.608 famílias.
2 O detalhamento sobre a evolução do cadastramento de GPTEs pode ser observada em MDS (2014).
4
Quadro 1 – Variáveis disponíveis nos bancos de dados amostrais de pessoas e famílias
Pessoas Famílias
Nome da variável Descrição Nome da variável Descrição
cd_ibge Código IBGE do Município cd_ibge Código IBGE do Município
cod_sexo_pessoa Sexo dat_cadastramento_fam
Data do cadastramento da família no formato YYYY-MM-DD
Idade Idade calculada a partir da diferença entre a data de nascimento da pessoa e a data de referência da base
dat_alteracao_fam
Data da última alteração em qualquer campo da família no formato YYYY-MM-DD (Variável utilizada nos de 2014, 2015, 2016 e 2017)
cod_parentesco_rf_pessoa Relaçao de parentesco com o RF vlr_renda_media_fam
Valor da renda média (per capita) da família, formato NNNNNNNNN (não tem a vírgula). Ex. Uma renda de R$ 125,00 constará na base como 125.
cod_raca_cor_pessoa Cor ou raça dat_atualizacao_familia
Data da última atualização da família dos dados considerados sensíveis à manutenção do cadastro no formato YYYY-MM-DD (Variável utilizada nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017)
cod_local_nascimento_pessoa Local de nascimento dat_atual_fam
Data da última alteração em qualquer campo da família no formato YYYY-MM-DD (variável utilizada nos anos de 2012 e 2013)
cod_certidao_registrada_pessoa Pessoa registrada em cartório cod_local_domic_fam
Características do local onde está situado o domicílio
cod_deficiencia_memb Pessoa tem deficiência? cod_especie_domic_fam Espécie do domicílio
cod_sabe_ler_escrever_memb Pessoa sabe ler e escrever? qtd_comodos_domic_fam Quantidade de comodos do domicilio
ind_frequenta_escola_memb Pessoa frequenta escola?
qtd_comodos_dormitorio_fam
Quantidade de comodos servindo como dormitório do domicilio
cod_escola_local_memb Escola localizada no município? cod_material_piso_fam Material predominante no piso do domicílio
cod_curso_frequenta_memb Curso que a pessoa frequenta cod_material_domic_fam
Material predominante nas paredes externas do domicílio
cod_ano_serie_frequenta_memb Ano e série que a pessoa frequenta cod_agua_canalizada_fam Se o domicílio tem água encanada
cod_curso_frequentou_pessoa_memb
Curso mais elevado que a pessoa frequentou cod_abaste_agua_domic_fam
Forma de abastecimento de água
cod_ano_serie_frequentou_memb
Último ano e série frequentado pela pessoa cod_banheiro_domic_fam Existência de banheiro
cod_concluiu_frequentou_memb A pessoa concluiu o curso?
cod_escoa_sanitario_domic_fam
Forma de escoamento sanitário
cod_trabalhou_memb Pessoa trabalhou na semana passada?
cod_destino_lixo_domic_fam
Forma de coleta do lixo
cod_afastado_trab_memb Pessoa afastada na semana passada? cod_iluminacao_domic_fam Tipo de iluminação
cod_agricultura_trab_memb É atividade extrativista?
cod_calcamento_domic_fam
Calçamento
cod_principal_trab_memb Função principal cod_familia_indigena_fam Família indígena
val_remuner_emprego_memb
Valor de remuneração no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma remuneração de R$ 125,00 constará na base como 125.
ind_familia_quilombola_fam Família quilombola
cod_trabalho_12_meses_memb
Pessoa com trabalho remunerado em algum período nos último 12 meses
nom_estab_assist_saude_fam
Nome do estabelecimento EAS/MS
qtd_meses_12_meses_memb
Quantidade de meses trabalhados nos últimos 12 meses
cod_eas_fam Código do estabelecimento EAS/MS
val_renda_bruta_12_meses_memb
Valor de remuneração bruta no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma remuneração de R$ 125,00 constará na base como 125.
nom_centro_assist_fam Nome do CRAS/CREAS
val_renda_doacao_memb
Valor recebido de doação no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma renda de R$ 125,00 constará na base como 125.
cod_centro_assist_fam Código do CRAS/CREAS
val_renda_aposent_memb
Valor recebido de aposentadoria no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma remuneração de R$ 125,00 constará na base como 125.
ind_parc_mds_fam Grupos tradicionais e específicos
val_renda_seguro_desemp_memb
Valor recebido de seguro desemprego no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Um valor de R$ 125,00 constará na base como 125.
peso.fam Peso calculado da família
val_renda_pensao_alimen_memb
Valor recebido de pensão alimentícia no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma renda de R$ 125,00 constará na base como 125.
id_familia Identificador único da família para pareamento com a base de pessoas
val_outras_rendas_memb
Valor recebido de outras fontes no formato NNNNN (sem casas decimais). Ex. Uma renda de R$ 125,00 constará na base como 125.
Estrato São gandes grupos de municípios, de acordo com a quantidade de famílias cadastradas
peso.fam Peso calculado da família Classf
Subdivisão pela Unidade Federativa e divisão administrativa
peso.pes Peso calculado da pessoa qtd_pessoas
Quantidade de pessoas utilizada no cálculo da renda per capita familiar – variável calculada pelo sistema
id_familia
Identificador único da família de vinculação da pessoa para pareamento com a base de famílias
Estrato
São grandes grupos de municípios, de acordo com a quantidade de famílias cadastradas
Classf
Subdivisão pela Unidade Federativa e divisão administrativa
Fonte: Disponível em: <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=212>. Data de acesso: 16 fev 2018.
Ademais, é importante apresentar o processo de amostragem do CadÚnico que
foi realizado de forma probabilística do tipo amostragem estratificada, em múltiplos
estágios3. Neste processo, são obtidos um peso para famílias e outro para pessoas.
3 Disponível em <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/noticias/arquivos/files/Plano_amostral_
5
O delineamento amostral permitiu garantir a representatividade da amostra por UFs e
divisão administrativa (capital, demais municípios da RM ou RIDE e demais
municípios da UF).
Análise dos Dados
Após a identificação do GPTEs de agricultores familiares foi realizado
cruzamento de informações adicionais, como sexo, idade e Grande Região. Para a
análise do perfil demográfico da agricultura familiar dos inscritos no CadÚnico foram
construídos gráficos de distribuição etária e sexo e indicadores de estrutura etária
(índice de envelhecimento e a razão de dependência).
O Índice de Envelhecimento consiste no quociente entre o número de pessoas
de 60 e mais anos e o número de pessoas de 0 a 14 anos, multiplicados por 100. Este
indicador, resultante de componentes etários extremos da população (jovens e
idosos), ajuda a caracterizar em qual estágio da transição demográfica está a região
geográfica, ou estrato populacional analisado. Valores elevados indicam que a
transição demográfica se encontra em estágio avançado.
A Razão de Dependência consiste no quociente entre os grupos etários de
economicamente dependentes (menores de 15 anos de idade e os de 60 anos ou
mais anos de idade) e o grupo etário potencialmente produtivo (população entre 15 e
59 anos de idade). Além deste indicador que se refere a dependência total, foram
utilizados dois indicadores derivados: a dependência de jovens e de idosos, mantendo
constante o denominador e modificando o numerador apenas para população de
interesse.
Por fim, é importante ressaltar que estudo se encontra em consonância com a
Resolução 510 de 2016, que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em
Ciências Humanas e Sociais. Considerando que os procedimentos metodológicos não
envolveram o uso de dados diretamente obtidos com participantes ou informações
identificáveis, fica isento da obrigação de aprovação por Comitê de Ética.
microdados_cadastro_unico.pdf>. Acesso em 8 fev 2018.
6
RESULTADOS
No ano de 2016 o CadÚnico registrou 3.698.629 pessoas autodeclaradas como
agricultores familiares, 1.797.609 do sexo masculino (48,6%) e 1.901.020 (51,4%) do
sexo feminino (Tabela 1). Cerca de 63,6% da população de agricultores familiares
tinha de 15 a 59 anos, revelando uma estrutura etária rejuvenescida (Tabela 1). O
Gráfico 1 ajuda a reforçar esta constatação, que se mantêm nas Grandes Regiões.
Ademais, pode-se observar que apesar de jovem, os perfis etários entre as grandes
regiões do país apresentam particularidades que os diferem. Outro ponto importante
é a possível presença da migração da população jovem, sobretudo para os homens
na região Centro-Oeste e Sul, verificada devido a redução drástica da população
jovem destas regiões (Gráfico 1). Isto deve-se em grande medida a saída para o
estudo e/ou qualificação profissional e entrada no mercado de trabalho.
De acordo com as TabelasTabela 1 eTabela 2, bem como o Gráfico 1, pode-se
observar que o perfil etário e por sexo da agricultura familiar é bastante heterogêneo
entre as grandes regiões do país, revelando diferentes estágios da Transição
Demográfica. O Sul apresenta um perfil populacional de agricultores familiares mais
envelhecidos, com elevada razão de dependência. O Norte se caracteriza por uma
concentração de jovens. O Nordeste e Sudeste, com perfis etários bastante próximos,
com acentuada concentração de população jovem. O Centro Oeste com perfil etário
distinto dos demais, onde verifica-se a menor representação do sexo masculino,
sobretudo entre os jovens. De forma geral as disparidades entre as pirâmides
sugerem que processos dinâmicos, como a migração interna, podem influenciar a
estrutura populacional, expressiva entre a população jovem em todas as regiões.
Tabela 1 – Distribuição etária e por sexo de Agricultores Familiares segundo Grande Região, 2016
Grande Região/ Dist. Etária
Masculino Feminino Total
N (%) N (%) N (%)
Brasil 1.797.609 100 1.901.020 100 3.698.629 100
0-14 594.199 33,05 566.023 29,77 1.160.222 31,37
15-59 1.096.692 61,01 1.255.796 66,06 2.352.487 63,60
60+ 106.719 5,94 79.201 4,17 185.920 5,03
Norte 281.686 100 288.977 100 570.662 100
0-14 116.258 41,27 110.894 38,37 227.152 39,80
15-59 154.188 54,74 171.023 59,18 325.210 56,99
60+ 11.240 3,99 7.060 2,44 18.300 3,21
Nordeste 1.388.350 100 1.486.573 100 2.874.923 100
7
0-14 442.600 31,88 421.776 28,37 864.376 30,07
15-59 861.275 62,04 999.952 67,27 1.861.227 64,74
60+ 84.475 6,08 64.845 4,36 149.320 5,19
Sudeste 55.061 100 54.193 100 109.254 100
0-14 16.589 30,13 15.320 28,27 31.909 29,21
15-59 34.809 63,22 36.384 67,14 71.193 65,16
60+ 3.663 6,65 2.489 4,59 6.152 5,63
Sul 62.246 100 60.655 100 122.900 100
0-14 15.274 24,54 14.737 24,30 30.011 24,42
15-59 40.649 65,30 41.793 68,90 82.442 67,08
60+ 6.322 10,16 4.125 6,80 10.447 8,50
Centro Oeste 10.266 100 10.623 100 20.889 100
0-14 3.477 33,87 3.297 31,03 6.774 32,43
15-59 5.770 56,21 6.644 62,54 12.414 59,43
60+ 1.019 9,92 682 6,42 1.701 8,14
Total 1.797.609 1.901.020 3.698.629
Fonte: Dados amostrais do Cadastro Único de 2016.
Gráfico 1 – Distribuição etária e por sexo de Agricultores Familiares, Brasil e Grandes Regiões, 2016
Fonte: Dados amostrais do Cadastro Único de 2016.
8
Tabela 2 – Indicadores de estrutura etária por sexo de Agricultores Familiares segundo Grande Região, 2016
Indicador/ Grande Região
Masculino Feminino Ambos os
Sexos
Índice de Envelhecimento
Brasil 17,96 13,99 16,02
Norte 9,67 6,37 8,06
Nordeste 19,09 15,37 17,27
Sudeste 22,08 16,25 19,28
Sul 41,39 27,99 34,81
Centro Oeste 29,29 20,70 25,11
Razão de Dependência (Jovens)
Brasil 54,18 45,07 49,32
Norte 75,40 64,84 69,85
Nordeste 51,39 42,18 46,44
Sudeste 47,66 42,10 44,82
Sul 37,58 35,26 36,40
Centro Oeste 60,26 49,62 54,57
Razão de Dependência (Idosos)
Brasil 9,73 6,31 7,90
Norte 7,29 4,13 5,63
Nordeste 9,81 6,48 8,02
Sudeste 10,52 6,84 8,64
Sul 15,55 9,87 12,67
Centro Oeste 17,65 10,27 13,70
Razão de Dependência (Total)
Brasil 63,91 51,38 57,22
Norte 82,69 68,97 75,47
Nordeste 61,20 48,66 54,46
Sudeste 58,18 48,95 53,46
Sul 53,13 45,13 49,07
Centro Oeste 77,91 59,89 68,27
Fonte: Dados amostrais do Cadastro Único de 2016.
DISCUSSÃO
Conceitualmente, o MDS define a família de agricultores familiares em
consonância com a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
Familiares Rurais (Lei n. 11.326/2006), como:
Aquela cuja sobrevivência vincula-se à atividade agropecuária, praticada, predominantemente, com a força de trabalho familiar, em âmbito doméstico, na produção para autoconsumo e comercialização do excedente. A propriedade familiar não pode ser maior do que 4 módulos fiscais (medida expressa em hectares e que varia de acordo com as características de cada município). As atividades agrícolas desenvolvidas por essas famílias podem envolver o cultivo de hortaliças, plantas medicinais, frutas, flores, bem como a criação de animais de pequeno porte e piscicultura, além da produção artesanal
9
e processamento de alimentos e bebidas para o consumo humano. (MDS, 2016, p. 2).
De acordo com o Guia de Cadastramento de Grupos Populacionais Tradicionais
e Específicos (MDS, 2012), o cadastramento das famílias de agricultores familiares
ocorre, geralmente, através da articulação da rede socioassistencial aos órgãos e
institucionais que atuam frente a esse grupo populacional. No âmbito das capitais e
regiões metropolitanas, a Delegacia Federal de Desenvolvimento Agrário, a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura, a Secretária Estadual de Agricultura
Familiar, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável. Já nos casos
dos municípios o contato pode ser feito através do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, com a Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), dentre outras empresas e
organizações não governamentais.
Neste sentido, cabe mencionar que a gestão do Cadastro Único, de acordo com
Curralero (2012), se desenvolve de forma descentralizada através da atuação dos
municípios e sob a coordenação do órgão gestor no nível federal, no caso a Secretária
Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) do Ministério de Desenvolvimento Social
(MDS). Majoritariamente, o acompanhamento das famílias cadastradas é realizado
pela equipe do órgão gestor, dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)
ou dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) dos
municípios.
É importante ressaltar que, com as modificações do questionário do Censo
Agropecuário de 2017 a atualização das informações acerca do perfil do agricultor
familiar brasileiro foi comprometida. Deste modo, acreditamos que o CadÚnico poderá
oferecer importantes subsídios para a construção e análise do perfil da agricultura
familiar brasileira. Ademais, compreender o perfil sociodemográfico destas famílias
pressupõe o entendimento das interfaces da agricultura familiar frente às modificações
socioeconômicas e demográficas do mundo rural, bem como frente às interrelações
entre os espaços rurais e urbanos.
Kageyama (2008) assinala, neste sentido, que o conceito de rural se modificou,
ao longo do tempo, de acordo com a conjuntura história, demográfica e
socioeconômica, correlacionando-se, assim, com a população, com o espaço, com a
economia e com uma determinada paisagem. Já Wanderley (2000) nos propõe a
leitura do universo rural através da combinação de um espaço singular e coletivo,
10
deste modo, “[...] a categoria ‘rural’ carrega em si a diversidade das próprias relações
entre os espaços rurais e urbanos – e entre as populações do campo e das cidades –
tais como se modificam histórica e socialmente, no tempo e no espaço”.
Sob essa abordagem, temos que os distintos perfis demográficos dos
agricultores familiares cadastrados no CadÚnico se associam aos condicionais
históricos e regionais de expansão e consolidação da fronteira agrícola brasileira, do
surgimento do “novo rural”, da articulação dos mercados locais e regionais, da questão
agrária nacional, do processo de urbanização e da transição demográfica.
A agricultura familiar surge como categoria política em meados de 1980 e
consolida-se na década de 1990, através das lutas protagonizadas pelos movimentos
sindicais com o intuito de reconhecimento social. Nesse sentido, devemos entender
que a agricultura familiar se apresenta como uma “[...] categoria sociológica, que não
pode ser desconectada da trajetória das políticas públicas e da invenção do Estado”
(Nierdele, Fialho e Conterato, 2015). Portanto, a categoria social de agricultores
familiares se constituiu pela articulação de distintos atores como a academia, a
organização de agentes políticos e as políticas de Estado (Kageyama, 2008;
Wanderley, 2015; Nierdele, Fialho e Conterato, 2015).
Simultaneamente, Abramovay (1992) aponta que o agricultor familiar não deve
ser definido somente a partir de seu papel na divisão social do trabalho, apesar de ter
seus objetivos econômicos delineados pelas condições de acesso aos meios de
produção, pela disponibilidade de terras, pelo padrão tecnológico presente e pelo
mercado. Ressaltando, em consonância com Neves (1995), que a unidade familiar é
a base da agricultura familiar.
Finalmente, podemos entender os agricultores familiares, segundo Picolotto
(2015), ora como atores sociais, ora por sua heterogeneidade, ora como empresários
rurais. Sob essa perspectiva, a agricultura familiar passou a ser compreendida tanto
como unidade produtiva, quanto unidade de organização familiar. Assim, a categoria
de agricultura familiar abarca, como apontam Nierdele, Fialho e Conterato (2015),
distintos grupos sociais como quilombolas, faxinalenses, geraizeiros, lavradores,
ribeirinhos, indígenas, pescadores artesanais, entre outros. Para este fim, o
cadastramento diferenciado dos GPTEs teve início no ano de 2004, identificando
famílias remanescente de quilombos e indígenas. Vale destacar que, a partir de 2010
com a Versão 7 do CadÚnico, foram implementados novos aprimoramentos do
sistema operacional e formulários de cadastramento, o que permitiu identificar outros
11
grupos tradicionais (MDS, 2014). A identificação destas famílias é feita por
autodeclaração.
A análise descritiva das características sociodemográficas da população de
agricultores familiares cadastrados no CadÚnico em dezembro de 2016 revelou que
a população de agricultores familiares, no recorte analisado, se caracteriza,
majoritariamente, por uma estrutura jovem. Destacando-se, para ambos os sexos, os
grupos etários de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos de idade. Em mesma medida,
destacamos a presença de crianças (0 a 9 anos), para ambos os sexos, nas regiões
Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Somente o Sul do país, apresentou uma
base mais estreita.
Esse cenário pode ser explicado em decorrência do perfil populacional atendido
pelo principal programa de transferência de renda do país, o Programa Bolsa-Família,
formado majoritariamente, nos espaços rurais, por casais jovens e com filhos (REGO
e PIZANI, 2014). A região Norte apresenta a maior proporção de jovens (10 a 14 anos)
no período sendo procedida pela região Centro-Oeste.
As regiões Sul e Sudeste apresentam estruturas populacionais mais
envelhecidas em comparação as demais. Conquanto, ao verificarmos os índices de
envelhecimento, notamos que com exceção do Norte que apresentou o menor índice
(8,06), todas as demais regiões apresentaram índices que já evidenciam o processo
de envelhecimento em curso nos espaços rurais, particularmente na região Sul
(34,81). A presença marcante da população idosa, não se correlaciona tão somente a
transição demográfica em curso no rural, mas também pela centralidade do Benefício
de Prestação Continuada (BPC) na composição da renda das famílias rurais como
evidenciam os estudos qualitativos de Gusmão e Alcântara (2008) e Alcântara (2016).
Alcântara (2016, p. 334), sinaliza que “as relações de consanguinidade ou de
afinidade são o primeiro recurso na busca de apoio dos mais velhos e dos mais jovens
[...] a ajuda prestada pelos velhos extrapola o caráter financeiro, somando, assim, o
cuidado com os netos e com o trabalho da casa”. Essas relações historicamente se
apresentam como estratégicas no momento da migração sazonal de trabalhadores
rurais e urbanos para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. Pereira (2015) e Maciel
(2016) destacam a centralidade das mulheres idosas para a manutenção e cuidados
domésticos da residência e propriedade de seus filhos, assim como, no cuidado de
seus netos enquanto os pais estão ausentes em razão da migração para a safra da
laranja em São Paulo.
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Ainda assim, notamos que o índice de envelhecimento masculino é superior ao
feminino, para todas as regiões brasileira, esse fato se correlaciona a migração
feminina rural-urbana de curta distância como apontam Camarano e Ambramovay
(1999). Em somatória, Menezes (2010) e Maciel (2013) apontam que a migração
feminina rural-urbana de longa distância, muitas vezes, se apresenta como estratégia
para saída de esquemas tradicionais de dominação masculina, o que corroboraria
com o aumento do envelhecimento e masculinização do campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo buscou apresentar o perfil demográfico da agricultura familiar brasileira,
a partir dos inscritos no CadÚnico. Desta forma, foram analisadas as famílias pobres
autodeclaradas como agricultores familiares. Pouco ainda se conhecia sobre a
distribuição etária e por sexo da agricultura familiar entre as Grandes Regiões, o que
acredita-se ser a contribuição do artigo para o tema da sociologia rural. Além disso é
importante ressaltar que a elaboração do artigo só foi possível a partir da
disponibilização dos microdados amostrais do CadÚnico. Nesse sentido, o CadÚnico
trata-se de uma potencial fonte de dados para o campo de estudos da sociologia rural
e da demografia, particularmente no que se refere a populações tradicionais pobres.
Os dados de 2016 revelaram que o perfil etário e por sexo da agricultura familiar
é bastante heterogêneo entre as grandes regiões brasileiras. Isto revela diferentes
estágios da Transição Demográfica. O Sul apresenta um perfil populacional de
agricultores familiares mais envelhecidos, com elevada razão de dependência. O
Norte se caracteriza por uma concentração de jovens. O Nordeste e Sudeste, com
perfis etários bastante próximos, com acentuada concentração de população jovem.
O Centro Oeste com perfil etário distinto dos demais, onde verifica-se a menor
representação do sexo masculino, sobretudo entre os jovens. De forma geral as
disparidades entre as pirâmides sugerem que processos dinâmicos, como a migração
interna, podem influenciar a estrutura populacional, expressiva entre a população
jovem em todas as regiões.
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