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O Problema Da Enfermidade No Novo Mundo

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O presente artigo busca analisar o conceito de imperialismo ecológico, domodo como foi cunhado pelo historiador Alfred Crosby, e sua aplicaçãoao estudo da mortalidade de nativos e europeus no Novo Mundo à luzdas novas produções em história ambiental e história das doenças. Comisso buscamos ultrapassar o campo das definições, empreendendo umaanálise crítica que leva em consideração os limites reconhecidosatualmente sobre o uso deste conceito tal como criado, propondo assimuma atualização em vista dos recentes estudos sobre a relação entregermes, europeus e nativos do novo mundo.

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Revista de História, 3, 1 (2011), p. 18-27http://www.revistahistoria.uf a. r/2011!1/a02.pdf

" pro #e$a da e%fer$idade %o %ovo $u%do:u$a a%&#ise 'r ti'a do i$peria#is$o e'o#ó*i'o+ de . ros

%dr as ues ita#

Mestre em História das Ciências e da SaúdeFundação Oswaldo Cruz

Resu$o:

O presente artigo busca analisar o conceito de imperialismo ecológico, domodo como oi cun!ado pelo !istoriador "l red Crosb#, e sua aplicaçãoao estudo da mortalidade de nati$os e europeus no %o$o Mundo & luzdas no$as produç'es em !istória ambiental e !istória das doenças( Comisso buscamos ultrapassar o campo das de iniç'es, empreendendo umaan)lise cr*tica +ue le$a em consideração os limites recon!ecidosatualmente sobre o uso deste conceito tal como criado, propondo assimuma atualização em $ista dos recentes estudos sobre a relação entregermes, europeus e nati$os do no$o mundo(

a#avras-'have:

"m rica - !istória - s culo ./01oenças e !istória - "m rica

Crosb#, "l red 2(, 34536

"rtigo resultante de pes+uisa realizada com o apoio da Coordenação parao "per eiçoamento do 7essoal de %*$el Superior 8Capes9(

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4pa%s5o i$peria# e e%fer$idades %o %ovo $u%do

historiador ambiental norte-americano Alfred W. Crosby nasceu emBoston em 1931, graduou-se em Harvard em 19 ! e doutorou-se emHist"ria #ela $niversidade de Boston em 19%1. &esde 1999 '

#rofessor em'rito de (eografia, Hist"ria e )studos Americanos da$niversidade do *e+as. Crosby ', sem d vida, um dos grandes nomes emestudos sobre hist"ria ambiental, um dos #rimeiros a levar em conta o #a#eldas doen as #ara a e+#ans o euro#eia no novo mundo. )m uma de suas#rinci#ais obras, Ecological imperialism: the biological expansion of Europe,900-1900 /190% , 2ue foi tradu ida em diversos #a4ses, inclusive no Brasil,

encontra-se o estudo sobre o interc5mbio de animais, #lantas, homens egermes entre o novo e o velho mundo. 1 6 #resente estudo visa analisarcriticamente a doen a como #roblema hist"rico, conforme a#ontado #orCrosby, e seu argumento fundado no conceito de im#erialismo ecol"gico 2ue,segundo ele, a#resentou-se de modo unilateral e unidirecional desde o#rimeiro contato dos nativos americanos com os coloni adores.

6

Antes de falar da doen a, #recisamos analisar o 2ue #ensa ohistoriador sobre seus agentes causadores. 7ara Crosby, os germes s o

8entidades dotadas de tamanho, #eso e massa 2ue, #ara se deslocar de umlugar a outro, necessitam do trans#orte ade2uado : neste caso, o organismohumano em tr5nsito. 6 germe no interior de seu hos#edeiro #ode fa er oorganismo reagir de modo a #rovocar diversos sintomas 2ue est o, muitas

ve es, em conformidade com a l"gica disseminadora da entidade noambiente. )sses agentes, no interior de novos cor#os e em localidades ondenunca foram antes manifestados, n o #ossuem nenhum ti#o de imunidadeante o germe. 7or conse2u;ncia, #odem aumentar consideravelmente suata+a de re#rodu o, su#erando a velocidade habitual com 2ue se #ro#aga noambiente. )ssa seria, #ara Crosby, a diferen a entre o germe em contato com#o#ula <es => ambientadas em rela o ? doen a, imuni adas contra ela, eregi<es de 8solo virgem , ou se=a, onde n o h> hist"rico de #essoasinfectadas #or uma determinada enfermidade.

1 A tradu o da edi o brasileira ficou a cargo de @os' Augusto ibeiro e Carlos Afonsoalferrari. Alfred W. Crosby, O imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa

(900-1900 , o 7aulo, Cia das Detras, 1993.

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eguindo #or esse argumento de car>ter biol"gico, o historiadornorte-americano afirma 2ue a )uro#a, ao tem#o da chegada de Colombo ?s

Am'ricas, #ossu4a um arsenal de germes ca#a de sub=ugar #o#ula <esinteiras, devido ? dis#aridade biol"gica entre os dois lados. 6s euro#eus

trou+eram consigo n o somente armas, mas algo muito mais letalE os germesdo velho mundo, 2ue eram res#ons>veis #or diversas doen as como mal>ria,gri#e, var4ola, rub'ola, dentre outras, 2ue foram determinantes #ara adevasta o demogr>fica do novo mundo. 6 argumento de Crosby re#ousa#rinci#almente nas evid;ncias sobre as e#idemias 2ue afetam #o#ula <esisoladas 2uando esse isolamento ' rom#ido. 6 autor cita como e+em#los ase#idemias 2ue afetaram diversos #ovos 2ue viviam em isolamento e 2ue#osteriormente entraram em contato com #o#ula <es imuni adas contracertas doen as, como as e#idemias de saram#o 2ue vitimaram os es2uim"sda Am'rica do Forte, em 19 !G os 4ndios no 7ar2ue Facional do ingu, em19 IG e entre os ianom5mis, em 19%0 : todos e+em#los com ta+as demortalidade variando entre J e !%,0K. !

A var4ola teria sido a #rimeira e uma das mais im#ortantes#andemias a atingir o novo mundo. &oen a 2ue afetava #rinci#almentecrian as na )uro#a, desem#enhou na Am'rica im#ortante #a#el na di ima ode diversas sociedades imediatamente antes e durante o contato com ohomem euro#eu. &a Am'rica Central, #or meio de levas migrat"rias, dado ohorror da doen a ou as trocas comerciais => e+istentes, nativos com a var4olaem #er4odo de incuba o /2ue varia de 1L a 1I dias teriam como levar adoen a #ara lugares distantes, onde continuava o ciclo de #ro#aga o. A

var4ola teria chegado ao im#'rio inca bem antes de Mrancisco 7i arro,desorgani ando at' a estrutura #ol4tica do im#'rio com o adoecimento emorte do inca e do sucessor #or ele indicado. egundo o historiador,

A doen a e+terminou uma grande #arcela dos astecas e abriucaminho #ara os forasteiros at' o centro de *enochtitl>n e ?funda o da Fova )s#anha. Adiantando-se aoscon2uistadores, logo a#areceu no 7eru, matando uma grande#ro#or o dos s ditos do inca, o #r"#rio inca e o sucessor2ue ele havia escolhido. (uerra civil e caos seguiram-se. )ent o Mrancisco 7i arro chegou. 6s triunfos miraculososdesse con2uistador, e os de Cort's, a 2uem ele soube imitart o bem, foram em grande #arte triunfos do v4rus da var4ola. 3

! Crosby, O imperialismo ecológico , #. 1J%.3 Crosby, O imperialismo ecológico , #. 1J9.

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Como a maior #arte dos con2uistadores => teria tido contato com a var4ola na inf5ncia, => estavam imuni ados. Assim, os nicos a #erderem coma enfermidade foram os nativos, 2ue a desconheciam #or com#leto. Nssotamb'm ocorreu no tocante a outras doen as, como saram#o e co2ueluche.

Nsso #ode e+#licar o dese2uil4brio de for as biol"gicas e o sucesso doe+#ansionismo euro#eu no novo mundo. 6 trecho a seguir, 2ue fala sobre amorte #rematura de amer4ndios levados #ara a )uro#a, ilustra bem essa ideia2ue engloba uma e+#lica o biol"gicaE

Ao ser desafiado #or invasores inauditos, um sistemaimunol"gico robusto e saud>vel #ode, nos melhores anos da

vida, reagir e+cessivamente e estancar as fun <es normais docor#o com inflama <es e edemas. 6s candidatos mais#rov>veis #ara o #a#el de e+terminador dos #rimeirosamer4ndios na )uro#a s o os mesmos 2ue mataram tantosoutros araua2ues nas d'cadas imediatamente subse2uentesEos #at"genos do velho mundo. I

)ntretanto, Crosby indica em seu trabalho 2ue a maior vit"ria dohomem euro#eu se deu nas >reas em 2ue ele denomina como 8Feo )uro#as .)stas regi<es seriam locais onde o clima e outros elementos ambientais eramsemelhantes ao 2ue e+istia na )uro#a, o 2ue #ro#orcionava maior facilidade#ara o dom4nio e uma revolu o em termos ecol"gicos locais, como aim#orta o e a cria o de animais e o estabelecimento de #lanta <es como asdo velho mundo. )ssas localidades seriam a Argentina, o sul do Chile e doBrasil e a Am'rica do Forte, onde a im#orta o de doen as tamb'm era#otenciali ada, oferecendo as condi <es ideais #ara o dom4nio mais am#lo a#artir da mortandade da #o#ula o nativa.

7ortanto, o #roblema hist"rico da enfermidade no novo mundo foi#rinci#almente a im#orta o de doen as do homem euro#eu, 2ue foideterminante #ara o e+term4nio dos nativos. )sse #rocesso teria se dado demodo unilateral e unidirecional, => 2ue nenhuma doen a teria causadotamanha mortandade ou chegado #erto de #romover o va io demogr>fico 2ueocorreu na Am'rica. Crosby cita os #roblemas causados #or doen as como as4filis e bicho do #' : esta ltima n o somente causando incOmodos aoscoloni adores, mas sendo levada #ara a Pfrica e #rovocando infec <es maisgraves relacionadas ao t'tano. Fo entanto, #ara o autor, tais doen asim#ortadas do novo mundo n o teriam #rovocado efeitos t o desastrosos

I Crosby, O imperialismo ecológico , #. 1J0.

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2uanto as doen as do velho mundo na Am'rica. 6 im#erialismo euro#eu teriasido, sobretudo, um im#erialismo ecol"gico, tendo como um dos seus #ontos#rinci#ais a e+#orta o dos #at"genos 2ue acometiam os euro#eus,favorecendo a2ui a forma o de uma nova #o#ula o 2ue #oderia ser

chamada de neoeuro#eia, tamb'm devido ?s caracter4sticas imunol"gicas ebiol"gicas ad2uiridas das #o#ula <es do velho mundo.

)ntretanto, #ode ser #roblem>tico, #or diversos motivos, analisaro #rocesso de troca biol"gica entre a )uro#a e o novo mundo como dotado demovimento unidirecional e unilateral. Q claro 2ue o im#acto 2ue as doen asda )uro#a tiveram no novo mundo foi devastador, mas n o #odemos dei+arde lado a com#le+idade das rela <es entre o homem e o ambiente. 7araCrosby, a e+#orta o das doen as da )uro#a #ara o novo mundo se deu de

modo involunt>rio ou 8acidental , e n o foi a#ro#riada #elos con2uistadoresde modo consciente. Al'm disso, as doen as teriam sido a #onta de lan a dae+#ans o im#erialista, 2ue #rovocou a 2ueda demogr>fica e a vit"ria doseuro#eus sobre os #ovos americanos, sendo uma con2uista muito maisinconsciente do 2ue consciente.

*endo em vista esses as#ectos, o historiador minimi a tamb'm os#roblemas 2ue a e+#orta o das doen as do velho #ara o novo mundo causou#ara o homem euro#eu e o estabelecimento do 2ue ele chama de

Feoeuro#as. Acaba #or minimi ar tamb'm elementos significativos acercadas conse2u;ncias da e+#ans o euro#eia em termos biol"gicos #ara a)uro#a, ou se=a, a im#orta o de doen as americanas. A s4filis, a#esar detoda a controv'rsia acerca de sua origem, ' uma doen a 2ue, se n o causou o

va io demogr>fico como as doen as euro#eias na Am'rica, foi constatada na)uro#a em 1I9 com caracter4sticas devastadoras, o 2ue ' reconhecido #eloautor. 7elo menos at' 1 I% os contaminados viviam #oucos meses, e as# stulas recobriam 2uase todo o cor#o, deteriorando o rosto das #essoas. % Adoen a s" veio a ad2uirir caracter4sticas mais brandas #osteriormente. Foentanto, a s4filis ' #osta de lado devido a sua menor im#ort5ncia em termosde ta+a de mortalidade. Al'm disso, o argumento de 2ue os nativos eramindefesos biologicamente ante as doen as euro#eias trou+e cr4ticas 2ueatualmente se fa em ao conceito de im#erialismo ecol"gico tal como foicunhado.

Crosby, 8*he early history of sy#hilisE a rea##raisal , !merican !nthropologist , J1, ! /19%9 ,

#. !10-!!J.% @ared &iamond, !rmas, germes e a"o , o 7aulo e io de @aneiro, ecord, !LL1, #. !1L.

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"s #i$ites do 'o%'eito de i$peria#is$o e'o#ó*i'o+

As ideias de Crosby no tocante ao sucesso do homem euro#eu noestabelecimento de Feoeuro#as na Am'rica e ao esva iamento demogr>fico#ela e+#ans o das doen as euro#eias no novo mundo, dentre outras2uest<es, s o fortemente criticadas #elo historiador ambiental &avid Arnold.7ara Arnold, a vis o e+#ressa #or Crosby ' 8bioc;ntrica , n o levando emconsidera o os atos conscientes dos con2uistadores euro#eus #ara a altamortalidade de nativos americanos. F o ' a#enas a enfermidade 2ue #odeser a#ontada como causa da des#ovoa o na Am'rica, como um acidentebiol"gico causado #elo contato de duas #o#ula <es com resist;nciasimunol"gicas distintas, mas tamb'm a #r"#ria #ol4tica econOmica euro#eia, asu#erioridade tecnol"gica e o des#re o do homem euro#eu #elo outro, #elo

su=eito 2ue difere dele. Como a#onta Arnold,

Da des#oblaci"n de Am'rica no fue, consecuentemente, tansolo um accidente ecol"gico, la consecuencia no deliberadade uma e#idemia y uma 8invasi"n microbiana em 8suelo

virgen . Mue tambi'n resultado del des#recio racial de loseuro#eus, de #ol4ticas econOmicas brutales y de su avide detierra y ri2ue as. J

Com Arnold #odemos notar a cr4tica ? ideia de im#erialismo

ecol"gico e das enfermidades como #rinci#al ou nica ra o #ara odes#ovoamento. 6 autor a#onta #ara a destrui o dos modos de vida e daeconomia dos #ovos nativos, os massacres, os trabalhos for ados, aderrubada da estrutura social, 2ue favoreceram o clima de #er#le+idadeentre estas #o#ula <es. omado a isso, como os #ovos nativos n o tinhamconhecimento sobre as doen as im#ortadas dos euro#eus, n o haveria modosde tratamento e muito menos com#reens o do 2ue era a enfermidade, 2uemuitas ve es era reconhecida como castigo divino intr4nseco a todo ocon=unto de fatores 2ue se davam no #er4odo da con2uista. 6 determinismoecol"gico de Crosby ' criticado #or res#onsabili ar os as#ectos biol"gicosmais do 2ue o fa er humano consciente, al'm de #ro=etar uma sombra deinevitabilidade biol"gica da su#erioridade euro#eia #erante os nativosamericanos, em uma an>lise de fundo darRinista. Ao a#ontar os #ovosnativos como indefesos biologicamente, #ela sua menor ca#acidadeimunol"gica, Crosby acaba corroborando o argumento do fracasso desses

J &avid Arnold. #a nature$a como problema histórico: el medio, la cultura, % la expansión de Europa , '+ico, Mondo de Cultura )con"mica, !LLL, #. 03.

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#ovos, gra as ? su#erioridade biol"gica ou racial do homem euro#eu. 0 Comrela o ao conceito de im#erialismo ecol"gico, Arnold sentenciaE

)l im#erialismo ecol"gico #arece ser, en ltima instancia,una inter#retaci"n euroc'ntrica, e+traSamenteunidimensional, de los #rocesos del e+#ansionismo euro#eo,leyenda 2ue #one em guardia contra los #eligros dead=udicarle a la biologia lo 2ue #ertence m>s #ro#riamente aldom4nio de los actos humanos. 9

Concordamos 2ue o conceito de im#erialismo ecol"gico, tal comofoi cunhado, acaba #or dei+ar uma s'rie de #roblemas e lacunas. Al'm dessas2ue analisamos anteriormente ? lu das cr4ticas de &avid Arnold, devemostamb'm considerar as dificuldades 2ue os euro#eus tiveram em estabelecer odom4nio sobre a Am'rica e outras regi<es do mundo.

A vantagem biol"gica dos euro#eus n o #ode ser su#erestimada. Al'm do mais, outras coisas est o em =ogo, como, #or e+em#lo, as levasmigrat"rias e as trocas comerciais, 2ue levam germes de um lado a outro domundo. 6s euro#eus trou+eram #ara Am'rica doen as 2ue eram mort4feras#ara eles mesmos, doen as estas #rovenientes da Pfrica e da Psia. Q o casoda mal>ria #rovocada #elo &lasmodium falciparum ,1L 2ue ' at' ho=e a maismort4fera. Ao longo dos s'culos TN a TNNN, os euro#eus n o adentraram o

interior da Pfrica, mas de l> vinham os escravos negociados na costa. )stestrou+eram #ara a Am'rica um ti#o de mal>ria =amais vista no norte da Pfricae no sul da )uro#a, e igualmente euro#eus e nativos sofreram com suasincurs<es. 11 )+em#los cl>ssicos da dificuldade dos coloni adores diante dessadoen a, => na virada do s'culo N #ara o , foram as fracassadas tentativas#rim>rias de constru o do canal do 7anam> e a constru o da estrada deferro adeira- amor'. 6utro caso ilustrativo ' o da febre amarela, outradoen a tra ida da Pfrica #ara a Am'rica 2ue encontrou a2ui um im#ortante

vetor, o mos2uito Aedes aegy#ti. urgiu como uma das grandes barreiras#ara a vida do homem euro#eu nas colOnias americanas, e seus sintomascome aram a ser descritos como febre amarela em meados do s'culo TNN.Barbados, no Caribe, foi devastado, em 1%IJ, #or um surto de febre amarela

0 Arnold, #a nature$a como problema histórico , #. 0J.9 Arnold, #a nature$a como problema histórico , #. 00.1L Agente res#ons>vel #ela mal>ria falc4#arum, a mais grave das variantes.11 &avid Arnold, 8NntroductionE disease, edicine and )m#ire , inE &avid Arnold /6rg. ,

'mperial edicine and indigenous societies , anchester and FeR UorV, anchester$niversity 7ress, 1900, #. 91.

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2ue ocasionou a morte de % mil #essoas de origem euro#eia. " em 1J 9 umm'dico e naturalista ingl;s observaria a resist;ncia dos escravos africanosem contrair a doen a. ais da metade dos 0L mil brit5nicos 2ue morreramentre os anos de 1J93 e 1J9%, no Caribe, foi acometida de febre amarela. 1!

)m uma ofensiva da Mran a, na ilha de o &omingos, em 10L!, #ararecu#erar o #oder na ilha, IL mil soldados morreram vitimados #ela febreamarela. 13 )m 10!1, esta doen a chegava ao estreito de (ibraltar,#rovocando #5nico nas autoridades es#anholas e francesas. 1I 7ortanto, 'dif4cil sustentar o argumento acerca da su#erioridade biol"gica euro#eia,

visto 2ue, em diversos momentos entre os s'culos TN e N , as #r"#riasatividades econOmicas euro#eias contribu4ram #ara a dissemina o degermes desconhecidos do homem euro#eu, o 2ue contribuiu #ara a morte demilhares deles, ou se=a, nem sem#re as doen as estiveram ao lado doscoloni adores.

) o 2ue #oderia ocorrer nesses casos F o concordamos com a vis o de Crosby sobre a escolha de determinados locais, onde o clima e oambiente favoreceriam o estabelecimento do 8homem branco , emdetrimento de outros, onde as doen as re#resentavam um #roblema. Aocontr>rioE o euro#eu continuou a lutar contra as doen as 2ue desconhecia,buscando estabelecer formas de combate e #rote o aos colonos e ?s suasfor as militares, 2uando #oss4vel. o #oucos os casos de recuo na Am'rica,mesmo com o aumento de casos de doen as infecciosas. Como e+em#lo,#odemos citar a #resen a es#anhola na regi o ama Onica no s'culo TN.)studo recente indica 2ue os incas evitaram adentrar a regi o ama Onicagra as ? 8doen a dos nari es , a leishmaniose, 2ue tem origem #r'-colombiana. Com o dom4nio es#anhol e a es#eran a de encontrar ri2ue as nafloresta, o avan o foi inevit>vel, assim como o aumento dos casos deleishmaniose. 1 F o dei+aram, de obter lucro, mesmo a duras #enas. &a4 se#ode vislumbrar o surgimento da medicina em moldes ocidentais nos

tr"#icos.

1! Xenneth M. Xi#le e Xriemhild C. 6rnelas, 8 ace, Rar and *ro#ical edicine in the)ighteenth-Century Caribbean , inE &avid Arnold /6rg. , )arm climates and )estern

edicine: the emergence of *ropical edicine, 1+00-1900 Amsterd e Atlanta, odo#i,199%, #. %%-JL.

13 Arnold, #a nature$a como problema histórico , #. 91.1I &orothy 7orter, ealth, ci.ili$ation and the /tate: a histor% of public health from !ncient to

odern times, Dondon and FeR UorV, outledge, 1999, #. 03.1 Alfredo @. Altamirano-)nciso et al., 8 obre a origem e dis#ers o das leishmanioses cut5nea e

mucosa com base em fontes hist"ricas #r' e #"s-colombianas , istória i ncia e /a2de 3 anguinhos , 1L, 3 /!LL3 , #. 0 3-00!.

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As viagens de Ale+andre odrigues Merreira ?s #rov4ncias de ioFegro e ato (rosso em fins do s'culo TNNN s o um e+em#lo de a ogovernamental #ara o reconhecimento das doen as locais e dos tratamentos#oss4veis. 1% Fessa viagem foram coletadas informa <es sobre as

enfermidades, os modos de tratamento utili ados na colOnia, al'm de ter sidoefetivado todo um invent>rio sobre os conhecimentos locais e sobre ascondi <es de desenvolvimento nas regi<es #ercorridas. @> no caso da costaocidental africana, 2ue recebeu o a#elido de 8se#ultura do homem branco ,os euro#eus continuaram mantendo rela <es econOmicas e com#ra deescravos utili ando mediadores locais, com a finalidade de minimi ar a#resen a do euro#eu nessas >reas, vistas como #erigosas. 1J

7ortanto, #ensamos 2ue, embora v>lidos, o conceito de

im#erialismo ecol"gico e o #roblema da enfermidade no novo mundo#recisam ser #ensados de outro modo, evidenciando n o s" a 2uest o dastrocas biol"gicas, mas tamb'm o fa er humano e as trocas culturais entrecoloni adores e coloni ados. 7ensar a enfermidade no novo mundo tamb'm#ode ser muito mais v>lido se o fi ermos em termos de trocas mais am#las,2uando, #or e+em#lo, consideram-se tamb'm as rela <es estabelecidas entreas diversas #o#ula <es em v>rias #artes do globo terrestre. Assim #odemosanalisar mais ade2uadamente o #or2u; do im#acto das doen as euro#eias nonovo mundo, e como os euro#eus tamb'm foram influenciados #elos as#ectosbiol"gicos dos nativos e+istentes nas >reas coloni adas.

Repe%sa%do a e%fer$idade %o %ovo $u%do

Consideramos 2ue ' #oss4vel re#ensar a ideia de enfermidade nonovo mundo a #artir de uma reformula o ou atuali a o do conceito deim#erialismo ecol"gico. @> vimos, nas #>ginas anteriores, 2ue ' #ouco

sustent>vel um argumento 2ue leva em considera o a unilateralidade da#ro#aga o de germes causadores de doen as e a ideia de 2ue as doen assem#re estiveram ao lado do homem euro#eu. e em um #rimeiro momentoisso #arece evidente, sob uma an>lise mais #rofunda torna-se ainda maiscom#licado en2uanto categoria de an>lise, => 2ue diversas doen as

1% Yngela 7orto, Enfermidades end micas na apitania de ato 4rosso: a memória de

!lexandre 5odrigues 6erreira, io de @aneiro, Miocru , !LL0.1J Arnold,8Nntroduction , #. I.

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infecciosas trou+eram #roblemas #ara o euro#eu estabelecido no novomundo, e at' mesmo #roblemas #ara a )uro#a. Como e+em#lo dasconse2u;ncias do im#erialismo de um modo geral na troca e interc5mbio dedoen as, #odemos citar a c"lera, 2ue levou o #5nico ? )uro#a no in4cio do

s'culo N e determinou mudan as no 2ue concerne ? sa de # blica na2uelecontinente.

e #ensarmos 2ue a e+#ans o im#erial tem #or conse2u;nciatrocas culturais e de #erce# o acerca de agentes causadores de doen as emales 2ue atormentam tanto nativos 2uanto euro#eus, ou se=a, #ensando adoen a tamb'm como uma constru o sociocultural, ' #oss4vel obterresultados mais e+#ressivos em termos anal4ticos, o 2ue #ode ser formuladonos seguintes termosE como ambos os lados vislumbravam o #roblema das

doen as tra idas #elos euro#eus, fossem elas da )uro#a ou de outras #artesdo mundo &e 2ue maneira as doen as do novo mundo atra#alhavam os#lanos de domina o im#erial, e at' 2ue #onto re2ueriam outras estrat'giasde dom4nio Como a enfermidade #ode ser #ensada em di>logo com asdemais condi <es dadas em determinado conte+to )nfim, essas e outras2uest<es ficam em aberto se utili armos o conceito de im#erialismo ecol"gicocomo conceito-chave #ara uma an>lise muito mais biol"gica do 2ue hist"rica.Nsso se torna ainda mais grave se #ensarmos a ci;ncia ou as categoriasbiol"gicas como constru o cient4fica e humana, determinada #or conte+tos econdi <es sociais es#ec4ficas, como indica Xnorr-Cetina. 10

6 2ue #ro#omos nessa conclus o ' mudar o foco e a categoria 2ue#redominam na an>lise crosbyana, atentando #ara as rela <es em sentidomicro e #ara as #erce# <es acerca da doen a e das trocas 2ue seestabeleceram nos dois lados do Atl5ntico. &eve-se retirar a ;nfase daunilateralidade e #rinci#almente do lado 8vencedor do 8conflito biol"gico .

uito mais v>lido do 2ue estabelecer tais crit'rios ' analisar como se#rocessam a troca e a intera o entre germes, coloni ados e coloni adores, eo 2ue resulta disso nos diversos conte+tos.

recebido em :;<33<=::4 > apro$ado em =;<:3<=:33

10 A forma de an>lise im#lementada #elas teses construtivistas dos antro#"logos da ci;ncia focasuas refle+<es nas condi <es sociais e institucionais do saber e investiga o #rocesso detrabalho dos cientistas e forma o de o#ini o, se #oss4vel #or meio do m'todo direto deobserva o. Xarin &. Xnorr-Cetina, 8Culture in global VnoRledge societiesE VnoRledgecultures and e#istemic cultures , 'nterdisciplinar% /cience 5e.ie7s , 3!, I /!LLJ , #. 3%!-3%3.

Revista de História, 3, 1 (2011), p. 18-27

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