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analisa o plano trienal e as reformas de base como projeto articulado de governo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA
CSSIO SILVA MOREIRA
O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:
o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964)
Porto Alegre
2011
CSSIO SILVA MOREIRA
O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:
o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964)
Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao
em Economia da Faculdade de Cincias
Econmicas da UFRGS, como quesito parcial
para obteno do ttulo de Doutor em Economia
com nfase em Economia do Desenvolvimento.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca
Porto Alegre
2011
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)
Responsvel: Biblioteca Gldis W. do Amaral, Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS
Moreira, Cssio Silva M838p O projeto de nao do governo Joo Goulart : o plano trienal e as
reformas de base (1961-1964) / Cssio Silva Moreira. Porto Alegre, 2011.
404 p. : il.
Orientador: Pedro Cezar Dutra Fonseca.
nfase em Economia do Desenvolvimento.
Tese (Doutorado em Economia) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Cincias Econmicas, Programa de Ps-Graduao em Economia, Porto Alegre, 2011.
1. Histria econmica : Governo Joo Goulart : 1961-1964 :
Anlise do discurso : Brasil. 2. Poltica econmica : Planejamento econmico : Anlise do discurso : Brasil. I. Fonseca, Pedro Cezar Dutra. II. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Cincias Econmicas. Programa de Ps-Graduao em Economia. III. Ttulo.
CDU 33 : 94(81).087
CSSIO SILVA MOREIRA
O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART:
o Plano Trienal e as Reformas de Base
Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao
em Economia da Faculdade de Cincias
Econmicas da UFRGS, como quesito parcial
para obteno do ttulo de Doutor em Economia
de Doutor em Economia com nfase em
Economia do Desenvolvimento.
Aprovada em: Porto Alegre, 09 de junho de 2011.
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca UFRGS - Orientador
__________________________________________________________________________
Profa. Dr
a. Maria Anglica Borges - PUC-SP
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Nelson dos Reis - PUC-RS
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Srgio Marley Modesto Monteiro - UFRGS
Dedico esse trabalho a minha me e ao
Prof. Pedro Fonseca.
A todos que lutam por um mundo mais
justo e com igualdade de
oportunidades.
In Memoriam ao presidente Joo
Goulart
AGRADECIMENTOS
A realizao do curso e da tese de doutorado um caminho longo, que com certeza tivemos a
participao, mesmo que indiretamente, de muitas pessoas... Por isso gostaria de agradecer:
Ao Professor Pedro Cezar Dutra Fonseca, pela orientao amiga e pelas inmeras e
produtivas aulas e conversas que tivemos sobre a pesquisa. Alm disso, durante todos estes
anos de convvio acadmico, seu interesse e confiana em meu trabalho sempre
permaneceram, nunca permitindo que eu desanimasse. Se o ex-presidente Joo Goulart teve
um mestre poltico como Getlio Vargas, posso afirmar que tive o meu mestre intelectual: o
Prof. Pedro Fonseca. dele, tambm, os eventuais mritos dessa tese.
Professora Maria Alice da Cunha Lahorgue e ao Professor Dulio de vila Brni que tive o
prazer de ter como orientador e que contriburam para esse caminho. Professora Clarisse
Chiappini Castilhos que me abriu as portas da Academia. Ao Professor Charles Sidarta que de
certa forma me influenciou a pesquisar sobre o governo de Joo Goulart. A todos os meus
professores de economia na UFRGS e da PUC-RS. Ao Professor Srgio Monteiro e ao
Professor Estrela Farias pelas sugestes na banca de defesa do projeto. Aos funcionrios da
UFRGS, da biblioteca e do Centro de Cpias do FCE, em especial Sandra do departamento.
UFRGS e ao Programa de Doutorado em Cincias Econmicas, pelo apoio institucional e
por proporcionar condies adequadas para a realizao dessa tese; aos funcionrios do
PPGE; especialmente Iara, Lurdes, Cludia e Raquel, da secretria de Ps-Graduao, pela
ateno em inmeros momentos. Llian da biblioteca da FCE pela ajuda com as normas da
ABNT.
Professora Isabel Jonastiac pela correo do portugus e ao Professor Estevo Cogoy pela
ajuda com as referncias bibliogrficas. A Profa. Dra. Bianca Smith Pilla pela ajuda com a
apresentao. A Daniela Leo por sempre me escutar.
instituio IBGE, ao Comit de Treinamento (CCT) e, em especial, alguns servidores entre
eles: Luiz Felipe Louzada, Virginia Pegado, Srgio Crtes e Isabella Xavier pelo apoio em
uma hora difcil. Ao meu colega e amigo Cludio Nienow.
minha famlia, sem a qual eu nada seria. A minha me, que sempre esteve ao meu lado em
todos os momentos difceis da minha vida. A quem posso dizer que sinto muito orgulho pela
criao que tive e que me educou praticamente sozinha.
minha namorada, que sempre me apoiou nas horas difceis, e a sua linda famlia (Snia,
Andr, Raquel, Daniel e Vivi) pelo carinho e compreenso em relao s horas que tive que
abdicar de seu convvio para ficar mergulhado na pesquisa e na elaborao desse trabalho.
Agradeo de corao pelo carinho, compreenso e incentivo que tive por diversos momentos.
Aos meus amigos e amigas pelos momentos de descontrao que me renovavam os nimos
para trilhar esse caminho,
A DEUS, por ter me permitido a oportunidade de conviver com todas essas pessoas.
As naes expansionistas viram que o domnio sobre os povos de
outra raa, outra lngua, outra religio e outros costumes, odioso e desperta
o orgulho pela ptria, gera nacionalismo e incita os nimos revolta e s
reivindicaes da liberdade. A experincia ensina assim aos povos fortes
outros caminhos que os leva, sem aqueles inconvenientes, mesma
finalidade: o caminho da dominao econmica, que prescinde do ataque
frente soberania poltica. Esse o perigo que nos cumpre evitar. Os fortes
passaram ento a apossar-se das riquezas econmicas dos povos fracos,
reduzindo-os impotncia e, pois, submisso poltica.
(Artur Bernardes)
Faz parte da natureza da posio privilegiada que ela desenvolva a
prpria justificao poltica e, com frequncia, a doutrina econmica e
social que lhe seja mais conveniente. Ningum gosta de acreditar que seu
bem-estar pessoal est em conflito com a necessidade pblica maior.
(John Kenneth Galbraith)
Nesse quadro, passei a ver o socialismo como a progresso do
trabalhismo por meio da incorporao do campesinato ao sistema
econmico e poltico brasileiro pela reforma agrria e atravs do controle
das multinacionais. Esse o caminho brasileiro da revoluo social. No
uma revoluo cerebrinamente socialista, mas concretamente socialista,
porque ps-capitalista, pela impotncia do capitalismo para promover uma
prosperidade generalizvel. Tratava-se de levar frente a Revoluo de
1930, criando um governo nacionalista, capaz de enfrentar o
estrangulamento imperialista. Um governo vinculado aos sindicatos, capaz
de mobiliz-los para grandes atos de massa. Um governo socialmente
responsvel ante as populaes pobres da cidade e do campo. Um governo
orientado para o capitalismo de Estado, capaz de fortalecer as grandes
empresas pblicas como a Petrobras, a Vale, a CSN, o Branco do Brasil e de
criar novas empresas pblicas, como a Eletrobrs e a Embratel...
(Darcy Ribeiro)
O livro uma escada para ser um intelectual
(Olga Silva Druck)
RESUMO
A pesquisa defende a hiptese da existncia no governo Joo Goulart de um projeto
econmico e social de longo prazo para o Brasil, afastando-se das teses de que se tratava de
um governo errtico ou sem consistncia em suas medidas de poltica econmica. Para
tanto, analisa as polticas econmicas e medidas efetivamente implementadas e os
pronunciamentos, entrevistas, relatrios e discursos do Presidente Joo Goulart. Constata-se
que, em linhas gerais, representou uma continuao do projeto nacional-desenvolvimentista
de Vargas, entretanto focado na substituio de importaes de bens intermedirios e de
capital e nas reformas estruturais as chamadas Reformas de Base. Acreditava o governo que
estas promoveriam fortalecimento do papel do estado e redistribuio de renda, garantiriam a
consolidao e ampliao do mercado interno e um crescimento econmico mais equilibrado.
As reformas de base so analisadas como uma seqncia lgica e intimamente interligadas
entre si, cujo resultado esperado era um desenvolvimento com melhor distribuio de renda,
em consonncia com a ideologia desenvolvimentista. Dessa modo, pretendeu-se contribuir
para o estudo da formao econmica e social do Brasil tendo como delimitao cronolgica
o perodo de 1961-1964.
Palavras-chave: Governo Joo Goulart. Reformas de base. Projeto de desenvolvimento.
Economia brasileira. Plano Trienal.
ABSTRACT
The research supports the hypothesis that the government of Joo Goulart of a project's
economic and social long-term for Brazil, away from the thesis that it was a government
"erratic" and without consistency in its economic policy measures. It analyzes the economic
policies and measures actually implemented and speeches, interviews, reports and speeches of
President Joao Goulart. It appears that, in general, represented a continuation of the national-
developmentalist Vargas, yet focused on import substitution of intermediate goods and capital
and structural reform - the so-called basic reforms. They believed the government would
promote strengthening of the role of the state and redistribution of income, would guarantee
the consolidation and expansion of the internal market and a more balanced economic growth.
The basic reforms are analyzed as a logical sequence and closely interlinked, whose expected
outcome was a development with better income distribution, in keeping with the
developmentalist ideology. In this way, aims to contribute to the study of economic and social
formation of Brazil as having the chronological delimitation 1961-1964 period.
Keywords: Government Goulart. Basic reforms. Development Project. Brazilian economy.
Plano Trienal.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Elementos constantes no projeto trabalhista brasileiro.................................. 94
Figura 2 - Primeira parte da Mensagem ao Congresso Nacional de 1964...................... 180
Figura 3 - Segunda parte da Mensagem ao Congresso Nacional de 1964...................... 181
Figura 4 - Estrutura organizacional do Plano Trienal, 1962........................................... 239
Figura 5 - Carter sistmico das Reformas de Base....................................................... 269
Figura 6 - Esquematizao da crise poltico-econmica de 1964................................... 334
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Crescimento do PIB e taxa de inflao 1954-1964................................... 102
Grfico 2 - Fases de combate inflao com os respectivos perodos dos ministros
no Ministrio da Fazenda do Governo Joo Goulart................................. 106
Grfico 3 - Evoluo da taxa de crescimento do salrio mnimo e da taxa de
inflao, 1954-1964................................................................................... 107
Grfico 4 - Evoluo dos meios de pagamento, emprstimos total ao setor privado
e emprstimos dos bancos comerciais ao setor privado, 1960-1964......... 110
Grfico 5 - Taxa de inflao mensal, 1954-1964......................................................... 111
Grfico 6 - Trajetria do Hiato do Produto e do Hiato do Produto Industrial, 1955-
1964........................................................................................................... 117
Grfico 7 - Trajetria da taxa de crescimento da produo industrial e da taxa de
investimento, 1954-1964........................................................................... 118
Grfico 8 - Trajetria da taxa de crescimento do PIB per capita e taxa de
crescimento populacional, 1954-1964....................................................... 122
Grfico 9 - Trajetria da carga tributria em relao ao PIB, 1954-1964.................... 123
Grfico 10 - Trajetria da participao da Unio e dos Estados na carga tributria em
relao ao PIB, 1954-1964......................................................................... 124
Grfico 11 - Evoluo do dficit primrio federal em relao ao PIB, 1954-1964...... 126
Grfico 12 - Evoluo do imposto de renda e do imposto sobre consumo dentro da
estrutura tributria, 1954-1964................................................................. 127
Grfico 13 - Estrutura da pauta de importaes do Brasil, 1961................................... 129
Grfico 14 - Importaes por departamentos em porcentagem da oferta total - 1955,
1960 e 1962............................................................................................... 131
Grfico 15 - Pauta de exportaes do Brasil, 1962........................................................ 132
Grfico 16 - Trajetria das exportaes e importaes, 19541965.............................. 135
Grfico 17 - Conta de Servios e Rendas da Balana de Servios, 19541965............ 137
Grfico 18 - Saldo da remessa de lucro e pagamento de juros, 19541965.................. 138
Grfico 19 - Balana de transaes correntes e de Capital e Financeira em milhes
de dlares, 19541965............................................................................. 140
Grfico 20 - Investimento direto e outros investimentos em milhes de dlares,
19541965............................................................................................... 141
Grfico 21 - Investimento direto estrangeiro em milhes de dlares, 19541965...... 142
Grfico 22 - Emprstimos governamentais estrangeiros e demais emprstimos de
curto e longo prazo em milhes de dlares, 19541965........................... 147
Grfico 23 - Ingresso e amortizao de capital em milhes de dlares, 19541965..... 148
Grfico 24 - Balano de pagamentos e Erros e omisses em milhes de dlares,
19541965................................................................................................. 149
Grfico 25 - Reservas internacionais em milhes de dlares, 19541965.................... 150
Grfico 26 - Dvida externa total em milhes de dlares, 19541965.......................... 151
Grfico 27 - Dvida externa de longo prazo e de curto prazo em %, 19541965.......... 152
Grfico 28 - Dvida externa de longo prazo e de curto prazo em milhes de dlares,
19541965................................................................................................. 153
Grfico 29 - Pagamento de juros e servio da dvida externa em % das exportaes,
1954-1965.................................................................................................. 158
Grfico 30 - Dvida externa total e lquida em % do PIB, 1954-1965........................... 159
Grfico 31 - Nmero de anos necessrios para saldar a dvida externa total e lquida
com as exportaes do perodo, 1954-1965.............................................. 159
Grfico 32 - Reservas internacionais como proporo da dvida externa e das
exportaes, 1954-1965............................................................................. 160
Grfico 33 - Servio da dvida externa e pagamentos de juros em % das reservas,
1954-1965.................................................................................................. 161
Grfico 34 - Pagamento de juros e servio da dvida externa em % do PIB, 1954-
1965........................................................................................................... 161
Grfico 35 - Dficit em transaes correntes em % do PIB, 1954-1965....................... 162
Grfico 36 - Saldo em conta corrente em % das exportaes, 1954-1965.................... 163
Grfico 37 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais
amortizaes em % do PIB, 1954-1965.................................................... 164
Grfico 38 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais
amortizaes em relao s reservas internacionais, 1954-1965............ 164
Grfico 39 - Servio do passivo externo e servio do passivo externo mais
amortizaes em % s exportaes, 1954-1965...................................... 165
Grfico 40 - Trajetria do nmero de deputados federais por partidos em %, 1945-
1962........................................................................................................... 171
Grfico 41 - Pesquisado IBOPE perguntando "O que vem achando da atuao do
Presidente Joo Goulart?" em %, junho/julho de 1963......................... 177
Grfico 42 - Pesquisado IBOPE perguntando "Voc votaria em Joo Goulart se ele
pudesse candidatar-se reeleio para a Presidncia da Repblica?" em
%, julho de 1963 e maro de 1964............................................................
178
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Medidas adotadas no contexto das reformas de base............................... 55
Quadro 2 - A crise dos anos 60 e suas explicaes.................................................... 56
Quadro 3 - Trecho de doze mensagens de Pasqualini................................................ 77
Quadro 4 - Medidas legislativas em tramitao no congresso entre 1949-1959........ 90
Quadro 5 - Ncleo do Projeto Vargas......................................................................... 92
Quadro 6 - Principais opositores e aliados do governo Joo Goulart......................... 96
Quadro 7 - Programa Base do PTB 1946................................................................ 98
Quadro 8 - Diretrizes da Aliana para o Progresso.................................................... 143
Quadro 9 - Principais decretos legislativos, leis ordinrias e emendas
constitucionais aprovadas durante o governo Joo Goulart- Decretos e
Leis econmicas e sociais, 1961-1964.....................................................
153
Quadro 10 - Projetos de Lei enviados pelo Executivo e no aprovados pela Cmara
dos Deputados durante o governo Joo Goulart, 1961-1964................... 155
Quadro 11 - Obras de saneamento realizadas no governo Joo Goulart por estados,
1961-1964................................................................................................ 214
Quadro 12 - Diretrizes da poltica financeira do governo Goulart, 1964..................... 216
Quadro 13 - Decretos e leis referentes rea econmica, 1961-1964......................... 225
Quadro 14 - As Reformas de Base do governo Joo Goulart, 1963............................. 261
Quadro 15 - Programa da Frente Progressista de apoio as Reformas de Base, 1964... 266
Quadro 16 - Diretrizes das mudanas tributrias e oramentrias propostas pelo
governo Goulart, 1963-1964.................................................................... 281
Quadro 17 - Diretrizes das mudanas referentes ao Imposto de Renda propostas
pelo governo Goulart, 1963-1964............................................................ 282
Quadro 18 - Instrues da SUMOC durante o governo Goulart, 1961-1964............... 285
Quadro 19 - Diretrizes da lei delegada solicitada pelo governo Goulart, 1963........... 291
Quadro 20 - Destino dos recursos e critrios de alocao do Fundo de
Desenvolvimento e Estabilizao do Comrcio Exterior, 1963............... 292
Quadro 21 - Princpios do governo para a Reforma Agrria, 1964.............................. 295
Quadro 22 - A educao brasileira no incio dos anos 1960........................................ 300
Quadro 23 - Discursmetro dos discursos de Joo Goulart, 1961-1964...................... 313
Quadro 24 - Anlise do principal discurso de Goulart o Comcio das Reformas na
Central do Brasil, 1964............................................................................ 317
Quadro 25 - Semelhanas e diferenas do Plano Trienal e o PAEG............................ 359
Quadro 26 - Semelhanas e diferenas do Plano Trienal, Mensagens ao Congresso
Nacional de 1963-1964 e o II PND.......................................................... 365
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Crescimento do PIB, da Produtividade Industrial e da Inflao: Brasil,
1961-1965.................................................................................................... 59
Tabela 2 - Graus de utilizao da capacidade: total da indstria e departamentos
industriais em % - (1955/1965) .................................................................. 118
Tabela 3 - Concentrao fundiria no Brasil, 1960....................................................... 122
Tabela 4 - Participao na renda dos salrios em %, 1960........................................... 123
Tabela 5 - Dficits de caixa do tesouro e fontes de financiamento na Esfera Federal
(% PIB), 1954-1964..................................................................................... 125
Tabela 6 - Balano de Pagamentos do Brasil em milhes de dlares, 19541965....... 134
Tabela 7 - Balano Comercial do Brasil em milhes de dlares, 19541965.............. 134
Tabela 8 - Balano de Servios e Rendas do Brasil em milhes de dlares, 1954
1965.............................................................................................................
....
136
Tabela 9 - Transferncias Unilaterais do Brasil em milhes de dlares, 19541965... 139
Tabela 10 - Balana de Capital do Brasil em milhes de dlares, 19541965............... 139
Tabela 11 - Indicadores externos do Brasil em bilhes de dlares, 1954-1965............. 155
Tabela 12 - Indicadores de vulnerabilidade externa da economia brasileira, 1954-
1965.............................................................................................................
.......
157
Tabela 13 - Quantidade de Decretos do Executivo/ Leis Aprovadas, 1947-1964.......... 173
Tabela 14 - Crditos concedidos pelos bancos federais e organismos financiadores da
rede estadual e privada, 1962-1963............................................................. 196
Tabela 15 - Taxa de analfabetismo e nmero de analfabetos no Brasil, 1900-2000...... 273
LISTA ABREVIATURAS E SIGLAS
ALALC................ Associao LatinoAmericana de Livre Comrcio
AMFORT............. American Foreing Power
BACEN................ Banco Central do Brasil
BB........................ Banco do Brasil
BNCC.................. Banco Nacional de Crdito Cooperativo
BNDE.................. Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico....................................................
BNH..................... Banco Nacional de Habitao
CACEX................ Carteira de Cmbio e Comrcio Exterior do Banco do
Brasil....................................................
CADE.................. Comisso Administrativa de Defesa
Econmica....................................................
CAMDE............... Campanha da Mulher pela Democracia
CAMOB............... Caixa de Mobilizao Bancria do Banco do Brasil
CARED................ Carteiras de Redesconto do Banco do Brasil
CDE..................... Conselho de Desenvolvimento Econmico
CELG................... Companhia Energtica de Gois
CEPAL................. Comisso Econmica para a Amrica Latina
CERCIN............... Comisso de Estudos dos Rios e Canais Interiores Navegveis
CFP...................... Comisso de Financiamento da Produo
CGT..................... Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil
CIBRAZEM......... Companhia Brasileira de Armazenamento
CLT....................... Consolidao das Leis Trabalhistas
CMN..................... Conselho Monetrio Nacional
CNBB................... Sistema de Educao pelo Rdio
CNEN................... Comisso Nacional de Energia Nuclear
COBAL................. Companhia Brasileira de Alimentos
COCAP................. Comisso Coordenadora da "Aliana para o Progresso"
CONTAG.............. Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CONTEL.............. Conselho Nacional de Telecomunicaes
COPLAN.............. Comisso Nacional do Planejamento
COSIPA................ Companhia Siderrgica Paulista
CPC....................... Centro Popular de Cultura
CSN...................... Companhia Siderrgica Nacional
CVRD................... Companhia Vale do Rio Doce
CVSF.................... Comisso do Vale do So Francisco
DNOS................... Departamento Nacional de Obras e Saneamento
DNPM................... Departamento Nacional de Produo Mineral
EMBRATEL......... Empresa Brasileira de Telecomunicaes
EUA...................... Estados Unidos da Amrica
FIDENE................ Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econmico e Social
do Nordeste
FMI....................... Fundo Monetrio Internacional
FPN....................... Frente Parlamentar Nacionalista
FRONAPE............ Frota Nacional de Petroleiros
FUNAI.................. Fundao Nacional do ndio
GEIFAR................ Grupo Executivo da Indstria Qumico-Farmacutica
IAPI...................... Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos
IBAD.................... Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
IBGE..................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBOPE................... Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica
ICM....................... Imposto sobre Circulao de Mercadorias
II PND................... Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento
IPASE................... Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do Estado
IPES...................... Instituto de Polticas Econmicas e Sociais
IPI......................... Imposto sobre Produtos Industrializados
ISEB...................... Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ITT........................ International Telephone & Telegraph
IVOR.................... Imobiliria Volta Redonda
LIMDE.................. Liga da Mulher Democrtica
MCP...................... Movimento de Cultura Popular
MEB...................... Movimento de Educao de Base
MNCA.................. Movimento Nacional contra o analfabetismo
NOVACAP........... Companhia Construtora da Nova Capital
NUCLEOBRAS.... Empresa Nuclear Brasileira S.A
ONU...................... Organizao das Naes Unidas
PAEG.................... Plano de Ao Econmica do Governo
PCB....................... Partido Comunista do Brasil
PDC...................... Partido Democrtico Cristo
PEI........................ Poltica Externa Independente
PENESA............... Pescas do Norte S.A.
PL.......................... Projeto de Lei
PR......................... Partido Republicano
PRP....................... Partido Republicano Progressista
PSB....................... Partido Socialista Brasileiro
PSD....................... Partido Social Democrtico
PSI........................ Processo de Substituio de Importaes
PSP........................ Partido Social Progressista
PTB....................... Partido Trabalhista Brasileiro
PUA...................... Pacto de Unidade e Ao
SAMDU................ Servio de Assistncia Mdica Domiciliar e de Urgncia
SFH....................... Sistema Financeiro da Habitao
SIDESC................ Siderrgica de Santa Catarina S.A
SOTELCA............ Termoeltrica de Tubaro S.A.
SUDENE.............. Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUDEPE............... Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca
SUMOC................ Superintendncia da Moeda e do Crdito
SUNAB................. Superintendncia Nacional de Abastecimento
SUPRA................. Superintendncia de Poltica Agrria
UDN...................... Unio Democrtica Nacional
UEEs..................... Unies estaduais dos estudantes
UNE...................... Unio Nacional dos Estudantes
USB...................... Unio Social Brasileira
USIBA.................. Usina Siderrgica da Bahia
USIMINAS........... Usinas Siderrgicas de Minas Gerais S/A
USP....................... Universidade de So Paulo
SUMRIO
1 INTRODUO.......................................................................................................... 31
2 O LEGADO DE VARGAS........................................................................................ 37
2.1 Da Revoluo de 30 ao projeto Vargas.............................................................. 38
2.2 O panorama da economia brasileira no incio da dcada de 60: do governo
JK crise poltico-econmica do governo Goulart..................................................... 49
2.3 O conceito de populismo e a formao do trabalhismo no Brasil....................... 65
2.4 A trajetria e o pensamento poltico-econmico de Joo Goulart at a
presidncia...................................................................................................................... 81
2.5 A herana de Getlio Vargas: o projeto trabalhista............................................. 92
3 O CONTEXTO ECONMICO DA CRISE........................................................... 101
3.1 O desempenho macroeconmico e as caractersticas da economia brasileira.... 101
3.2 O setor externo da economia brasileira................................................................. 127
3.2.1 Estrutura da pauta de exportao e importao...................................................... 128
3.2.2 O balano de pagamentos....................................................................................... 133
3.2.3 Reservas internacionais e dvida externa................................................................ 149
3.2.4 Principais indicadores de vulnerabilidade externa.................................................. 154
4 O PROJETO DE NAO DO GOVERNO JOO GOULART.......................... 167
4.1 A implementao de um projeto: planejamento econmico, investimentos em
setores estratgicos e as realizaes do governo Joo Goulart.................................. 167
4.1.1 A instituio do planejamento, relaes com o legislativo e ndices de
aprovao de governo...................................................................................................... 167
4.1.2 Diretrizes da ao governamental........................................................................... 178
4.1.2.1 Poltica de Explorao dos Recursos Minerais e de Energia Hidrulica........... 183
4.1.2.2 Poltica Nacional de Energia Eltrica, Nuclear e de Petrleo........................... 185
4.1.2.3 Poltica de Transportes........................................................................................ 190
4.1.2.4 Poltica Nacional de Telecomunicaes.............................................................. 193
4.1.2.5 Poltica de Agricultura e Abastecimento............................................................. 195
4.1.2.6 Poltica para a Indstria de Transformao....................................................... 198
4.1.2.7 Poltica de Descentralizao Espacial dos Investimentos................................... 202
4.1.2.8 Poltica Nacional de Educao, Cincia e Tecnologia....................................... 204
4.1.2.9 Poltica Nacional de Sade.................................................................................. 209
4.1.2.10 Poltica de Habitao e Saneamento................................................................. 211
4.1.2.11 Diretrizes da Poltica Oramentria e de Financiamento................................ 214
4.1.2.12 Poltica de Mercado de Trabalho...................................................................... 218
4.1.2.13 Poltica de Reestruturao Institucional e outras aes relevantes.................. 220
4.2 O Plano Trienal e as Mensagens ao Congresso Nacional de 1963 e 1964: a
continuao do processo de substituio de importaes no departamento de
bens de capital e intermedirios e a Poltica Externa Independente.........................
232
4.3 As Reformas de Base: objetivos e a finalidade...................................................... 258
4.3.1 A reforma poltica e eleitoral.................................................................................. 272
4.3.2 A reforma administrativa........................................................................................ 275
4.3.3 A reforma tributria e oramentria........................................................................ 277
4.3.4 A reforma bancria................................................................................................. 284
4.3.5 A reforma agrria.................................................................................................... 294
4.3.6 A reforma da educao e universitria.................................................................... 299
4.3.7 A reforma urbana.................................................................................................... 304
4.3.8 A reforma cambial e do estatuto do capital estrangeiro.......................................... 308
4.4 A sntese do pensamento de Goulart: o discurso da Central do Brasil............... 312
5 CONCLUSO............................................................................................................ 327
REFERNCIAS............................................................................................................. 337
APNDICE A - Uma breve comparao entre algumas propostas do Plano Trienal e
das Mensagens ao Congresso Nacional de 1963-1964, do PAEG e do II PND.............. 359
ANEXO A Agenda governamental em 1963............................................................... 369
ANEXO B Trechos de discursos de Joo Goulart, 1953-1964.................................... 381
31
1 INTRODUO
O ano de 1964 pode ser considerado um marco para visualizar de forma clara dois
projetos para o pas. De um lado, havia o nacional-desenvolvimentismo, baseado na
construo de um capitalismo nacional por meio de incentivo a empresas locais. De outro,
havia o desenvolvimentismo associado-dependente, que tinha como agente principal o capital
estrangeiro para a construo do capitalismo no Brasil1. Em ambos o papel do Estado era
crucial, contudo com algumas diferenas em sua forma de atuao. No primeiro, ao Estado se
impunha uma atuao muito mais interventora e estatista; no segundo, embora continuasse
intervindo, admitia-se mais um papel regulador e estimulador ao capital estrangeiro. Esses
projetos tinham pontos convergentes. Dentre eles cabe destacar dois. O primeiro era o
objetivo do crescimento econmico. O segundo consistia no papel importante do Estado para
a industrializao brasileira. Cabe a ressalva aqui que, nesse momento, havia a convico
quase generalizada de que crescimento e desenvolvimento econmico eram praticamente
entendidos como sinnimos e que o simples alcance e manuteno do crescimento econmico
ocasionaria uma melhoria nas condies de vida de toda a populao.
Atualmente o Estado continua sendo um agente relevante. Entretanto as economias
passam por um processo que vem sendo denominado de globalizao, o qual traz
significativas transformaes nas esferas poltica, cultural, tecnolgica e econmica. No
Brasil, esse processo chegou de forma mais lenta no incio da dcada de 1990, j que durante
a dcada de 1980 o combate inflao foi prioridade dos governos no pas. Embora o
crescimento econmico fosse um objetivo, pelo menos no plano retrico do discurso oficial,
esse foi relegado a segundo plano em razo da instabilidade monetria. Entretanto, com o
advento do Plano Real, a estabilidade passou a ser o status quo da economia brasileira e um
novo anseio nacional crescimento com distribuio de renda - voltou a ser visto por alguns
economistas como prioridade num pas de enormes desigualdades sociais e regionais. Nesse
contexto que ressurge o questionamento da importncia de um projeto de nao para que
insira como ponto relevante a insero da economia brasileira diante de novo contexto
internacional que se delineia.
32
O objetivo de promover o crescimento econmico tendo como prioridade a
distribuio de renda algo recente na poltica econmica. Contudo, ele parece ter existido de
forma concreta h algumas dcadas, mais precisamente no governo do ex-presidente Joo
Goulart.
Esse projeto de nao comeou a ser construdo antes da dcada de 1960, em
especial durante a Era Vargas, quando podemos dizer que o Estado brasileiro teve sua
consolidao como interventor na economia. No mbito econmico, o projeto Vargas, que
ficou conhecido como nacional-desenvolvimentismo, foi a opo adotada. Nacional, porque
via na dependncia comercial, tecnolgica e financeira o principal entrave ao
desenvolvimento. Para isso seria necessrio o fortalecimento do capital nacional de forma a
promover o fortalecimento da indstria brasileira e de controlar e diminuir a influncia do
capital estrangeiro. Como aquele capital era incipiente, visto que grande parte ainda estava
direcionado para a economia agroexportadora, a etapa inicial do projeto de industrializao
deveria ser apoiada fortemente pelo Estado. O capital estrangeiro seria importante, mas o
Estado delimitaria em que reas ele atuaria.
O Projeto Vargas tinha como alicerce a participao do Estado na economia e essa
atuao deveria respaldar-se por meio de vrios instrumentos. Primeiramente, com a atuao
das empresas estatais. Em segundo, por meio do planejamento e da distribuio setorial dos
investimentos. Em terceiro, pela subordinao das polticas monetria, fiscal e cambial ao
objetivo prioritrio do desenvolvimento. Em quarto, pelo controle dos fluxos de capital
estrangeiro. Em quinto, pela expanso da previdncia social e da legislao ao trabalho. Por
fim, a promoo do mercado interno por intermdio de uma redistribuio de renda mais
equitativa que se tentou implementar, como no governo Goulart.
O governo Joo Goulart gerou inmeras controvrsias, pois desde que assumiu a
presidncia do pas houve enorme contestao por segmentos de polticos civis e de militares
sobre sua legitimidade e uma constante luta para obt-la. Goulart foi eleito vice-presidente
com Jnio Quadros, embora fossem adversrios, j que a constituio permitia a eleio de
Presidente e Vice-Presidente de chapas separadas. Este, embora representando o pequeno
Partido Democrtico Cristo (PDC), contava com o apoio da Unio Democrtica Nacional
(UDN) e sua campanha baseou-se na moralidade e no combate corrupo. Eleito, renunciou
depois de sete meses. Internamente foi marcado por uma poltica econmica conservadora;
entretanto, no mbito da poltica externa, Jnio surpreendeu indo em direo poltica
1 Embora a existncia e a denominao destes dois projetos no sejam consenso na literatura, adota-se essa
concepo, a qual ser objeto de maior detalhamento a seguir.
33
externa independente (PEI). A PEI representou, dentre outras consequncia a ampliao das
relaes comerciais com os pases do bloco socialista.
Com a renncia de Quadros, assumiu o poder o vice-presidente Joo Goulart em
uma situao tumultuada. Os ministros militares e as foras de apoio ao presidente Jnio
Quadros no aceitavam a posse de Joo Goulart, que estava em misso oficial na China.
Contudo, no sul do pas seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura
Brizola, iniciou a Campanha da Legalidade, que culminou na negociao de uma soluo de
compromisso por meio do parlamentarismo, tendo como primeiro ministro Tancredo Neves.
O governo Goulart, ento, pode ser dividido em dois perodos: de 1961 a 1962, num regime
parlamentarista e de 1963 a 1964 num regime presidencialista, ao qual retornou aps o
plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963.
O governo Goulart enfrentou os mesmos problemas do seu antecessor: economia
com crescente inflao e estagnao do PIB. Para isso, o governo lanou o Plano Trienal e
aprofundou a PEI. O Plano Trienal possua dois componentes bsicos. O primeiro consistia
em medidas de combate inflao e o segundo as chamadas Reformas de Base (reformas
agrria, eleitoral, universitria, bancria, da legislao sobre o capital estrangeiro, urbana e a
tributria). Entretanto, esse plano no pde ser implementado em sua totalidade, posto que foi
interrompido por meio do golpe civil-militar de 1964. A oposio ao governo Goulart
considerava-o catico, sem objetivos e cooptado pelas foras comunistas no pas. Dessa
forma, justificou-se o golpe como a forma de se restabelecer a ordem e a seriedade no trato
com os assuntos de interesse nacional.
Entretanto, o questionamento a esse respeito levantado na literatura se realmente
havia um projeto de desenvolvimento no governo Goulart, ou apenas medidas tomadas por
presses conjunturais. Considera-se aqui o sentido mais amplo do termo projeto, ou seja, um
conjunto de ideias conectadas (viso de como deveria ser o futuro) postas em prtica por meio
de uma estratgia e aes com finalidade definidas. Afinado a este projeto de longo prazo,
supe-se que deve existir um plano de governo, delineado e com objetivos definidos e
conectados, implementados por intermdio de instrumentos para se alcanar um resultado. A
finalidade dessa tese , portanto, contribuir para detectar e esclarecer qual seria o projeto de
nao do governo Joo Goulart (1961-1964).
A hiptese formulada que houve um projeto de desenvolvimento econmico e
social no governo Joo Goulart e que esse seria uma continuao do nacional-
desenvolvimentismo iniciado no governo Vargas. Entretanto, com uma nova varivel nesse
processo: a proposta de reforma estrutural com forte vis distributivo para a promoo do
34
mercado interno. Essa preocupao com a redistribuio de renda era a varivel que
distinguia o governo Goulart dos anteriores. O projeto era de carter capitalista, tendo como
instrumento a continuidade do processo de substituio de importaes; entretanto, nessa
etapa os departamentos principais a serem desenvolvidos seriam os de bens de capital e os de
bens intermedirios.
Para isso, o estudo pretende demonstrar, por meio da anlise das polticas e medidas
efetivamente implementadas, pesquisadas em pronunciamentos, entrevistas, comunicados ao
congresso, relatrios, enfim, amparando-se na anlise do discurso e de documentos do
Presidente Joo Goulart e de seus ministros e assessores, a existncia desse projeto
econmico e social para o Brasil. Ademais, analisar-se-o as polticas e medidas efetivamente
implementadas, alm das sinalizadas por meio de planos e intenes. Dessa forma, espera-se
contribuir para o estudo da formao econmica e social do Brasil tendo como delimitao
cronolgica o perodo de 1961-1964.
A pesquisa define-se como circunscrito rea da Histria Econmica. O uso da
anlise do discurso pode ser uma valiosa fonte de estudo. Embora estudos de histria
econmica geralmente consistem em anlise de dados, projees e simulaes de variveis
econmicas, a investigao de variveis de difcil qualificao, tais como as instncias de
poder, a constituio das classes sociais, o papel do Estado e a influncia poltica sobre as
polticas econmicas implementadas ganham relevncia para compreender o mundo
complexo da economia dentro de um contexto histrico determinado (FONSECA, 1989).
A utilizao, tambm, da anlise do discurso como mtodo investigativo permite
analisar construes ideolgicas presentes em um texto. O discurso a prtica social de
produo de textos. Isso significa que todo discurso uma construo social, no individual, e
que s pode ser analisado considerando seu contexto histrico-social, suas condies de
produo; significa ainda que o discurso reflete uma viso de mundo determinada,
necessariamente vinculada ao seu autor e sociedade em que viveu. Por isso, a anlise do
discurso pode apontar para a viso de mundo, ou seja, para a existncia de ideias conectadas
para uma finalidade. A partir destas constataes, pode-ser inferir que o trabalho de
reconstruo do passado uma tarefa muito mais complexa do que ler e interpretar os
documentos. Faz-se necessrio analis-los, considerando as particularidades formais dos
textos e os processos de produo de sentido. Conforme Foucault (1996), os discursos so,
portanto, saberes, ou seja, compreenses produzidas pelas sociedades sobre as relaes
humanas. Os discursos no se limitam ao universo das ideias e no antecedem a organizao
social, pois so inseparveis dela. Fazem-se presentes e constituem as prticas, as relaes
35
sociais, as instituies e as representaes, ou seja, o social (FOUCAULT, 1987). Entretanto,
j o discurso poltico precisa ser analisado em duas linhas: o xito em desconstruir o outro e a
forma como constri a si prprio, como oposio ao outro (PINTO, 2006).
Portanto, o objetivo geral desta pesquisa investigar a existncia de um projeto
econmico e social para o Brasil no governo Goulart e, em caso afirmativo, qual seria e o que
pretendia. Para isso, como objetivos especficos temos; i) demonstrar que o governo Goulart
propunha continuar o projeto Vargas; ii) mostrar que se pode perceber em Goulart um
pensamento poltico coerente durante sua trajetria; iii) analisar o contexto poltico e
econmico do perodo; iv) demonstrar a intencionalidade do governo em continuar o processo
de substituio de importaes; v) verificar as realizaes do governo Goulart; e vi) investigar
quais eram as reformas de base e qual a sua finalidade.
Deve-se ter em vista que no perodo em anlise havia a convico, aceita em vrios
crculos e inclusive em parte do governo, de que uma das principais causas do
subdesenvolvimento estava na dependncia do pas para com o exterior. Portanto, o caminho
para alcanar o desenvolvimento impunha a diminuio da dependncia, tanto comercial,
produtiva e tecnolgica como financeira, e para isso seria necessrio desenvolver um mercado
interno forte. Esse se consubstanciava nas reformas de base propostas no Plano Trienal.
Ademais, interessante salientar a tamanha resistncia por parte de segmentos da sociedade
em relao continuidade de um governo que teria apenas mais um ano de governo aps
1964. Para tanto, essa pesquisa procura contribuir com a viso de que o presidente Joo
Goulart expressa, por meio da documentao analisada, uma noo bem deliberada dos seus
objetivos e que propunha aprofundar o projeto de desenvolvimento nacional iniciado com o
presidente Vargas. Dessa forma, pode-se sustentar que agentes polticos e econmicos
tiveram seus interesses contrariados com esse projeto e sugerir a tese de que a principal causa
do golpe civil-militar foi a rejeio a um projeto de desenvolvimento com forte vis
distributivo.
A fim de alcanar esses objetivos, a presente tese esta organizada da seguinte
maneira. No captulo 1, pretende-se demonstrar as influncias das ideias de Vargas no
pensamento de Goulart. O captulo retoma a Revoluo de 1930 e a ruptura com o modelo
agroexportador, assim como procura delinear qual seria o projeto de Vargas. Em seguida,
aborda-se o fenmeno do populismo e procurar-se- mostrar as diferenas da expresso
populismo, difundida na literatura, com o legado trabalhista, sugerindo que o perodo Goulart
foi um governo popular e trabalhista. No item posterior, pretende-se avaliar o discurso e as
idias de Joo Goulart at assumir a presidncia, assim como reconstituir os principais fatos
36
de sua trajetria e expor seu pensamento poltico. Por fim, pretende-se apontar a evoluo do
projeto Vargas para o projeto trabalhista.
No captulo 2, apresentado o panorama da economia brasileira na conjuntura 1961-
1964. Inicia-se com as caractersticas e os desequilbrios (interno e externo) da economia
brasileira. Analisar-se-, tambm, o balano de pagamentos do Brasil, enfatizando a estrutura
da pauta de exportaes e importaes, a balana de servios e as remessas de lucro e a dvida
externa, e realizar-se- uma anlise da vulnerabilidade externa da economia brasileira do
perodo.
No captulo 3, realizado um detalhamento das realizaes do governo Goulart e
sua relao com o legislativo. Aps, sero analisados os objetivos do Plano Trienal e das
mensagens ao Congresso Nacional. Nesse ponto, pretende-se mostrar a inteno do governo
em aprofundar o processo de substituio de importaes, em especial no setor de bens de
capital. A seguir, procurar-se- examinar a Poltica Externa Independente e mostrar a inteno
do governo em diversificar as exportaes e buscar novos mercados como forma de diminuir
a dependncia externa. Aps, pretende-se apresentar as Reformas de Base, seus objetivos e
sua finalidade. Conclui-se o presente estudo sistematizando o projeto de Goulart e
demonstrando a atualidade de muitas das reformas de base para o Brasil.
37
2 O LEGADO DE VARGAS
A economia brasileira passou por profundas transformaes no sculo passado. Do
incio da dcada de 1930 ao fim dos anos 50, transitou de uma economia agroexportadora -
tendo a pauta de exportao centrada fortemente num nico produto, o caf para a maior
economia industrializada da Amrica Latina. Esse perodo foi denominado Era Vargas,
tendo como lder o ex-presidente Getlio Dornelles Vargas, que governou o Brasil por dois
perodos. O primeiro durou de 1930 a 1945 e o segundo de 1950 a 1954. Vargas chegou ao
poder por meio do golpe civil-militar de 1930, que deps o ex-presidente Washington Lus e,
a partir de ento, implementou uma poltica de defesa do caf. Paulatinamente, incentivou o
processo de industrializao do pas por meio de uma poltica econmica que favorecia a
industrializao, principalmente no setor de bens de consumo no-durveis. Esse processo foi
chamado de Substituio de Importaes (PSI).
Mesmo aps o suicdio de Vargas, em agosto de 1954, a polarizao no campo das
ideias polticas e econmicas entre os chamados getulistas e anti-getulistas continuou a se
acentuar, chegando a seu pice em 1964. Os primeiros, partidrios das ideias de maior
interveno do Estado e de proteo ao trabalho, iniciados no governo Vargas. Os segundos,
contra a participao acentuada do Estado na economia, os quais englobavam tanto os
defensores da vocao agrcola para o pas como os que defendiam a industrializao, mas
com menos participao do Estado e com maior presena do capital estrangeiro. Essas ideias
influenciaram muitos polticos no pas e suas decises no mbito econmico nos anos
posteriores a Vargas.
O Brasil da dcada de 1960 era muito diferente daquele da dcada de 1930. Nos anos
30, grande parte da populao encontrava-se no campo; a participao da agricultura, na
composio do PIB, era maior que 60% e, embora existisse indstria, esta era incipiente e
gravitava na economia cafeeira. Com a morte de Getlio Vargas, as ideias e a sua viso de
pas continuaram sendo defendidas por alguns polticos, em especial, Joo Belchior Marques
Goulart, o Jango.
O objetivo geral desse captulo demonstrar a influncia das ideias de Vargas, assim
como o projeto de desenvolvimento existente durante esse governo, no pensamento poltico e
econmico de Joo Goulart. Comea-se demonstrando a "ruptura" do modelo agrrio-
exportador e a escolha do tipo e da forma de intensificar a industrializao brasileira,
prioritria a partir de 1930. Posteriormente, procura-se discutir o sentido do que seria
populismo, e apresentar qual seria o que se denomina de a doutrina trabalhista. No correr
38
deste captulo, pretende-se demonstrar que Goulart, ao assumir a Presidncia da Repblica,
era um poltico experiente e focado na implementao de um projeto ao qual se pode
denominar de trabalhista, sintetizado no programa do seu partido o PTB.
2.1 Da revoluo de 30 ao projeto Vargas
Durante a dcada de 1920, em razo das incertezas quanto ao rumo da economia
brasileira, cresceram os debates em torno da necessidade de um projeto para o pas, inclusive
sobre a necessidade ou no da industrializao. Esses debates surgiam concomitantes com as
crises recorrentes do setor cafeeiro e com a crescente industrializao dos pases
desenvolvidos. Entretanto, embora houvesse certo crescimento industrial no perodo, o pacto
poltico-econmico vigente se, de um lado, no era contrrio indstria, de outro lado
voltava-se firmemente manuteno da economia agro-exportadora como principal alicerce
da economia nacional.
A chamada Repblica Velha (1889-1930) caracterizava-se pelo predomnio da atividade
de exportao, a chamada economia agroexportadora. O caf foi, nesse perodo, o principal
produto responsvel pela entrada de divisas no pas. Estas eram as responsveis pela
possibilidade de importao de produtos manufaturados, visto que, embora j houvesse
diversas indstrias, essas ainda eram incipientes e ligadas economia cafeeira. Salienta-se
duas correntes explicativas para a formao e expanso da indstria no Brasil. A primeira,
chamada de industrializao induzida pelas exportaes, argumenta que o surgimento da
indstria residia na expanso da economia cafeeira, gerando divisas que permitiam aos
industriais importarem mquinas e equipamentos em perodos de prosperidade. A segunda,
chamada de teoria dos choques adversos, sustenta que o crescimento industrial decorria das
crises do setor cafeeiro. Nesse sentido, um dos pilares da poltica de valorizao do caf era a
desvalorizao cambial. Se, por um lado, uma taxa cambial mais desvalorizada incentivava as
exportaes de caf, por outro lado dificultava a importao de produtos manufaturados, o
que incentivava a produo local desses produtos (VERSIANI; SUZIGAN, 1990).
Para entender o episdio conhecido como Revoluo de 1930, importante retroceder
ao ano de 1922. Esse foi um ano crtico para o governo brasileiro, pois foi repleto de disputas
polticas e levantes militares. Entre estes, surgiu o movimento militar chamado tenentismo,
que embora no fosse unificado ideologicamente, tinha no seio de suas reivindicaes a
mudana na poltica nacional, ou seja, o fim da repblica das oligarquias. O escopo dessas
mudanas residia na moralizao da administrao pblica, da instituio do voto secreto, da
39
criao de uma justia eleitoral independente e na defesa do nacionalismo econmico, embora
muitas vezes difuso. Pregava-se, tambm, uma reforma na educao pblica. Esse movimento
foi o alicerce para as transformaes polticas e econmicas ocorridas na dcada de 30.
A industrializao apenas comeou a ganhar importncia com o esgotamento do modelo
agroexportador baseado no caf, durante os anos 1920, o qual conheceu seu colapso em 1929.
Conforme Furtado (1962), nas dcadas posteriores, com a crescente expanso do mercado
interno, houve um deslocamento do eixo dinmico da economia do setor primrio para a
indstria. Para este autor, com a Grande Depresso as contradies do modelo agroexportador
comearam a aparecer com mais nitidez. A grande participao de um nico produto na pauta
de exportao deixava vulnervel o abastecimento de manufaturados importados para o
mercado interno. Portanto, a necessidade de industrializar o pas parecia latente. Alm disso, a
crescente expanso da populao no meio urbano ocasionava uma maior demanda por
produtos manufaturados.
A camada social emergente de empresrios industriais e da classe mdia urbanizada,
formada por intelectuais e principalmente por militares, assim como da grande massa de
trabalhadores, comeavam a participar da vida poltica do pas, crescendo os questionamentos
quanto ao rumo da economia brasileira, centrada nas exportaes de caf. Esses
descontentamentos podem ser analisados em quatro esferas: cultural, econmica, poltica e
militar. No mbito cultural, um dos movimentos de mais repercusso foi a Semana de Arte
Moderna de 1922, que trouxe para o debate a questo da identidade nacional. Na esfera
econmica, cresceu o questionamento da vocao agrcola do Brasil e da necessidade de
uma industrializao no pas. No mbito poltico, surgiu uma aliana de grupos oligrquicos
no hegemnicos, especialmente formados por polticos dos estados do Rio Grande do Sul,
Rio de Janeiro, do norte e nordeste. No mbito militar, o descontentamento de alguns oficiais
mais jovens fez surgir, como dito anteriormente, o movimento tenentista, que vai ser um dos
pilares da Revoluo de 1930. Portanto, a conjuno desses fatores, aliada recesso
proveniente da Grande Depresso, ocasionou um movimento poltico-militar que deps o
presidente, e a partir da comeou-se a reverter o quadro de vocao agrcola do Brasil.
Assim, no contexto externo, o colapso da Bolsa de Nova York em 1929 generalizou uma
enorme crise para o conjunto da economia mundial. Esse fato afetou a economia
agroexportadora que, desde a Primeira Guerra Mundial, apresentava sinais de declnio. No
contexto interno, ocorreu uma mudana poltica. O golpe de estado que deps o presidente
Washington Lus trouxe mudanas no ambiente poltico do pas. Essas mudanas foram
lideradas por Getlio Vargas, que para superar a crise econmica implementou um projeto
40
industrializante baseado na substituio de importaes e na proteo ao trabalho com forte
participao do Estado e do capital nacional, o qual ficou conhecido como nacional-
desenvolvimentismo. Esclarece Fonseca:
[...] que quaisquer termos ou expresses para designar fenmenos sociais complexos
apresentam limitaes, embora no se possa dispens-los. No caso, prefere-se aqui manter a denominao tradicional de Nacional-Desenvolvimentismo, a qual ainda
parece mais apropriada diante das outras opes, como varguismo (sugere um
projeto mais pessoal), "nacional-populismo" (j traz consigo de imediato uma carga
desqualificadora e depreciativa) ou nacional-estatismo (posto que, embora a
presena do Estado seja fundamental em sua implementao, o projeto contraria o
que comumente denota a palavra estatismo, a qual usada contrapor estado
sociedade ou, alternativamente, a capitalismo e a mercado). No caso, no
representou nem uma imposio do estado sociedade, posto que nesta foi gestado e
enraizado socialmente ao longo de sua vigncia, nem tampouco pretendia ocupar o
espao da iniciativa privada ou suprimi-Ia, j que se tratava de um projeto de
desenvolvimento capitalista (FONSECA, 2009, p.2).
Analisando-se o impacto da crise de 1929 no balano de pagamentos brasileiro, verifica-
se que com a diminuio do ritmo de crescimento das exportaes de caf que, conforme Baer
(2002), correspondia a 71% das exportaes, aumentou a escassez de divisas. Alm disso, as
importaes cresciam em maior proporo do que as exportaes, o que ocasionava um
estrangulamento externo em virtude da escassez de moeda estrangeira para abastecer o
mercado interno com os produtos importados. Segundo Furtado (1962), durante a dcada de
1920, as exportaes cresceram 10% enquanto as importaes cresceram 100%. Esse
panorama mostra a tendncia de um colapso das contas externas brasileira, agravado agora
pela crise da economia mundial com a quebra da bolsa. Com os preos dos produtos primrios
caindo no mercado internacional e a escassez de crdito externo para continuar financiando a
compra do caf, a crise cambial comeava a ficar insustentvel, o que levava reduo das
reservas. O dficit na balana comercial no cobria o histrico dficit da balana de servios
proveniente do pagamento de juros da dvida. Ademais, a balana de capitais sofreu o impacto
da crise mundial com a diminuio da entrada dos crditos externos e do aumento dos
encargos da dvida externa.
No mercado interno, a crise do setor exportador impactava com a queda da renda. Com
esta, reduzia-se o pagamento de salrios e, assim reduzia-se a demanda de consumo
dificultando a expanso da indstria razovel admitir que essas dificuldades no mbito
econmico favoreceram mudanas na esfera poltica, embora a formao da chapa
oposicionista liderada por Vargas a Aliana Liberal, deu-se antes da deflagrao da crise
mundial (incio de 1929, quando a crise foi deflagrada a partir de outubro desse ano). Nas
eleies presidenciais de 1930, a oposio sofreu uma derrota. Esta chapa oposicionista,
41
formada por uma coligao de mbito nacional, principalmente com polticos descontentes
com a poltica do caf com leite2, no aceitou a eleio de Julio Prestes por considerar as
eleies manipuladas. Assim, surgiu um movimento, com apoio militar, que deps o
presidente Washington Lus.
No dia 03 de novembro de 1930, Vargas assumiu a chefia do Governo Provisrio do
Brasil (1930-1934), trazendo consigo o programa econmico-social da Revoluo de 1930.
Na plataforma de Vargas estava em evidncia a instituio do voto secreto e universal, assim
como a institucionalizao do ensino pblico gratuito. Encaminhou a modernizao eleitoral e
as leis sociais; durante este perodo seu governo teve carter ditatorial e foram nomeados
interventores em diversos estados. Vargas tambm demonstrava apoio industrializao e
acenava para uma melhoria nas condies de trabalho dos assalariados urbanos,
principalmente os operrios.
Vargas, com o apoio dos militares, fez mudanas significativas na vida econmica e
poltica do pas durante sua permanncia no governo. Alm da defesa do caf, por meio da
queima de estoques, o governo lanou o novo Cdigo Eleitoral, que estabeleceu o voto
secreto para maiores de 21 anos alfabetizados e criou a Justia Eleitoral, assim como
sancionou vrias leis regulamentando as relaes de trabalho no Brasil. Sua ascenso ao poder
coincidiu com a crise econmica proveniente da queda da exportao de caf. As
circunstncias impunham que o problema das contas externas comeasse a ser enfrentado
rapidamente e foi lanado um conjunto de medidas para incentivar as exportaes e reter as
importaes; assim, paulatinamente, apontava-se para a direo de substitu-las por produo
local.
Getlio definia seu governo como de reconstruo nacional. Para isso acenava, em seu
discurso de posse, com vrias transformaes. Conclamava a unio dos brasileiros para um
reajustamento social e econmico do pas. No terreno financeiro e econmico, inclua entre as
tantas providncias essenciais a executar, a restaurao do critrio pblico ao fortalecimento
das fontes produtoras, abandonadas s suas dificuldades e asfixiadas sob o peso de tributaes
de exclusiva finalidade fiscal (VARGAS, 2004, p. 45). Seu programa de governo estava
baseado em seis alicerces. O primeiro era uma reforma poltica, por meio da garantia do
direito de voto secreto e universal, para isso foi realizada uma Assemblia Constituinte para
redigir uma nova carta magna. O segundo, uma reforma na educao, por meio da difuso
intensiva do ensino pblico, especialmente tcnico-profissional. O terceiro, uma reforma
2 Denominao tradicional do pacto entre polticos, representantes da oligarquia mineira e paulista, para
alternarem-se na presidncia da Repblica nas trs primeiras dcadas do sculo XX.
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trabalhista, com a proteo do trabalho urbano assalariado e uma poltica de imigrao como
reforo presena intervencionista e planejadora do Estado na economia. O quarto, uma
reforma no Estado, por intermdio de uma racionalizao dos quadros do funcionalismo
pblico, no contexto da modernizao da economia, assim como uma moralizao do servio
pblico. Em quinto, uma reforma tributria, fazendo modificaes no sistema tributrio, de
modo a dar respaldo produo nacional. Em sexto, uma reforma econmica que visava
proteo economia nacional, em especial a indstria, por meio de uma interveno do
Estado para modernizar a economia. Alm desses pontos bsicos, houve tambm medidas que
visavam ao saneamento, valorizao da autonomia do papel das Foras Armadas e
integrao territorial do pas, mediante um plano de viao geral.
Em relao proteo da economia nacional, pode-se mencionar duas importantes
linhas de atuao. A primeira consistia no enfrentamento da crise cambial por meio de
medidas econmicas que visavam ao equacionamento das contas externas. A segunda visava
manuteno da demanda agregada e do nvel de emprego (FURTADO, 1962).
Para enfrentar os problemas do balano de pagamentos, Vargas adotou basicamente
quatro medidas. A primeira, relacionava-se dvida externa, que trazia impactos negativos
balana de servios e de capital. O governo suspendeu parte dos pagamentos da dvida e fez
uma auditoria, reduzindo-a expressivamente. Constatou-se que somente 40% dos contratos
estavam documentados. Com isso, na negociao feita conseguiu-se uma reduo
significativa da dvida externa. A segunda, terceira e quarta consistiam em medidas para
reduzir as importaes por intermdio do controle de cmbio, a desvalorizao da moeda
nacional e a elevao de tarifas de importao.
Com a queda das exportaes, engendrou-se na economia brasileira uma escassez de
divisas, a qual pressionou para a desvalorizao da moeda nacional. Ademais, o governo
sustentava essa desvalorizao e encarecia os produtos importados como mecanismo de
incentivo s exportaes; esta medida, adotada conscientemente ou no, resultava na
promoo da industrializao3. Contudo o problema histrico brasileiro a dvida
continuava a pesar sobre as contas externas. Os encargos com juros e a remessa de lucros para
o exterior neutralizavam o resultado positivo da balana comercial. Entretanto, esse problema
foi enfrentado quando Vargas suspendeu parte do pagamento da dvida e congelou a remessa
de lucros para o exterior.
3 Enquanto Furtado (1962) advoga que as medidas no foram conscientes em defesa da indstria, mas
subproduto da preocupao com a defesa do nvel de renda do caf. Fonseca tem entendimento contrrio e
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Para garantir a manuteno da demanda agregada e do nvel de emprego, o governo
adotou inicialmente uma poltica de defesa do caf. Essa poltica consistia em manter o nvel
de renda da economia cafeeira por tempo determinado como forma de proteger a economia
nacional e no de favorecer exclusivamente os cafeicultores como era feito com o Acordo de
Taubat. O governo federal criou o Conselho Nacional do Caf, rgo voltado, dentre outros
objetivos, a acompanhar o preo do caf e para impedir que o preo continuasse a cair. A
mudana mais importante em relao ao referido acordo foi a forma de financiamento.
Enquanto antes de Vargas, pelo acordo de Taubat, o financiamento era por meio de
endividamento externo, com a nova poltica de defesa do caf esse financiamento foi
realizado por intermdio do aumento de impostos e de emisso monetria que incentivavam a
expanso da renda e do crdito (FONSECA, 1989). Mais adiante, o governo comeou a
destruir os estoques comprados como meio de manter o equilbrio entre demanda e oferta. Ao
invs de o governo garantir a rentabilidade do setor cafeeiro, promoveu a substituio gradual
dos investimentos, diversificando tanto a produo agrcola como incitando a produo
industrial. Essa poltica de defesa, aliada s medidas de reduo das importaes, manteve o
nvel de renda e emprego da economia, bem como contribuiu para que a participao da
indstria no PIB aumentasse.
Embora antes de 1930 houvesse alguns perodos de crescimento da produo industrial,
foi durante o governo Vargas que este se verificou com maior intensidade e passou a contar
com instrumentos e rgos estatais voltadas a sua defesa. Enfim, a forma de ampliar e
consolidar a indstria foi, por meio de novo modelo, o Processo de Substituio de
Importaes (PSI), que visava produzir internamente produtos que pesavam na pauta de
importao. O governo Vargas mudou a concepo de que o Brasil tinha um destino marcado
pela vocao agrcola, o que legitimava a dependncia da demanda externa, e passou,
paulatinamente, a criar condies para que a economia brasileira retomasse o crescimento
independentemente do desempenho dos pases desenvolvidos. Para isso, o governo comeou a
praticar medidas protecionistas e intensificar a ao do Estado na economia para promover e
proteger a indstria nascente e a demanda interna. Por meio da implantao do controle de
cmbio, desvalorizao da moeda nacional e com a elevao das tarifas para produtos
importados, o Brasil diminuiu sensivelmente o volume de bens trazidos de fora, deixando de
ter saldo deficitrio na balana comercial para um supervit (FONSECA, 1989).
defende que j na dcada de 1930 pode-se detectar um projeto voltado industrializao do pas (FONSECA,
2003).
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Portanto, os pilares desse novo projeto de pas que se desenhava estava baseado no
fomento indstria de bens de consumo no durveis e na promoo do mercado interno. Nas
dcadas seguintes, acresce a estes a proposta de implementar a indstria de base, como a
siderurgia, a alavancar o crescimento da economia brasileira. Em relao aos trabalhadores,
Vargas criou o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio e decretou vrias leis de garantia
do trabalho, sendo todas elas Consolidadas nas Leis do Trabalho (CLT). Entre essas cabe
destacar a que obrigava as empresas a empregar 2/3 de trabalhadores de nacionalidade
brasileira, assim como a lei sindical, a jornada de trabalho de 8 horas, o salrio mnimo,
descanso semanal, frias, licena-gestante remunerada, instituio da segurana do trabalho,
jornada de 6 horas para bancrios, telefonistas, mineiros e outras categorias profissionais e a
instituio da Previdncia Social.
De 1934 a 1937, sob vigncia de nova Constituio (que garantia o voto secreto e
feminino e a consolidao das leis sociais), Vargas foi presidente constitucional, enfrentou a
Intentona Comunista em 1935 e se valeu do perigo comunista para obter os apoios
necessrios implantao de uma ditadura afinada com os fascismos da poca, o chamado
Estado Novo. Essa revolta foi um dos pretextos para dar o golpe do Estado Novo, mas serviu
tambm para a consolidao do Estado Nacional brasileiro. Uma das justificativas da
implantao do regime ditatorial foi que eleies, com resqucios nos moldes anteriores, ou
seja, manipulao e coero dos eleitores por meio do voto comprado ou forado,
devolveriam o pas s antigas elites contrrias prioridade da industrializao. As eleies
marcadas para 1934 prorrogaram o mandato de Vargas at 1938. Contudo, com o golpe de
1937, no houve eleies e o presidente permaneceu at ser deposto pelos militares em 1945.
Mesmo no regime ditatorial, Vargas enfrentou outro levante, liderado pela Ao Integralista
Brasileira, cujos adeptos estavam mais prximos do modelo do fascismo italiano; como os
anteriores, este foi dizimado.
Se, por um lado, o Estado Novo representou um retrocesso ao regime democrtico, por
outro lado foi fundamental para o avano de mudanas de carter econmico e social
mencionadas anteriormente. Aos poucos a estrutura administrativa foi sendo montada; criou-
se o Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP). Alm da suspenso dos
pagamentos de juro e amortizao da dvida externa e da adoo da legislao do trabalho, o
governo, paralelamente implantao da indstria de base, criou o Conselho de Economia
Nacional que lanou o primeiro plano de aes do governo, o Plano Quinquenal.
Em especial durante o Estado Novo, o governo inaugurou a grande indstria de base no
pas por meio da instalao da siderurgia. Em 1939, foi criado o Plano de Especial de Obras
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Pblicas e Aparelhamento da Defesa Nacional que visava ampliao da infraestrutura de
comunicaes, transportes e siderurgia. Assim, em 1942 comeou a ser construda a primeira
siderrgica estatal a Usina de Volta Redonda Companhia Siderrgica Nacional (CSN).
Com o incio da Segunda Guerra Mundial, barganhando com os EUA, Getlio conseguiu um
financiamento para a construo da siderrgica e em troca cedeu temporariamente um espao
no nordeste para instalao de uma base area norte-americana. Em seguida, criou a
Companhia Vale do Rio Doce, que forneceria os minrios necessrios indstria que estava
para ser instalada.
Com o golpe de 10 de novembro de 1937, liderado por Vargas, aumentaram a
centralizao administrativa e a supresso dos direitos polticos. No mbito econmico, o
governo propunha modernizao da nao por meio de polticas que propiciassem um Estado
forte, centralizador, planejador e interventor. Ele seria o agente fundamental na produo,
definindo prioridades e setores estratgicos, e no desenvolvimento econmico. Do ponto de
vista econmico, seu legado foi a ideia de que o governo precisaria recorrer ao planejamento
para alcanar o crescimento econmico. Ademias, no bastava planejar, devia liderar esse
crescimento econmico com vistas direo dos recursos. Do ponto de vista social, no
primeiro momento, a incorporao dos trabalhadores urbanos organizao sindical; no
segundo governo, a incorporao dos trabalhadores urbanos poltica. Enfim, pode-se
resumir o conjunto de polticas pblicas implementadas por Vargas em: benefcios sociais aos
trabalhadores, o incentivo industrializao, o fortalecimento da identidade nacional em
detrimento dos regionalismos e a redefinio do papel do Estado como agente regulador das
relaes entre empresrios e assalariados, alm de interventor, planejador e investidor na
esfera econmica. Esse seria o seu legado, que seria institucionalizado como projeto poltico
de um partido, o PTB.
Com o fim do Estado Novo, em 1945, Vargas convocou eleies para o ano seguinte.
Ao mesmo tempo em que setores pressionavam para o fim da ditadura, surgiu um movimento
chamado Queremista que propunha as eleies para a nova Assembleia Constituinte com a
permanncia de Getlio. A oposio desconfiou que era mais uma manobra do velho poltico
para permanecer na presidncia. Com a crescente presso dos militares, Getlio Vargas foi
deposto em outubro de 1945.
Antes, porm, comearam as movimentaes de vrios segmentos sociais com vistas
constituio de partidos polticos para concorrer s eleies. De um lado, os partidos
getulistas, Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um de
base agrria e de polticos que fizeram carreira no Estado Novo, o outro de base operria e de
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inclinao social-democrata. De outro lado, um partido anti-getulista ligado ao setor agro-
exportador, ao capital estrangeiro e parte da classe mdia: a Unio Democratica Nacional
(UDN). Ademais, legalizou-se o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O candidato da PSD,
Dutra, venceu as eleies e seu governo foi marcado, conforme Saretta (2002), por relativa
continuidade na gesto econmica. Entretanto, esta no esconde diferenas importantes na
conduo da poltica econmica.
A marca da administrao Dutra (1946-1950), sobretudo no seu primeiro ano, foi
a tentativa de relaxar os controles estatais sobre a economia, herdados da
ditadura do Estado Novo e da excepcionalidade do perodo da guerra. A par do
fechamento de rgos pblicos que detinham algum controle sobre a atividade econmica, o novo governo brasileiro de 1946 inovou ao executar uma poltica
cambial e de importao liberadas. Dispondo de inusitado saldo cambial - em
torno de US$ 700 milhes - e preocupado com o combate inflao permitiu-se
a liberdade no uso das cambiais para abastecer o carente mercado interno. Houve
sem dvida uma proposta explcita de efetivar uma poltica econmica liberal
(SARETTA, 2002, p.11).
Conforme Saretta, o governo Dutra foi abalizado por uma poltica econmica interna
consubstanciada no equilbrio oramentrio, na diminuio da participao do Estado na
atividade econmica e no corte/diminuio dos gastos pblicos. Em relao poltica
econmica externa, esta foi assinalada por uma frustrao frente expectativa de que os
Estados Unidos colaborariam para o desenvolvimento brasileiro.
A histria da poltica econmica destes anos revela em parte esta frustrao, pois
embora os Estados Unidos investissem no Brasil, no o fizeram na proporo que a
economia brasileira necessitava. A carncia de dlares e os equvocos na conduo
da poltica cambial levaram a profundas modificaes na conduo da economia
brasileira. Decorrido pouco mais de um ano de governo, este se viu obrigado a
impor controles sobre as operaes externas, j que as divisas em moedas conversveis praticamente desapareceram por conta da liberalidade do primeiro ano
(SARETTA, 2002, p.11).
Em 1950, ocorreram novas eleies. De um lado a oposio novamente com o
brigadeiro Eduardo Gomes. De outro lado, Getlio Dornelles Vargas, representando o PTB,
mas com forte apoio do PSD, mesmo tendo candidato prprio. Vargas adotou um discurso
fortemente nacionalista como pode ser visto em parte a seguir: Empenhar-me-ei a fundo em
fazer um governo eminentemente nacionalista. O Brasil ainda no conquistou a sua
independncia econmica e, nesse sentido, farei tudo para consegui-la (SILVA, 1983,
p.172). Vargas comeara a articular seu retorno presidncia da Repblica recorrendo ao
nacionalismo como instrumento para o desenvolvimento econmico, e ao trabalhismo como
forma de ampliar a cidadania social dos trabalhadores. Vargas defendia que a independncia
econmica seria obtida por meio da industrializao, especialmente a de base e bens de
capital. Para isso pretendia implantar meios de produo necessrios produo de outros
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bens. Antes era necessrio, no entanto, criar empreendimentos estatais que garantissem um
bloco de atividades produtivas que estariam em curso. Dessa forma, o presidente incentivou a
criao da Petrobras para garantir a energia necessria para os investimentos a serem
realizados. As estatais criadas em seu governo anterior, tais como: CSN e a Vale do Rio Doce,
passaram a funcionar. Tambm foi encaminhado um projeto para a construo de uma grande
empresa de energia eltrica, a Eletrobrs. Ademais, houve continuidade na construo da
usina de Paulo Afonso, e foram iniciadas a construo de hidreltricas e termeltricas no Sul.
Para financiar parte desses projetos, o governo previa a criao do Imposto nico sobre
Energia Eltrica.
Em 1953, foi realizada a reforma cambial e lanada a Instruo 70 da Superintendncia
da Moeda e do Crdito (SUMOC). Essas medidas visavam dificultar a importao de bens
suprfluos com o intuito de estimular a produo nacional. Ademais, com o mesmo propsito
foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) para financiar investimentos na
obteno e produo de bens de capital. Se, por um lado, a expanso do setor de bens de
produo (capital e intermedirio) tinha como agente as empresas estatais, por outro lado o
setor de bens de consumo (bens no durveis num primeiro momento) estava sob o controle
da iniciativa privada.
Depois da Grande Depresso, o fluxo de capital dos pases centrais para a Amrica
Latina diminuiu consideravelmente. Os EUA passaram, ento, a ajudar na reconstruo da
Europa com o Plano Marshall, restringindo a entrada de capitais europeus e norte-americanos
para as economias subdesenvolvidas. Com essa escassez temporria de capital estrangeiro,
houve mais espao para o empresariado nacional em conjunto com o Estado manter o controle
sobre a economia local. O Estado brasileiro nesse perodo teve um papel fundamental para o
desenvolvimento industrial. Se, por um lado, expandia a produo de bens intermedirios e a
infraestrutura, por outro lado regulava as transferncias do setor agroexportador para o setor
industrial. Essa forma de industrializar o pas, sustentada no Estado e no capital nacional,
ocorreu pari passu consolidao de uma ideologia nacionalista. A construo da Petrobras
foi um marco nesse aspecto, assim como o legado do nacionalismo econmico.
A defesa da industrializao do pas por parte de Vargas no comeou com sua ascenso
Presidncia. Desde a Repblica Velha identificado uma influncia positivista e
intervencionista em seu discurso. Aceitava o intervencionismo estatal, que mesmo sem ser
contrrio propriedade privada, buscava uma harmonia entre as classes. Com o passar dos
anos, especialmente a partir de 1953, pode se perceber uma maior influncia social-democrata
em seu discurso (perceptvel nos termos usados como explorao e imperialismo). Na
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trajetria de Vargas pode-se identificar trs fases: positivismo da Republica Velha;
desenvolvimentismo autoritrio dos anos 30 e Estado Novo; e trabalhismo dos anos 1950.
Elas tm um elemento comum: o anti-liberalismo Tanto poltica como economicamente esse
parece ser a doutrina que permanece no projeto Vargas, ou seja, a supremacia do social
sobre o indivduo e a interveno do Estado para regular e regulamentar a sociedade e o
mercado (FONSECA, 1989).
O projeto se configurou numa poltica efetiva de modernizao do pas, por intermdio
da criao e consolidao de um novo tipo de estado. Esse foi moldado por meio de uma
reforma administrativa ancorada em uma burocracia oficial, com empresas estatais em reas
estratgicas, com legislao social e trabalhista (que envolvia o estabelecimento de pacto
poltico capital e trabalho) e a relao de troca entre o Estado e o sistema sindical, o que pode
ter favorecido a expanso da participao popular no incio da dcada de 1960. Esse projeto
de Estado Nacional foi alicerado em planejamento setorial da economia, intervencionismo e
teve no nacionalismo econmico o fundamento ideolgico para uma proposta de construo
da soberania nacional.
Esse projeto, todavia, passou a enfrentar reaes adversas. Com a recuperao da
Europa e a consolidao dos EUA como economia hegemnica, aumentaram a formao e a
expanso de grandes corporaes estrangeiras. Pressionado cada vez mais pelos EUA e pelo
maior partido de oposio, a UDN, para renunciar, o presidente Vargas suicidou-se em agosto
de 1954, deixando uma carta na qual expressava seu pensamento e os motivos pelo qual
cometeu esse ato. Era uma espcie de herana poltica, mostrando seus ideais e a viso de
pas. Nesta, dizia-se defensor dos interesses do povo e que havia muitos grupos tentando
impedir sua ao. Que aps decnios de espoliao do Brasil por parte dos grupos econmicos
e financeiros estrangeiros, iniciara um projeto de libertao nacional para promover maior
igualdade social. Entretanto, para combater essas iniciativas, grupos econmico nacionais
haviam se associado aos grupos internacionais para derrub-lo. Aes para potencializar as
riquezas do pas, como a criao da Petrobras e a lei para impedir lucros extraordinrios,
foram fortemente combatidas por esses.
O suicdio, conforme vrios analistas, adiou o golpe contra o seu projeto nacional por
dez anos. Nesse contexto, em 1955 foi eleito Juscelino Kubitschek (PSD) e Joo Goulart
(PTB), presidente e vice-presidente respectivamente. Este ltimo considerado por muitos
como o herdeiro poltico de Getlio Vargas.
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2.2 O panorama da economia brasileira no incio da dcada de 60: do governo JK crise
poltica-econmica do governo Goulart
Durante o perodo 1954-1964 cresceu o embate entre dois projetos para o Brasil. De um
lado o projeto Vargas, chamado de nacional-desenvolvimentismo, e de outro um projeto ou
caminho que via na aliana com o capital estrangeiro a soluo para problemas do pas, como
a escassez de capital, de tecnologia e de poupana externa. Esse ltimo foi batizado de
desenvolvimentismo associado-dependente (CARDOSO; FALETTO, 1970). Fonseca salienta
que:
[...] a palavra nacional auxilia em sua diferenciao de outro estilo de desenvolvimento, mais intemacionalizante e menos disposto a polticas
redistributivas, gestado no governo JK e que aparece de forma mais ntida
aps 1964. A partir da, e at o final da dcada de 1970, continuam o
desenvolvimentismo e o PSI (processo de Substituio de Importaes),
mas da forma "dependente-associada", como prefere a tradio da Escola
de Sociologia da USP (Florestan Femandes, Femando Henrique Cardoso,
Octavio Ianni), ou que se poderia chamar de dese