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O PROJETO METALEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Fabíola Coutinho Servidoni1 Maria Augusta H. W. Ribeiro2
Resumo: A preocupação com o ensino/aprendizagem da leitura resultou neste projeto que objetiva
capacitar, por meio de um percurso de níveis de leitura, alunos ledores a se tornarem
metaleitores. Foi aplicado em uma classe com quinze alunos de Telecurso 2000 de
Ensino Fundamental de uma fábrica de balas em Rio Claro (SP). Na avaliação inicial, um
era metaleitor, cinco, críticos, quatro, intérpretes e cinco, ledores. Utilizamos como
recurso pedagógico a fábula, narração representativa do saber e das características de
cada um dos níveis de leitura – ledor, intérprete, crítico e metaleitor. Construímos gráficos
da escolaridade, da faixa etária e das análises das atividades desenvolvidas. Como
resultado final da aplicação dos níveis, obtivemos três metatextos e a melhoria de nível
de leitura de nove alunos.
Palavras-chave: leitura, Telecurso 2000, níveis de leitura, fábula, metaleitura.
INTRODUÇÃO
A leitura permanece no centro das preocupações tanto da escola e dos pais quanto da
formação de adultos e da política cultural. Por isso, o tema tem frutificado em inúmeras pesquisas
desenvolvidas nos últimos anos, levando educadores a discutirem concepções e a analisarem dados
coletados pelas investigações sobre o ato de ler.
Em nossas práticas pedagógicas, notamos que entre nossos alunos sobressaia a
leitura informativa, restrita a objetivos predeterminados, sem possuir um significado para a
subjetividade deles. Desse modo, perdia-se de vista a importância do ato de ler, considerado como
iniciático, quer como ritual de iniciação a um saber – descoberta das letras -, quer como processo de
introdução ao saber – domínio do conhecimento.
A leitura, considerada um prazer, alicerça nossa trajetória teórica, uma vez que
privilegiamos a fruição como um dos fatores importantes no momento da leitura, por ser
possibilitadora de outras situações semelhantes, o que levaria ao hábito da leitura, exercício
primordial para a construção do leitor.
Entretanto, com relação ao aprendizado de leitura e da escrita, sabemos que o ensino
vem sendo criticado e seus resultados apontados como falhos em vários aspectos.
1 Bolsista do Núcleo de Ensino (PROGRAD) e Aluna de Graduação do Curso de Licenciatura em Pedagogia (UNESP – IB/Rio Claro) – correio eletrônico: <[email protected]> 2 Coordenadora do Projeto Metaleitura – um objetivo a atingir. Professora do Departamento de Educação (UNESP – IB/Rio Claro) correio eletrônico: <[email protected]>
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Tais problemas são ainda mais graves se considerarmos que a Educação de Jovens
e Adultos encontra-se associada, nos últimos anos, à Educação Popular, percebida, socialmente,
como facilitadora na inserção dos grupos populares no movimento de superação do saber de senso
comum pelo conhecimento mais crítico em torno do mundo e de sua condição, como já propalava
Freire.
Mas como tornar-se um leitor crítico se há falta de domínio e de compreensão da
língua e desse problema nascem inúmeros outros, muitos deles relacionados à leitura?
A escola confronta-se com um problema de leitura que não conseguiu superar e
agravou-se ao longo dos anos. O saber-ler era e, por vezes, ainda é confundido com a possibilidade
de se decifrar o escrito, transformando-o em oral, simplesmente. Por isso, procura como solução para
o problema o aperfeiçoamento dos métodos existentes, não percebendo que a leitura possui outra
natureza. Freire já havia alertado para esta outra concepção de leitura ao definir o alfabetizar como “a
criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral” (FREIRE, 1993, p.19).
Outros autores também compartilham dessa visão. Para Foucambert (1994, p. 5), é um
ato de atribuição de significado à escrita, que pode ser redefinido:
Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é.
Assim, podemos considerar o ato de ler como um modo de interrogar a escrita, por
questionamentos, pela exploração dos textos, tendo, como resultado, a formação do indivíduo, ao
trazer, para seu universo, possibilidades de sentidos que desafiam suas verdades, desestabilizando-o
e o levando a se reestruturar.
Embora tenham sido criadas numerosas facilidades para o aprendizado da leitura,
inversamente, notamos que o aluno atual não lê, lê pouco ou lê mal.
Pensando em solucionar esse problema, resolvemos – fundamentando-nos na Estética
da Recepção, concebida por Hans Robert Jauss, em meados dos anos sessenta, na Alemanha,
como um valioso instrumento no processo de leitura – enfocar não o ato da leitura, mas o sujeito
desse ato, o leitor – peça principal no processo de leitura – uma vez que a obra literária só tem vida
quando lida. Partindo do pressuposto de que o texto só vai adquirir existência quando lido por
alguém, foi para a interação leitor/texto – que dimensiona o leitor, o texto e a própria leitura – que nos
voltamos.
Essa interação entre leitor e texto - calcados na teoria da interpretação (hermenêutica)
– encontra-se presente no Projeto Metaleitura – um objetivo a atingir, desenvolvido pela Profa.
Dra. Maria Augusta H. W. Ribeiro (Departamento de Educação – UNESP – Rio Claro), no período de
1997 à 1999, financiado pela FAPESP, aplicado em uma 7a série de uma Escola Estadual, com
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acompanhamento dos alunos na 8a série. Centrado na construção de um percurso de leitura,
visando à melhoria da qualidade de leitura desses alunos, estabelece, para tanto, níveis de leitura
que possibilitaram aos alunos se tornarem metaleitores.
Foi criada uma metodologia que possibilita, aos alunos, caminharem, gradualmente,
em um percurso de compreensão de textos, que se inicia com o aluno ledor – lê e compreende o
texto, identificando tempo, espaço e personagens -, passa pelo intérprete – que associa as figuras às
pessoas, percebendo o discurso figurativo presente no texto -, e pelo crítico – descobre vários temas
e a moral, questiona o texto e o critica por meio do discurso temático – até chegar ao metaleitor – que
lê a sua leitura do texto, percebe os engodos que os homens praticam com a linguagem, domina o
discurso metalingüístico.
Para que a compreensão desses níveis se tornasse a mais didática possível, valemo-
nos do recurso da fábula, uma narração que por ser extremamente pedagógica, representativa do
discurso do saber, ilustra, com clareza, as características principais de cada um dos níveis,
principalmente um dos mais difíceis deles, o da metaleitura, uma vez que podemos trabalhá-la,
graficamente, tanto no espaçamento do texto, quanto no tipo diferente de letras, usado para sua
escrita.
Correspondendo a cada nível de leitura, teremos como resultado um tipo de leitor: na
literal, um leitor passivo; na contextualizada, um leitor intérprete; na crítica, um leitor crítico; na
metaleitura, um metaleitor.
Esses níveis de leitura podem ser mais bem compreendidos a partir da tabela 1.
Tabela 1 – Níveis de Leitura e suas finalidades
Níveis de leitura
Literal Contextualizada Crítica Metaleitura
O que o aluno faz
Lê e compreende o
texto
Associa as figuras às pessoas
Descobre os vários temas e a
moral
Lê a sua leitura do texto
Como faz Identifica tempo/
Espaço/ Personagem
Percebe o discurso figurativo
Percebe o discurso temático
Por meio da encenação (expressão corporal, figurino e cenário) e das adaptações do tema
(fidelidade ao tema) percebe o discurso metalingüístico
O que importa
Compreensão do texto
A interpretação do texto
A crítica do texto A leitura, pelo aluno, da leitura feita anteriormente.
O que resulta
Compreensão Ledor
Interpretação Leitor intérprete
(dialoga com o texto)
Aplicação Leitor crítico (questiona o
texto)
Aplicação Metaleitor
(constrói um novo texto)
Fonte: Projeto Metaleitura: um objetivo a atingir (p. 27, 2000)
Por meio da observação e análise desta tabela, percebemos que o ato de ler adquire um
significado maior, conforme coloca Salzedas (2000, p. 12):
332
O ato de ler, ação de ligar sentidos, incita o leitor a adentrar pela trama do texto, descobrir-lhe as estratégias, as relações internas e externas voltadas à construção de sua macro-estrutura, isto é, de sua estrutura profunda, a do sentido.
Cabe ao leitor uma reflexão sobre o mecanismo de composição do texto, uma vez que este texto pode ser visto sob a perspectiva da sua produção e da sua recepção. Sua leitura realiza uma reflexão, numa primeira etapa, através de acesso à sua estrutura superficial, ou seja, de seu tecido lingüístico, que caminha coesivamente para a estrutura profunda, em busca de uma coerência de sentido. Na perspectiva da recepção, o ponto inicial é o semântico, é o sentido, que se constrói, coesivamente, até atingir a estrutura superficial. Portanto, a leitura obedece a um movimento de cima para baixo e a produção de baixo para cima. Tais movimentos podem e devem ser detectados pelo leitor no ato da concretização da leitura, ato final, determinado pela fusão dos horizontes do texto e do leitor.
Para que tal fusão aconteça, segundo Jauss, o leitor deverá concluir três etapas: compreensão, interpretação e aplicação resultantes do alargamento do horizonte de expectativa do leitor, do que se deduz que esse leitor deva ter uma formação gradual, para ampliação do seu repertório e conhecimento de mundo, condição essencial para que passe de uma etapa para outra. Embora essas etapas sejam concomitantes, elas são separadas no momento do estudo da leitura.
A relação texto/leitor deve ter um sentido construído, na maioria das vezes, ao longo
da vida. Para se modificar esta visão de leitura é necessário realizar um trabalho diferenciado,
visando a atingir as três etapas destacadas por Jauss (1975), nas quais a formação do leitor dá-se de
forma gradual, ampliando seu conhecimento de mundo.
Jauss, por meio da estética da recepção, coloca que este processo inicia-se pelo
horizonte de expectativas de um público e vai se enriquecendo com as sucessivas recepções. Esse
processo da recepção, permeado pela lógica hermenêutica da pergunta e da resposta, liga a posição
do primeiro receptor com os demais, obtendo-se o resgate do potencial de significado da obra, o qual
pode ser apreendido pela análise do processo da recepção, como fruto do jogo dialético entre texto,
leitor e sua leitura.
Em uma tentativa de reverter o quadro caótico, com o qual nos deparamos diariamente
em sala de aula, optamos por adaptar e aplicar o projeto descrito acima, com o intuito de melhorar a
qualidade de leitura dos nossos alunos. Para sua aplicação contamos com a parceria do Núcleo de
Ensino (PROGRAD) e da Fábrica de Balas Riclan, a qual nos autorizou a desenvolver as
intervenções na classe de Telecurso 2000 – 1º grau, funcionando em uma sala do CIESP, de Rio
Claro – SP, que apresenta, dentre outras, dificuldades na leitura de diferentes tipos de textos.
Iniciamos, no dia 22/05/2002, o trabalho de intervenção com a leitura da fábula: O
homem e a cobra, de Monteiro Lobato, para classificar, por meio da interpretação escrita realizada
pelos alunos, os tipos de leitores existentes nesta classe.
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O HOMEM E A COBRA (Monteiro Lobato,1994, p. 44)
Certo homem de bom coração encontrou na estrada uma cobra entanguida de frio.
- Coitadinha! Se fica por aqui ao relento, morre gelada.
Tomou-a nas mãos, conchegou-a ao peito e trouxe-a para casa. Lá a pôs perto do
fogão.
- Fica-te por aqui em paz até que eu volte do serviço à noite. Dar-te-ei então um
ratinho para a ceia. E saiu.
De noite, ao regressar, veio pelo caminho imaginando as festas que lhe faria a
cobra.
- Coitadinha! Vai agradecer-me tanto...
Agradecer, nada! A cobra, já desentorpecida, recebeu-o de lingüinha de fora e bote
armado, em atitude tão ameaçadora que o homem enfurecido exclamou:
- Ah, é assim? É assim que pagas o benefício que te fiz? Pois espera, minha
ingrata, que já te curo...
E deu cabo dela com uma paulada.
Fazei o bem, mas olhai a quem.
- A senhora arranjou uma moralidade ao contrário da sabedoria popular que diz:
“Fazei o bem e não olheis a quem”.
- Sim, minha filha. Esse fazer o bem sem olhar a quem é lindo – mas nunca dá
muito certo. Aquele grande filósofo-educador da China...
- Confúcio, já sei!... gritou Pedrinho.
- Ele mesmo – confirmou Dona Benta. Pois Confúcio, que foi o maior filósofo
prático da humanidade, disse uma coisa muito certa: “Tratai os bons com bondade e aos
maus com justiça”.
Emília bateu palmas.
- Pois então Confúcio concorda comigo. Meu ditado é: “Para os maus pau!” Justiça
é pau.
Terminada a leitura literal, na qual o aluno lê e compreende o texto, identifica tempo,
espaço e personagens, nós abrimos um espaço para que eles expressassem oralmente suas
opiniões sobre o texto.
334
A fábula lobatiana vem sempre acompanhada de uma re-leitura da moral das fábulas
existentes, feita por Emília, a “boneca de pano”, que, rebelde e traquina, expõe suas idéias sobre o
eterno conflito entre a verdade e a conveniência formal. Lobato, que desejava que os homens fossem
melhores e acreditava que o conhecimento fosse a solução para muitos dos problemas humanos,
utiliza-se da boneca como porta-voz de suas idéias.
Dos primeiros diálogos estabelecidos entre os leitores e a fábula, a leitura
contextualizada gerou associações das figuras às pessoas, percebendo o discurso figurativo, ou seja,
interpretando o texto propriamente dito. Como produto, as seguintes falas: - “A cobra do texto não é
um animal, mas o homem que trai um amigo, por exemplo." - “Pode, também, ser comparada ao
político, que em época de eleição se faz de bonzinho e... depois que ganha a eleição dá o bote.”
No momento seguinte, iniciamos a leitura crítica, descobrindo a moral da fábula lida,
percebendo o discurso temático e realizando a crítica do texto pela seguinte fala: - “Na história,
podemos perceber que não devemos confiar nas pessoas... por mais que se ajudem as pessoas, os
amigos, elas não reconhecem... são ingratas...”
Alguns alunos conseguiram ir além ao realizarem sua leitura do texto, fazendo uma
ponte entre esta e a política, construindo um novo texto, como consta numa das falas exemplificadas
acima.
Ao findar a discussão, pedimos aos alunos para colocarem no papel a leitura que
fizeram da fábula. Dentre todos os textos escritos, escaneamos um - o do único metaleitor da classe -
para exemplificar o resultado deste primeiro trabalho. Entretanto, para que o texto seja melhor
compreendido, fizemos sua transcrição.
Texto escaneado – 1
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Transcrição do texto:
Ao que se refere ao título poderia também chamar-se “o amigo que fingia
ser amigo” porque hoje o ser humano, banalizou os sentimentos. Passando a
procurar amigos que tenham bens materiais, status, esquecendo do
companheirismo, da solidariedade ao próximo.
Provérbios como “você está criando cobra para ser picado”. “Nambu de
tanto fazer favor perdeu o rabo”. Mostram bem por que devemos tomar cuidado
com as amizades, com os jogos de interesses. É claro que não devemos fazer
como no texto, dar paulada mas sim agir com justiça.
Com base na análise dos quinze textos escritos pelos alunos, elaboramos alguns
gráficos, estabelecendo uma relação entre os elementos: idade, escolaridade e tipo de leitor, na
tentativa de verificarmos pontos importantes, observáveis nos gráficos abaixo:
Gráfico 1 – Idade dos Alunos do Telecurso 2000 - Riclan
Neste gráfico, a faixa etária que sobressai é a dos alunos de 30 – 40 anos. Isso nos
permite afirmar que, atualmente, ainda é grande o número de pessoas que abandonam a escola
antes de concluir o Ensino Fundamental (antigo 1o. grau) pelos mais diferentes motivos, optando por
cursar um Ensino Supletivo, anos mais tarde, para concluir seus estudos de maneira mais rápida.
Por essa e outras razões, observamos, também, uma certa variação com relação à
escolaridade dos alunos, como nos mostra o gráfico abaixo:
Gráfico 2 - Escolaridade dos Alunos do Telecurso 2000 – 1o. grau – Riclan
0 2 4 6 8
20 - 3030 - 4040 - 50acima 50
0
2
4
6
83a.série 4a.série5a.série6a.série7a. Série8a. Série
336
Destacamos, no entanto, que nem sempre um grau de escolaridade mais elevado
significa que este aluno consiga ler um texto e perceber o discurso que há por trás dele ou mesmo
construir um novo texto. Tal afirmação pode ser confirmada no gráfico que segue:
Gráfico 3 – Tipos de Leitores
Pela sua análise, verificamos a existência de um metaleitor, cinco críticos, quatro
intérpretes e cinco ledores. Reafirmando, assim, que a escolaridade não interfere na classificação dos
tipos de leitores, pois, nesta classe, três alunos, que cursaram da 6ª a 8ª série, encontram-se
classificados como leitores ledores, por conseguirem apenas compreender o texto e nada mais.
Entretanto, podemos nos surpreender ao nos depararmos com outros três alunos que possuem até a
4ª série, mas que conseguem, dois deles, elaborar um juízo sobre o texto – leitor crítico, e um deles,
realiza a transferência de juízo entre textos, sendo classificado como metaleitor. Este último, a nosso
ver, realiza uma leitura de vida, devido a sua triste e árdua trajetória de vida. Há alguns anos, sofreu
um acidente de trabalho, no qual perdeu uma perna, modificando, por todo o sofrimento e luta, sua
forma de ver o mundo, deparando-se com uma realidade, antes distante.
Objetivando passar os cinco leitores ledores para leitores intérpretes, optamos por
trabalhar, um pouco, a linguagem não-verbal, pela qual se tem, pela imagem, um grau forte de
realidade, se considerarmos que aquilo que a pessoa está vendo é mais do que parece ser.
Utilizamos ilustrações xerocadas, uma para cada aluno, visando facilitar nosso trabalho.
Após receberem a ilustração, conversamos sobre ela, interrogando-os sobre o que estavam
vendo na sua folha de papel. Em seguida, nos detivemos a realizar o registro das respostas. Cada
aluno marcou na sua folha o que julgava pertinente. Tal procedimento foi realizado com três
diferentes figuras, exemplificadas a seguir.
Figura – 1 Figura – 2
Obtivemos, como resultado, as seguintes leituras:
LedorIn térpreteC ríticoM etaleitor
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• duas pessoas conversando; um espelho e uma pessoa se olhando, obtendo duas pessoas em
uma; duas pessoas se encarando, numa conversa franca – “olho no olho”; um cálice; uma peça
de xadrez; dois rostos iguais; uma taça; um clone ou irmão gêmeo frente a frente.
• uma porção de quadradinhos; uma janela de prisão; uma colcha de retalhos; uma vidraça; uma
grade; um edifício cheio de janelinhas; pedrinhas de dominó; tábua de jogo de xadrez; raio X.
Continuando o trabalho, apresentamos aos alunos, a figura 3, em tamanho maior.
Desta figura, as seguintes leituras: dois velhinhos bem simples da roça, numa casa
velhinha; duas pessoas idosas, o homem está sentado, segurando um chapéu e a outra pessoa está
ao seu lado em pé e descalço; um homem e uma senhora que aparentam estar muito doente. Estão
numa praça, pedindo esmola para sobreviver. A senhora está com o pé no chão; é um casal que
parece estar muito doente, fraquinhos; um casal simples e bem mal tratado pela vida, tendo
aparência sofrida e triste; parece uma fotografia de dois nordestinos; estou vendo duas pessoas
numa foto antiga; um homem com um sapato muito bem engraxado, usando um óculo de grau, na
mão parece segurar um chapéu. Está sentado em frente a uma tapera; casa de sapé. Há, também,
uma mulher que parece estar grávida. Ela aparenta levar nos ombros uma pessoa ou criança se
apoiando com os pés, tentando concertar o telhado. Ela está descalça. Parecem estar posando para
uma foto de frente a uma janela. O chão parece molhado e cheio de folhas.
Com base nas leituras realizadas pelos alunos, constatamos que cada um vê a mesma
figura de uma forma diferente, deixando-se levar pela imaginação, pelos temas discutidos na
atualidade, como o da clonagem de seres humanos, e pela bagagem cultural de cada um, o que
possibilitou lhes mostrar como os textos podem ser lidos de forma diferente, quando com eles
estabelecemos um diálogo.
A visão da realidade das pessoas, formada (informada) pelos meios de comunicação
que produzem imagens e sons, origina uma nova oralidade – a das “verdades que se contrapõem
umas às outras” e que, segundo Almeida (2001, p.45) “implica uma inteligência reflexa, espetacular,
mecânica; o que se vê e se ouve é o que é, uma verdade, mesmo que esta seja substituída por outra
em seguida”.
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Tal colocação pode ser reafirmada, ao observarmos as etapas semelhantes de
aprofundamento da leitura, num exemplo de fusão da linguagem não-verbal (imagens analisadas) e
da linguagem verbal, estudada em uma vinheta do Caderno Mais do jornal
Folha de São Paulo, de 31/03/1996. (Figura 4)
Da charge trabalhada, tivemos 100% de acerto, tendo como resultado o saber-ver-
entender-pensar ativo, no qual os alunos conseguiram por meio de um dos meios de comunicação de
massa mais acessível, o jornal, produzir uma relação com o universo da oralidade, presente na nossa
sociedade, que transforma a palavra em uma imagem escrita/sonora.
Os alunos prenderam-se à história original, deles conhecida, deixando passar o que
estava por trás da história da charge. Dois alunos deixaram-se levar pela trama do texto,
mergulhando na intertextualidade criada pelo texto original, captando a diferença entre a história
original e a charge, tecendo comentários. Eles colocaram, numa de suas falas, um ditado popular: “A
curiosidade matou o gato”, que diz que nem sempre a curiosidade nos traz benefícios. E, ainda, que o
final da história era diferente, pois na charge a menina encontra a avó velha e feia deitada na cama e
não o lobo, como na história original. Alertamos os alunos que a crítica se estabelece, no último
quadrinho, pelo jogo do engodo.
A próxima atividade programada foi realizada por três alunos, pois a maioria deles foi
convocada para uma reunião na fábrica. Mesmo assim prosseguimos, entregando aos alunos, em um
único grupo, uma cópia com uma história de Quino (Figura 5), para que lessem os quadrinhos,
apresentando em um texto a leitura feita das imagens da história.
Figura 5
339
Como produto da leitura dos alunos/leitores e a história de Quino, o texto transcrito foi,
primeiro, escrito na lousa, e depois passado para o papel:
Primeiramente temos um homem ao telefone, olhando o movimento da rua
enquanto conversa ao telefone. Ao que tudo indica a conversa é longa, pois as
pessoas que se encontram na fila do telefone público, atrás dele, parecem
impacientes.
A maior parte destas pessoas aparentam ter uma certa idade e estão
trajando roupas do tipo social, tendo como acessórios: chapéu, bolsas, pastas,
entre outros.
No segundo quadro, continuamos com a figura do mesmo homem ao
telefone, com as mesmas pessoas do quadro anterior à espera. Mas, desta vez,
as pessoas encontram-se zangadas, possivelmente, devido a demora do
telefonema do homem.
Temos um desfecho inesperado, se considerarmos que o homem que
estava no telefone, por horas, ao que tudo indica, descrevia o local aonde se
encontrava e o pintor, do outro lado do telefone, colocava na tela que pintava
cada detalhe transmitido pelo homem.
Notamos, na leitura do texto construído pelos alunos, aspectos relevantes de
seqüência, pois visualizamos as imagens apresentadas por Quino.
Após essas atividades, constatamos que a leitura de cada situação mostra que temos
o domínio da técnica e de um significado, que se apresenta em contraponto à realidade, ou seja, a
reflexão e a discussão que envolve o processo de ensino-aprendizagem da leitura permitem aos
alunos realizarem novas leituras da realidade que os cerca.
O sabiá e o urubu, de Monteiro Lobato (1994, p. 22 – 23), foi a fábula trabalhada, com
o intuito de dar condições ao leitor para interpretar, refletir e repensar as questões que são
apresentadas pela fábula e pelas personagens lobatianas, que necessitam de uma solução final. Os
comentários tecidos pelos personagens possibilitam uma abertura para o leitor, incomodando-o e o
instigando a pensar sobre o que foi dito. Assim, o leitor previsto por Monteiro Lobato deve tomar uma
posição perante o texto e o mundo, fictício e real, obtendo um posicionamento crítico da realidade
que o cerca.
Com essa fábula, desejávamos esclarecer que esta é uma história de homens dentro
de um discurso figurativo, no qual há um contraste existente entre o sabiá e o urubu refletindo
340
características humanas, mostrando-nos que o sentimento de inveja pode ser ocasionado pelo
complexo de inferioridade, entre muitos outros.
Depois da leitura desta fábula e de sua discussão, cada aluno, preencheu uma ficha
(exemplificada abaixo), na qual deveriam completar cada nível de leitura – literal, contextualizada,
crítica e metaleitura:
Aluno: _________________________________________________________________________ Fábula: ________________________________________________________________________ Autor: __________________________________________________________________________
1º nível de leitura personagens: ___________________________________________________________________ lugar/ espaço: __________________________________________________________________ tempo:________________________________________________________________________ 2º nível de leitura – Figurativização ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3º nível de leitura – Temático _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4º nível de leitura – Metaleitura ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Após compararmos as onze fichas, as repostas apresentadas na leitura literal
revelaram uma facilidade dos alunos ao responderem quais personagens compõem a história. Com
relação ao tempo, três alunos o especificaram melhor, copiando da fábula o trecho seguinte: “Era
tardinha. Morria o sol no horizonte...” Detectamos, ainda, uma certa dificuldade por parte de quatro
alunos na especificação do lugar/espaço no qual se passa a fábula, por esse elemento aparecer no
texto de forma indireta, nas entrelinhas, acabando por colocar como resposta o sol, a terra e o
horizonte.
No segundo nível – leitura contextualizada, cinco alunos conseguiram expressar
claramente os elementos que compõem a figurativização - o sabiá representa um homem bom; o
urubu, um homem mau e invejoso; e a natureza, a sociedade. Quatro alunos o fizeram de uma forma
confusa, mas contendo os elementos que a compõem. Somente uma aluna confundiu os elementos,
trocando o caráter do urubu e do sabiá.
Na leitura crítica, a reflexão dos alunos diante da moral ficou evidente, pois a maior
parte deles relacionou a moral da fábula com a vida real, posicionando-se diante do texto e do
mundo, expressando por meio de palavras simples que a inveja, tema central desta fábula, não traz
nenhuma vantagem para quem a tem. Nesse item, um aluno deixou o espaço em branco.
Com relação à metaleitura – quarto nível, cinco alunos dos onze que realizaram a
atividade citaram algum texto bíblico. Houve uma certa diversidade de histórias relacionadas ao tema:
341
Branca de Neve; Tom & Jerry ; A herdeira ;O vaga-lume e a cobra; A piranha e a traíra (história
folclórica), entre outras. Um fato interessante ocorreu por parte de dois alunos que escreveram um
resumo da história que haviam citado, construindo, assim, novas histórias, novas leituras, digitadas
abaixo:
História – 1 – O vaga-lume e a cobra
O vaga-lume estava voando sobre a floresta, quando ele olhou para baixo e viu
que uma cobra estava perseguindo- o . Então, resolveu parar e perguntar porque o
perseguia. A cobra respondeu que não sabia. O vaga-lume continuou a voar e a cobra
continuou a perseguição até que o vaga-lume parou e ficou bravo e tornou a perguntar
porque o perseguia. A cobra respondeu que o perseguia porque não gostava que
nenhuma luz ficasse na sua frente. O vaga-lume sabendo disso, apagou a luz por alguns
instantes e a cobra foi embora.
História – 2 – A piranha e a traíra
Em um rio que tinha uma piranha e uma traíra. A piranha grande, já era velha e
tinha vontade de nadar mais que a traíra e chegar primeiro, mas estava sempre levando
a pior porque sua idade não permitia nadar tão depressa. Por isso, vivia fazendo de tudo
para prejudicar a traíra por puro ciúmes.
Pelo resultado alcançado, os alunos conseguiram estabelecer relações entre o texto
lido e os outros anteriores. Obtivemos uma diversidade de pontos de vista que, colocados lado a lado,
entrelaçam-se, num emaranhado, fruto do diálogo entre leitor e texto, originando uma nova leitura – a
metaleitura.
Utilizamos o texto Branca de Neve, dos Irmãos Grimm (1998, p. 122 - 125), buscando
novas intertextualidades. Nessa história, pela análise das fichas, percebemos que os alunos
compreenderam os itens que compõem a leitura literal, não os confundindo, como fizeram num
primeiro momento. A leitura contextualizada teve como ícone o espelho, objeto mágico. Na leitura
crítica, os alunos colocaram que a inveja é o tema central da história, comparando-a a uma doença,
encontrada em todo lugar. Dessa forma, a moral da história foi assimilada pelo leitor, que se
confronta com problemas reais pela ficção, refletindo sobre questões de poder e relacionamento
ocasionadas por tal sentimento. No quarto nível, a metaleitura, há relação entre o texto e histórias
bíblicas. Houve um destaque para Adão e Eva, por associarem a maçã com o fruto proibido, do
mesmo modo que na história lida. Também foi citada uma novela – O dono do mundo – por abordar o
tema da inveja. Os alunos colocaram, ainda, um dito popular: “O feitiço virou contra o feiticeiro”,
mostrando que a inveja traz atraso de vida a quem a sente. Uma aluna deixou em branco, por não
conseguir realizar a intertextualidade.
342
No dia 05/08/2002, os sete alunos presentes foram divididos em dois grupos para que
dessem início à construção de uma história que falasse da inveja, tema trabalhado e discutido por
eles. Foram passadas algumas instruções, como conversar antes de iniciar a escrita e realizá-la em
uma folha.
O resultado da primeira escrita, segue exemplificado abaixo, por um dos dois textos
produzidos, escaneado e transcrito, para facilitar, assim a compreensão.
Texto escaneado
Texto – 3 - INVEJA: O CAMINHO DA DESTRUIÇÃO
Tudo começou com a mudança de uma cidade para outra. Éramos sete
pessoas na família, trabalhávamos na área da agricultura, cansados da vida dura
da lavoura, resolvemos partir para outro tipo de atividade, por indicação do Tio
José.
João e Maria nem desconfiavam das más intenções de seu tio, que no
passado tinha muita inveja do seu irmão, Antônio, pai de Maria e João, pois o
mesmo tinha muitas namoradas na cidade onde foram criados. Já José não
343
conseguia nem namorada, inclusive a moça que ele mais gostava era apaixonada por
Antônio.
Por esse motivo, José resolveu vingar-se de Antônio, através dos filhos.
Levando João para se divertir em um bordel muito sujo, onde o mesmo contraiu
uma doença muito grave – AIDS.
Antônio vendeu tudo o que tinha para cuidar do filho, quando teve que
vender sua propriedade sem saber que o comprador era seu próprio irmão, que
por inveja deixou seu irmão na mais completa miséria.
Após recolher a história, realizamos a leitura, para que os colegas tivessem a
oportunidade de ter contato com o texto que haviam criado. A leitura acabou por gerar uma discussão
sobre os textos, fazendo os alunos perceberem que faltavam alguns elementos na história, para
deixá-la mais clara e completa. Optamos, então, por realizar uma reescrita que seria feita num outro
momento.
Os alunos foram reunidos nos mesmos dois grupos para iniciarem a reescrita da
história que haviam escrito e discutido anteriormente. Pedimos para que conversassem antes de
iniciar a reescrita, para definirem o que seria alterado na história. O resultado final da reescrita,
segue, abaixo, visando facilitar a leitura dos textos.
Texto escaneado
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Texto – 4 – INVEJA : O CAMINHO DA DESTRUIÇÃO
Tudo começou, há dois anos atrás, com a mudança de uma cidade para
outra. Éramos sete pessoas na família, trabalhávamos na área da agricultura e
cansados da vida dura da lavoura, resolvemos partir para outro tipo de atividade,
por indicação do Tio José.
Por isso, mudamos para a cidade, em busca de um novo rumo para nossas
vidas. E é justamente isso o que temos.
Tudo começa, quando João e Maria, procuram seu tio José, que morava na
cidade. Este tio que lhes estendia a mão, no passado tinha raiva, inveja do seu
irmão Antônio, pai de Maria e João, pois o mesmo havia roubado a noiva.
José, após o ocorrido no passado, sumiu pelo mundo, sem manter contato
com nenhum membro da família, por isso, nem ficou sabendo do nascimento de
João, fruto de seu relacionamento com Helena.
Sem notícias, Antônio assumiu a paternidade do menino, casou-se com
Helena e teve uma filha com ela, Maria.
O tempo foi passando e esse segredo permaneceu entre os membros da
família.
Anos mais tarde, quando José se depara com João e Maria, resolve vingar-
se de Antônio, prejudicando seus filhos, mais precisamente João.
Inicia sua vingança, levando João para se divertir em um bordel, onde
contrai uma doença sexualmente transmissível, a AIDS. Isso ocorreu, por João
não saber como deveria se prevenir.
Ao saber da doença do filho, Antônio vende tudo o que possui: casa, carro,
telefone, terras, gado, plantação, para ajudá-lo com os remédios e o tratamento.
O tempo passa... a luta de João persiste...
Neste meio tempo, Antônio adoece, enquanto João luta, incessantemente,
pela vida.
José, sabendo da situação, visita o irmão, com a finalidade de humilhá-lo,
mas acaba por descobrir toda a verdade...
Em seu leito de morte, Antônio conta a José que João é fruto de seu
noivado com Helena, ou seja, era seu filho, e pede para que cuide deste quando
não estiver mais vivo.
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Ao ouvir a história, José entra em estado de choque, pois percebe que a inveja
havia condenado seu filho à morte.
Pela leitura e análise da reescrita da história, pudemos notar que os alunos não
esqueceram de nenhum dos elementos necessários para sua construção: local, personagens, tempo,
moral, conseguindo, de uma maneira simples, colocar o tema central no papel, criando um novo
texto, realizando uma metaleitura.
Inserimos, na seqüência das atividades, três textos com o mesmo título - O leão e o
ratinho, um de Monteiro Lobato (1994, p. 51), o outro de Millôr Fernandes (1985, p. 65 – 67) e o de
Maria Luísa Amorim (1999, p. 3 - 8), com a finalidade de gerar por meio deles um novo texto, uma
nova leitura – a metaleitura. Esses textos foram trabalhados separadamente, seguindo todos o
esquema utilizado nas atividades anteriores.
Comparando os resultados da análise dos três textos, percebemos que no primeiro
nível de leitura – literal – não houve dificuldade por parte dos dez alunos que realizaram a atividade.
No segundo nível, o da leitura contextualizada, os alunos completaram-na de forma simples, mas
realizando a transposição de que o leão e o rato presentes nas histórias representavam o homem. No
terceiro nível, a leitura crítica, todos os alunos compreenderam a mensagem do texto, relacionada à
gratidão, tecendo comentários de fatos vivenciados por eles, relacionados ao tema. No quarto nível, o
da metaleitura, uma grande diversidade de textos, marcados por personalidades como Irmã Dulce,
Madre Tereza de Calcutá; ditados populares - “Quem corre cansa, quem espera alcança”, “Quem tem
pressa come cru e quente”, “A esperança é a última que morre”, “Olho por olho, dente por dente”,
“Aqui se faz, aqui se paga”; alguns filmes e desenhos – Free Willy, Meu amigo Panda, Tom e Jerry,
Três solteirões e um bebê, e livros como A herdeira, todos eles relacionados ao tema.
Pedimos aos alunos para tecerem uma história relacionada à gratidão. No dia da
atividade, contamos com três alunos, que criaram a história abaixo:
Texto escaneado
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Texto – 5 – Nunca despreze os mais fracos
A nossa história, aconteceu no mês passado, em uma floresta do interior
da Amazônia, da onde um pescador, viu algo inusitado, jamais visto ou relatado
antes.
Segundo ele conta, na sua última noite de pescaria no local, estava em seu
barco, sozinho, quieto, à espera de que algum peixe dos grandes mordesse sua
isca. O silêncio pairava pelo lugar. Nem um mosquito para contar história.
E ele lá, com seus pensamentos, sonhos, idéias... O sono começava a
chegar, resolveu, então, tirar um cochilo, mas foi daqueles rápidos, pois o
pescador acabou acordando com um barulho estranho..
O pescador abriu os olhos, numa tentativa de espantar o sono, mas pouco
conseguiu. Esfregou os olhos, novamente, tentando acordar, mas isso só
aconteceu realmente quando percebeu que o barco estava indo corredeira
abaixo. Olhou para os lados em busca de ajuda e nada...
De repente, aparece em meio a uma moita, um cachorro de porte pequeno,
marrom, que parecia disposto a ajudar ao pescador. O cão para na beira do lago,
pega um galho de uma árvore quebrado que estava ali jogado e estende-o até o
pescador para que este se segurasse.
O cão gruda no galho com os dentes, fazendo força, puxando o galho. Até
conseguir tirar o pescador da corredeira, levando-o a beira do lago.
O pescador estava em estado de choque, não conseguia acreditar que um
cachorro tão pequeno havia conseguido salvá-lo. Não sabia o que fazer. O cão,
por sua vez, lambeu o rosto do homem e partiu, deixando a lição de que nem
sempre a estatura e o peso influenciam nas atitudes que devemos tomar.
Após o término dessa etapa do trabalho, nascia uma outra - a da representação da
história criada pelos alunos - extremamente difícil, pois os alunos não conseguiram se mostrar
desembaraçados, muito menos se desprenderem da folha que continha a história. Realizamos dois
ensaios, nos quais nenhum aluno desejava, por vergonha ou medo, encarar a câmera, gerando um
certo tumulto.
No dia previsto para a filmagem, 10/12/2002, mais uma vez a maior parte dos alunos
não compareceu à aula, devido aos cursos de aperfeiçoamento que realizavam na fábrica. Com isso,
o resultado da filmagem não foi dos melhores, primeiro, pela falta de alunos e também pela
inexperiência por parte da bolsista com relação ao manuseio da filmadora.
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Não havia cenário, nem detalhes, apenas os narradores contando suas histórias a um
amigo, invisível, presente do outro lado da lente, para o qual passaram, timidamente, a mensagem
desejada.
Acreditamos que, mesmo não obtendo o resultado imaginado, inicialmente, nosso
trabalho não tenha sido em vão, pois os alunos passaram, desde então, a se portar de uma forma
diferente, realizando uma leitura mais detalhada, na qual buscavam desvendar o discurso figurativo e
a mensagem/moral existente, realizando pontes entre o texto lido e os outros já lidos, ouvidos ou
vistos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o nosso trabalho estava direcionado à formação do metaleitor, pois acreditamos
que a leitura liberte, dando asas à imaginação, levando o leitor a desatar as amarras presentes no
texto, percebendo todo o discurso figurativo, estabelecendo um jogo dialético entre o leitor, o texto e a
leitura.
Desse modo, tentamos rever o quadro educacional de nosso país, que se vem
arrastando por anos, com um grande número de excluídos que, pelos mais diversos motivos, foram
privados do acesso ao saber, não possuindo, na maioria das vezes, capacidade de argumentar, de
compreender o discurso que lhes é apresentado e, por isso, acabam por serem facilmente
dominados.
Essa questão referente ao poder foi tratada de forma indireta nas fábulas trabalhadas
ao longo do projeto, tentando alertar para os engodos existentes nos discursos diversos com os quais
nos deparamos.
Procuramos, também, ressaltar a importância da leitura que, em nosso projeto, não se
restringiu, somente, às fábulas, perpassando, ainda, textos não-verbais com os quais somos, muitas
vezes, bombardeados visualmente, nas ruas, jornais, revistas, sem nos atermos ao seu significado.
Esperamos, com este projeto, ter auxiliado a construção não somente de leitores, mas
de cidadãos, que se transformem em sujeitos da leitura, capazes de estabelecer um diálogo com o
texto.
Como resultado final, esperamos que os alunos sejam capazes de transferir a leitura
de uma fábula para sua leitura de mundo, um leitor capaz de extrapolar a dimensão do texto para a
da própria vida e proceder à leitura do mundo, mencionada por Paulo Freire, realizando, de uma
maneira consciente e, portanto, critica, o ato de ler.
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