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COM O QUEA NATUREZA
DA TEXTO DE CÉLIA ROSAFOTOGRAFIAS DE PAULO SPRANGER//GLOBAL IMAGENS
Conchas, búzios,
pedras, sementes,pétalas, folhas,flores. É na natureza
que InêsdeBarros Baptistaencontra os
materiais queprecisa para fazermandalasem
parques, jardins,festas e eventos.
Agora está decididaa fazer destaarte a suaforma devida.
/Eum
fascínio que não tem ex-
plicação. O que Inês de Barros
Baptista sabe é que em criançajá pintava mandalas e que o en-cantamento por estes círculos
perfeitos com que os povos an-tigos honravam divindades e distribuíam
bênçãos foi um dom que cresceu com ela.
Já as desenhou em carvão. Já as pintou emtinta-da-china. Já as desenhou para si. E jáas fez para oferecer. Há três anos, começoua criá-las na natureza (em jardins, pinhais,na praia, na montanha), com o que a natu-reza dá (pedras, paus, cascas de árvore, ba-
gas, sementes, pétalas, folhas, flores, con-
chas, búzios) e para a natureza (as manda-las ficam no lugar onde foram construídas).
Agora, Inês continua a fazê-las na natu-reza, mas também é convidada a compor e
a expor a sua arte em parques e jardins pú-blicos - hoje, domingo, por exemplo, está noPavilhão de Exposições do Instituto Supe-riordeAgronomia,naTapadadaAjuda,afa-zer uma mandala viva com duas mil flores
(begónias, amores-perfeitos, rosas e fetó-
nias).Seráumdos momentos altos da quartaedição daFestada Flor de Lisboa, que come-
çou na sexta-feirae terminahoje às 20h00.Entre as muitas mandalasque Inês de Bar-
ros Baptista já fez, algumas ficam para sem-
pre na retina dequem as viu. Pelabeleza,sim-bolismo, dimensão, paleta de cores, criativi-dadeoupelaenergiaqueemanam.Éocasodamandala de cinco metros de diâmetro, cons-
truída no Parque do Calhau, em Monsanto,durante aLisbon Week. Mas também do con-
junto de mandalas flutuantes que deram ain-da mais encanto ao Jardim Botânico da Aju-da, na última Festa da Primavera.
Tudo começou em Fiais da Beira, Olivei-ra do Hospital, na Beira Alta. Inês andavaa passear pelo campo, junto à aldeia ondea família tem casa, quando fez a primeiramandala na natureza, com folhas e peque-nas pedras: «Foi uma mandalinha, peque-na e extremamente simples, mas tambémfoi o despertar para as inúmeras possibili-dades criativas que anaturezaoferece. Sen-ti um bem-estar imenso quando a fiz e essa
sensação boa aumentou ainda mais quan-do me fui embora edeixeiamandalaali.emharmonia e comunhão com a Mãe Terra.»
Depois, aex-jornalistae escritora sósabe
que nunca mais parou: «Já fiz muitos cas-telos de areia, na praia, e casinhas para os
duendes, no pinhal. Mas fazer mandalas é
diferente. Começou por ser um processopessoal de descoberta , experimentação e
meditação que se tornou uma rotina boa,
que me ajudou a organizar e ensinou a ar-te do desapego. Entretanto, as pessoas co-
meçaramaperguntareainteressar-sepelomeu trabalho e não tenho parado.»
A pouco e pouco, e à medida que ia sen-do mais solicitada, Inês decidiu fazer da ar-te de «mandalar» a sua vida e o seu ganha-pão. Em 2012, criou uma página no Face-book (Mandal'arte-mandalas na natureza)
ARTE
na qual divulga o trabalho que desenvol-
ve na área da decoração de espaços, festas e
eventos e ainda os workshops que organizanos terceiros domingos de cada mês, no Jar-dim Botânico da Ajuda, entre as IOhOO e as
13h00. Entretanto, também esteve na Ma-deira, em Santo da Serra, e no Porto, no Pa-lácio de Cristal. E o seu trabalho também já
começa a ser conhecido no estrangeiro. «Noano passado, um alemão que viu fotografiasdas mandalas no Facebook convidou-me
para ir a Berlim fazer workshops. Pagaram-me a viagem, o alojamento, o trabalho. Pas-
sei uma semana num jardim absolutamentemaravilhoso - o Britzer Garten - a "manda-lar", maioritariamente com crianças.»
Inês diz que cada workshop é único, mas,feitas as apresentações, todos começamcom uma pequena introdução sobre man-dalas. Depois, os participantes recolhemos materiais no jardim e cada um constróia sua. Ela está sempre presente mas não in-terfere no processo criativo. A ideia é quecada participante expresse o seu universona sua criação. No final, Inês faz uma leitu-ra simbólica de cada mandala.
O gosto por desenho, pintura e trabalhoscom as mãos esteve sempre presente na vi-da de Inês de Barros Baptista. O gozo da lei-
tura e o prazer da escrita também. O primei-ro livro que publicou, O Dia e a Menina Fa-
da, em 1985, valeu-lhe o Prémio Revelaçãode Literatura Infantil da Fundação Calous-
te Gulbenkian. Formadaem Línguas e Lite-raturas Modernas, trabalhou como copywri-ter em agências de publicidade, foi jornalis-ta do Semanário e daPaisãFihos (revista que
da qual foi diretora durante oito anos) e co-laborou com a revistaPúb/ica. Em 2007, dei-
xou o jornalismo para se dedicar à escrita delivros. Publicou nove. Uns para crianças, co-mo Pede Um Desejo e índigo, o Mistério do Ra-
paz de Luz. Outros para pessoas mais cresci-
das, como Mães como Nós e Morrer É Só não
Ser Visto, que é talvez oseulivromais conhe-cido e que reúne um conjunto de 13 testemu-nhos de pessoas que lidaram com a brutali-dade da morte, incluindo o seu. Inês tinha 32
anos quando o marido foi atropelado, dian-
te dos seus olhos, e morreu. Tinha dois fi-
lhos, Francisca, de 5 anos, e Lucas, queaindanão tinha completado os 2. «De um momen-to para o outro fiquei sem chão, sem mari-do, sem pai, sem as canções que embalavam
o sono dos filhos, sem abraços, sem compa-nhia. O meu luto foi duro, demorado e difícil.Acabei por fazê-lo escrevendo esse livro.»
Quinze anos depois e com mais duas fi-lhas - Madalena e Luísa -, a mãe e mulherjá não pergunta porque aconteceu. Hoje, ela
crê que privar com a morte a fez dar outrosentido à vida. E as mandalas são mais umaforma de a celebrar. •
Foi com 16 mandalas
feitas em tomodo grande lago quese celebrou a Festado Outono 2013,no Jardim Botânicoda Ajuda, em Belém.
Hoje, Inês de
Barros Baptistaestá no Pavilhão
de Exposições do
Instituto Superior de
Agronomia, a fazer
uma mandala viva,
com duas mil flores.