O Que e o Terceiro Estado

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    EM M AN U EL J O S EPH S I EY ES

    Prejus (1748) - Paris (1836)

    EditoresJ oao de Almeida

    J oao Luiz da Silva Almeida

    Conselho Editorial

    Alexandre Freitas Camara

    Antonio Becker

    Augusto Zimmermann

    Eugenio R osa

    Firly Nascimento Filho

    Geraldo L. M. Prado

    J . M. Leoni Lopes de Oliveira

    Letckio J ansen

    Manoel Messias P eixinho

    Marcello Ciotola

    Marcos J uruena Villela Souto

    Paulo de Bessa Antunes

    A Co n stitu inte B u rgu es a

    Qu'est-ce que le Tiers Etat?

    4 edic;:ao

    Organiza

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    Capitulo IV

    o Que Tentaram Fazer pelo Terceiro Estado(As Propostas do Governo e dos Privilegiados) .

    I - AssembleiasProvinciais .

    II - Os Notaveis .III - OsE scritores Patriotas das Ordens Privilegiadas .

    IV - A Promessada Igualdade de Impostos .

    V - A PropostaIntermediaria dosAmigos Comunsdos

    Privilegiados e do Ministerio .

    VI - A Proposta de Imitac;:aoda Constituic;:aoInglesa .VII - 0 Espirjto de Imitac;:aonao e Adequado para Bem

    nos Conduzir .

    Capitulo V

    o Que Deveria Ter Sido Feito (Os PrincipiosFundamentais) .

    Capitulo VI

    o Que Falta Fazer (A Execuc;:aodos Principios)

    Capitulo VII

    AAssembleia Nacional .

    Cronologia da R evoluc;:aoFrancesa e Fatos

    Contemporaneos Significativos .

    A decisao da E ditora Lumen J uris de traduzir e publicaresta obra sobrepos-se correspondencia de Fortaleza, assinada

    pelo P rofessor Dimas Macedo. Posteriormente, solicitamos ao

    Professor J ose RibasVieira a apreciac;:aot~cnica do texto fran-

    ces original, bem como do texto espanhol, que serviram de

    base a esta traduc;:ao, realizada por Norma Azeredo. A prepa-

    rac;:ao dos textos e a respectiva adaptac;:ao de linguagem,quando necessarias, bem como as notas, os fragmentos intro-

    dutorios a historia da Franc;:a,a cronologia da Revoluc;:aofran-cesa e a organizac;:aogeral da obra ficaram sob a responsabi-lidade do P rofessor Aurelio Wander Bastos.

    Para melhor compreensao do texto de Sieyes, a localiza-

    c;:aode sua obra e de seu pensamento, 0Professor AurelioWander Bastos elaborou uma introduc;:ao analitica das princi-

    pais vertentes de suas proposic;:6ese, 0Professor J ose R ibas

    Vieira, um prefacio historico e comparativo.

    A par da utilidade didatica desta obra, ate agora inexpli-

    cavelmente inedita no Brasil, ela deve ser vista nas suas cir-

    cunstancias historicas, no quadro revolucionario frances do

    seculo XVIII. 0 livro e uma excelente consolidac;:aode informa-

    c;:6essobre a transic;:aoinstitucional e um repositorio de expe-riencias imprescindiveis para todos que pretendam estudar ou

    dirigir mudanc;:aspoliticas.

    No Brasil, sac pouquissimas as informac;:6essobre a obra

    Qu'est-ce que Ie Tiers Etat?, elaborada por Emmanuel J oseph

    Sieyes. Nos encontraremos, naturalmente, em lingua france-

    sa, um farto material a respeito deste assunto. Destaca-se

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    entre estes a edic;:aocritica organizada par Roberto Zapperi ,1onde ha valiosos dados sabre as edic;:6esfrancesas do trabalho

    mais renomado de Sieyes.Combase nos dados a respeito do processo de publicac;:ao

    desta obra, indicados no prefacio desta edic;:ao brasileira,podemos, desde ja, informar que a brochura foi elaboradadurante as meses de novembro e dezembro de 1788 e publica-

    da sem a nome de seu autor no inicio de janeiro de 1789.

    Sieyes apressou-se em editar Qu'est-ce que (e Tiers [tat?pressionado pelos dramaticos momentos da Franc;:apre-revolu-cionaria e desejoso de participar desses acontecimentos.

    Certo de que se tratava de um esboc;:oa ser posteriormente

    aperfeic;:oado, embora tenha alcanc;:adouma repercussao poli-tica surpreendente, este trabalho nao deixou de frustrar

    Sieyes na sua ambic;:aode tomar-se um importante escritorpolitico. Para superar esta frustrac;:ao, este pensador e ativis-

    ta frances dedicara toda a sua vida a tarefa angustiante dereve-la.

    Apos esta nota explicativa esboc;:andoa trajetoria desta

    importante obra, cabe observar, tambem, que adotamos para

    a presente edic;:aobrasileira 0titulo A Constituinte Burguesa,uma forma viavel de se estimular discuss6es sobre0verdadei-ro quadro histor" 0- a incipiente teoria politica e

    juridica sobre Poder Constituinte ormulada por Sieyes.

    1 Emmanuel Sieyes, QU'est-ce que Ie Tiers ftat?, edi~ao organizada por Roberto Zapperi,Genebra: Librairie Draz, 1970.

    Para Compreensao de SieVesNotas e Fragmentos sobre a

    Historia da Franc;:aFeudal

    l

    ~)

    Nos antigos dominios do 1m erio Romano, dos reinos fun-

    dados pelos barbaros, 0mais forte foi 0Franco. Iniciou a sua

    expansao com a conquista das ultimas possess6esromanas na

    Galia por Clovis (481-511), que inaugurou a dinastia merovin-gea. erce en a 0poderio da Igreja nas antigas areas do

    Imperio Romano, converteu-se ao cristianismo e incentivou a

    regime de grandes propriedades (feudos), controladas par

    principes milicianos, ou pelo alto clero, apoiados no trabalho

    servil.Em meados do seculo VIII, expandiu-se na Galia 0pode-

    rio da familia nobre dos carolingeos, que instauraram uma

    nova dinastia (715/987), cujo maior expoente foi Carlos

    Magno (768/814). A partir 'de meados do seculo X ,-0Imperio

    iniciou sua decadencia e desmembrou-se nos reinos da Italia,

    da Franconia au Franco-oriental (Germania) e Franco-ociden-tal (Franc;:a).0 oder dos senhores feudais (condados e duca-

    dos) aumentou significativamente, 0que permitiu ao senhor

    de P ariSeOrleans (Hugo) sobrepor-se aos remanescentes ca-

    rolingeos e inaugurar uma nova dinastia (987): ados capetos.

    E neste periodo que mais visivelmente se pode identificarsocialm nte 0regime feudal. Os capetos reinavam sem poder

    central, a que permitiu 0crescimenta desarmonico de conda-

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    dos, ducados e da Igreja. Paralelamente, iniciou-se 0proces-

    so de expansao comercial e urbana, especialmente a partir do

    seculo XII, apos as cruzadas incentivadas pelo Papa Urbano II

    (Clermont, Franc;:a,1095) e as usurpac;:oesde pequena monta

    do rei capeto Felipe I (1066/1108). Felipe II (1180/1223), na

    politica de usurpac;:oes,obteve resultados mais positivos e ane-xou a Normandia e Anjou, vencendo, inclusive, 0rei ingles

    J oao Sem Terra e seus aliados germanicos (Flandres, 1214).

    Mais tarde, anexando Tolosa, obteve saida para 0Mediterraneo

    permitindo 0crescimento de cidades e ducados setentrionais.

    Luis IX (1226/1270), neto e sucessor do rei capeto Felipe

    II, promoveu uma importante reforma judiciaria, que debili-

    tou as atribuic;:oes judiciais dos senhores feudais (abolindo 0

    J uizo de Deus) e fortaleceu 0poder real, obtendo 0apoio de

    cavaleiros menores, do clero paroquial e dos camponeses.

    Anos depois, Felipe IV, 0Belo (1285/1314), da mesma dinas-

    tia, consagrou-se, historicamente, por dois significativos fei-tos: cerceou as preocupac;:oesexpansionistas e autonomistas

    da Igreja e submeteu 0papado (Bonifacio VIII) ao dominio

    frances (cativeiro), retirando-o de Roma e instalando-o em

    Avinhao (1308/1378). Antes, em 1302, criou os Estados Gerais,

    cODlPosto de representantes do dero, dos nobres (que de

    certa forma ja se reuniam a chamado do rei para tratar de

    questoes importantes) e dos comuns (mercadores citadinos

    que haviam adquirido bastante forc;:ae dispunham de vultosos

    recursos financeiros), denominados de Terceiro Estado ouestado plano. - - -

    Em 1328, os senhores feudais interromperam a dinastia

    dos capetos e levaram ao trono um parente daqueles: Felipe

    de Valois, inaugurando-se nova dinastia. Logo depois (1337),

    iniciou-se a Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterraea--- --

    Franc;:a, que se prolongou, com interru~

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    exerdcio de seu reinado, procurando, preliminarmente, am-

    pliar as pensoes e dignidades dos senhores cat6licos. Todavia,

    ele encontrou forte resistencia nos cat6licos parisienses,

    apoiados pelos cat6licos espanh6is. Calculista e pertinaz,

    tendo como objetivo a ocupac;:ao definitiva do poder e nao aexpansao ou a consagrac;:ao de postulados religiosos, conver-

    teu-se ao catolicismo, quando fez a celebre afirmativa que,

    para sempre, passou a caracterizar a sucumbencia das ideias

    ao utilitario pragmatismo do poder: Paris bem vale uma missa.

    Paralelamente, Henrique IV promulgou 0Edito de Nantes,

    que resguardou a liberdade religiosa para os calvinistas. 0

    imperio floresceu: a industria, 0comercio e a agricultura

    foram incentivados e acumularam-se as reservas de ouro. Em

    1610, todavia, Henrique IV foi assassinado pela resistenciacat6lica e 0seu sucessor, Luis XI I' de Bourbon, para sobreviver

    aos conflitos intestinos, ampliou a politica de concessoes aosantigos senhores eclesiasticos e aos nobres, levando novamen-

    te os cofres do Estado ao esvaziamento. Em 1614, empobreci-do 0estado, Luis XII' convoca sem sucesso os Estados Gerais

    que, mais uma vez, puseram em evidencia as hostilidades

    entre 0clero, a nobreza e os comuns. Luis XI II, dissolvidos os

    Estados Gerais, passou a governar, a partir de 1624, com 0decisivo apoio do Cardeal Richelieu (1585/1642).

    Inaugurou-se 0 longo periodo do absolutismo frances,

    continuado, a partir de 1643, por Luis XIV (1638/1715) e peloastuto Mazarino (1602/1661). 0 absolutismo s6 foi destruido

    pela Revoluc;:ao Francesa, no quadro e nas condic;:oes queSieyes analisa neste seu livro originariamente denominadoQu'est-ce que Ie Tiers Etat?

    Acreditamos que a edic;:aoda obra de Sieyes, Qu'est-ce queIe Tiers Etat?, em nosso pais, se justifica por inumeras razoes.

    Entre estas, podemos mencionar que 0pensamento deSieyes traz importantes subsidios para 0debate ora iniciado

    no Brasil a respeito de nosso processo constituinte. Ao longodesta apresentac;:ao, procuraremos demonstrar como Sieyes

    contribuiu, por exemplo, para a elaborac;:ao de uma teoriacaracterizando a noc;:aode Poder Constituinte.

    Nao devemos, tambem, esquecer 0fato de Sieyes ser

    citado muitas vezes em obras de Direito Constitucional noBrasil, mas, na verdade, ele e um autor pouco conhecido e

    lido entre n6s. Dessa forma, a presente edic;:ao brasileira de

    Qu'est-ce que Ie Tiers Etat? vem suprir uma lacuna existente

    na bibliografia, principalmente dos nossos cursos de Direito,quer em nivel de Graduac;:ao ou de P6s-Graduac;:ao.

    E de ser ressaltado, ainda, que, atraves da leitura dostrabalhos de Sieyes, e possivel termos uma dimensao maisexata da pr6pria Revoluc;:aoFrancesa.

    Sabemos que, apesar de quase duzentos anos ap6s 0ini-cio deste processo revolucionario, sua historiografia nao apre-senta, ainda, um determinado consenso quanta a sua interpre-

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    utilizados a fim de que 0Terceiro Estado consiga ser, efetiva-

    mente, alguma coisa. Vamos dizer, entao:

    1Q) 0 que os ministros tentaram e 0que os pr6prios privi-legiados prop6em a favor do Terceiro Estado.

    2Q) 0 que deveria ter side feito.

    3Q) 0 que ainda nao foi feito para que 0Terceiro Estadoocupe 0lugar que the cabe politicamente.

    Capitulo Io Terceiro Estado e uma Nac;:aoCompleta

    ( ! 5 que e precise para que uma na~ao subsista e prospere?Trabalhos particulares e fun~6es pUblica~

    Todos os trabalhos particulares podem se resumir em

    quatro classes: 12)como a agua e a terra fornecem a materia-

    prima das necessidades do homem, a primeira classe, na

    ordem das ideias, sac todas as famllias ligadas aos trabalhosdo campo; 22) a partir da venda das materias-primas ate seu

    consumo ou sua utiliza~ao uma nova mao-de-obra multi plica e

    acrescenta a estas materias um segundo valor, mais ou menos

    composto: a industria bumana. Ela consegue aperfei~oar os

    beneficios da natureza, e 0produto bruto dobra, decuplica,

    centuplica seu valor. Estessac os trabalhos da segunda classe;

    32)entre a produ~ao e 0consumo, assimcomo entre os dife-

    rentes graus de produ~ao, se estabelece uma multidao de

    agentes intermediarios, uteis, tanto aos produtores como aos

    consumidores sac os comerciantes e os negociantes. Os nego-

    ciantes que, 0tempo todo, comparam as nece5-sidadesocasio-

    nais, especulam com 0dep6sito e 0transporte. Sao os comer-

    ciantes que se encarregam, em ultima analise, da venda, no

    atacado e no varejo. Este tipo de atividade caracteriza a ter-

    ceira classe; 4g) alem dessastres classes de cidadaos trabalha-

    dores e uteis, que se ocupam do objeto pr6prio do consumo e

    do uso, e precise ainda que haja em uma sociedade um gran-

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    de numero de trabalhos particulares e de servic;:osdiretamen-

    te uteis ou necessarios para 0 individuo. Esta quarta classe

    inclui desde as profissoes cientificas e liberais mais considera-

    das, ate os servic;:osdomesticos menos valorizados.

    Estes sac os trabalhos que sustentam a sociedade. E

    sobre quem recaem? Sobre 0Terceiro Estado.~s func;:oespublicas tambem podem-;-no estado atual, ser

    reumdas sob quatro denominac;:oes conhecidas: a Espada, a

    Toga, a Igreja e a Administrac;:ao. Seria superfluo percorre-las

    detalhadamente para mostrar que0Terceiro Estado integra os

    dezenove vigesimos delas, com a diferenc;:a de que se ocupa

    de tudo 0que e verdadeiramente penoso, de todos os cuida-

    dos que a ordem privilegiada recusa. Somente os postos lucra-

    tivos e honorificos sac ocupados pelos membros da ordem pri-

    vilegiada. Seria isso um merito seu? Paraisso seria preciso que

    o T:rceiro Estado se recusasse a preencher estes lugares, ou,

    entao, que fosse menos apto para exercer essas func;:oes.Sabemos que isso nao acontece. Entretanto, se ousou fazer

    uma interdic;:ao ao Terceiro E stado. E the disseram: Quaisquer

    que sejam seus servic;os e seus ta/entos, voce ira ate al i' nao

    podera ir a/em. Nao convem que voce seja honrado. Alg~mas

    raras excec;:oes,sentidas como devem ser, nao passamde zom-

    baria, e a linguagem que se emprega nessas raras ocasioes e

    um insulto a mais.Se esta exclusao e um crime social com relac;:ao ao

    Terceiro Estado, seria possivel dizer-se pelo menos que isto e

    util a coisa publica? E os efeitos desse monopolio sac bastan-

    te conhecidos: desencoraja aqueles que afasta e toma menoshabeis aqueles que favorece. Nao sabem todos que toda obra

    da qual a li~e con~ncia e afastada sera ma feita e de

    custo mais alto? ~ 1.)N"< ~

    E preclso notar que, ao se atribuir uma determinada fun-

    c;:aoa certo grupo de cidadaos, nao se pagara somente 0

    homem que trabalha, mas tambem todos os outros do seu

    grupo que se acham desempregados, e suas respectivas fami-

    lias. partir do momenta em que 0governo se transforma no

    patrimonio de uma determinada classe, ele imediatamente se

    expande alem de qualquer limite; sac criados postos, nao pela

    necessidade d governados, mas por causa das necessidades

    dos governantes etc. etc.? J a se notou, ainda, que esta ordemde coisas, tristemente respeitada entre nos, parece desprezi-

    vel e vergonhosa quando an~lisada na historia do antigo Egito

    e nos relatos de viagens as Indias?8Devemos, entretanto, dei-

    xar de lade este tipo de considerac;:aoque, mesmo permitindo

    o esclarecimento da nossa questao, vai tomar nosso avanc;:o

    mais lento.r-'0 pretensa utilidade de ordens privilegiadas para0servi-

    c;:opublico nao passa de uma quimera, pois tudo 0que ha de

    dificil nesse servic;:o e desempenhado pelo Terceiro Estado.

    Sem os privilegiados, os cargos superiores seriam infinitamen-

    te melhor preenchidos. Eles deveriam ser naturalmente 0lote

    e a recompensa dos talentos e servic;:osreconhecidos. Masosprivilegiados conseguiram usurpar todos os postos lucrativos e

    honorificos; isto e, ao mesmo tempo, uma injustic;:a muito

    grande com relac;:aoa todos os cidadaos e uma traic;:ao para

    com a coisa publica.Quem ousaria assim dizer que 0Terceiro Estado nao tem

    em si tudo 0que e precise para forma;uma- nac;:aocompleta?

    fEle e 0homem forte e robusto que esta ainda com um brac;:o

    preso. Se se suprimisse as ordens privilegiadas, isso nao dimi-

    nuiria em nada a nac;:ao;pelo contrario, the acrescentaria.

    Assim, 0que e 0Terceiro Estado?Tudo, mas um tudo entrava-

    do e oprimido. 0 que seria ele sem as ordens de privilegios?

    8 Trata-se da famosa Histoire Philosophique et Politique des E toblissements et duCommerce des Europeens dons les deux Indes (1770), refeita inumeras vezes e com vilriasedi~6es. Trata-se, de certa forma, de uma nova Summo do seculo das luzes. Foi dirigida

    pelo abade Rainal, com a colabora~ao ativa de Diderot.

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    Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode funcionar

    semele, as coisas iriam infinitamente melhor sem os outros.

    Nao basta ter mostrado que os privilegiados, longe de

    serem uteis a nac;:ao,so podem enfraquece-la e prejudica-la.Vamos provar agora que a ordem nobre nao entra na organiza-

    c;:aosocial; que Rodera ser uma carga para a nac;:ao,mas naoforma parte dela

    Inicialmente, e impossivel saber, dentro de todas as par-tes elementares de uma nac;:ao, onde situar a casta dos

    nobres. Sei que ha individuos, e em grande numero, a quem

    as doenc;:as,a incapacidade, uma preguic;:aincuravel, ou uma

    torrente de maus costumes os tornam estranhos aos trabalhos

    da sociedade. A excec;:aoe 0abuso estao em toda parte, ao

    lado da regra, sobretudo em um vasto imperio. Mas devemos

    concordar que, quanta men s abusos houver, melhor fica 0estado para ser ordenado. 0 mais desordenado dos estados

    seria aquele em que, nao somente particulares isolados, mas

    uma classe inteira de cidadaos colocasse sua gloria no fato depermanecerem imoveis em meio ao movimento geral e consu-

    misse a melhor parte do produto sem nada ter feito para faze-

    lo nascer. Esta classe, sem duvida, e estranha a nac;:aopor suaOCiosidad~

    A ordem nobre nao e menos estranha ao nosso meio porsuas prerrogativas civis e politicas.

    "'- 0 que e uma nac;:ao?Um corpo de associados que vivemsob uma lei comum e representados pela mesma legislatura.

    Sera certo que a ordem nobre tenha privilegios, que ela ousa

    chamar de seus direitos, separados dos direitos do grande

    corpo dos cidadaos? Ela sai, assim, da ordem comum, da lei

    comum. Desse modo, seus direitos civis fazem dela um Q.ovoaparte na grande nac;:ao.E : realmente imperium in imperio

    No que diz respeito a seus direitos politicos, ela os exer-

    ce tambem a parte. Tem seus proprios representantes, quenao sao absolutamente procuradores dos povos. 0 corpo de

    9 Sieyes falava certamente com base na brochura do protestante JeanPaul Rabaut SaintEtienne Considerations sur les Interets du Tiers Etat, Adressees au Peuple des Provincespar un Proprietaire Foncier, s. L, 1788. Na pagina 29, 0autor definia 0Tercelro Esta~ocomo sendo a na~Qo menos a nabreza e 0clem. A formula nao era certament~ mUlto e 1caz, mas nao estava absolutamente baseada em uma ideologia filoaristocratlca, como

    queria Sieyes.

    seusdeputados se reune separadamente e, mesmo que se reu-

    nisse em uma mesma sala com os deputados dos simples cida-

    daos, nao seria menos certo que sua representac;:aoe essen-

    cialmente diferente e especial. E : estranha a ~c;:ao, antes detudo, por principio, pois sua missao nao vem do p YO' em

    s~uida, por seu objetivo, ja que consiste em defende~ nao0

    interesse geral, mas0interesse particular.

    o Terceiro Estado abrange, pois, tudo 0que pertence anac;:ao.E tudo 0que nao eTerceiro Estado nao pode ser olha-

    do como pertencente a nac;:ao.Quem e 0Terceiro Estado?Tudo.9

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    Capitulo II

    o Que 0Terceiro Estado tern Sido ate Agora?Nada

    Nao vamos examinar 0estado de servidao em que 0povo

    viveu durante tanto tempo, e nem 0de coa~ao e humilha

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    obrigado a suportar um prejuizo consagrado pela lei, nao ha

    razao para que ele se submeta a um prejuizo contra 0textoda lei

    Que se fac;:ados novos nobres tudo 0que se quiser. A par- \tir do instante em que um cidadao adquire privilegios contra-

    rios ao direito comum, ja nao faz mais parte da ordem

    comum. Seu novo interesse se op6e ao interesse geral. Ele nao

    pode votar pelo pov~

    Este prindpio incontestavel afasta, da mesma forma, da

    representac;:aoda ordem do Terceiro Estado os simples privile-

    giados a termo. Seu interesse e tambem divergente do inte-

    resse comum, e, mesmo quando a opiniao os coloca no

    Terceiro Estado e a lei permanece muda a seu respeito, a

    natureza das coisas, mais forte que a opiniao e a lei, os colo-ca indiscutivelmente fora da ordem comum.

    Por acaso se diz que querer subtrair do Terceiro Estado

    nao s6 os privilegiados hereditarios, mas ainda os que s6gozam de privilegios a termo, e querer debilitar esta ordem,

    privando-a de seus membros mais esclarecidos, mais corajosose mais estimados?

    Seria bom se eu quisesse diminuir a forc;:aou a dignidade

    do Terceiro Estado, ja que, no meu espirito, ele sempre se

    confunde com a ideia de nac;:ao.Mas qualquer que seja 0moti-

    vo que nos dirige, e possivel fazer com que a verdade nao seja

    a verdade? Por que um exercito teve a infelicidade de ver

    desertar 0melhor de suas tropas e preciso que ele confie a

    outra a defesa de seu campo?

    rNunca sera demais repetir que to~o. pri~ilegio se op~e .ao\direito comu!i1lPortanto, t~s os n lleg.iaQos, sem d1stm-

    c;:ao, formam uma classe diferente e oposta ao Terceiro

    Estado. Eu observo, ao mesmo tempo, que esta verdade nao

    deve ter nada de alarmante para os amigos do povo. Pelo con-

    trario, ela resulta no grande interesse nacional e faz sentir

    com forc;:aa necessigade de se suprimir no momenta todos os

    privilegiados a termo que dividem 0Terceiro Estado e que

    poderiam condenar esta ordem a colocar seus destinos entre

    as maos de seus inimigos. Nao se deve separar esta observa-

    c;:aoda seguinte: a abolic;:aodos privilegios no Terceiro E stado

    nao e a erda das isenc;:6esde que se beneficiam alguns de rseus membros. Estas isenc;:6esnao sao outra coisa senao 0

    direito comum.

    Foi sobera'namente injusto privar delas 0povo. Desse

    modo, eu reclamo, nao a perda de um direito, mas sua resti-

    tuic;:ao. Se me respondem que, tornando possiveis alguns des-

    ses privilegios, se suprimiria 0meio de atender a necessidade

    social, eu respondo que toda a necessidade publica deve estar

    a cargo de todo 0mundo, e nao de uma classe especial de

    cidadaos. E necessario estar alheio a qualquer reflexao relati-va a eqi.hdade para nao se encontrar um meio mais nacional

    de completar e de manter 0estado militar.

    Parece que, as vezes, as pessoasse surpreendem ouvindo

    a queixa de que existe uma tripla "aristocracia": da Igreja, da

    Espada e da Toga. P retende-se que isso nao passe de uma

    maneira de se falar, mas esta expressao deve ser entendida ao

    pe da letra. Se os Estados Gerais sao os interpretes da vonta-

    de geral e, como tal, detem 0poder legislativo, nao e verda-

    de que, ali, onde os Estados Gerais nao passamde uma assem-

    bleia clerical, nobiliarquica e judicial, haja uma verdadeira

    aristocracia?

    A esta terrivel verdade deve ser acrescentado que, de

    uma forma ou de outra, todos os ramos do poder executivo

    tambem cairam na casta que domina a Igreja, a Toga e aEspada.~ma especie .de espirito ~e confraternida~e faz com \que os nobres se pref1ram entre Sl ao resto da nac;:ao.A usur-

    pac;:aoe total. Eles reinam de verdad~ .

    Se Lemos a hist6ria com a intenc;:ao de exammar se os

    fatos sao conformes ou contrarios a esta afirmac;:ao, vemos -

    e eu fiz esta experiencia - que e um grande erro acreditar

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    que a F ran~a esta submetida a um regime monarquico. Sesuprimirmos de nossos anais alguns anos de Luis XI, deRichelieu, e alguns momentos de Luis XIV, em que seve0des-potismo puro e simples, vamos pensar estar lendo a historia de

    uma aristocracia "aulica". Foi a corte que reinou, e nao0

    monarca.(J a corte que faz e desfaz, que chama e d:spede osministros, que cria e distribui os cargos etc. Eo que e a corte,

    se nao a cabe~a dessa imensa aristocracia que cobre todas as

    partes da Fran~a e que, por meio de seus membros, atingetudo, e exerce por toda a parte_o que ha de essencial emtodos os aspectos da coisa publica? Alem disso, 0povo se habi-tuou a separar em suas conversas 0monarca dos mentores dopoder. Sempre viu 0 rei como um homem tao seguramenteenganado e indefeso no meio de uma corte ativa e todo-pode-

    rosa que nunca pensou em atribuir-lhe todo 0mal que e feitoem seu nome. Nao seria suficiente abrir os olhos para 0que

    acontece neste momento, a nossa volta? 0 que vemos?A aris- \tocracia, sozinha, combatendo ao mesmo tempo a razao, a

    justi~a, 0povo, 0ministro e 0rei. 0 resultado dessa terrivel

    batalha ainda nao e certo.Resumindo,(i Terceiro Estado nao teve, ate agora, verda-

    deiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus

    direitos politicos sac nUlo~

    Capitulo IIIo Que Pede 0Terceiro Estado?

    Ser Alguma Coisa

    Nao se deve julgar suas exigencias pelas observac;:6esiso-

    ladas de alguns autores mais ou menos instruidos sobre os

    direitos do homem. No entanto, a ordem do Terceiro Estado

    esta muito atrasada a esse respeito, e eu nao digo isso unica-

    mente com rela~ao as luzes daqueles que estudaram a ordemsocial, mas tambem com relac;:ao a esta massa de ideias

    comuns que formam a opiniao publica. Nao e possivel apreciar

    as verdadeiras peti~6es desta ordem a nao ser pelas reclama-

    c;:6esautenticas que as grandes municipalidades do reino diri-

    giram ao governo. 0 que se ve nelas?Que0povo quer ser algu-

    ma coisa e, na verdade, muito pouco. Quer ter verdadeiros

    representantes nos Estados Gerais, ou seja, deputados oriun-

    dos de sua ordem, habeis em interpretar sua vontade e defen-

    der seus interesses. Mas de que serviria participar dos Estados

    Gerais se ali predomina interesse contrario ao seu. So iria con-

    sagrar, com sua presen~a, a opressao de que seria a eternavitima. Desse modo,! e certo que nao possa vir a votar nos tEstados Gerais, se nfu) tiver uma influencia pelo menos igual

    ados privilegiados e um numero de representantes igual ao

    das outras duas ordens juntas. Todavia, esta igualdade de

    representa~ao se tornaria perfeitamente ilusoria se cada

    camara votasse separadamente.

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    grandes politicos. ~6s, no entanto, nao sairemos da moral; ela

    deve presidir todas as relac;:6esque ligam os homens entre si,

    tanto ao seu interesse particular, quanta ao seu interesse

    comum ou social. A moral e que nos dirc~0que deYe' ter sido

    feito, e afinal, s6 ela poderia faze-lo. E preciso sempre voltar 1aos principios simples, como mais poderosos que todos oslesforc;:osdo genio.

    Sera impossivel compreender 0mecanismo social se nao

    se analisar a sociedade como uma maquina ordinaria,econsi-

    derar separadamente cada parte, juntando-as em seguida em

    espirito, uma depois da outra, a fim de se captar os acordes e

    ouvir a harmonia geral resultante. Nao temos necessidade de

    entrar, aqui, em um trabalho tao extenso. Mas, como ha

    necessidade de clareza, e isso nao e possivel se se discorre

    sem principios, vamos pedir ao leitor que considere, pelo

    menos, na formac;:aodas sociedades politicas, tres epocas cuja Jdistinc;:aonos prepara para os esclarecimentos necessarios.

    Na primeira concebe-se um numero mais ou menos consi-

    eravel de individuos isolados que querem reunir-se. 56 por

    isso ja formam uma nac;:ao;tem todos os direitos de uma

    nac;:ao;basta exerce-los. Esta primeira epoca caracteriza-se

    pelo jogo das vontades individu is. Sua obra e a associac;:ao.

    Elas saDa origem do poder.

    ~ A segunda epoca caracteriza-se pela ac;:aoda vontad~

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    )

    E impossivel criar um corpo para um determinado fimsem dar-lhe uma organizac;:ao,formas e leis pr6prias para que

    preencha as func;:oesas quais quisemos destina-lo. Isso e que

    chamamas a constituic;:ao desse corpQl E evidente que naoj

    pode existir sem ela.~ e tambem evidente que todo governocomissionado deve ter sua organizac;:ao; e a que e verdade

    para a geral, a e tambem para tadas as partes que a com-

    poem. Assin:, a ~orpo dos rep~e~entantes, a que esta co~fiado Ia po er leglslatlvo au a exerClClOda vontade comum, so exis-te na forma que a nac;:aoquis the dar. E le nao e nada sem suas

    formas constitutivas; nao age, nao se dirige e nao comanda, a

    nao ser par elas.

    A esta necessidade de organizar a corpo do governo, se

    quisermos que ele exista au que aja, e necessaria acrescentar

    (Q interesse que a nac;:aotem em que a poder publico delega-

    do nao possanunca chegar a ser nocivo a seuscomitentes. Dai. , ---- ~as mumeras precauc;:oespo ltlCas que foram introduzidas na

    Constituic;:ao, e que sao outras tantas regras essenciais ao

    governo, sem as quais a exerdcio do poder se tornaria ilegal.

    Sente-se, assim, ajupla necessidade de se submeter a

    governo a formas certas - interiores au exteriores - que

    garantam sua aptidao para alcanc;.aras seus pr6prios fins e sua

    impotencia para separar-se dele.

    Entretanto, de acordo comque criterios, com que inte-

    ressesse teria dado uma Constituic;:aoa pr6pria nac;:ao.A nac;:ao\existe antes de tudo, ela e a origem de tudo. Sua vontade e

    sempre legal, e a 6pria lei. Antes dela e acima dela s6 exis-

    te a direito natural. Se quisermos ter uma ideia exata da seriedas leis positivas que s6 podem emanar de sua vontade ,vemos, em primeira linha, as leis constitucionais que se divi-

    dem em duas partes: umas regulam a organizac;:aoe as func;:oes

    do c~rpo legis~ativo; as outras determinam a organizac;:aoe as\

    func;:oesdos dlferentes corpos ativos. Essas leis sao chamadas

    de fundamentais, nao no sentido de que possam tornar-se

    independentes da vontade nacional, mas porque as corpos que

    existem e agem par elas nao podem toca-las.j:m cada parte,

    a Constituic;:~ nao e obra do poder constituido, mas do poder

    constituinte. ~enhun:a_ especie de poder ~elegado pode

    mudar nada nas condlc;:oesde sua delegac;:ao.E neste sentidoque as leis constitucionais sao fundamentai~As primeiras, as .

    que estabelecem a legislatura, sao fundadas pela vontade

    nacional antes de qualquer constituic;:ao; formam seu primei-

    ro grau. As segundas devem ser estabelecidas par uma vonta-

    de representativa especial. Desse modo todas as artes do

    gov~no de endem em ultima analise da nac;:ao. Estamosdando somente uma vaga ideia, mas ela e exata.

    E possivel conceber-se facilmente, em seguida, como asleis propriamente ditas, as que protegem as cidadaos e deci-

    dem do interesse comum, sao obra do corpo legislativo forma-

    do e que se move de acordo com as condic;:oesconstitutivas .

    Mesmo quando s6 apresentamos estas ultimas leis em segundalinha, elas sao as mais importantes, sao a fim do que as leis

    constitucionais sao apenas a meio. Podem ser divididas em

    duas partes: as leis imediatas au protetoras, e as leis media-

    tas au diretoras. Este, entretanto, nao e a lugar onde esta

    analise deve ser desenvolvida.

    Vimos a Constituic;:ao nascer na segunda epoca. E claro

    que ela s6 e relativa ao Governo. Seria ridiculo supor a nac;:ao

    ligada pelas formalidades au pela Constituic;:aoa que ela sujei-

    tau seusmandatarios. Se para tornar-se uma nac;:ao,a suavon-

    tade tivesse que esperar uma maneira de ser positiva, nunca

    a teria sido. A nac;:aose forma unicamente pelo direito natu-ral. 0 governo, ao contrario, s6 se regula pelo direito positi-

    va. A nac;:aoe tudo a que ela pode ser somente pelo que ela e.

    Nao depende de sua vontade atribuir-se mais au menos direi-

    tos que ela tem. Mesmo em sua primeira epoca, ela tem as

    direitos naturais de uma nac;:ao.Na segunda, ela as exerce; na

    terceira, ela faz exercer par seus representant.es tudo a que e

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    necessaria para a sua canservac;:aae da ordem na comunida-

    de. 5e saimos desta seqUencia de ideias simples, s6 podemos

    ir de absurdo em absurdo.o poder s6 exerce um poder real enquanto e constitucio-

    nal. 56 e legal enquanto e fiel as leis que foram impostas. Avontade nacional, ao contrario, s6 precisa de sua realidade

    para ser sempre legal: ela e a origem de toda legalidade.

    Nao s6 a nac;:aonao esta submetida a uma Constituic;:ao,

    como ela nao pode estar, ela nao deve estar, 0que equivale a

    dizer que ela nao esta.Nao pode estar. Na verdade, de quem teria podido rece-

    ber uma formalizac;:ao positiva? Existe alguma autoridade

    anterior que pudesse dizer a uma multidao de individuos: Eu

    vos reuno sob tais leis; vas tormareis uma nac;aonas condic;oes

    que vos prescrevo? Nao estamos falando aqui de banditismo

    nem de dominac;:ao,mas de associac;:aolegitima, isto e, volun-

    taria e livre.5eria possivel dizer que uma nac;:aopode, por um primei-

    ro ato de sua vontade, nao querer no futuro comprometer-se

    senao de uma maneira predeterminada? Primeiramente, uma

    nac;:aonao pode nem alienar, nem se proibir 0 direito de

    mudar; e, qualquer que seja sua vontade, ela nao pode cer-

    cear 0direito de mudanc;:aassim que 0interesse geral 0exi-

    .gir. Em segundo lugar: com quem se teria comprometido esta

    nac;:ao?Eu entendo que ela pode obrigar seus membros, seus

    mandatarios, e tudo 0que the pertence; mas sera que ela

    pode impor deveres a si mesma? 0 que e um contrato consigo

    mesma?5endo as duas partes a mesma vontade, ela pode sem-pre desobriga-se de tal compromisso.

    Mesmo quando pudesse, uma nac;:aonao deveria colocar

    obstaculos a sua formalizac;:ao positiva. 5eria se expor a per-

    der sua liberdade, sem retorno, pois bastaria um momento de

    sucessoa tirania para entregar os povos, sob pretexto de orga-

    nizac;:ao,a situac;:6esem que nao lhes seria mais possivel expri-

    mir livremente sua vontade e, conseqUentemente, sacudir as

    cadeias do despotismo.

    Devemos conceber as nac;:6essobre a terra como indivi-

    duos fora do pacta social, ou, como se diz, no estado de natu-

    reza. 0 exerdcio de sua vontade e livre e independe de todasas formas civis. Como existe somente na ordem natural, sua

    vontade, para surtir todo 0seu efeito, nao tellLnecessidade

    de levar os caracteres naturais de uma vontade. Qualquer que

    seja a forma que a nac;:aoquiser, basta que elaqueira; todas

    as formas saDboas, e sua vontade e sempre a lei suprema.

    J a que, para imaginar uma sociedade legitima, atribui-

    mos as vontades individuais puramente naturais a potencia

    moral de formar a associac;:ao,como nos negariamos a reco-

    nhecer uma forc;:asemelhante em uma vontade comum, igual-

    mente natural? Uma nac;:aonunca sai do estado de natureza e,

    em meio a tantos perigos, todas as maneiras possiveis deexpressar sua vontade nunca saD demais. Repetindo: uma

    nac;:aoe independente de qualquer formalizac;:ao positiva,

    basta que sua vontade aparec;:apara que todo direito politico

    cesse, como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo

    de todo 0direito positivo.

    Mas ainda existe uma prova mais impressionante da ver-

    dade de nossosprindpios. Uma nac;:aonao deve, todavia, res-

    tringir-se a formas constitucionais, pois, a primeira diferenc;:a'

    que surgisse entre as partes pactuadas, 0que ocorreria com a

    nac;:aoimpedida de agir, a nao ser de acordo com a constitui-

    c;:aodisputada? Assinalemos 0quanta e essencial, na ordemcivil, que os cidadaos encontrem em uma parte do poder ativo

    uma autoridade pronta para terminar seus processos. Da

    mesma forma, as diversas partes do poder ativo devem poder

    invocar a decisao da legislatura em todas as dificuldades que

    encontrem. Mas, se a sua pr6pria legislatura, se as diferentes

    partes desta primeira constituic;:ao, nao concordam entre si,

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    quem vai ser 0juiz supremo? Pois, sempre e necessario quehaja um, ou a anarquia substitui a ordem.

    Como e que um corpo constituido pode decidir sobre suaConstitui

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    para 0qual nao fosse possivel indicar regras de conduta capa-zes de resolve-lo.

    E : hora de voltar ao titulo deste capitulo: 0 que deveria

    ter sido feito em meio as dificuldades e brigas sabre as proxi-

    mas Estados Gerais? Chamar as notaveis? Nao. Manobrar juntoas partes interessadas para que cada uma delas ceda um pou-

    co? Nao.(seria preciso recorrer a uma representa

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    povos. Se&le e incompetente para decidir sobre a Constitui-c;:ao,nao podemos dizer 0mesmo quanta a provocac;:aodestadecisao: a convocac;:aogeral.

    Assim, nao ha nenhumadificuldade quanta a pergunta: 0(gue deveria ter sido feito? Convocar a nac;:aopara que ela

    mandasse a metropole representantes extraordinarios comprocurac;:aoespecial para definir a composic;:aoda assembleia

    nacional ordinaria. Eu nao gostaria que esses representantes

    tivessem, alem disso, poderes para se reunir, em seguida, emassembleia ordinaria, de acordo com a Constituic;:aoque elesproprios fixassem com qualificac;:ao extraordinaria

    J

    Eu penso que, em vez de trabalhar unicamente pelo inte-resse nacional, eles dariam mais atenc;:aoao interesse do pro-prio corpo que iriam formar. Em politica, a confusao dos pode-

    res sempre torna impossivel 0estabelecimento da ordem so-cial sobre a terra. Quando se quiser separar 0que deve serdiferente se conseguira resolver 0grande problema de uma

    sociedade humana organizada para a vantagem geral dos quea comp6em.

    E possivel que me perguntem por que me estendi tantosobre 0que deveria ter sido feito. Podemdizer que 0passadoe passado. Eu respondo inicialmente que, sabendo-se 0quedeveria ter sido feito, podemos saber 0que devemos fazer.Em segundo lugar, e sempre bom apresentar os bons princi-

    pios, sobretudo em um assunto tao novo para a maioria dos

    espiritos. Finalmente, as verdades desse capitulo podem ser-vir melhor para explicar as do capitulo seguinte.

    Capitulo VI

    o Que Falta FazerA Execuc;:aodos Prindpios

    J a passou0tempo em que as tres ordens - pensando uni-

    camente em defender-se do despotismo ministerial - estavam

    dispostas a se reunir contra 0inimigo comum. Hoje e impossi-

    vel para a nac;:aotirar um partido utH da circunstancia presen-

    te, dar um so passo em direc;:aoa ordem social sem que 0Terceiro Estado tambem colha frutos. Entretanto, 0orgulho

    das duas primeiras ordens as irritou venda as grandes munici-

    palidades do reino reclamar a menor parte dos direitos politi-

    cos que pertencem ao povo.o que queriam, pois, esses privHegiados tao ardentes na

    defesa de seu superfluo, tao prontos a impedir 0Terceiro Es-

    tado de obter nesse aspecto 0estritamente necessario? Sera

    que entendiam ser a regenerac;:aoque se alardeia somente

    para eles? So queriam servir-se do povo, sempre infeliz, como

    instrumento cego para estender e consagrar sua aristocracia?

    o que dirao as gerac;:6esfuturas ao conhecer a especie de furorcom 0qual a segunda ordem do estado e a primeira ordem do

    clero perseguiram todas as petic;:6esdas cidades? Sera que vao

    acreditar nas ligas secretas e publicas, nosfalsos alarmes e na

    perfidia das manobras em que envolveu os defensores do

    povo?

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    Nada sera esquecido no relata fiel que os escritorespatriotas preparam para a posteridade. Sera conhecida a

    nobre conduta dos magnatas da Franc;:a,em uma circunstancia

    Uio adequada, no entanto, para inspirar alguns sentimentosde patriotismo, inclusive nos homens mais absorvidos por seu

    egoismo. Como e que principes da casareinante se dispuserama tomar partido em disputa entre as ordens do estado? Como

    permitiram que despreziveis redatores, em seu nome, vomi-

    tassem calunias tao atrozes quanta ridiculas, que enchem devergonha a incrivel mem6ria publica?

    Queixam-se da violencia de alguns escritores no Terceiro

    Estado. 0 que vale 0pensamento de um individuo isolado?Nada. As verdadeiras gestoes do Terceiro Estado, as que SaD

    autenticas, se limitam as petic;:oesdas municipalidades e de

    uma parte dos paises de estado. Comparadas com a gestao

    igualmente autentica dos principes contra 0povo, que nao os

    atacava, que modestia, que comedimento nas primeiras. Queviolencia, que profunda iniqi..iidade na segunda.

    o Terceiro Estado esperava inutilmente do concurso detodas as classes a restituic;:aode seus direitos politicos e a ple-

    nitude de seus direitos civis. 0 medo de se reformar os abusos

    inspira aos aristocratas mais alarmes que desejos pela liberda-

    de. Entre ela e alguns privilegios, elegeram estes. S uaalma se

    identificou com os favores da servidao. Temem, hoje, os Es-

    tados Gerais, que, com tanto ardor, invocavam antes. Tudo

    esta bem para eles. S6se queixam do espirito de inovac;:ao.J a

    nao precisam de nada, 0medo lhes deu uma constituic;:ao.

    o Terceiro Estado deve dar-se conta, no movimento dosespiritos e dos assuntos, de que s6 pode esperar alguma coisa

    de seus conhecimentos e de sua coragem. A razao e a justic;:a

    estao de seu lado; e preciso que, pelo menos, ele se assegure

    de suas forc;:as.Nao, nao ha mais tempo para se trabalhar na

    conciliac;:ao dos partidos. Que acordo pode ser esperado daenergia do oprimido com a raiva dos opressores?

    Eles ousaram pronunciar a palavra "cisao". Ameac;:aram0

    rei e 0povo. Ah, Meu Deus! Que bom seria para a nac;:aoq~e

    esta cisao tao desejavel se fizesse para sempre! Como sena

    bom prescindir dos privilegiados! Como vai ser dificil fazer

    deles cidadaos!Os aristocratas, que atacaram primeiro, nao imaginavam

    o grande erro que cometiam ao agitar certas questoes. Deve~

    mos deixar adormecidas as verdades de um povo que esta

    acostumado a servir. Pois se sua atenc;:aofor excitada, se lhe

    mostramos que deve fazer uma escolha entre essas verdades

    eo erro, seu espirito se liga a verdade como os olhos sadios se

    voltam naturalmente para a luz. Seria preciso ser cego para

    nao ver que nossa nac;:aoapropriou-se de alguns principios

    fecundos, que conduzem a tudo 0que e bor:n,justa e util ..Na?e mais possivel esquece-los, nem contempla-los com uma mdl-

    ferenc;:a esteril. Nesse conjunto de coisas, e natur~l que as

    classes oprimidas sintam mais fortemente a necessldade devolta a ordem. Elas tem muito mais interesse em trazer para

    o meio dos homens a justic;:a, a primeira das virtudes, exilada

    da terra durante tanto tempo!

    Entao e 0Terceiro Estado que deve fazer os maiores, - .esforc;:ose dar os primeiros passos para a restaurac;:aonaClO-

    nalJ Porem e preciso preveni-lo de que nao se trata par~ ele

    - se nao conseguir melhorar - de permanecer como esta. As

    circunstancias nao permitem que se seja covarde. Trata-se de

    avanc;:arou de recuar. Se voces nao quiserem p.resc~e~erest.aimensa quantidade de privilegios injustos e antl-soclals, deCl-

    dam-se, entao, a reconhece-los e a legitima-los. Seria, noentanto, possivel, no final do seculo XVIII, "consagrar legal-

    mente" os abominaveis frutos do abominavel feudalismo?

    Enquanto os aristocratas falarem de sua honra e cUi~a-

    rem de seus interesses, 0Terceiro Estado, que dizer, a,na a,o,

    desenvolvera sua virtude, pois se0interesse do corpo e egOl~-

    mo, 0interesse nacional e virtude. Vamos deixar os nobres all-

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    mentando sua vaidade moribunda de injuriar 0Terceiro Estado

    com os termos mais insolentes da lingua feudal. Vao repetir as

    palavras "plebeus", "camponeses", "viloes". Esquecem que

    essas expressoes, qualquer que seja 0sentido que se quiser

    lhes dar, saDestranhas hoje para 0Terceiro Estado, ou comuns

    para as tres ordens. Esquecem, ainda, que, quando elas eramexatas, 95%deles eram, incontestavelmente, plebeus, campo-

    neses, viloes. E os outros, necessariamente, bandidos.

    Os privilegiados fechariam os olhos em vao sobre a revo-

    lu~ao que 0tempo e os fatos operaram. Mas, por isto, ela naodeixaria de ser real. Antigamente, 0Terceiro Estadoera servo,a ordem nobre era tudo. Hoje, 0Terceiro Estado e tudo, a

    nobreza nao passa de uma palavra. Mas sob essa palavra se

    insinuou ilegalmente, e por influencia de uma falsa opiniao,

    uma nova e intolerilVel aristocracia; e 0povo tem toda razaode nao querer aristocratas.

    Neste estado de coisas,0

    que pode fazer0

    TerceiroEstado se quer adquirir os seusdireitos politicos de uma forma

    litil para a na~ao?Ha dois meios para se chegar La.

    De acordo com0primeiro, 0Terceiro Estado deve se reu-

    nir a parte, nao vai cooperar com a nobreza e 0clero, nao vaivotar com eles por ordem, nem por cabe~as. Pe~oque se pres-

    te aten~ao a enorme diferen~a que existe entre a assembleiado Terceiro Estado e a das duas outras ordens. A primeira

    representa vinte e cinco milhoes de homens e delibera sobre

    os interesses da na~ao. As outras duas, mesmo quando reuni-

    das, tem 0poder unicamente de uns duzentos mil indivfduos

    que s6 pensam em seus privilegios. Vao dizer que 0Terceiro

    Estado sozinho nao pode formar os Estados Gerais. Ainda bem!

    Ele compora uma assembleia nacional. Um conselho desta

    natureza deve ser justificado por tudo 0que os bons prindpiosoferecem de mais claro e de mais certo.

    Afirmo que os deputados do clero e da nobreza nao tem

    nada em comum com a representa~ao nacional, que nenhuma

    alian~a e possivel entre as tres ordens nos Estados Gerais, e

    que, nao podendo votar em comum, nao podem faze-lo por

    ordem nem por cabe~as. Prometemos, anteriormente, provar

    aqui esta verdade.Segundo uma maxima do direito universal, nao ha falta

    maior que a falta de poder. Sabemos que a nobreza nao edelegada pelo clero e 0Terceiro Estado. 0 clero nao se acha

    encarregado da procura~ao dos nobres e dos comuns. Segue-

    se dai que as ordens sao, entre si, distintas, que nenhuma

    delas nao e mais competente para imiscuir-se nos assuntos das

    outras ordens. Que saD os Estados Gerais na Holanda ou 0

    Conselho de Veneza, por exemplo, para votar nas delibera~oes

    do Parlamento da Inglaterra? Um procurador autorizado s6

    pode representar seus comitentes, um representante s6 e

    porta-voz de seus representados. Se esta verdade e desconhe-

    cida, e preciso aniquilar todos os demais prindpios.

    E necessario ver que, de acordo com isso, em boa regra,e perfeitamente inlitil buscar a rela~ao ou a propor~ao emquecada ordem deve concorrer para formar a vontade real. Esta

    vontade nao pode ser uma enquanto se permitir tres ordens e

    tres representa~oes. Quando muito, essas tres--assembleias

    poderao se reunir no mesmo voto, como tres na~oes aliadas

    podem formar 0mesmo desejo. Mas nunca se fara dela uma

    na~ao, uma representa~ao e uma vontade comum.Sinto que essas verdades, por mais certas que sejam, se

    tomam embara~osas em um Estado que nao e formado sob os

    auspkios da razao e da equidade politica. 0 que e que voces

    querem? Suas casas s6 se mantem com a ajuda de artifkios,

    esteios informes colocados sem gosto e sem projeto, a nao ser

    o de escorar as partes, a medida que amea~am cairo E precisoreconstruf-la, ou entao se decidir a "viver na flauta", como se

    diz, temendo ser um dia esmagado pelos escombros. Tudo se

    relaciona na ordem social. Se se negligenciar uma parte, se

    uma parte for negligenciada, nao sera impunemente para as

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    outras. Se se come

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    os votos unanimes dos duzentos mil nobres ou sacerdotes fos-sem cobertos por estes cinco votos.

    Tudo isso ja e suficiente para demonstrar 0direito que

    tem 0Terceiro Estado de formar sozinho uma Assembleia

    Nacional, e para autorizar por forc;:ada razao e da equidade,

    a sua pretensao legitima de deliberar e de votar por toda anac;:ao,sem excec;:ao.

    Sei que estes principios nao serao agradaveis nem mesmo

    para os membros do Terceiro Estado, mais habeis na defesa de

    seus interesses. Mas convenha-se que eu parti dos verdadeiros

    principios, e que s6 avanc;:oapoiado na boa l6gica. Acrescen-

    temos que 0Terceiro Estado, separando-se das duas primeiras

    ordens, nao pode ser acusado de fazer cisao; e preciso deixar

    esta imprudente expressao, bem como 0sentido que ela en-

    cerra, aqueles que primeiro a utilizaram. De fato, a maioria

    nao se separa do todo; haveria contradic;:ao nos termos, pois,

    para tanto, seria preciso que ela se separasse dela mesma.

    Somente a minoria pode se permitir nao se submeter ao votoda maioria, e, por conseguinte, fazer uma cisao.

    Entretanto, nossaintenc;:aoao mostrar ao Terceiro Estado

    toda a extensao de seus recursos, ou melhor, de seusdireitos,

    nao e a de compromete-lo para que fac;:ausa deles com todoo rigor.

    Anunciei anteriormente para 0Terceiro Estado dois meios

    de se apoderar do lugar que merece na ordem politica. Se0

    primeiro, que acabo de apresentar, parece um pouco brusco,

    se acham que e preciso dar um pouco de tempo ao publico

    para que se acostume com a liberdade, se acreditam que os

    direitos nacionais, por mais evidentes que sejam, ainda, temnecessidade, a partir do momento em que sao disputados,

    mesmo pelo menor numero, de uma especie de julgamento

    legal que os defina, por assim dizer, e os consagre por uma

    ultima sanc;:ao, estou de acordo. Chamemos 0 tribunal da

    nac;:ao,unico juiz competente em todas as diferenc;:asrelativas

    a Constituic;:ao. Este e 0segundo meio aberto ao Terceiro

    Estado.

    Nesse momento, temos necessidade de nos lembrar de

    tudo 0que foi dito no capitulo precedente sobre a indispensa-

    bilidade de constituir 0corpo dos representantes ordinarios,

    como tambem a de s6 confiar esta grande obra a uma repre-sentac;:aoextraordinaria que tenha um poder especial ad hoc.

    Nao negaremos que a camara do Terceiro Estado nos pr6-

    ximos Estados Gerais nao seja muito competente para convo-

    car 0reino em representac;:ao extraordinaria. E : ele, sobretu-

    do, que deve prevenir a generalidade dos cidadaos sobre a

    falsa constituic;:ao da Franc;:a.E : ele quem deve se queixar em

    altos brados, que os Estados Gerais, compostos de varias

    ordens, s6 podem ser um corpo mal organizado, incapaz de

    preencher suas func;:6esnacionais; e ele que deve demonstrar,

    ao mesmo tempo, a necessidade de dar a uma representac;:ao

    extraordinaria um poder especial para regular por leis certas,as formas constitutivas de sua legislatura.

    Ate ai a ordem do Terceiro Estado suspendera, nao seus

    trabalhos preparat6rios, mas 0exercicio de seu poder; nada

    sera estabelecido definitivamente: ira esperar que a nac;:ao

    tenha julgado 0grande processo que divide as tres ordens.

    Esta e, tenho certeza, a marcha mais franca, mais generosa e,

    por conseguinte, a mais conveniente a dignidade do Terceiro

    Estado.

    o Terceiro Estado pode considerar-se, pois, sob doisaspectos. No primeiro se ve como uma ordem. Neste caso e

    melhor, entao, nao livrar-se completamente dos preconceitosda antiga barbarie. Admite duas outras ordens no Estado, sem

    se lhes atribuir, entretanto, outra influencia alem da que pode

    conciliar-se com a natureza das coisas. Tem por elas todas as

    considerac;:6es possiveis, consentindo em duvidar de seus

    direitos ate a decisao do juiz supremo.

  • 7/28/2019 O Que e o Terceiro Estado

    27/33

    J a no segundo aspecto, ele e a nac;:ao.Como tal, seusrepresentantes formam a Assembleia Nacional; tem todos as

    seus poderes. Como sao as unicos depositarios da vontade

    geral, nao tem necessidade de consultar seus constituintes

    sabre uma dissensao que nao existe. Sem duvida, estao sem-

    pre dispost~s a submeter-se as leis que aprouver a nac;:aolhesdar; mas nao devem provoca-la sabre nenhuma das questoes

    que nasceram da pluralidade das ordens. Para eles, so existe

    uma ordem~ isto e, nenhuma, porque para a nac;:aoso podehaver a nac;:ao.

    A organizac;:aode_umarepresentac;:aoextraordinaria, au,pelo menos, a concessao de um novo poder especial tal como

    foi explicado ac~m~,_par~regular, antes de tudo, a g;ande pro-blema da constltulc;:ao, e, pais, a verdadeiro meio de colocarumfim a dissensaoe aos possiveis problemas da nac;:ao.Mesmo

    se .nao h?uvesse nada a se temer desses problemas, aindaa:slm :ena uma medida a ser tomada, porque, tranquilos au

    nao, nao podemos deixar de conhecer nossosdireitos politicose d.e tamar posse deles. Esta necessidade nos parece aindamalS urgente se pensamos que as direitos politicos sao a unicagarantia dos direitos civis e da liberdade individual.

    o ~eu trabalho sabre a Terceiro Estado terminaria aquise eu tlVesse como objetivo somente oferecer meios de con-

    duta... M.a.s~u me. pro~us ainda a desenvolver prindpios. Eume permltlrel segulr as mteresses do Terceiro Estado ate a dis-

    cussao publica q~.evai ~correr sabre a verdadeira composic;:aode uma Assemblela NaclOnal. NaoyOU falar dos negocios nem

    do poder, mas das leis que devem determinar a comp~sic;:aopessoal do corpo dos deputados.

    Capitulo VII

    A Assembleia Nacional

    E necessaria compreender, antes de tudo, qual e a obje-

    tivo au a fim da Assembleia representativa de uma nac;:ao:nao

    pode ser diferente do que a propria nac;:aose proporia se

    pudesse se reunir e deliberar no mesmo lugar.IO que e a von-

    tade de uma nac;:ao?E a resultado das vontades individuais,

    como a nac;:aoe a reuniao dos individuos./E impossivel conce-

    ber uma associac;:aolegitima que nao tenha como objeto a

    seguranc;:acomum, a liberdade comum, enfim, a coisa publi-

    ca. Sem duvida, cada particular se propoe, alem disso, fins

    particulares. As pessoas se dizem: ao abrigo da seguranc;:a

    comum, poderei me entregar tranquilamente a meus projetos

    pessoais, irei atras da minha felicidade como quiser, certo de

    so encontrar como limites legais aqueles que a sociedade me

    prescreve pelo interesse comum em que tomo parte e com a

    qual meu interesse particular fez uma alianc;:atao util.

    Mas sera que existe na Assembleia Geral alguem tao

    insensato, capaz de se atrever a manter esta linguagem: Voces

    estQo reunidos nQO para deliberar sobre nossos problemascomuns, mas para tratar dos meus em particular, e os de um

    pequeno grupo que tormei com alguns de voces.

    Dizer que associados se reunam para acertar a que lhes e

    comum, e explicar a unico motivo que pode ter levado as

    membros a entrar para a associac;:ao,au seja, uma dessasver-

  • 7/28/2019 O Que e o Terceiro Estado

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    dades fundamentais e tao simples que as enfraquecemos que-rendo prova-las.

    E : ainda interessante explicar como todos os membros de

    uma Assembleia Nacional vao contribuir com suas vontades

    individuais para formar esta vontade comum.

    Apresentemos, antes de tudo, este jogo ou este mecanis-

    mo na suposi~ao mais vantajosa: aquela em que 0espirito

    publico, na sua maior for~a, so permitiria de se manifestar na

    assembleia a expressao do interesse comum. Esses prodigios

    saDraros na historia, e nao duram. Ligar 0destino das socie-

    dades a esfor~os de virtude seria uma manifesta~ao de muito

    pouco conhecimento dos homens. E : preciso que, mesmo na

    decadencia dos costumes, quando 0egoismo parece governar

    todas as almas, a assembleia de uma na~aoseja constituida de

    tal forma que os interesses particulares permane~am isolados

    e 0voto da maioria esteja sempre conforme ao bem geral.

    Este efeito esta assegurado se a constitui~ao e suportavel.Assinalemos no cora~ao dos homens tres especies de inte-

    resses: 12) aquele pelo qual os cidadaos se reunem: apresen-

    ta a medida exata do interesse comum; 22) aquele pelo qual

    um individuo se liga somente a alguns outros: e 0interesse do

    corpo; e, finalmente, 32) aquele em que cada um se isola pen-

    sando unicamente em si: e 0interesse pessoal. a interesse

    pelo qual um homem concorda com todos os seus associados e

    evidentemente 0 objeto da vontade de todos e 0da assem-

    bleia comum. Ali, a influencia do interesse pessoal deve ser

    nula. E e isso tambem 0que acontece; sua diversidade e seu

    verdadeiro remedio.A grande dificuldade vem do interesse pelo qual um cida-

    dao esta ligado somente com alguns outros. Dai se originam

    projetos perigosos para a comunidade e se formam os inimigos

    publicos mais temiveis. A historia esta cheia dessa triste ver-dade.

    Nao nos surpreendamos, pois, se a ordem social exige

    com tanto rigor que nao se permita aos cidadaos dispor-se em

    corpora~6es, se chega a exigir que os mandatarios do poder

    publico que, pelas exigencias das circunstancias formam ver-

    dadeiros corpos, renunciem, enquanto durar seu emprego, a

    serem eleitos para a representa~ao legislativa.

    E : dessa forma, e nao de outra, que0interesse comum de

    dominar os interesses particulares se encontra seguro. 50-

    mente nessas condi

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    terriveis conjurac;:6esuma preponderancia real sabre a grande

    corpo da nac;:ao.E e a que poderiamos acusar a legislador de

    ter feito na Franc;:a,se nao fosse mais natural imputar a maior

    parte dos males que afligem este soberbo reino ao curso cego

    dos acontecimentos, au a ignorancia e a ferocidade de nossos

    antepassados.Conhecemos a verdadeiro objetivo de uma assembleia

    nacional: nao e feita para se ocupar dos assuntos particulares

    dos cidadaos. Ela considera-os como uma massa, e soba ponto

    de vista do interesse comum. Tiremos dai a consequencia

    natural: que a direito de fazer-se representar so pertence aos

    cidadaos par causa das qualidades que lhes sao comuns e naodevido aquelas que as diferenciam.

    As vantagens pelas quais as cidadaos diferem estao alem

    do carMer do cidadao. As desigualdades de propriedade e de

    industria sao como as desigualdades de idade, de sexo, de

    tamanho etc. Nao desnaturam a igualdade dvica. Semduvida,essas vantagens particulares estao sob a salvaguarda da lei;

    mas nao cabe ao legislador criar vantagens desta natureza,

    dar privilegios a uns e nega-los a outros. A lei nao concede

    nada; protege 0que existe ate a momenta em que a que exis-

    te comec;:aa prejudicar a interesse comum. Somente ai estao

    colocados as limites da liberdade individual. Eu coloco a lei no

    centro de um globo imenso; todos as cidadaos, sem excec;:ao,

    estao a mesma distancia sabre a circunferencia, e ocupam

    nela lugares diferentes; todos dependem igualmente da lei,

    todos the oferecem sua liberdade e sua propriedade para que

    as proteja; e e a isto que eu chama direitos comuns dos cida-

    daos, par onde tad as se reunem.Todos essesindividuos se correspondem, negociam, sem-

    pre sob a garantia comum da lei/Se nesse movimento geral

    alguem quiser dominar seu vizinho, au usurpar sua proprieda-

    de, a lei comum reprime este atentado e coloca todos a

    mesma distancia de si. Mas nao impede de modo algum que

    cada um, segundo suas faculdades naturais e adquiridas, de

    acordo com acasosmais au menos favoraveis, acresc;:asua pro-

    priedade com tudo a que a sorte prospera au um trabalho mais

    fecundo puder acrescenta~1 A lei, protegendo as direitos /'comuns de todos as cidadaos, protege cada cidadao em tudo,

    ate a momenta em que a que ele quer comec;:aa prejudicar ainteresse comum-7

    Os interesses que reunem as cidadaos sao, assim, o~uni-

    cas que eles podem tratar em comum, as unicos pelos quais,

    e em nome dos quais, podem reclamar direitos politicos, quer

    dizer, participac;:ao ativa na formac;:aoda lei social; as unlcos,

    consequentemente, que imprimem no cidadao a qualidade de

    representavel.Assim, nao e par ser privilegiado, mas par ser cidadao,

    que temos direito a eleic;:aodos deputados e a elegibilidade.

    Tudo a que pertence aos cidadaos, repito, mais uma vez, van-

    tagens comuns, vantagens particulares, contanto que nao

    atinjam a lei, tem direito a protec;:ao.Mascomo a uniao social

    so pode ser feita par pontos comuns, somente a qualidade

    comum tem direito a legislac;:ao.Segue-se dai que a interesse

    de corpo, longe de influir na legislatura, so consegue fazer

    com que ela desconfie. 0 objetivo e tao estranho como opos-

    to a missao de um corpo de representantes.Essesprindpios se tomam ainda mais rigorosos quando se

    trata dos corpos e das ordens privilegiadas. Entendo par privi-

    legiado todo homem que sai do direito comum, porque nao

    pretende estar completamente submetido a lei comum, au

    porque pretende direitos exclusivos. Uma classe privilegiada e

    prejudicial, nao so pelo espirito de corpo, mas par sua propriaexistencia. Quanta mais ela obteve favores necessariamente

    contrarios a liberdade comum, mais importante se toma afas-

    ta-la da Assembleia Nacional. 0 privilegiado seria representa-

    vel somente par sua qualidade de cidadao; mas, nele, esta

    qualidade se acha destruida, ele esta fora do civismo, e inimi-

  • 7/28/2019 O Que e o Terceiro Estado

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    go dos direitos comuns. Oar-lhe umdireito na representac;:aoseria uma contradic;:aomanifesta na lei; a nac;:aos6 poderia sesubmeter por umato de servidao, e issoe impossivel supor-se.

    Quando achamos que 0mandatario do poder ativo naopodia ser nem eleitor, nem elegivel, para a representac;:ao le-

    gislativa, nao deixamos, por isso, de ve-lo como verdadeiro ci-dadao. E , como todos os outros, por seus direitos individuais.Asfunc;:6esque0distinguem, longe de destruir nele 0civismo,sao, pelo contrario, estabelecidas para servir seus direitos.Se, apesar disso, e necessario suspender seus direitos politi-cos, 0que deve acontecer com aqueles que, depreciando osdireitos comuns, tornaram-se estranhos a nac;:ao; esses ho-mens cuja existencia em si ja e uma hostilidade continua con-tra 0grande corpo do povo? E claro que eles renunciaram aocarater de cidadaos e devem ser excluidos dos direitos de elei-tor e elegibilidade, ainda com mais razao que umestrangeiro

    cujo interesse poderia, pelo menos, nao ser oposto ao seu./Resumindo: tudo 0que sai da qualidade comum do cida-

    dab nao devera participar dos direitos politicos. A legislac;:aode um povo s6 esta encarregada do interesse geratJMas, seem lugar de uma simples distinc;:aoquase indiferente a leiexistem privilegiados pel a natureza, inimigos da ordem co-mum, eles devem ser positivamente excluidos. Naopodem sernem eleitores, nem elegiveis.

    Sei que minhas ideias podem parecer extravagantes paraa maior parte dos leitores. E que a verdade pode parecer taoextravagante para os preconceitos, como esses podem se-lo

    para a verdade. Tudo e relativo. Para mim, basta que meusprindpios estejam certos, que minhas consequencias estejam

    bem deduzidas. Pelo menos, dirao, essas coisas sao absoluta-mente impraticaveis para a epoca. E nem eu mesmo meencarrego de pratica-las. 0 meu papel e0mesmo de todos osescritores patriotas: consiste emapresentar a verdade. Outros

    chegam mais ou menos perto dela, de acordo com sua forc;:a,ou as circunstancias, ou ainda se afastarao dela por ma-fe.

    Ai, entao, vamos suportar 0que nao podemos impedir.Se todo 0mundo pensasse a verdade, as maiores mudanc;:asnao seriam absolutamente difkeis, a partir do momento em

    que apresentassem um objeto de utilidade publica. 0 quemais posso fazer, a nao ser ajudar com todas as minhas for-c;:asa difundir esta verdade que prepara os caminhos? Ini-cialmente, vao recebe-la mal, mas pouco a pouco vao seacostumar e a opiniao publica vai se formar. Finalmente, ape-sar de todos os tipos de preconceitos, vao perceber, na exe-cuc;:aodos prindpios, a verdade que, antes, haviam chamadode loucas quimeras.

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    Cronologia da Revoluc;ao Francesa

    e fatos contemporaneos significativos

    1776 - Declara~ao de Independencia das Colonias inglesas na

    America do Norte.

    1787-1789 - Aprova~ao da Constitui~ao dos Estados Unidos da

    America.

    1789 (17-6) - 0 Terceiro Estado proclama-se Assembleia

    Nacional Constituinte.

    1789 (26-8) - Declara~ao dos Direitos do Homem e do Ci-

    dadao.

    1791 - Assembleia Constituinte promulga a Constitui~ao Mo-

    narquica francesa e se dissolve. Resguarda-se0direi-

    to de veto do rei, anteriormente abolido, e os cida-

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    daos sao eleitoralmente divididos em ativos (os que

    possuem direitos eleitorais) e passivos (os que nao

    tern direito de votar).

    As Camaras elegiam cinco diretores: Poder Executivo

    - Sieyes, Roger-Ducos, Galier e Moutin.

    1791 - Instalac;:aoda Assembleia Legislativa eleita nos termos

    constitucionais.1799 (9-11) - Golpe de estado de Napoleao Bonaparte (18

    Brumario do ana VIII da Republica).

    1799-1802 - Governo do Consulado: Bonaparte, Sieyes e

    Roger-Ducos.

    1792 (20-9) - Abertura da Convenc;:aoNacional, independente

    das limitac;:6es constitucionais entre cidadaos ativos e

    passivos.

    1799 - Napoleao outorga a Constituic;:ao do ana VIII da Re-

    publica.

    1793 (27-6) - Promulgac;:aoda Constituic;:aoRepublicana J aco-

    bina e proclamac;:aodo voto universal.

    1794 (27-7) - Golpe contra-revolucionario (9 de Termidor do

    ana II da Republica).

    1795 - Promulgada nova Constituic;:ao Republicana (Termido-

    riana) e abolido 0voto universal. Dissolvida a Con-

    venc;:ao.

    1815 (20-3) - 0Governo dos Cern Dias de Napoleao Bona-

    parte.

    1795-1799 - 0Governo do Diretorio. A C amara Baixa (Con-

    selho dos 500) e Camara Alta (Conselho dos Anciaos).

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    1823 - Instala