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1 O Rei Leão e a estética do círculo Mário Sérgio Teodoro da Silva Junior O Rei Leão, dirigido por Roger Allers e Rob Minkoff (1994), uma das mais conhecidas animações da Disney, conta com um tema central muito forte e bem estruturado ao longo do filme. Este tema, o ciclo da vida, é declarado logo nos primeiros minutos com a canção “Circle of life”, que “[...] fala da ordem natural das coisas e de uma ligação sagrada entre todas as criaturas vivas, elementos temáticos bastante relacionados com a trama central e a heroica jornada de Simba [...]” (SURRELL, 2009, p.91). O próprio pretexto da narrativa é a quebra de um ciclo, a quebra da sucessão correta do poder, quando o falso rei Scar mata seu irmão – o então rei leão, Mufasa – assumindo o trono e, de certa forma, exilando o sobrinho que é o rei por direito. Além do nó da história, a narrativa, de modo mais amplo, apresenta outras circularidades. No discurso do filme, vemos a recorrência de diálogos e cenas que conferem circularidade. A cena inicial, por exemplo, traz a apresentação do príncipe leão recém-nascido à sociedade da savana. Quando chegamos ao fim do filme, este pequeno príncipe, Simba, está crescido e agora ele é quem apresenta o filho à sociedade numa atitude semelhante a da cena primeira (Figura 1). Figura 1: ALLER; MINKOFF, 1994, min 3, 82. Os três primeiros quadros são referentes ao início do filme, e os três últimos, ao final.

O Rei Leão e a estética do círculo

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O Rei Leão nos traz um tema, o ciclo da vida, e cria novas maneiras significativas para comunicar tal tema.

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O Rei Leão e a estética do círculo

Mário Sérgio Teodoro da Silva Junior

O Rei Leão, dirigido por Roger Allers e Rob Minkoff (1994), uma das mais

conhecidas animações da Disney, conta com um tema central muito forte e bem estruturado

ao longo do filme. Este tema, o ciclo da vida, é declarado logo nos primeiros minutos com a

canção “Circle of life”, que “[...] fala da ordem natural das coisas e de uma ligação sagrada

entre todas as criaturas vivas, elementos temáticos bastante relacionados com a trama central

e a heroica jornada de Simba [...]” (SURRELL, 2009, p.91).

O próprio pretexto da narrativa é a quebra de um ciclo, a quebra da sucessão correta do

poder, quando o falso rei Scar mata seu irmão – o então rei leão, Mufasa – assumindo o trono

e, de certa forma, exilando o sobrinho que é o rei por direito.

Além do nó da história, a narrativa, de modo mais amplo, apresenta outras

circularidades. No discurso do filme, vemos a recorrência de diálogos e cenas que conferem

circularidade. A cena inicial, por exemplo, traz a apresentação do príncipe leão recém-nascido

à sociedade da savana. Quando chegamos ao fim do filme, este pequeno príncipe, Simba, está

crescido e agora ele é quem apresenta o filho à sociedade numa atitude semelhante a da cena

primeira (Figura 1).

Figura 1: ALLER; MINKOFF, 1994, min 3, 82. Os três primeiros quadros são referentes ao início do filme, e os três últimos, ao final.

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Existem ainda outras cenas que se repetem, ou simples frases que aparecem ressoando

em diversos momentos, mas outro exemplo forte da circularidade do discurso é o momento

em que toca a canção “Hakuna Matata”. Nesta cena, as personagens Timão e Pumba

apresentam para Simba, exilado na selva, sua filosofia hakuna matata (algo como “sem

problemas”, em suaíle). Em certo momento, o leãozinho canta o verso “It means no worries”.

Em seguida, os três personagens caminham sobre um tronco que liga dois blocos de terra

firme (figura 2). Durante o atravessar o tronco, Simba torna-se adulto, enquanto a tensão

musical aumenta, culminando no retorno do refrão, em que o leão novamente canta o verso “It

means no worries”. É uma cena extremamente circular, localizada no meio da duração do

filme e que faz a passagem da infância para a vida adulta.

Figura 2: ALLERS; MINKOFF, 1994, min. 44-48.

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Figura 3: ALLERS; MINKOFF, 1994, min. 0-4. Do primeiro ao último quadro: 1 – o sol rompendo; 2 – o chifre arqueado do rinoceronte; 3 e 5 – os animais marchando; 4 - os antílopes saltando circularmente; 6 – o contorno das aves, do elefante e da poeira formando círculos; 7 – uma vegetal redondo segurado contra o sol, também redondo; 8 – as trombas dos elefantes formando arcos

Esta ideia do ciclo – e seu rompimento, como veremos adiante – ecoa por todos os

níveis de significação do filme, e o objetivo deste texto é justamente destacar unidades por

meio dos quais essa ideia se realiza. Para tanto, serão analisadas algumas canções, todas

compostas por Elton John e Tim Rice.

Circle of life

A primeira cena selecionada é a que toma lugar nos primeiros minutos do filme com a

canção “Circle of life”. Contamos inicialmente com uma tela escura em que rompe o sol

nascente, um círculo dourado partindo do horizonte, com um canto em suaíle proporcionando

certa tensão musical. Os animais da savana mobilizam-se com o nascer do novo dia e partem

numa marcha para saudar o jovem príncipe que será apresentado na pedra do reino, lugar

onde vivem os leões.

No nível das imagens, as referências circulares são inegáveis, desde o sol que se ergue

no céu até os contornos das personagens – contornos que se seguirão ao longo do filme –

todos são circulares, ovalados. A marcha dos animais por si só já suscita a ideia de um ritmo,

de uma constância, característica de um ciclo (figura 3).

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No nível linguístico, da letra da canção, outras diversas referências a círculos ocorrem,

mostrando a grandiosidade do trabalho feito para se obter a confluência dos níveis de

significação.

Percebemos na letra a forte recorrência de consoantes fricativas [f, v, s, z], laterais [l]

e retroflexas [ɻ]. Esses segmentos em especial apresentam certo prolongamento do som,

principalmente as fricativas, enquanto tanto a lateral quanto a retroflexa modulam-se por meio

de um movimento que faz com que a língua fique em uma posição arqueada, lembrando um

círculo, e, consequentemente, emprestam esta ideia para o som.

Além disso, a seleção das palavras e expressões vinculam significados relativos a

figuras circulares (planet, sun, rolling, round, circle) e figuras de amplitude e abrangência

(sky, endless, unwiding), que tem a ver com a “ligação sagrada entre todas as coisas” apontada

anteriormente.

A figura de amplitude também está na construção dada para algumas frases como

“more to see than can ever be seen”. Aqui há a recorrência das formas do verbo to see,

indicando circularidade à sentença, assim como há a ideia de totalidade por meio do uso de

ever. Outra construção que também expressa abrangência está no refrão: “through dispair and

hope”/ “trhough faith and love”. O “entre” duas coisas dá a impressão de um movimento

entre extremos, ou seja, um movimento que abrange toda a extensão dos significados

referenciais que estão entre os dois substantivos.

A seguir está transcrita a letra original da canção tocada no filme para a comprovação

do que foi dito:

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From the day we arrive on the planet

And blinking step into the sun,

There's more to see than can ever be seen,

More to do than can ever be done.

There's far too much to take in here,

More to find than can ever be found,

But the sun rolling high

Through the sapphire sky

Keeps great and small on the endless round.

It's the circle of life

And it moves us all,

Through despair and hope,

Through faith and love,

‘Till we find our place

On an path unwinding

In the circle

The circle of life

Be prepared

A segunda cena é a da canção “Be prepared”, a canção do antagonista, Scar. Como é

de se esperar, ela deve ir contra o movimento cíclico e a perfeição da totalidade encontrada

em “Circle of life”. Para isso, a imagem contará com referências a pontas e quadrados

enquanto a letra traz significados pontudos e quadrados e um conjunto de segmentos fonéticos

opostos às fricativas, laterais e retroflexas.

A cena começa com Scar levando comida às hienas, suas comparsas, em seu covil, o

cemitério de elefantes, reclamando do fato ocorrido há pouco na história, em que Mufasa

salvou Simba de um ataque das hienas. Elas deveriam ter matado o leãozinho, mas a presença

de Mufasa atrapalhou o plano. Então surge a ideia de matar o rei e Scar começa a formular

seus pensamentos por meio da música.

Conforme ele canta, mais hienas aparecem e começam a marchar em tropas ordenadas

em quadrantes. Em seguida, a organização dessas tropas se desfaz, assim como o próprio

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chão começa a rachar e blocos de terra se erguem sobre outros, formando, pouco a pouco,

uma torre. Scar vai escalando a torre até chegar ao seu cume e a música, ao seu fim,

encerrando a cena com uma grande estrutura vertical erguida no meio de um círculo

incompleto feito pelos ossos dos elefantes; a própria figura de Scar corta a meia

circunferência da lua (figura 4).

Figura 4: ALLERS; MINKOFF, 1994, min. 27-30. Quadro 1 – As hienas ordenadas verticalmente; 2-4- hienas marchando em quadrantes e suas sombras verticais; 5-10 – a escalada de Scar.

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A canção, inevitavelmente, reflete toda a estética do anti-círculo. A aliteração de

consoante plosivas [p, b, t, d, k, g] e africadas [tS, dZ] dão a música sons pouco prolongados

e tão impactantes quanto à tramoia de Scar. Claro que também há o conjunto de consoantes

fricativas, laterias e retroflexas; ocorre que são sons recorrentes na língua e evitá-los faria com

que a música perdesse parte de sua riqueza.

Mas, para não acharmos que a simples presença de um som de desses conjuntos

apontados faz o significado profundo da música se alterar, podemos entender que o título da

canção é sua maior metáfora, pois todas as canções do filme veremos que o conjunto de

segmentos em questão está no título: be prepared é um sequência forte de plosivas bilabiais,

enquanto circle of life apresenta todo o prolongamento e sibilação fricativa e a redondeza

lateral e retroflexa.

Há também palavras como squared e teeth que se referem a figuras não circulares.

Outras expressam um forte teor de lirismo pessoal, exaltação do eu-lírico; afinal, o que é

lirismo pessoal senão uma forma de egoísmo, de não abrangência da totalidade? Tudo que um

círculo não é. A troca de vozes que ocorre entre Scar e a hienas também representa a falta de

unicidade – esta troca está representada na transcrição da música; a fala das hienas está entre

parênteses.

E, por fim, no nível textual, observamos uma grande irregularidade de construção,

mesmo da posição das rimas, indo contra um princípio cíclico (não sendo menos musical por

conta disso).

I know that your powers of retention

Are as wet as a warthog's backside,

But thick as you are, pay attention!

My words are a matter of pride.

It's clear from your vacant expressions

The lights are not all on upstairs,

But we're talking kings and successions

Even you can't be caught unawares.

So prepare for the chance of a lifetime,

Be prepared for sensational news,

A shining new era,

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Is tiptoeing nearer

(And where do we feature?)

Just listen to teacher.

I know it sounds sordid,

But you’ll be rewarded

When at last I am given my dues

And injustice deliciously squared –

Be prepared!

(It's great that we'll soon be connected

With a king who'll be all time adored)

Of course, quid pro quo, you're expected

To take certain duties on board.

The future is littered with prizes.

And though I’m the main addressee,

The point that I must emphasize is

You won't get a sniff without me.

So prepare for the coup of the century.

Be prepared for the murkiest scam,

Meticulous planning,

Tenacity spanning,

Decades of denial

Is simply why I'll

Be king undisputed

Respected, saluted

And seen for the wonder I am.

Yes my teeth and ambitions are bared –

Be prepared!

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I just can’t wait to be king

Do mesmo modo que Scar tem seu momento de cantar seus planos, Simba também

canta. A canção “I just can’t wait to be king”, linguisticamente, é composta pelos mesmo

jogos de consoantes e lirismo pessoal que a canção de Scar. Essa cena ocorre, no filme, antes

da de Scar, mas optei por analisá-la depois por acreditar que a estética do anti-círculo é

melhor ilustrada em “Be prepared”, tornando as relações feitas na canção de Simba mais

claras.

Na cena, Simba e sua amiga, Nala, estão passeando sob a supervisão de Zazu, um

calau espécie de mordomo e guardião. Simba começa a dizer que quando for rei fará tudo o

que quiser, enquanto Zazu começa a desmentir os sonhos do príncipe. A música baseia-se em

toda essa declaração dos sonhos futuros de Simba, que é apoiado em coro pelo resto dos

animais da savana.

A presença das consoantes plosivas e africadas é bastante notável, como o uso

excessivo dos pronomes de primeira pessoa singular. O jogo de vozes também acontece, dessa

vez entre Simba e Zazu, cujas falas estão entre parênteses:

I'm gonna be a mighty king

So enemies beware!

(Well, I've never seen a king of beasts with

quite so little hair)

I'm gonna be the mane event

Like no king was before.

I'm brushing up on looking down

I'm working on my ROAR.

(Thus far, a rather uninspiring thing.)

Oh, I just can't wait to be

king!

(You've rather a long way to go, young master,

if you think...)

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No one saying do this

(Now when I said that, I -)

No one saying be there

(What I meant was...)

No one saying stop that

(Look, what you don't realize...)

No one saying see here

(Now see here!)

Free to run around all day

(Well, that's definitely out...)

Free to do it all my way!

(I think it's time that you and I

Arranged a heart to heart.)

Kings don't need advice

From little hornbills for a start

(If this is where the monarchy is headed

Count me out!

Out of service, out of Africa,

I wouldn't hang about.

This child is getting wildly out of wing.)

Oh, I just can't wait to be king!

Everybody look left

Everybody look right

Everywhere you look I'm

Standing in the spotlight!

(Not yet!)

Entretanto, o canto de Simba não pode ser entendido como o de Scar, deve soar

ameno. O fato de ser um filhote já alivia a ideia de egoísmo, mas ocorre outra estratégia

discursiva que tenta fazer da cena uma mais inocente. Se atentarmos para o nível imagético,

veremos que as referências são circulares, e não quadradas e retangulares como em “Be

prepared” (figura 5). É interessante destacar que Simba, no momento de maior tensão musical

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também faz uma escalada, mas não sobre as pedras pontudas do cemitério, sim sobre as

superfícies ovaladas dos animais, que se equilibram em uma estrutura alta, mas circular.

Figura 5: ALLERS; MINKOFF, 1994, min. 15-17. Atente para as figuras circulares: a juba de folhas, o elefante, os avestruzes, as dunas e as palmeiras, os traseiros das zebras, os elefantes e a pirâmide de animais.

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Can you feel the love tonight

Depois de exilado, sentindo-se culpado pela morte do pai, Simba refugia-se na selva

com Timão e Pumba, onde se esquece de seu passado, virando às costas para o mundo, como

é declarado. Já adulto, ele reencontra Nala, apaixonado por ela agora, e ela por ele. Toma

lugar a canção de amor do filme, “Can you feel the love tonight”. Elton John a compôs

seguindo a tradição das músicas de amor Diney e dando a ela todo o trato do jogo linguístico

círculo vs. anti-círculo. Entretanto, a versão original não é a que está na cena, apenas uma

sátira em que os amigos de Simba lamentam perdê-lo para Nala (SURRELL, 1994, p. 95-96.

O ORGULHO DE O REI LEÃO, 1994). Para a análise, será considerada apenas a letra

original, ganhadora de Oscar de 1995 de melhor canção original, consagrada na voz do

próprio Elton John.

No nível da imagem, essa cena não traz referências tão concisas como as apresentadas

em outros momentos do filme, exceto pelos contornos arredondados das personagens. Ela

apresenta sim material para uma reflexão do tema em significantes maiores, mas não nas

unidades imagem/canção.

Linguisticamente, Elton John e Tim Rice trabalharam com uma terceira estética, a

estética do equilíbrio. O conjunto de plosivas e africadas e o de fricativas, laterais e

retroflexas misturam-se; o título, can you feel the love tonight?, varia entre esses tipos de

segmentos.

A seleção lexical também expressa equilíbrio, colocando lado a lado kings e

vagabonds, restless warrior e enchanted moment, etc. Na verdade, a estética de equilíbrio

pode ser lida como estética do carpe diem, ou do hakuna matata, em que se considera a

existência de um lado bom e um mau, em que o importante é a escolha que se faz: “it’s

enough to make king and vagabonds, believe the very best”. Além disso, traz bastante

marcada a estética do círculo com termos como turns, twisting, etc.

A organização frasal fornece a ideia de condicionalidade e causalidade, como se

apresentasse dois lados de uma mesma situação: “there’s a time for everyone, if they only

learn that the twisting kaleidoscope moves us all in turns”. Todo o equilíbrio do significado

apresenta-se também no equilíbrio do texto, nas organização das estrofes:

There's a calm surrender To the rush of day,

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When the heat of a rolling wind Can be turned away.

An enchanted moment, And it sees me through

It's enough for this restless warrior Just to be with you.

And can you feel the love tonight?

It is where we are It's enough for this wide-eyed wanderer

That we've got this far

And can you feel the love tonight, How it's laid to rest?

It's enough to make kings and vagabonds Believe the very best

There's a time for everyone,

If they only learn that the twisting kaleidoscope

Moves us all in turn.

There's a rhyme and reason To the wild outdoors,

When the heart of this star-crossed voyager Beats in time with yours.

And can you feel the love tonight?

It is where we are It's enough for this wide-eyed wanderer

That we've got this far.

And can you feel the love tonight? How it's laid to rest?

It's enough to make kings and vagabonds Believe the very best

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Últimas considerações

As pessoas gostam de contar e ouvir histórias – talvez a arte de ficção seja tão inerente

ao homem quanto à linguagem – e todos são capazes de criar ficção. Mas é surpreendente

quando vemos a história refletida no discurso, quando vemos o significado duplicado em seu

significante. Isso requer um trabalho mais atencioso por parte dos artistas.

Em O Rei Leão, o tema ressoa em seus significantes, o ciclo e o círculo (e seus

opostos) estão na imagem, na música, no texto, na frase e mesmo no fone, unidade linguística

sem significado próprio, que ganha novos matizes a serviço do que está sendo contado.

Além disso, os desejos de Scar e Simba aparecem em suas vozes, nos espaços em que

eles cantam; a tragédia do leãozinho está no deserto que ele percorre após ser expulso das

terras do reino; a ganância de Scar e sua incapacidade para ser rei é notada pelo estado em que

ele deixa a savana: devastada, seca e sem vida (figura 6)...

São obras como essa que nos mostram a relação estreita, senão simbiótica, entre o que

é e o que se pretende ser, entre significante e significado, entre discurso e história. E de como

o uso dessa relação é inesgotável, presente desde em obras canônicas e consagradas na

Academia, muitas vezes valorizadas por trabalharem ao máximo essa dicotomia, até nas artes

mais comerciais como filmes Disney, que exploram a arte em todas as suas estâncias, criando

novos jogos de significação e novos recursos, como veio fazer a arte cinematográfica.

Figura 6: ALLERS; MONKOFF, 1994, min. 41, 70. Quadros 1-2: Simba desmaiado no deserto; 3-4: a savana morta.

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Referências bibliográficas

ALLERS, Roger; MINKOFF, Rob (diretores). The Lion King. Walt Disney Feature

Animation, 1994. 89 min.

HAHN, Don (director). Waking Sleeping Beauty. Distribuído por Walt Disney Studios

Motion Picture, 2009. 86 min.

O orgulho de O Rei Leão. In: ALLERS, Roger; MINKOFF, Rob (diretores). The Lion

King. Versão em Blu-ray edição diamante. Walt Disney Animation Studios, 1994. 89 min.

SURREL, J. O Segredo dos roteiros da Disney – dicas e técnicas para levar magia a todos

os seus textos. Tradução Beatriz Sidou. São Paulo: Panda Books, 2009.