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UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERAacuteRIA E LITERATURAS
MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO
O retrato de Oscar Wilde paradigmas de um autor que nunca envelhece
Luana Signorelli Faria da Costa
Ana Laura Cocircrrea dos Reis
Brasiacutelia
22013
1
DEDICATOacuteRIA
Agrave minha professora orientadora e amiga Ana Laura dos Reis Cocircrrea que
manteve vivo dentro de mim o sonho
2
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos particulares
Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo
e pela dedicaccedilatildeo para comigo
Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um
livro mas uma ideia
Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute
Agradecimentos gerais
Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste
momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem
ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave
minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo
sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir
3
ldquoAcross the years you seem to come
In vainmdashin vain The years dividerdquo
Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)
To a Greek girl
4
RESUMO
Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar
Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte
quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica
e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma
relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem
visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a
decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser
tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que
culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao
redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura
natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse
tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de
contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista
Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
8
fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
9
forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
13
morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
15
teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
17
o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
19
A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
1
DEDICATOacuteRIA
Agrave minha professora orientadora e amiga Ana Laura dos Reis Cocircrrea que
manteve vivo dentro de mim o sonho
2
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos particulares
Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo
e pela dedicaccedilatildeo para comigo
Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um
livro mas uma ideia
Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute
Agradecimentos gerais
Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste
momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem
ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave
minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo
sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir
3
ldquoAcross the years you seem to come
In vainmdashin vain The years dividerdquo
Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)
To a Greek girl
4
RESUMO
Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar
Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte
quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica
e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma
relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem
visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a
decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser
tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que
culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao
redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura
natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse
tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de
contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista
Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
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fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
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histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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AGRADECIMENTOS
Agradecimentos particulares
Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo
e pela dedicaccedilatildeo para comigo
Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um
livro mas uma ideia
Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute
Agradecimentos gerais
Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste
momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem
ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave
minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo
sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir
3
ldquoAcross the years you seem to come
In vainmdashin vain The years dividerdquo
Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)
To a Greek girl
4
RESUMO
Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar
Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte
quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica
e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma
relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem
visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a
decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser
tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que
culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao
redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura
natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse
tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de
contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista
Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
8
fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
9
forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
15
teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
3
ldquoAcross the years you seem to come
In vainmdashin vain The years dividerdquo
Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)
To a Greek girl
4
RESUMO
Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar
Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte
quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica
e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma
relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem
visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a
decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser
tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que
culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao
redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura
natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse
tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de
contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista
Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
8
fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
9
forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
13
morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
15
teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
17
o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
4
RESUMO
Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar
Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte
quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica
e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma
relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem
visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a
decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser
tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que
culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao
redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura
natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse
tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de
contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista
Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
8
fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
9
forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
13
morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
15
teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
17
o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
5
ABSTRACT
This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar
Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art
is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and
perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art
becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the
historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of
the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art
The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period
of realism had different repercussions around the world The objective was to compose
a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production
However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an
attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic
Keywords art realism critic mirror life
6
SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
8
fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
9
forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
13
morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
15
teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
17
o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
19
A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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SUMAacuteRIO
Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7
Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA
DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA
42
Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53
CONCLUSAtildeO 62
Referecircncias bibliograacuteficas 63
7
CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
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fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
19
A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
20
fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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CAPIacuteTULO 1
RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR
Introduccedilatildeo do capiacutetulo
Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise
literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar
Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas
tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo
seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria
vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas
tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da
realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o
quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer
algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute
o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista
O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria
norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890
Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida
para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner
Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por
Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar
pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a
Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas
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fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
20
fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo
introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a
trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado
da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi
republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida
posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi
importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca
de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram
adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na
sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz
respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute
produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees
biliacutengues
A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a
realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se
dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro
manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute
funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o
modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo
A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave
Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas
belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a
comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz
menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo
de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa
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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio
de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem
de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees
vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra
realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi
litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX
pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p
11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte
ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os
instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte
O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a
praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos
etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa
aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi
o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para
representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer
artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)
Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra
retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)
o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura
etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a
literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-
se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica
aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees
etimoloacutegicas
10
retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
11
Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat
retractāre
retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo
desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto
retratar2 (CUNHA 2007 p 562)
Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute
do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta
palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma
anaacutelise do verbete
πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade
exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica
(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo
intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser
situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia
πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim
terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer
executar realizar lograr (PEREIRA p 477)
E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados
como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar
Anaacutelise da obra
O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem
sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente
descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A
primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem
histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da
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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
12
reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
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CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois
seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na
eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio
opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma
comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz
presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto
diretamente com o pintor o ator e o muacutesico
A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro
comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e
com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo
em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal
mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A
relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar
e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente
que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a
algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade
Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim
como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em
Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de
Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes
de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade
enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos
tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo
conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees
indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
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Dezembro de 2013
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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado
pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com
tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)
Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-
lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade
Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez
que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que
quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer
exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas
natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)
O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para
Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A
presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta
inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um
jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu
filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os
animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute
ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como
sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona
(Bulfinch 2006 p 73-74)
Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem
mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por
isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora
a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso
repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo
ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a
proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p
108-109)
Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma
vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para
depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian
Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me
dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)
Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do
espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor
deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo
literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a
essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele
se posiciona
Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o
nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de
arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si
significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como
natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma
festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que
Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante
com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o
Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um
14
mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por
apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam
descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma
pessoa
Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido
ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia
natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo
(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de
arte haacute o seu artista fundador
Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma
importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte
e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir
daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a
escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo
Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de
arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica
Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos
questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem
alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um
quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas
criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012
p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada
pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia
que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte
maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a
sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os
pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que
natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O
retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de
fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com
Dorian Gray
O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor
do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles
cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o
contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele
mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)
Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje
como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser
indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como
se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a
Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte
Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar
apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo
putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu
complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de
sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)
Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de
arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para
ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito
16
romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
22
beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
38
ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
39
seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico
moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um
realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade
mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do
Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo
narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com
seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o
transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado
de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a
vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)
Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia
Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a
artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor
redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a
literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do
mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem
ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua
arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso
refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um
artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o
invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)
Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua
humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo
refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais
lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
18
Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
19
A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida
quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua
produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece
Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de
surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde
2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian
como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele
se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para
ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-
se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede
para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras
alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo
(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry
ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute
consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da
muacutesica de outro algueacutem
Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas
vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor
artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte
Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por
isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras
dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem
dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras
palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian
ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo
(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o
misteacuterio de sua existecircncia
A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo
de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada
por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a
apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p
108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida
Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que
o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente
Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry
dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo
(Wilde 2009 p 42)
Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar
Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma
artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as
experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo
se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente
fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se
estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo
concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)
Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde
Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian
tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de
consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral
19
A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos
sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel
inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo
grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O
Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais
orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura
(Marques 2006 p 34)
Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do
discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor
que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)
Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude
enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz
uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o
que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o
Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem
supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse
desperdiccedilado
Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro
escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O
segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A
transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria
beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)
Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua
representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la
mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade
20
fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
22
beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
24
Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
26
discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a
natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a
transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o
sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato
ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa
vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma
vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-
lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a
representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade
de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian
pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele
natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde
estaria entatildeo o realismo na arte
Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um
valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o
outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as
obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)
Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise
querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto
quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede
alegando que aquilo seria assassinato
Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente
a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e
biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de
21
reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
22
beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
24
Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
26
discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
27
Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido
para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos
Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O
semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na
aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo
pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo
envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em
sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)
Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute
grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando
Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto
elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma
importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria
Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil
(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa
de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de
Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal
Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso
ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas
ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos
anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver
trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas
minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra
(BULFINCH 2006 p 264)
Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de
um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela
22
beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
24
Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
26
discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre
Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela
representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria
fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute
mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava
Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual
o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o
tempo
O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada
pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um
artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem
universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca
tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau
artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente
desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a
criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos
poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a
poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio
de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo
meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a
uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)
Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde
Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para
a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o
fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)
23
Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
24
Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
26
discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
27
Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Discussatildeo acerca da arte
As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos
mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados
antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e
principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com
as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade
complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu
modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras
primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura
fazia (WILDE 2009 p 77)
Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de
valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A
experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute
igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma
ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a
praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro
para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se
poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde
Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim
ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias
nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-
80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete
que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane
ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de
toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde
Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas
individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde
Radley
24
Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
25
E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
27
Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
31
Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian
estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias
equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de
tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc
sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca
teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)
O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo
artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil
sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia
ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute
o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos
quem mais nos envelhece
Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as
espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue
quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista
ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda
ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a
teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de
Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter
interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora
estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e
acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava
que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p
98)
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz
que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte
eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais
parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O
segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo
(Wilde 2009 p 96)
E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que
quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que
quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela
tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da
minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era
nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava
interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como
uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)
Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao
alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia
mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera
desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do
rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas
humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte
mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu
brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo
Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe
dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade
ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
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CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da
arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009
p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o
intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para
com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram
impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)
Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as
que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a
si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e
quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele
superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute
dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas
do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de
Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo
Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada
em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui
tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara
cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo
(Wilde 2009 p 106)
De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo
que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo
atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo
ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo
(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o
seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte
em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de
um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia
mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)
Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da
certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel
para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde
2009 p 110)
De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a
mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes
conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a
perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora
observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda
investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos
com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o
retrato lhe causara era doentio terror
Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo
perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que
fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a
verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava
para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais
consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo
Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian
rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como
um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo
aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc
natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara
Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um
livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)
As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis
tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por
que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A
sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de
outra era-se atravessado por um destino
As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua
violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza
ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da
peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que
Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash
sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo
ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora
real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde
2009 p 122)
Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E
depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo
(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu
descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro
29
recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
30
comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
31
Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
34
Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
35
No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
36
representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
37
poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde
2009 p 124)
Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte
representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande
realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora
Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por
ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de
toda a tragicidade inevitaacutevel da vida
Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente
sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar
as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma
que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o
pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry
influenciaram o proacuteprio Dorian Gray
A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do
espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A
curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como
o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel
Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a
fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian
estava na Oacutepera com Lorde Henry
Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio
temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a
atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um
30
comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
31
Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
32
De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser
chamado de passado
Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-
se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de
Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo
Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero
estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-
las (WILDE 2009 p 130)
Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos
vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o
transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar
Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias
romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela
sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir
nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um
espectador alheio
Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo
olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha
planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua
de Segravezes que realmente existiu
Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele
queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora
mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo
sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil
melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida
31
Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
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(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse
tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo
Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo
que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se
cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos
dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia
que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela
(WILDE 2009 p 139)
Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera
apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil
ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas
coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se
confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu
segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde
2009 p 142)
Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de
um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute
quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia
voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala
escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os
piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no
acircmago da alma
Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade
Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry
havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo
de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
34
Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
36
representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
37
poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo
para representar um espelho ou a metalinguagem
Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro
Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico
e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o
livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo
(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos
Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos
Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a
primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a
preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que
espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser
caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo
(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava
simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida
experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua
proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)
No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas
Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa
exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute
descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois
eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por
outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o
fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha
33
Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
34
Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
38
ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
39
seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da
histoacuteria
O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto
que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar
que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)
O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O
proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo
que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama
caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a
tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado
do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que
trancava a sala algueacutem o descobriria
Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do
tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico
que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)
Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os
mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um
meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A
funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais
Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era
apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido
em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos
aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de
surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas
tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
36
representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
37
poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem
regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da
criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia
uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do
empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia
a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em
que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito
de belezardquo (Wilde 2009 p 185)
O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com
Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato
Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser
ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir
um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian
Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas
sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia
apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo
comeccedilara na vida real
Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca
esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde
2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes
temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara
Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo
ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se
devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem
de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
36
representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
37
poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian
mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do
que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde
desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato
Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes
dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa
ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil
Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio
amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash
uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte
Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era
quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo
depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era
contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela
ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais
Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte
requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma
teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita
tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato
dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o
destino humano
Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como
autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais
seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento
satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
38
ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
39
seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim
complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas
de forma que ambos refletem a realidade objetiva
A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da
sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o
reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um
elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um
meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da
objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo
representado na individualidade da obra de arte por outro lado na
eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)
Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo
quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem
o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua
vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato
Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista
de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo
apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem
manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash
natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta
escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o
crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a
minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)
O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do
rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil
respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu
sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que
era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma
das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais
importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do
que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato
O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma
reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no
campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter
cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era
a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato
de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito
muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e
maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)
Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa
influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan
Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e
poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem
da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard
sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute
Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a
morte de Basil
Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha
inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz
baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009
p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica
38
ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p
231)
Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a
versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico
Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos
os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se
atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado
por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos
que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-
o vivo (BULFINCH 2006 p 190)
Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a
semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja
velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma
questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o
pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se
lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou
comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)
Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio
fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra
realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente
discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo
(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem
de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte
viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)
Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do
seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa
39
seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar
Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver
alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga
encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)
A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e
permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco
importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um
pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando
Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)
A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o
retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute
algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua
essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde
2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute
atingida logo quer esquecer-se dela
Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso
salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do
pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final
permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de
Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial
Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os
empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era
para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito
substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido
somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo
40
superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua
estrutura
Conclusatildeo do capiacutetulo
Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o
destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute
a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O
triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis
universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte
autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa
O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo
eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e
universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida
social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem
O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o
artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute
preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute
preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte
A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash
historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de
arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de
durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do
artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento
41
histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
42
CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados
dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)
Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero
humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de
arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo
que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo
um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)
Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem
valor de forccedila evocadora
Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute
que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo
valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a
juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute
iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria
vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e
tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da
sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
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(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
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Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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CAPIacuteTULO 2
O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA
IDEOLOacuteGICO-BURGUESA
Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-
social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o
mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava
a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo
tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo
a um maior entendimento geral da obra
Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia
abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte
realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da
decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da
burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute
retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se
aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia
Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser
captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta
distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato
com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica
novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte
neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida
Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da
nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de
decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras
43
Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria
de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o
entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a
tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)
A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte
decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do
teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias
literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende
defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade
aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este
problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste
periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs
Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada
vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do
depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma
embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu
lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)
Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora
esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e
foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance
possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo
primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo
eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca
Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este
pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos
que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
44
de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute
esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute
a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os
homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso
abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)
No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato
de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and
Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um
Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia
sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo
ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos
muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si
proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito
Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de
Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray
Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio
irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois
todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e
aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo
manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino
efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611
Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em
verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na
condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em
casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo
45
democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e
que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo
o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma
sociedade degradada
A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela
que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece
eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um
determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et
cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio
Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare
Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema
Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos
Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo
dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos
ldquoOn voit dans le museacutee antique
Sur un lit de marbre sculpteacute
Une statue eacutenigmatique
Drsquoune inquieacutetante beauteacute
Est-ce un jeune homme Est-ce une femme
Une deacuteesse ou bien un dieu
Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme
Heacutesite et suspend son aveu
1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e
se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
46
(hellip)
Chimegravere ardente effort suprecircme
De lrsquoart et de la volupteacute
Monstre charmant comme je trsquoaime
Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2
Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)
com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de
Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta
obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes
versos na iacutentegra
Oui lrsquooeuvre sort plus belle
Drsquoune forme au travail
Rebelle
Vers mabre onys eacutemail
Point de contraintes fausses
2 ldquoA gente vecirc no museu antigo
Sobre um leito de maacutermore esculpido
Uma estaacutetua enigmaacutetica
De uma beleza inquietante
Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea
Uma deusa ou bem um deus
O amor tiveram medo de secirc-lo infame
Hesita e suspende a sua confissatildeo
Quimera ardente esforccedilo supremo
Da arte e da voluacutepia
Monstro charmoso como eu te amo
Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)
Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se
apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
48
Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
49
Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
47
Mais que pour marcher droit
Tu chausses
Muse um cothurne eacutetroit
Fi du rhythme commode
Comme um soulier trop grand
Du mode
Que tout iper quitte et prend
Statuaire repousse
Lrsquoargile que peacutetrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs lrsquoesprit
Lutte avec le carrare
Avec le paros dur
Et rare
Gardiens du contour pur
Emprunte aacute Syracuse
Son bronze ougrave fermement
Srsquoaccuse
Le trait fier et charmant
Drsquoune main deacutelicate
Poursuis dans un filon
Drsquoagate
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
50
Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
52
Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Le profil drsquoApollon
Peintre fuis lrsquoaquarelle
Et fixe la couleur
Trop frecircle
Au four de lrsquoeacutemailleur
Fais les siregravenes bleues
Tordant de cent faccedilons
Leur queues
Les monstres des blasons
Dans son nimble trilobe
La Vierge et son Jeacutesus
Le globe
Avec la croix dessus
Tout passe ndash Lrsquoart robuste
Seul a lrsquoeacuteterniteacute
Le buste
Survit agrave la citeacute
Et la meacutedaille austegravere
Que trouve um laboureur
Sous terre
Reacutevegravele um empereur
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Les dieux eux-mecircmes meurent
Mais les vers souverains
Demeurent
Plus forts que les airains
Sculpt lime cisegravele
Que ton recircve flottant
Se scelle
Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)
Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui
explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo
importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila
Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste
mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se
propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura
limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto
trabalho para se viabilizar
Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi
tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de
mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando
bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas
provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento
dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes
sociais britacircnicas coexistentes
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
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CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua
sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia
da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do
mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos
desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil
a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o
proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior
seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada
pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel
Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como
referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se
caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente
referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da
influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de
trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42
grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray
Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo
que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria
justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em
uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash
talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade
A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a
tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto
uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave
Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave
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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
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CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
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BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
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Dezembro de 2013
51
natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste
sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da
prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma
vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry
tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele
particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que
acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na
modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o
erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute
passiacutevel de contriccedilatildeo
E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a
funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash
uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute
tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas
Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no
mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento
Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um
tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a
experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)
O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do
antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo
representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para
estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser
fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
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BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
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MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
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WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte
natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou
ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno
A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era
um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O
desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute
Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de
Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash
qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos
de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro
poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres
naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de
se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse
quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado
Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo
E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto
o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente
atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem
vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel
de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se
irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo
(Wilde 1996 p 37)
Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado
um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma
desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si
53
mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria
ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p
61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias
A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em
direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste
precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as
velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou
emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa
Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os
espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo
a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p
21)
Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o
surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem
classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa
humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a
capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa
responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social
completardquo (p 106)
Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida
revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees
proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx
1997 p 25)
O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl
Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A
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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
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GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
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SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
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64
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Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
54
alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos
Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX
que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro
e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute
compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e
tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela
cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de
bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar
pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-
se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era
lamentaacutevel inadmissiacutevel
A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o
Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo
do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a
achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A
verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem
mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o
verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso
(WILDE 1996 p 20 grifo meu)
Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave
cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo
tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e
quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens
materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade
privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava
Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de
viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de
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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
55
melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do
Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o
Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo
destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem
propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em
vez de serem escravizados por ela
O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a
propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes
vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de
desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e
agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a
alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)
Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento
singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo
conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia
ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia
do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel
da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua
proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o
novo Individualismo eacute o novo Helenismo
56
CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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CAPIacuteTULO 3
O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE
Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi
abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do
autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu
para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do
cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha
importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria
propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado
continuam sendo muito atuais
As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que
ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o
futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma
linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos
O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a
vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo
acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute
extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma
mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e
convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e
retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio
As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte
inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia
repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No
prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em
um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete
a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade
massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de
escritor
57
Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
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histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
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GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
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MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
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AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a
permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave
Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo
Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala
de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida
humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo
enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia
da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem
duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte
assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)
realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado
na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira
trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja
devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte
O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo
do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que
recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem
abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento
entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de
salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio
Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte
pois torna-se capaz de imortalizar o homem
Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o
classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque
nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees
de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se
no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no
grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de
fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser
cumprido era sofrer e morrer
4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
58
No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como
aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e
consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes
mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade
exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os
esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)
Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar
seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram
traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a
crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto
a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian
conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou
trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece
antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social
A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-
realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao
seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava
ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado
e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute
alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que
ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para
Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry
devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em
uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo
frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o
instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que
natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma
homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde
A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de
nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se
relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs
de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os
aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir
59
Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde
respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily
Chronicle e Scotrsquos Observer
Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma
proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida
uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto
evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do
caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica
O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma
figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas
que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um
precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo
o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas
aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido
perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a
traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta
anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como
quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na
cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo
pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)
Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em
Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970
p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John
Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute
mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial
Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de
Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo
evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra
um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)
5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de
Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
60
considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de
aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e
momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com
uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza
(BROAD 1970 p 48 grifo meu)
Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova
tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os
caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo
mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar
Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor
Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler
ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente
do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia
Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se
estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade
natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de
Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a
Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e
intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que
acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se
tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade
Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos
mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a
cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem
sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra
Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e
muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo
socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade
puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo
exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas
forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver
apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se
igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
65
Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg
Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)
Tamanho 12
Dezembro de 2013
61
natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de
supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)
Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui
tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do
escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou
um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte
primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a
arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade
objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media
a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade
deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao
escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los
62
CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
Alegre LampPM 1996
64
______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo
Paulo Editora Landmark 2009
WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002
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CONCLUSAtildeO
Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em
pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria
de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o
portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou
problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da
realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez
uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a
fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a
fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o
seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira
A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros
temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era
o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de
sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar
Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores
sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo
Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute
63
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ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out
2013
BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da
criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
2006
MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
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WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
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criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011
BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e
histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012
BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1970
BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio
de Janeiro Ediouro 2006
CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007
FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969
GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911
HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1956
LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010
______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade
MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo
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MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997
PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria
AI Braga
SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt
WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto
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