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 Sumário 1. Introdução .................................... ............................ .......................................... ..................2 2. Um discurso transgressor ............................................................................................... 3 2.1 A narrativa ................................................................................................................... 3 2.2 A oralidade......................................................................................................................... 6 2.3 A narrativa transculturadora .............................................................. ...................... 7 3. Conclusão ......................................................................................................................... 9

O Romance Pedro Páramo - Juan Rulfo

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Sumrio

1. Introduo ............................................................................................................................22.Um discurso transgressor32.1A narrativa32.2 A oralidade62.3A narrativa transculturadora73.Concluso9

O presente trabalho tem por escopo a realizao de algumas consideraes sobre o romance Pedro Pramo de Juan Rulfo.

1. Introduo

Vine a Comala porque me dijeron que ac viva mi padre, un tal Pedro Pramo. Mi madre me lo dijo. Y yo le promet que vendra a verlo en cuanto ella muriera. Le apret sus manos en seal de que lo hara, pues ella estaba por morirse y yo en un plan de prometerlo todo. A partir da frase que inaugura o romance Pedro Pramo, de Juan Rulfo, j podemos perceber o tom magistral da novela de 1955. A abertura de uma extrema conciso e preciso o que, em um primeiro momento, pode passar a idia de que estamos diante de uma obra simples; entretanto, a iluso da simplicidade primeira se desmonta diante da complexidade do romance.

A busca constante o movimento central da histria. A busca realizada por Juan Preciado se d pelo destino materno: devido promessa realizada no leito de morte de sua me, Preciado deve buscar seu pai para que ele lhe pague tudo aquilo que nunca lhe deu. Para isso entabula uma viagem Comala.

A novela se apresenta ritualmente como um elemento clssico do mito a busca do pai.Assim como Telmaco que busca Ulisses, Preciado parte para Comala para encontrar seu pai, Pedro Pramo. Preciado encontra uma cidade vazia e poucas informaes do paradeiro de seu pai. O personagem se encontra com Abundio, muleiro, que guia Preciado assim como Caronte, barqueiro tambm o faz. Quando Abundio se revela tambm filho de Pramo, abandona Preciado na entrada do inferno e este, assumindo o mito de Orfeu, comea a cantar enquanto desce ao inferno. E assim como Orfeu, enquanto descendia ao inferno, Preciado no poderia olhar para trs, apenas a voz de sua me o guiava. sucesso da voz de sua me, aparecem outras vozes femininas, como Eduviges, Damiana e Dorotea que conduzem Preciado ao passado de seu pai.

2. Um discurso transgressor

Pedro Pramo foi escrito nos anos 50, quando o debate sobre o regionalismo e a nova narrativa latino-americana estava em voga dentro da cena literria. Aps uma leitura atenta, se levando em considerao elementos como o modo de narrar, a temporalidade ou a abordagem do tema; possvel perceber que o romance de Rulfo escapa da tradicional narrativa regionalista.O tpico narrador regionalista onisciente, culto e hierarquicamente superior aos personagens populares. H uma diglossia, ou seja, no mesmo contexto h dois registros lingsticos diferenciados que no se amalgamam a fala popular dos personagens e a fala culta do narrador.Rulfo, em contrapartida, abre uma perspectiva distinta no modo de abordar os relatos e no uso de tcnicas narrativas, rompendo com a forma tradicional da novela regionalista. No romance, o narrador cede lugar a outros narradores, ora h a voz direta dos campesinos mexicanos personagens primitivos e no letrados ora h um narrador em primeira pessoa. Desta forma, possibilita a integrao de culturas indgenas/ rurais com as urbanas/letradas.Por isso, a cultura popular mexicana est na boca dos personagens e refletida na cultura projetada pelo tom narrativo do texto. Sob a gide da transculturao (que veremos posteriormente), o escritor se ocupa em integrar linguisticamente o texto, assim no h um distanciamento entre a fala indgena e a narrativa como um todo.

2.1 A narrativa

A principal caracterstica do processo narrativo a fragmentao do discurso. Este despedaamento devido desintegrao do narrador em mltiplos narradores. A priori, o leitor dificilmente reconhece rapidamente quem fala porque h uma mescla de todas as instancias narrativas. A novela se inicia com um bloco narrativo em primeira pessoa onde Juan Preciado faz s vezes do narrador. Seu relato entrecortado pelas diversas vozes e rudos dos campesinos mortos que compem o romance. Os seguintes trechos demonstram esta multiplicidade de vozes presente no discurso:Vine a Comala porque me dijeron que ac viva mi padre, un tal Pedro Pramo. Mi madre me lo dijo..Haba estrellas fugaces. Las luces en Comala se apagaron.Entonces el cielo se adueo de la noche.El padre Rentera se revolcaba en su cama sin poder dormir...Ruidos. Voces. Rumores. Canciones lejanas: Mi novia me dio un pauelo con orillas de llorar. . .O primeiro excerto traz um narrador em primeira pessoa, Juan Preciado, contando o que o motivou a fazer sua viagem a Comala. O segundo trecho h um narrador onisciente em terceira pessoa que descreve algumas cenas vivenciadas por Padre Rentera. A terceira passagem no h histria, apenas rudos e vozes que se manifestam.O tratamento narrativo conferido obra inovador, pois o autor leva em conta dois aspectos muito interessantes: a organizao da diegse sob a gide de distintas vozes que entram no discurso impetuosamente e a ruptura da linearidade temporal. Para conferir ao romance uma fora expressiva extraordinria, o autor faz uso de tcnicas narrativas que se diferenciam das utilizadas pelos autores regionalistas da poca: vozes irrompem na narrativa juntamente com uma nova perspectiva temporal. Neste sentido, Pedro Pramo se distancia (mais uma vez) do realismo porque no h uma voz hierrquica que organiza uma seqncia linear de fatos, mas um movimento dispersivo de vozes que desestrutura a temporalidade linear e direta do relato.A fragmentao do discurso gerada, em grande parte, pela simultaneidade das vozes corrobora a nova noo do tempo. A seqncia temporal, tal como a conhecemos nas novelas realistas, quebrada. No h uma continuidade do tempo j que, freqentemente, os murmrios dos personagens mortos brotam, com mpeto, na histria. O fato de os personagens estarem mortos os levam a uma atemporalidade no h um antes e um depois, o que existe a eternidade do presente, um tempo onde tudo pode ocorrer. O desafio para o leitor assumir que a novela escrita no presente da enunciao de cada uma das vozes que falam.Ainda sobre a noo temporal, Carlos Fuentes escreve que os tempos so simultneos. A estrutura literria se envereda por dois caminhos: h a realidade dada e o movimento que corresponde a esta realidade. A realidade por si s pode ser qualquer exemplificada por qualquer momento, por exemplo, o menino Pedro Pramo sonha com sua amada Susana ou ainda a chegada de Juan Preciado a Comala.Contudo, estes movimentos s se realizam efetivamente na justaposio do tempo de cada segmento com os tempos dos demais segmentos. Assim, quando uma frase dita e retorna a ser dita algumas pginas depois, compreende-se que no esto separadas pelo tempo, mas que so concomitantes. Desta forma, tudo no romance ocorre no eterno tempo do presente. Conforme j exposto anteriormente, a escritura de P.Pramo um jogo perene de temporalidades que, inevitavelmente, beiram a eternidade do presente. Neste sentido, podemos nos remeter ao modo como so dispersas as sucesses de vozes ao longo da narrativa. Referidas vozes se constituem a partir de diversas dimenses: ecos, rumores, murmrios, zumbidos, gritos, silncios, etc. Embora se apresentem em diferentes dimenses, as vozes se conjugam de maneira repetitiva, expressando um modo especfico do tempo: a circularidade. Tudo se repete em Comala porque o tempo , forosamente, circular. Como se van las voces. Como que se pierde su ruido. Como se ahogan. Ya nadie dice nada. Es el sueo ya debe haber amanecido, porque hay luzEl amanecer, la maana, el medioda y la noche, siempre los mismos, pero con diferencia del aireOs trechos acima expostos demonstram a idia de uma temporalidade circular e constante, ou seja, o tempo do eterno presente. Quanto temtica, necessrio pontuar que ainda que o autor no ignore a problemtica situao social, ele no a organiza de forma esquematizada e fechada. H um elemento transcendente que permeia toda a obra, um aspecto humano que faz com que o romance no se reduza apresentao de um tem focado na regio. Por tal razo, uma tarefa rdua pensar em P. Pramo sem ponderar suas dimenses mticas.A novela os personagens so individuais, no so tipificados, ou seja, apenas representantes de uma ordem social. Aqui, o objetivo do autor no fazer uma literatura que oriente o leitor diretamente crtica social, pois no se trata de uma literatura de confronto de classes. Trata-se de uma obra cujos personagens possuem histrias nicas e se movem por motivaes interiores ou por impulsos que, simplesmente, no podem evitar. Desta maneira, ainda que a novela evoque uma histria de fracasso social, no se pode dizer que se configure como uma denuncia social j que os personagens no so uma representao da sociedade, mas sim sujeitos subjetivos com dimenses existenciais altamente singularizadas.

2.2 A oralidade Segundo Walter Benjamim, ao longo da sua histria, o romance se afastou da pica oral (da tradio da oralidade). O romance dependeu da escrita, do livro, do leitor solitrio, da palavra. Foi um gnero que se desenvolveu paralelamente sociedade burguesa, se tornando um instrumento de conhecimento.Rulfo, no entanto, remou no sentido oposto direo do romance burgus: utilizou-se, abundantemente, da tradio oral na escritura de sua novela.

Benjamin ainda aponta algumas caractersticas dos contadores de histrias: E entre as narrativas escritas, as melhores so as que menos se distinguem das histrias orais contadas pelos inmeros narradores annimos. Rulfo incorpora em seu romance a oralidade, conferindo um ritmo...Rulfo tornou o ponto de vista narrativo inerente matria narrada, ou seja, o modo de narrar se tornou inseparvel do objeto narrado. Essa imanncia se relaciona com a oralidade, pois o autor se apropria da fala do campons mexicano, a interioriza e, posteriormente, a transforma em matria escrita (neste caso o livro Pedro Pramo).Ao adotar essa postura de penetrar profundamente e, at mesmo, fazer parte do objeto narrado, Rulfo no v a matria narrada desde um olhar alheio. E aqui a grande sacada do narrador: uma viso interna do objeto narrado a grande novidade (em comparao com os narradores regionalistas). Ao se utilizar da oralidade como matria prima fundamental que o narrador a internalize de tal forma, que seja impossvel separ-los. Em Pedro Pramo esta questo est exposta de forma cristalina. Rulfo construiu sua obra como um mosaico de vozes, ali o povo quem fala e, cabe ainda ressaltar que, falam desde a morte.O monlogo, um dos procedimentos encontrados nas novelas de vanguarda, tambm est presente na obra de Rulfo (por exemplo, o monlogo de Susana San Juan). Tal recurso narrativo corrobora a idia acima defendida da penetrao da matria narrada e envolvem um procedimento ainda maior: a experincia histrica incorporada como viso da realidade. Aqui, a histria no vista sob um olhar distanciado ou como uma referencia que vem de fora; pelo contrrio, h fragmentos da histria tal como aparecem na subjetividade dos personagens, ou seja, incorporados como experincia por aqueles que viveram. Ainda sobre a linguagem, Rulfo adverte que tenta reproduzir com autenticidade o modo de se expressar das comunidades rurais El lenguaje hablado que yo haba odo de mis mayores y que sigue vivo hasta hoy. A oralidade permanente em P. Pramo, nota-se que desaparece o gesto do narrador de escrever um relato sobre algo, gesto este to caracterstico das formas realistas. O que se l a voz do prprio campesino e do indgena, sem que haja, no entanto, uma voz organizadora por trs destes discursos. Neste ponto, cabe ressaltar que a presena continua da oralidade no significa que o que lemos seja exatamente a transcrio da fala campesina, mas sim a ficcionalizao da oralidade explorando todas as suas possibilidades conotativas e semnticas.

2.3 A narrativa transculturadora

Segundo Angel Rama, a chegada dos processos modernizadores acarretaria perdas no espao literrio. O crtico afirma que o regionalismo era um movimento que tratava de temas rurais e, por isso, mantinha um contato estreito com os componentes tradicionais e, at mesmo, arcaicos da vida latino-americana. Logo, com a mo da modernidade batendo porta, o regionalismo deixava de ter cabimento. Desta forma, o regionalismo hispano-americano decaa pouco a pouco e, com ele, parecia findar-se a tradio de descrever as regies e os costumes locais. Desde o comeo dos anos 20, formulou-se uma nova narrativa que se chocava com o regionalismo. Neste contexto, Vargas Llosa, em 1969, escreveu um artigo se referindo narrativa regionalista como algo primitivo, que se contrapunha nova novela de criao:maldita y tarda, la novela latinoamericana fue, hasta fines del siglo pasado, un genero reflejo, y luego hasta hace poco, primitivo novela pintoresca y rural, predomina en ella el campo sobre la ciudad la tcnica es rudimentaria el autor se entromete e ignora la nocin de objetividad en la ficcin y atropella los puntos de vista; no pretende mostrar sino demostrar

As caractersticas apontadas por Vargas Llosa so aquelas que, normalmente, se utilizam para acusar o regionalismo de sua superficialidade, de seu primitivismo, entre outros.Rama compartilha algumas das crticas que se costumava fazer ao regionalismo da dcada de 20/30, entretanto ele no deixava de reconhecer que graas insistncia do movimento regionalista na tradio e na conservao que os patrimnios culturais tenderiam a se conservar ante a chegada dos processos modernizadores. O autor afirma que caso o regionalismo houvesse desaparecido levaria consigo uma imensa gama de contedos culturais. Segundo o autor, o que gerou o aparecimento da nova narrativa no foi extino do interesse pelo regional, mas o interesse em novas formas de narrar as regies interiores. Novos autores surgiram e com eles a necessidade de rever, sob a gide da modernidade, os contedos regionais antes trabalhados. Aps percorrer todo este raciocnio, Rama chega ao conceito de transculturao.Este conceito aplicado aos autores que fazem uma releitura do elemento regional: j no se fala mais da conservao, mas da revitalizao das culturas regionais. Estes autores possibilitam a conversa entre os elementos rurais/indgenas/ com o urbano/letrado/moderno.A transculturao envolve as perdas e as assimilaes geradas pelos choques entre culturas e um bom exemplo destes encontros de culturas so os avanos colonizadores em regies indgenas. Sendo a cultura constituda por perdas, emprstimos e/ou assimilaes, supe-se que os processos de transculturao dependam do grau de plasticidade de cada uma dessas culturas. Ao transladar a noo de transculturao para o campo literrio, irrompe uma pergunta: como a literatura assume a forma destes processos de perdas e assimilaes entre o regional e o urbano?Alguns escritores, como Rulfo em Pero Pramo, conseguiram operar com a transculturao dentro das formas narrativas intercionalizadas e regionais. Rulfo mediou o processo do choque cultural (o enfrentamento entre recortes regionais e zonas modernizadas) com plasticidade, para que, assim, a possibilidade de dilogo esteja sempre disponvel. Esta plasticidade se d na maneira pela qual o escritor resgata as narrativas internas e as colocam em dilogo com as formas estticas internacionais.A transculturao narrativa opera em trs nveis: a lngua, a cosmo viso e a estrutura narrativa. Desde a perspectiva lingstica, Rulfo trabalha com o desmanche da diglossia, conforme j exposto anteriormente, e com os mltiplos narradores que tomam o lugar de um narrador culto. Sob a tica da estrutura narrativa, percebe-se que Pedro Pramo totalmente fragmentado (ao todo 70 fragmentos) devido simultaneidade das vozes ecoadas ao longo da novela; como conseqncia h a quebra da linearidade temporal. O processo narrativo pende para as estruturas de vanguarda j que incorpora a oralidade, os dilogos, os monlogos interiores; ou seja, a voz que se escuta a da sociedade e no a de um narrador culto e alheio histria.Relativo cosmo viso a incorporao destas vozes no letradas fazem com que a viso de mundo representada na novela seja plural, ou seja, representativa de todos os sujeitos que fazem, realmente, parte dos processos histricos desenvolvidos no romance.

3. Concluso Conclui-se que os problemas que engendram qualquer aproximao a Pedro Pramo so mltiplos e caractersticos de uma novela que coloca em cheque os recursos narrativos tradicionais da poca. Pedro Pramo, uma novela que se centra num movimento perene de busca e se apresenta como um elemento representativo do mito: a busca pelo pai, se ope ao regionalismo do inicio do sculo XX por que:No revela uma instancia narrativa de postura dominadora em relao s outras instancias narrativas, gerando uma multiplicidade narrativaUtiliza-se da vasta tradio oral mexicana para compor a sua escritura Traz a narrativa a fala e a cultura dos camponeses mexicanos, sem que haja um distanciamento desta fala e da instancia narrativa As vozes mortas que surgem a todos os momentos como ecos, murmrios, rudos possuem o poder de fragmentar o discurso. Este movimento gera uma nova noo de temporalidade, pois se trata do tempo dos mortos onde no h passado ou futuro, apenas um eterno presente e da circularidade temporalA dimenso transculturadora do livro ocorre na medida em que o autor opera com os elementos regionais e modernos. Ao colocar duas culturas totalmente diferentes, o autor lidar, inevitavelmente, com o choque cultural. Este encontro, que supe perdas e assimilaes, est presente ao longo do desenvolvimento do belo romance de Juan Rulfo.