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JOÃO FREIRE RODRIGUES O rural e o urbano no Brasil: uma proposta de metodologia de classificação dos municípios Análise Social, 211, xlix (2.º), 2014 issn online 2182-2999 edição e propriedade Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 1600-189 Lisboa Portugal — [email protected]

O Rural e o Urbano No Brasil

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O rural e o urbano no Brasil: uma proposta de metodologia de classificação dos municípios. Os conceitos de rural e urbano são utilizados para distinguir duas formas de produção e organização do espaço e as relações sociais que nele tomam lugar. Do ponto de vista da sociologia, estes conceitos remetem para temas clássicos como a dicotomia moderno e tradicional, e a relação campo-cidade. O que se procura no presente artigo é analisar como estas duas formas espaciais são delimitadas no Brasil, e quais os critérios utilizados para classificar uma localidade como rural ou urbana. A partir de uma crítica às classificações estatísticas e administrativas, procuramos estabelecer uma tipologia que leve em consideração os processos sociais que determinam as dinâmicas territoriais dos municípios brasileiros. Portanto, o artigo procura estabelecer uma relação entre as definições teóricas e a construção empírica do território.

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  • JOO FREIRE RODRIGUES

    O rural e o urbano no Brasil:uma proposta de metodologia de classificao

    dos municpios

    Anlise Social, 211, xlix (2.), 2014issn online 2182-2999

    edio e propriedadeInstituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Anbal de Bettencourt, 9

    1600-189 Lisboa Portugal [email protected]

  • Anlise Social, 211, xlix (2.), 2014, 430-456

    O rural e o urbano no Brasil: uma proposta de metodolo-gia de classificao dos municpios. Os conceitos de rural e urbano so utilizados para distinguir duas formas de produo e organizao do espao e as relaes sociais que nele tomam lugar. Do ponto de vista da sociologia, estes conceitos remetem para temas clssicos como a dicotomia moderno e tradicional, e a relao campo-cidade. O que se procura no presente artigo analisar como estas duas formas espaciais so delimitadas no Brasil, e quais os critrios utilizados para classificar uma localidade como rural ou urbana. A partir de uma crtica s classificaes estatsticas e administrativas, procuramos esta-belecer uma tipologia que leve em considerao os processos sociais que determinam as dinmicas territoriais dos muni-cpios brasileiros. Portanto, o artigo procura estabelecer uma relao entre as definies tericas e a construo emprica do territrio.Palavras-chave: rural; urbano; espao; territrio; Brasil.

    Rural and urban in Brazil: a methodological proposal for the classification of cities. The conceptsofrural and urban are used to distinguish two different ways of spatial seizure and organization as well as the social relationshipswhichtake placetherein. Fromthe viewpoint ofSociology these concepts lead to classical themes such as modern and traditional dichot-omy and to country-city relationships. This paper analyzeshow these two spatial ways are delimited in Brazil and examines thecriteria that should be used in order to classify a locality aseither rural or urban. Starting from acritiqueofthestatis-tical and administrative classifications, weseek to establish a typologythattakes into consideration the social processes that determine the territorial dynamics of Brazilian municipalities. The papertherefore strivesto establish a relationship between the theoretical definitions as well as empiricalterritorialcon-struction.Keywords: rural; urban; space; territory; Brazil.

  • JOO FREIRE RODRIGUES

    O rural e o urbano no Brasil:uma proposta de metodologia de classificao

    dos municpios

    I N T RODU O

    Os conceitos de rural e urbano servem, antes de tudo, para designar dois tipos diferentes de produo e organizao do espao, embora esta dimenso no esteja dissociada do seu contedo relacional e social. A cada um destes tipos de espao correspondem formas de uso social definidas, geralmente, por fatores demogrficos como o nmero de habitantes, a densidade populacional ou por fatores econmicos como o tipo de atividade econmica, ou ainda por indica-dores sociais, como a presena de determinados bens de uso coletivo. Assim, pode argumentar-se que o conceito de urbano, geralmente associado ideia de cidade, remete para um ambiente produzido e modificado. Esta definio no parece ser suficiente, pois o espao rural tambm modificado, ainda que nele as caractersticas do ambiente natural sejam mais visveis.

    O presente artigo tem como objetivo analisar como o rural e o urbano so definidos no Brasil, e estabelecer uma metodologia de classificao do espao. Partindo da crtica definio oficial, que considera urbana toda a sede de municpio e de distrito, independente do tamanho e da infraestrutura, pas-sando pela anlise das crticas acadmicas, propomos uma tipologia de classi-ficao dos municpios brasileiros segundo as caractersticas rurais e urbanas. Desta forma, o principal contributo do artigo de carcter metodolgico.

    Todavia, o artigo no descura a anlise conceptual prpria do exerccio sociolgico, sendo necessrio todo um enquadramento terico tanto na an-lise das diversas abordagens tericas do rural e do urbano, quanto no esforo em situar o debate terico sobre o rural no Brasil, relacionando-o com a biblio-grafia internacional. Do ponto de vista terico, assumimos uma abordagem de base territorial, na qual o rural e o urbano so partes do mesmo territrio, como suporte para a anlise e para a construo da tipologia, numa perspetiva

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    pluridimensional, e tomando como unidade de anlise o municpio na sua totalidade. A tipologia apresentada justifica-se pela ausncia de uma definio oficial baseada em critrios cientficos, sendo o rural e o urbano no Brasil defi-nidos por critrios meramente administrativos.

    O artigo est dividido em seis seces, incluindo esta introduo. Na sec-o seguinte apresentamos o enquadramento terico no qual se discutem as diversas abordagens conceptuais do rural e do urbano. Na terceira seco, situamos o debate terico sobre o rural e o urbano no Brasil, e analisamos a classificao oficial e as crticas acadmicas mesma. Na quarta seco apre-senta-se a metodologia adotada, desde a escolha dos indicadores ao tratamento estatstico utilizado (anlise de componentes principais e anlise de clusters). Na quinta seco apresenta-se a tipologia dos municpios que resultou da an-lise dos dados, e a caracterizao de cada uma das categorias de espaos urba-nos e rurais. Na sexta e ltima seco, apresentam-se as principais concluses e o contributo para a produo terica sobre o rural e urbano no Brasil.

    C ON SI DE R A E S S OBR E O S C ONC E I TO S DE RU R A L E U R BA NO

    Os conceitos de rural e urbano designam formas distintas de organizao do espao. A produo do espao, tal como afirma Henri Lefebvre (1974), resulta dos processos sociais que nele tomam lugar. Assim, estes conceitos so porta-dores de significado que vai alm da mera diferenciao espacial. Eles reme-tem tambm para diferentes formas de organizao social e econmica, assim como para diferentes padres culturais. Para L. Wirth (2001 [1938]), os con-ceitos de urbano e rural indicam tambm dois modos de vida distintos.

    Na sociologia, estes conceitos tm sido tratados como polos de uma dico-tomia que, em sentido lato, remete para a oposio clssica entre o tradicional e o moderno. Esta oposio j est presente nos escritos de socilogos clssicos como mile Durkheim (1997 [1893]) e Max Weber (1991 [1920]). Entretanto, Ferdinand Tnnies (1989 [1887]) no seu ensaio Comunidade e sociedade, que melhor sistematiza esta dicotomia, tendo influenciado os estudos sobre o rural e a prpria formao da sociologia rural na primeira metade do sculo xx, est ainda presente nos estudos atuais, como observam Paul Cloke (2007) e Renato Miguel do Carmo (2009).

    Importa, pois, apreender o que distingue o rural do urbano. Nas abor-dagens clssicas, o rural tem sido classificado como o espao da agricultura, em oposio ao urbano, tido como o espao da indstria. Para alm de ser o espao da agricultura, as outras caractersticas atribudas ao rural so: a rela-o direta dos seus habitantes com a natureza, a baixa densidade populacional e o interconhecimento entre os seus habitantes. As abordagens clssicas situam

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    o rural relativamente ao urbano de duas maneiras: como oposio campo- -cidade e como um continuum rural-urbano. A perspetiva do continuum foi sistematizada por R. Redfield (1960), que prope trs tipos ideais de socie-dade: pequenas comunidades, sociedades camponesas e sociedades urbanas. A representao espacial desta tipologia (city-town-village-tribe) exprime o domnio do urbano.

    A definio de rural est sempre subsidiada pela definio de urbano, sendo na maioria das vezes, o rural classificado como o que est fora do urbano. Para Marc Mormont (1996, p. 161), o rural uma categoria historicamente situada, que emerge com o processo que v as foras conjugadas da industrializao e da urbanizao (a mobilidade mais que a expanso das cidades) integrarem progressivamente os campos dentro de um sistema econmico e sociopoltico unificado. O termo rural, ou melhor, sociedade rural, utilizado no sentido de dar uniformidade a uma realidade diversa, constituda pelos campos que circundavam as cidades. Para este autor, o rural menos um conceito do que uma categoria operatria de descrio do espao. No entanto, tambm uma categoria de leitura da realidade social, na medida em que expressa uma repre-sentao do mundo que vai alm da mera diferenciao do espao.

    A categoria do rural utilizada para diferenciar o campo da cidade, dentro de um contexto especfico: o da sociedade industrial. Portanto, para a socio-logia, o rural pensado a partir de uma relao com o urbano. Para Marcel Jollivet (1997), o adjetivo rural, que designava os habitantes dos campos, foi transformado em substantivo e passou a designar, ao mesmo tempo, o espao e o ambiente social em que eles vivem. Da, conclui-se que a viso clssica da relao urbano-rural sempre orientada pela subordinao do campo cidade (Wanderley, 2000). Isto fica evidente quando se analisam as transformaes ocorridas nos espaos rurais resultantes do processo de urbanizao e moder-nizao da sociedade. A prpria modernizao da agricultura era vista como um fator de esvaziamento dos espaos rurais, o que levaria ao seu desapareci-mento. Assim, a abordagem do rural como espao da agricultura tambm a do rural como espao em extino. Isto decorreria da urbanizao dos campos (Rambaud, 1969), que, para Lefebvre (1974), representava a urbanizao com-pleta da sociedade, ou seja, o prprio fim do rural. Esta viso clssica do rural predominou at fins da dcada de 1970 (Ferro e Lopes, 2004).

    Os processos de reestruturao da economia e da sociedade fizeram com que a abordagem clssica do rural como espao da agricultura fosse questio-nada. Viver no campo deixou de ser sinnimo de ser agricultor. Isto porque se verifica uma relativa perda da importncia da agricultura e a emergncia de novas atividades econmicas de carcter no agrcola nos espaos rurais. Como resultado do processo de modernizao, a agricultura tende a ocupar

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    menor quantidade de pessoas, permitindo assim o desenvolvimento da pluria-tividade. Este vem a ser um dos temas dominantes na produo sociolgica sobre o rural nas dcadas de 1980 e 1990, nomeadamente entre estudiosos franceses como Marcel Jollivet (1997) e Bernard Kayser (1990).

    Na dcada de 1980, o surgimento da abordagem territorialista, que se consolidaria nas dcadas seguintes, representa uma quebra de paradigma no estudo do rural. A mudana de abordagem no se resume perspetiva econ-mica. Nota-se tambm que o processo de modernizao da agricultura levou aos campos produtos e servios antes considerados tipicamente urbanos. Isto no significa que o rural deixou de ser espao da agricultura, mas que se torna um espao multifuncional, marcado sobretudo pela pluriatividade (Jollivet, 1997); Mathieu (1998); Kayser (1990).

    A mudana de abordagem pode ser sintetizada em duas perspetivas teri-cas, que, a nosso ver, tm orientado os estudos sobre o rural a partir da dcada de 1990. A primeira a do renascimento do rural, lanada pelo gegrafo e socilogo francs Bernard Kayser (1990), na sua obra La Renaissance rurale, na qual o autor contesta as teses do fim do rural e apresenta a diversidade dos espaos rurais num perodo de intensa modernizao e urbanizao. A ideia de renascimento reforada pela reconfigurao do rural como espao pluria-tivo e multifuncional, e pela presena de bens e servios nos espaos rurais. Kayser sintetiza ainda as formas de classificao do rural em pases como Frana, Estados Unidos da Amrica e Alemanha. A segunda perspetiva te-rica a do rural restructuring desenvolvida por investigadores britnicos como Terry Marsden, Philipe Lowe e Sarah Whatmore (Marsden et al., 1990). Estes autores interpretam as transformaes do rural como resultado do processo de reestruturao da economia global (Marsden et al., 1993).

    Esta mudana de abordagem indica que a relao entre rural e urbano deixa de ser analisada de forma dicotmica, passando estas duas realidades a ser vistas como partes complementares de um mesmo territrio. Do ponto de vista da diferenciao quanto ao urbano, Bernard Kayser (1990, p. 13) sintetiza o rural a partir de quatro dimenses:

    a) uma baixa densidade de habitantes e de construes, com a cobertura vegetal como paisagem predominante;

    b) um uso econmico do solo predominante por atividades agro-silvo--pastoril;

    c) um modo de vida dos seus habitantes caracterizado pela pertena a uma coletividade de tamanho limitado e por uma relao com a natureza.

    d) uma identidade e uma representao especficas fortemente marcadas pela cultura camponesa.

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    Esta definio do rural evidencia as suas diferenas relativamente ao urbano a partir das caractersticas da cidade apontadas por M. Weber (1991 [1920], p. 408). Para este autor, a cidade, do ponto de vista sociolgico, seria um povoado, isto um assentamento de casas contguas, as quais represen-tam um conjunto to extenso que falta o conhecimento mtuo dos seus habi-tantes; j do ponto de vista econmico, a cidade seria um povoado cujos habitantes em sua maioria no vivem do produto da agricultura, mas sim da indstria ou do comrcio (Weber, 1991 [1920], p. 409).

    Contemporneo de Weber, Georg Simmel (1971 [1903]) apresenta um importante contributo para a anlise do fenmeno urbano e mesmo para a diferenciao deste relativamente ao rural. Para Simmel, a cidade, ou mais precisamente, a metrpole, caracteriza-se por favorecer o desenvolvimento da vida intelectual, a racionalizao das relaes sociais, bem como pela econo-mia monetria, em contraste com as pequenas localidades e a vida rural.

    O conceito de urbano e a sua representao pela forma espacial da cidade adquirem importncia na dcada de 1920, quando socilogos da Escola de Chicago, como Ernest W. Burgess e Robert E. Park (1925) incorporam na sociologia os problemas relacionados com o ambiente urbano e com o cresci-mento da cidade. A ecologia e a forma urbana com zonas especializadas para trabalho, residncia e recreao, alm da mobilidade, so problemas que se colocam sociologia para entender a cidade como ambiente produzido e o prprio crescimento das cidades como fator de diferenciao da vida moderna.

    Todavia, a definio mais elaborada do urbano formulada por L. Wirth (1997 [1938]): aquilo que na nossa civilizao distintivamente moderno o crescimento das grandes cidades. Para este autor, os trs elementos que dis-tinguem a cidade so: o nmero de habitantes, a densidade populacional e a heterogeneidade. Estas so para Wirth as caractersticas do urbanismo como modo de vida. Para este socilogo da escola de Chicago, o urbano, ou a influn-cia que a cidade exerce na vida social, no se restringe aos limites da grande cidade, estendendo-se s localidades menores que se encontram sob influncia da grande cidade.

    Depreende-se assim que o urbano no pode ser visto como exclusivo das grandes cidades. A viso de urbanizao e industrializao como dois pro-cessos distintos constitui uma das preocupaes de Jean Rmy e Liliane Voy (1992). Os dois autores propem uma nova definio de cidade enquanto forma de organizao do espao. Para os mesmos, o espao est organizado em situaes no urbanizadas e situaes urbanizadas. E dentre as situaes urbanizadas, algumas esto em zonas industriais e outras em zonas no indus-trializadas. Entre as situaes no urbanizadas, podemos encontrar as aldeias e as cidades no urbanizadas.

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    Em resumo, podemos sistematizar as definies conceptuais de rural for-necidas pela bibliografia internacional em duas abordagens paradigmticas: a abordagem tradicional de rural, na qual este visto como sinnimo de espao agrcola e simtrico do urbano; e a abordagem territorialista de rural, uma abordagem em que o rural adquire identidade prpria, economicamente multifuncional e com modalidades de articulao com os espaos urbanos que ditam a sua especificidade. Em ambas as abordagens, o rural sempre definido tendo o urbano como referncia.

    DAS C ONC E E S T E R IC ASS DE L I M I TA E S G E O G R F IC AS

    As definies tericas fornecem os elementos necessrios s formas empri-cas de delimitao do espao quanto s caractersticas rurais e urbanas. Ficam evidentes trs dimenses fundamentais para a distino entre rural e urbano: demografia, desenvolvimento econmico e modos de vida. A perspetiva ter-ritorialista tem ainda uma dimenso metodolgica e operacional, tanto no campo das polticas de desenvolvimento rural como nas novas formas de deli-mitao entre rural e urbano, como a proposta pela ocde (1993).

    A bibliografia acadmica fornece vrios exemplos de exerccios metodo-lgicos cuja finalidade definir uma tipologia de espaos rurais. A ttulo de exemplo, vejam-se os trabalhos de Lopes (1998); Ferro et al. (2000); Ferro e Lopes (2004); Rodrigues (2010).

    Paralelamente, a generalidade das entidades responsveis pelo sistema estatstico dos respetivos pases (tanto na Europa como na Amrica) adotaram nas ltimas duas dcadas tipologias especficas de classificao dos espaos rurais e urbanos para fins estatsticos ou de interveno poltica. Neste parti-cular, merece destaque o empenho revelado pela ocde em definir uma classi-ficao de espaos urbano-rural que torne comparveis os estudos territoriais envolvendo realidades nacionais distintas.

    Inicialmente (ocde, 1994), a metodologia de classificao usada pela ocde era bastante complexa. Definiam-se trs tipos de espaos: reas rurais remotas; reas economicamente integradas e reas rurais intermdias. A classificao da ocde pode ser assim resumida:

    Para definir rural, a ocde articula duas escalas: o local e o regional. A escala local utilizada para diferenciar as reas rurais das reas urba-nas, usando como critrio a densidade populacional. So classificadas como rural as reas com menos de 150 hab./Km2, sendo as restantes consideradas reas urbanas.

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    A partir da classificao anterior, a ocde recorre escala regional para definir trs tipos de espaos: regies predominantemente rurais (se mais de 50% da sua populao vive em comunidades rurais); regies predominantemente urbanas (se menos de 15% da sua populao vive em comunidades rurais), e regies intermdias (se a proporo da populao a viver em comunidades rurais for entre 15% e 50%).

    Adicionalmente, a ocde considera na sua classificao a dimenso dos centros urbanos. Assim, uma regio definida luz do critrio ante-rior como predominantemente rural reclassificada como interm-dia se na regio houver um centro urbano com pelo menos 200 mil habitantes. Uma regio que tenha sido classificada como intermdia passa a predominantemente urbana se dispuser de um centro urbano com pelo menos 500 mil habitantes.

    Muito recentemente a ocde (2012) veio estabelecer uma classificao dos espaos urbanos que complementar da tipologia rural anterior. Alis, o obje-tivo das duas tipologias convergente: adotar uma metodologia internacional que permita estudos comparativos da performance regional em pases diferen-tes e que sirva de suporte territorial s polticas de desenvolvimento.

    O RU R A L E O U R BA NO NO BR ASI L

    O debate atual sobre o rural brasileiro est centrado em dois aspetos: o seu tamanho e a sua natureza. Quando se fala em tamanho do rural pretende-se referir o tamanho da populao rural. Ou seja, o nmero de pessoas que vivem nas reas consideradas rurais. A meno natureza do rural corresponde, por sua vez, s caractersticas socioeconmicas e culturais dos espaos rurais e dos seus habitantes. Deste modo so identificadas duas formas de perceber o rural e o urbano no Brasil. A primeira, atravs do conceito de populao rural medida pelos censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (ibge). A segunda corresponde a aspetos socioeconmicos como a presena de atividades agrcolas e a ausncia de bens e servios modernos. Os conceitos de populao rural e populao urbana utilizados no Brasil deri-vam do que o ibge chama situao de domiclio. Isto , a localizao do domi-clio quanto rea urbana ou rural de cada municpio.

    Esta situao definida a partir de um critrio jurdico e administrativo, cuja origem data de 1938, quando a preparao do Recenseamento Geral da Populao de 1940 conduz a uma redefinio da organizao do territrio bra-sileiro pelo governo do Estado Novo. O Decreto-lei n. 311 de 2 de maro de 1938 tem ainda a finalidade de organizar a nomenclatura dos municpios

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    brasileiros. Este diploma legal estabelece que as localidades sedes dos muni-cpios recebam o estatuto de cidade, ao mesmo tempo que o municpio passa a ser denominado com o mesmo nome da sede. Por esta razo, os termos cidade e municpio so tomados como sinnimos no Brasil. O mesmo decreto estabelece que os municpios podem ser subdivididos em distritos, e as sedes distritais passam categoria de vila. A exemplo dos municpios, os distritos recebem o nome da sede. Assim como as cidades, as vilas so tambm conside-radas urbanas, cabendo aos Estados definir os quadros urbanos e suburbanos das cidades e vilas.1 Todavia, no se estabelece qualquer critrio populacional para uma localidade aceder condio de vila ou cidade. O que o decreto afirma que as cidades no podem ter nos quadros urbano e suburbano, uma quantidade menor do que 200 moradias, enquanto as vilas no poderiam ter menos de 30.

    Tanto as sedes dos municpios (cidades) como as dos distritos (vilas) so consideradas urbanas, independentemente do tamanho ou de qualquer outra caracterstica. Em consequncia, cidades e vilas cuja populao no ultrapassa duas centenas de habitantes so consideradas urbanas, ao mesmo tempo que localidades com maior contingente populacional e maior densidade, mas que no so sedes de distrito ou municpio, so consideradas rurais. Este critrio tem sido alvo de constantes crticas por parte dos estudiosos do rural bra-sileiro, que consideram sobrestimados os nmeros da populao urbana no pas. De acordo com o Censo de 2000, 81,23% dos brasileiros viviam em reas urbanas (ibge, 2000).

    Um dos maiores crticos desta definio de rural e urbano, Jos Eli da Veiga (2003), defende que no deveriam ser considerados urbanos os habitan-tes das pequenas cidades e vilas, o que reduziria consideravelmente a percen-tagem da populao brasileira considerada urbana. Para este autor, boa parte da populao tida como urbana vive em localidades que, efetivamente, no se caracterizam como urbanas. Trata-se de pequenos aglomerados que no apre-sentam infraestrutura de servios e de equipamentos urbanos, que justifiquem o estatuto de cidade. De acordo com Veiga, somente deveria ser considerada urbana a populao dos municpios que tivessem pelo menos 20 mil habitan-tes na sede. O que reduziria a percentagem da populao urbana brasileira de 81,23% para 68%. Este critrio, defendido tambm por Faria (1991), tambm no suficiente, pois leva em conta apenas a dimenso demogrfica.

    Embora significativo, o critrio demogrfico, por si s, no suficiente. De facto, uma parte dos municpios acima dos 20 mil habitantes, tambm est

    1 A partir da Constituio Federal de 1988 a competncia para definir o permetro urbano passa para os municpios.

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 439

    inserida em contextos regionais que, por outros critrios, como a baixa densi-dade, e pelas atividades econmicas, baixos nveis de industrializao e acesso a servios, seriam considerados essencialmente rurais. Por outro lado, outros municpios que esto abaixo deste patamar, encontram-se em reas metropo-litanas ou fazem parte de aglomeraes urbanas, ou apresentam ainda carac-tersticas de centros regionais de servios, de modo que no poderiam ser classificados simplesmente como rurais.

    Deste modo, compreende-se que a definio de rural e urbano a partir do seu tamanho no suficiente, embora o nmero de habitantes seja uma com-ponente importante para a sua compreenso. preciso analisar outros aspetos que constituem a natureza do rural. Neste sentido, o trabalho de investigao levado a cabo pela sociloga Maria de Nazareth Wanderley (2000) constitui um importante contributo para entender a trama social e espacial de uma localidade. Para esta autora, a maioria dos pequenos municpios brasileiros, aqueles com menos de 20 mil habitantes, tm uma trama social e espacial defi-nida pelo rural. Na maioria dos casos, a sede municipal (a cidade), diferencia--se do seu entorno rural apenas como um centro administrativo e local onde o poder exercido.

    Para Wanderley (2000), no Brasil o rural distingue-se do urbano em dois aspetos fundamentais: 1) um espao fortemente marcado pela agricultura, sobretudo pela agricultura familiar; 2) tambm um espao marcado pela pre-cariedade no acesso aos servios e bens de consumo coletivo. De acordo com a autora, a precariedade que caracteriza o rural brasileiro est presente tambm na pequena cidade que parte integrante do rural.

    A preocupao em compreender a natureza do rural brasileiro partilhada tambm por autores como Maria Jos Carneiro (1999) e Ricardo Abramovay (2004). Para a primeira, o rural deve ser entendido a partir de um conjunto de representaes sociais, que vo alm da demarcao de reas como rurais ou urbanas. Deve ser pensado como um espao multifuncional e pluriativo. Enquanto para Abramovay, o rural est associado ideia de territrio. A rura-lidade no pode ser pensada como uma etapa do desenvolvimento a ser supe-rada pela urbanizao ou pelo progresso. Mesmo sendo um espao onde os indicadores de desenvolvimento so geralmente mais baixos, o rural um ter-ritrio cujo desenvolvimento depende do capital social dos seus moradores e da ao de polticas pblicas.

    No basta medir o tamanho do rural e do urbano brasileiro, necess-rio compreender a sua natureza e as articulaes entre duas realidades que se complementam. Pensar a articulao campo-cidade no Brasil exige uma reflexo sobre dois aspetos da histria do pas. A ocupao do territrio, com base na propriedade da terra, o que serviu para sedimentar o poder poltico

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    dos grandes proprietrios de terra e um sistema de oligarquias regionais, e o padro de urbanizao que se baseou na formao de complexos regionais, permitindo o surgimento de centros urbanos em todas as regies, embora mais concentrada na costa. Este tipo de urbanizao difusa, que Carlos Brando (2007) considera paradoxal, gerou uma maior concentrao demo-grfica em algumas grandes metrpoles e outros centros urbanos (regionais e sub-regionais) de grande e mdia dimenso, por um lado, e permitiu o surgi-mento de uma grande quantidade de pequenos ncleos por todo o pas. Estes pequenos ncleos, embora faam parte da rede urbana e estejam integra-dos nos centros de mdia e grande dimenso, formam o que Milton Santos (1993), chama centros locais e conservam uma forte identidade com o mundo rural.

    Concordamos com Veiga (2003), Wanderley (2002) e Abramovay (2004), que em grande parte dos casos, os espaos oficialmente urbanos no se dife-renciam qualitativamente do entorno rural. Entretanto, consideramos que a dimenso demogrfica por si s, no suficiente para definir o que rural ou urbano. Assim, propomos uma metodologia que venha a superar as limitaes das formas atuais de classificao do rural e do urbano no Brasil.

    M ETOD OL O G IA :A PROP O STA DE UM A NOVA C L AS SI F IC A O D O S M U N IC PIO S

    A utilizao de critrios quantitativos como o nmero de habitantes, a den-sidade populacional e o nmero de pessoas ocupadas na agricultura para identificar o rural tem a vantagem de ser operacionalizvel do ponto de vista emprico. No entanto, consideramos necessrio avanar no sentido de per-ceber de que forma as noes de rural e urbano se articulam na organizao do espao para alm da mera dimenso administrativa e da dimenso demo-grfica. A metodologia proposta apoia-se tanto na bibliografia internacional e brasileira, quanto na crtica definio oficial de rural e urbano no Brasil. Entretanto, distancia-se das formas atuais de classificao em dois aspetos. Primeiro, ao utilizar o conjunto do municpio como unidade de anlise, em vez das suas subdivises internas definidas por critrios administrativos. Em segundo lugar, utilizamos um conjunto diversificado de indicadores atravs dos quais se procura diferenciar os espaos em funo de trs dimen-ses: estrutura demogrfica, estrutura econmica e dinmica territorial. No quadro n. 1 apresentamos as dimenses e os indicadores que compem cada uma.

    Desta forma, apresentamos as razes que nos levam a tal opo metodo-lgica:

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 441

    QUADRO 1

    Dimenses analticas e indicadores utilizados

    Estrutura Demogrfica

    (1) Populao

    (2) Densidade

    Nvel de Desenvolvimento

    (3) PIB

    (4) PIB per capita

    (5) Valor adicionado da agro-pecuria

    (6) Valor adicionado da indstria

    (7) Valor adicionado dos servios

    (8) Valor adicionado da administrao pblica

    (9) Taxa de atividade

    (10) Ocupaes na agro-pecuria

    (11) Ocupaes na indstria

    (12) Ocupaes nos servios

    (13) Ocupaes no setor pblico

    (14) Impostos

    (15) Produtividade industrial

    (16) Produtividade global

    Dinmica Territorial

    (17) Migraes pendulares

    (18) Peso relativo das migraes pendulares

    (19) Polarizao exercida pelos centros urbanos

    1) Quando tomamos o municpio como unidade de anlise e o definimos como urbano ou rural, queremos dizer que o que define o seu grau de urbanizao ou de ruralidade a dinmica, ou a trama social e territorial na qual est inserido. Ou seja, optamos por privilegiar o territrio, e no por uma soluo simplificadora como a situao de domiclio.

    2) Pese embora a existncia, em todo municpio, de um aglomerado populacional que se configura ora como vila ora como cidade, ou seja, uma parte urbana, e as zonas subjacentes tidas como rural, h em cada um, uma dinmica predominante e tal dinmica determinada pelo grau de urbanizao ou de ruralidade.

    3) Assim, quando se fala em municpios rurais, no se est a negar os aspetos urba-nos eventualmente encon-trados na sua sede, mas a realar que os aspetos de ruralidade predominam e so definidores da sua din-mica territorial e socioeco-nmica.

    4) Da mesma forma, quando se fala de municpios urba-nos, o que se est a afirmar que a sua dinmica defi-nida pelo urbano, embora os elementos de ruralidade estejam presentes no seu territrio. Apenas na tipo-logia metropolitana e em alguns dos municpios de elevada densidade, que as caractersticas rurais no so encontradas ou so pratica-mente nulas.

  • 442 JOO FREIRE RODRIGUES

    E S C OL HA DAS VA R IV E I S E T R ATA M E N TO E STAT ST IC O

    A ausncia de algumas variveis indicativas das formas de uso do solo, tais como o tamanho das exploraes agrcolas, e das reas artificializadas de car-ter urbano deve-se, nomeadamente, ausncia de dados estatsticos precisos. Dada esta lacuna, acredita-se que os indicadores relativos populao e s ocu-paes agrcolas, ou seja o nmero de pessoas ocupadas em atividades agrope-curias, constituem indicadores clssicos de ruralidade e atendem aos objetivos da anlise proposta. Relativamente s variveis deslocamento e deslocamento proporcional, a primeira corresponde ao nmero de pessoas que se deslocam de um municpio a outro para estudo e trabalho, e a segunda indica a proporo das pessoas que se deslocam para estudo e trabalho, relativamente populao de cada municpio. A varivel polarizao foi elaborada a partir do clculo da rea de influncia das cidades, nomeadamente das regies metropolitanas, e da pertena ou no do municpio a uma regio metropolitana. Por se tratar de uma anlise que procura dar nfase dimenso territorial, no foram utilizadas variveis como o crescimento econmico e o crescimento populacional.

    Aos 19 indicadores, aplicou-se o mtodo da anlise fatorial, (vulgarmente conhecido como anlise de componentes principais). A anlise fatorial foi reali-zada a partir da rotao varimax, sem que fosse estipulado o nmero de com-ponentes extradas. A aplicao deste mtodo com as 19 variveis originais resultou na extrao de cinco fatores ou componentes, cujo alcance explica-tivo total foi de aproximadamente 80% da varincia. O quinto fator extrado foi desconsiderado por representar baixo alcance explicativo, apenas 9% da varincia, e por ser formado por variveis j representadas nos demais fatores. No quadro n. 2 est representada a anlise da correlao entre as variveis.

    A utilizao de valores absolutos em algumas variveis como populao, ocupao (emprego), pib e deslocamento (migraes pendulares) foi neces-sria por se tratar de indicadores fundamentais para as definies a que se queria chegar, nomeadamente para a diferenciao entre rural e urbano. J a utilizao das percentagens no caso das variveis relativas ao pib e ao emprego, fundamenta-se na necessidade de medir a participao relativa de cada um dos setores na economia e na estrutura ocupacional dos municpios.

    A primeira componente, denominada estrutura econmica, representa 21,47% da varincia explicada e resulta da associao das variveis relativas composio do pib e ocupao nos setores de atividade, sendo o valor do pib calculado pela soma da riqueza produzida pelos trs principais setores da eco-nomia: agropecuria, indstria e servios, acrescentando-se ainda o valor dos impostos. No que diz respeito ao setor de servios, sendo este composto tam-bm pelos servios pblicos, a parte relativa ao setor pblico foi desagregada,

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 443

    formando assim um subsetor. A participao do setor pblico na composio do pib corresponde aos salrios pagos pelo emprego pblico, alm das transfe-rncias da segurana social, como as penses e reformas, e das transferncias de programas sociais.

    Os indicadores relativos ocupao permitem verificar o peso de cada setor da economia no emprego da mo-de-obra local. Esta constitui uma dimenso importante para perceber o grau de diversificao econmica, bem como da estrutura social. No caso, as variveis relativas ocupao e ao pib no setor agropecurio, constituem indicadores de uma maior presena da rurali-dade, enquanto nas reas mais urbanizados, os setores da indstria e dos servi-os apresentem maior peso relativo na absoro da fora de trabalho.

    A segunda componente congrega as variveis pib da Indstria, produti-vidade da indstria, produtividade global, e pib per capita, explicando 17% da varincia. Estas variveis so indicadoras do grau de eficincia produtiva, sobretudo do setor industrial, sendo duas dessas variveis relacionadas com a produo industrial. Esta dimenso poderia estar apenas relacionada com este setor. No entanto, os indicadores pib per capita e produtividade total, permi-tem relacionar esta componente com eficincia produtiva da economia como um todo. Por sua vez, a relao destas variveis com o pib per capita implica ainda uma associao com a concentrao da riqueza produzida.

    A terceira componente, cujo alcance explicativo de 16,87%, mostra uma associao entre variveis demogrficas e econmicas, estando as primeiras representadas pelos indicadores de populao e densidade demogrfica. Como variveis econmicas, temos, neste caso, os indicadores do pib total e dos impos-tos. O conjunto dessas variveis pode ser interpretado como representantes de uma dimenso da densidade socioeconmica, pois os indicadores demogrficos, como a populao total e a densidade, apresentam uma forte correlao entre estas variveis e os indicadores do pib total e dos impostos. Neste caso, depreende-se que maior concentrao demogrfica corresponde uma maior densidade eco-nmica. Esta dimenso indica uma caracterstica dos espaos urbanos, nomea-damente os de carcter metropolitano e os de elevada densidade.

    Estas duas componentes so, de certa forma, complementares e indicam uma concentrao tanto da populao quanto da produo, ou seja, a maior concentrao da populao e maior produtividade so responsveis pelo aumento da arrecadao de impostos. O que pode tambm significar que o adensamento populacional leva a maior densidade socioeconmica. Esta rela-o, de alguma maneira, produz uma diferenciao espacial.

    A quarta componente, com alcance explicativo de 14,27% da varin-cia, agrega variveis de carcter demogrfico como a densidade populacional e as deslocaes pendulares para estudo e trabalho, e outra varivel que est

  • 444 JOO FREIRE RODRIGUES

    relacionada com o efeito de polarizao exercido pelos principais centros urba-nos. Assim se compreende que nas reas de maior densidade demogrfica, tende a ser mais frequente a migrao pendular, e as relaes de articulao entre um polo de atrao e uma periferia polarizada tambm tende a ser mais intensa. Esta dimenso, que se pode chamar de articulao territorial, indica claramente a presena de uma dinmica urbana e de uma tendncia de metropolizao.

    O resultado da anlise fatorial, apresentado no quadro 3, aponta para uma perspetiva multidimensional para caracterizao dos espaos entre rurais e urbanos, e ao mesmo tempo indica que mesmo tratando-se de conceitos que remetem diretamente para a dimenso espacial, so tambm reveladores dos processos sociais e econmicos que estes abrigam. Pode assim dizer-se que a

    QUADRO 2 Matriz de correlaes entre as variveis

    Indicadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

    1. Impostos 1,00

    2. PIB ,99 1,00

    3. Populao residente ,94 ,96 1,00

    4. PIB per capita ,10 ,13 ,06 1,00

    5. Densidade populacional ,33 ,35 ,45 ,07 1,00

    6. Movimento pendular ,37 ,41 ,48 ,08 ,71 1,00

    7. PIB agro-pecurio -,09 -,11 -,15 -,04 -,21 -,23 1,00

    8. PIB industrial ,07 ,11 ,11 ,47 ,15 ,19 -,63 1,00

    9. PIB dos servios ,09 ,12 ,18 -,08 ,20 ,21 -,43 ,05 1,00

    10. PIB do setor pblico -.07 -,09 ,08 -,51 -,09 -,10 -,25 -,43 -,12 1,00

    11. Emprego agrcola -,10 ,14 -,18 -,27 -,24 -,28 ,53 -,60 -,50 ,39 1,00

    12. Emprego industrial ,03 ,05 ,05 ,28 ,10 ,13 -,35 ,59 ,25 -45 -,71 1,00

    13. Emprego nos servios ,07 ,10 ,14 ,17 ,18 ,24 -,46 ,43 ,52 -,28 -,84 ,43 1,00

    14. Emprego no setor pblico ,17 ,22 ,27 ,32 ,33 ,37 -,41 ,50 ,48 -,44 -,75 ,48 ,64 1,00

    15. Movimento pendular relativo ,01 ,02 0,3 ,14 ,31 ,41 -,20 ,27 ,18 -,20 -,38 ,38 ,33 ,33 1,00

    16. Produtividade da indstria ,07 ,09 ,04 ,87 ,05 ,05 -,21 ,51 -,14 -,27 -,19 ,12 ,15 ,20 ,06 1,00

    17. Polarizao ,04 ,05 ,10 ,09 ,63 ,60 -,13 ,14 ,07 ,-08 -,21 ,16 ,16 ,22 ,78 ,03 1,00

    18. Taxa de atividade ,04 ,05 ,04 ,30 ,07 ,07 ,19 ,15 ,11 -,53 -,02 ,28 -,03 ,22 ,19 ,06 ,10 1,00

    19. Produtividade global ,10 ,12 ,05 ,99 ,06 ,07 -,06 ,46 -,10 -,47 -,27 ,25 ,19 ,30 ,12 ,90 ,07 ,18 1,00

    Indicadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

    Fonte: Anlise fatorial.

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 445

    anlise estatstica vem complementar o quadro terico proposto como enqua-dramento para o estudo do rural e do urbano no Brasil. Para alm de se cons-tatar a pertinncia dos indicadores tradicionais de ruralidade (demogrfico e atividade agropecuria), acrescentam-se a dimenso territorial, e duas outras que tm a ver com a estrutura econmica e com a produtividade, sendo que esta ltima est ligada com a competitividade dos territrios.

    As quatro componentes obtidas na anlise fatorial foram submetidas anlise de clusters. Primeiro utilizamos o mtodo k-means, com 10 clusters, e a seguir fizemos uma nova anlise com o mtodo hierarchical clusters, com distribuio entre 5 e 10 clusters. O procedimento foi repetido com os 19 indicadores iniciais, em seguida com os cinco scores fatoriais transformados

    QUADRO 2 Matriz de correlaes entre as variveis

    Indicadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

    1. Impostos 1,00

    2. PIB ,99 1,00

    3. Populao residente ,94 ,96 1,00

    4. PIB per capita ,10 ,13 ,06 1,00

    5. Densidade populacional ,33 ,35 ,45 ,07 1,00

    6. Movimento pendular ,37 ,41 ,48 ,08 ,71 1,00

    7. PIB agro-pecurio -,09 -,11 -,15 -,04 -,21 -,23 1,00

    8. PIB industrial ,07 ,11 ,11 ,47 ,15 ,19 -,63 1,00

    9. PIB dos servios ,09 ,12 ,18 -,08 ,20 ,21 -,43 ,05 1,00

    10. PIB do setor pblico -.07 -,09 ,08 -,51 -,09 -,10 -,25 -,43 -,12 1,00

    11. Emprego agrcola -,10 ,14 -,18 -,27 -,24 -,28 ,53 -,60 -,50 ,39 1,00

    12. Emprego industrial ,03 ,05 ,05 ,28 ,10 ,13 -,35 ,59 ,25 -45 -,71 1,00

    13. Emprego nos servios ,07 ,10 ,14 ,17 ,18 ,24 -,46 ,43 ,52 -,28 -,84 ,43 1,00

    14. Emprego no setor pblico ,17 ,22 ,27 ,32 ,33 ,37 -,41 ,50 ,48 -,44 -,75 ,48 ,64 1,00

    15. Movimento pendular relativo ,01 ,02 0,3 ,14 ,31 ,41 -,20 ,27 ,18 -,20 -,38 ,38 ,33 ,33 1,00

    16. Produtividade da indstria ,07 ,09 ,04 ,87 ,05 ,05 -,21 ,51 -,14 -,27 -,19 ,12 ,15 ,20 ,06 1,00

    17. Polarizao ,04 ,05 ,10 ,09 ,63 ,60 -,13 ,14 ,07 ,-08 -,21 ,16 ,16 ,22 ,78 ,03 1,00

    18. Taxa de atividade ,04 ,05 ,04 ,30 ,07 ,07 ,19 ,15 ,11 -,53 -,02 ,28 -,03 ,22 ,19 ,06 ,10 1,00

    19. Produtividade global ,10 ,12 ,05 ,99 ,06 ,07 -,06 ,46 -,10 -,47 -,27 ,25 ,19 ,30 ,12 ,90 ,07 ,18 1,00

    Indicadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

    Fonte: Anlise fatorial.

  • 446 JOO FREIRE RODRIGUES

    QUADRO 3 Resultados da anlise fatorial

    VariveisFatores

    Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Fator 5

    Ocupao agropecuria -0,91

    Ocupao servios 0,83

    Ocupao no setor pblico 0,75

    Ocupao na indstria 0,68

    PIB agro-pecurio -0,67 0,56

    PIB servios 0,67

    PIB indstria 0,60 0,55

    Produtividade industrial 0,95

    Produtividade global 0,94

    PIB per capita 0,92

    PIB total 0,97

    Populao 0,97

    Impostos 0,97

    Polarizao 0,95

    Deslocamento proporcional 0,75

    Deslocamento 0,74

    Densidade 0,40 0,73

    Taxa de atividade 0,81

    PIB setor pblico -0,79

    Eigenvalues 5,77 3,22 2,66 1,94 1,57

    Varincia explicada 21,47 17,30 16,87 14,27 9,87

    Fonte: Anlise fatorial (os dados so do IBGE). Nota: Foram desconsiderados os valores inferiores a 0,30.

    e finalmente com o vetor mdio obtido pela soma dos scores transformados. O mesmo procedimento foi repetido para cada anlise. Isto , primeiro com os indicadores originais, depois com os cinco fatores, e por ltimo com a mdia dos cinco fatores. Cruzando-se os dois resultados, verificou-se que dos 10 clusters obtidos nos dois procedimentos, seis eram consistentes, apresentando o mesmo nmero de casos. Os clusters no consistentes foram agregados de acordo com as caractersticas dos municpios. Apenas trs dos clusters apre-sentaram variaes quando se mudou o mtodo, ficando assim demonstrada a consistncia da anlise.

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 447

    O resultado da anlise de clusters apresenta-se-nos aplicvel e com um grau de coerncia com a realidade de forma a descrev-la com consistncia. Desta anlise resultou uma tipologia dos municpios brasileiros, com sete categorias, que vo das reas mais urbanizadas, como as regies metropolita-nas, aos municpios de caractersticas rurais mais acentuadas. No quadro n. 4 apresentam-se as mdias dos 19 indicadores para cada uma das categorias de municpios que compe a tipologia.

    QUADRO 4

    Mdias das variveis em funo das tipologias

    Variveis

    Tipologias

    Metro-

    politano

    Urb.

    AltaUrbano

    Urbano

    rural

    Rural

    agrcola

    Rural

    semi-

    -perifrico

    Rural

    perifrico

    Impostos1 745369,97 82214,62 14631,47 3386,10 1338,12 507,93 231,83

    PIB1 5225433,3 785607,87 224926,79 73376,61 36183,75 23541,74 17840,46

    Populao 517026 200180,13 39381,61 17810,97 12183,33 11819,78 12693,70

    PIB per capita2 21738,29 10320,14 6905,33 5159,34 3821,54 2385,25 1531,45

    Densidade 2357,89 356,57 95,51 37,72 28,31 28,59 22,88

    Deslocamento3 31536 5717,42 1448,76 560,17 324,18 248,06 162,23

    PIB agrcola 0,72% 3,99% 14,53% 29,82% 36,8% 31,92% 19,40%

    PIB indstria 50,59% 50,43% 36,81% 21,50% 14,84% 11,19% 9,30%

    PIB servios 28,00% 26,70% 29,31% 26,99% 22,34% 20,56% 17,71%

    PIB serv. pblico 11,65% 11,94% 15,53% 18,94% 23,31% 35,10% 41,73%

    Emprego agrcola 5,15% 9,37% 19,05% 35,15% 47,62% 49,20% 58,23%

    Emprego indstria 33,75% 38,94% 32,43% 26,57% 21,11% 11,50% 8,87%

    Emprego servios 46,81% 40,89% 39,57% 32,32% 26,76% 17,15% 13,49%

    Emprego pblico 14,27% 10,73% 8,93% 5,94% 4,49% 2,39% 1,91%

    Mov. pendular 11,31% 8,45% 5,59% 4,64% 3,56% 2,47% 1,51%

    Produtividade

    industrial155,10% 48,65% 26,22% 12,64% 6,89% 5,25% 4,01%

    Polarizao 3,26 0,99 0,03 -0,9 -0,14 -0,17 -0,18

    Taxa de atividade 47,50% 48,36% 47,46% 46,29% 44,35% 41,15% 37,78%

    Produtividade 47,47 21,67 14,72 11,29 8,46 5,69 4,13

    1. Em mil Reais, a preo corrente de 2000. 2. Em Real do Brasil (R$). 3. Valores absolutos.

  • 448 JOO FREIRE RODRIGUES

    A T I P OL O G IA :UM A PE R SPET I VA M U LT I DI M E N SIONA L D O T E R R I TR IO

    A tipologia proposta representa uma metodologia de classificao do rural e do urbano numa perspetiva multidimensional. Desta forma, tomando como unidade de anlise o municpio na sua totalidade, classifica-os em sete cate-gorias, sendo trs urbanas, trs rurais e uma intermdia. A seguir descreve-se cada uma destas categorias. Quando tomamos o municpio na sua totalidade como unidade de anlise corre-se o risco de deixar de perceber as dinmicas internas de cada municpio. Entretanto, a escolha justifica-se tanto em termos metodolgicos, do ponto de vista da operacionalizao, quanto do ponto de vista terico, uma vez que se assume como perspetiva terica a abordagem territorialista.

    De acordo com esta tipologia, os municpios brasileiros esto classificados em sete categorias, contando com trs tipos de urbano: urbano metropolitano, urbano de alta densidade e centros urbanos; trs tipos de rural: rural agrcola, rural semi-perifrico e rural perifrico. Observa-se ainda uma categoria inter-mdia, na qual se observam caractersticas urbanas e rurais, por isso denomi-nada de espaos urbano-rurais. A seguir descrevem-se as caractersticas de cada uma destas categorias. No mapa da figura n. 1 e no quadro n. 5, podemos visualizar a distribuio espacial da tipologia nas diversas regies brasileiras.

    o urbano metrop olitano

    Esta categoria compreende as metrpoles e os municpios que integram as principais regies metropolitanas do pas, apresentando um elevado nvel de integrao dinmica metropolitana na sua respetiva regio. So municpios que apresentam caractersticas prprias das reas metropolitanas, como a ele-vada densidade demogrfica, concentrao de servios especializados e forte integrao territorial, conferida pelo elevado fluxo, as migraes pendulares entre o ncleo metropolitano e as suas reas perifricas. A base econmica dividida entre a indstria e os servios. A primeira corresponde a 50,59% do pib, enquanto 39,65 vem dos servios, sendo complementado pelos impostos, e por uma participao insignificante do setor primrio. No que se refere ao emprego, 61,08% da populao ativa est ocupada no tercirio, enquanto a indstria ocupa 33,75 da mo-de-obra.

    Quanto distribuio geogrfica, a regio Sudeste, como a mais urbani-zada, concentra 66,5% dos municpios desta tipologia. A sua presena ainda significativa nas regies Sul, com 17,3%, e Nordeste com 10,9%. As regies Centro-Oeste e Norte, as menos urbanizadas, contam cada uma com trs municpios desta categoria, o que equivale a 2,7%.

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 449

    FIGURA 1

    Distribuio espacial da tipologia no territrio brasileiro

    QUADRO 5

    Distribuio das tipologias segundo as grandes regies do Brasil

    Tipologias

    RegiesTotal

    BrasilNorte Nordeste Sudeste SulCentro-

    -Oeste

    Metropolitano3

    2,7%

    12

    10,9%

    73

    66,4%

    19

    17,3%

    3

    2,7%

    110

    100%

    Urbano de alta

    densidade

    2

    0,7%

    25

    9,3%

    139

    51,7%

    91

    33,8%

    12

    4,5%

    269

    100%

    Centros urbanos24

    4,5%

    90

    16,8%

    249

    46,5%

    136

    25,4%

    36

    6,7%

    535

    100%

    Urbano-rural40

    3,8%

    158

    15,1%

    456

    43,7%

    257

    24,6%

    132

    12,7%

    1043

    100%

    Rural agrcola69

    5,0%

    259

    18,7%

    402

    29,0%

    447

    32,3%

    208

    15,0%

    1385

    100%

    Rural semi-perifrico167

    12,5%

    670

    50,3%

    241

    18,1%

    194

    14,6%

    59

    4,4%

    1331

    100%

    Rural perifrico144

    16,2%

    578

    65,2%

    108

    12,2%

    44

    5,0%

    13

    1,5%

    887

    100%

    Fonte: Elaborao prpria a partir da anlise de cluster.

    Tipologia dos municpios

    Metropolitano

    Urbano de alta densidade

    Centros urbanos

    Centros urbano-rurais

    Rural agrcola

    Rural semi-perifrico

    Rural perifrico

  • 450 JOO FREIRE RODRIGUES

    urbano de alta densidade

    O segundo tipo de urbano formado por 269 municpios, dos quais boa parte integra as regies metropolitanas. Estes municpios tm uma economia for-mada basicamente pela indstria e pelos servios, apresentando um equilbrio entre os dois setores no que se refere ao emprego, e uma preponderncia da indstria na formao do pib, com mais de 50%. Diferenciam-se do urbano metropolitano pela densidade populacional mais baixa, embora ainda muito elevada para os padres brasileiros, e pelo tamanho da populao, cuja mdia de duzentos mil habitantes.

    De forma semelhante ao urbano metropolitano, a presena dos indica-dores de ruralidade praticamente nula neste grupo de municpios. A dis-tribuio espacial tambm semelhante, sendo mais concentrada na regio Sudeste, onde esto 51,7% e no Sul com 33,8%. Os restantes esto distribudos pelo Nordeste, 9,3%, Centro-Oeste, com 4,5%, enquanto no Norte apenas dois municpios tm essas caractersticas.

    centros urbanos

    A terceira categoria de urbano composta por 535 municpios e compreende tanto algumas cidades mdias, como centros urbanos de pequena dimenso. Com uma densidade populacional mdia de 95,51 habitantes por quilmetro quadrado, estes municpios formam a rede urbana que se integra aos centros urbanos de elevada densidade, e s regies metropolitanas. A base econmica dominada pelos servios e pela indstria, havendo um equilbrio entre os dois setores. Este equilbrio revela-se tanto na composio do pib quanto na ocupao, sendo que neste ltimo indicador, o setor de servios apresenta uma ligeira vantagem sobre a indstria. Todavia, por estarem nesta categoria mui-tos centros urbanos de pequena dimenso, nos quais se nota a ausncia de ser-vios especializados, o volume de recursos gerados pelo setor de servios tem um peso relativo menor que o da indstria, apesar de empregar um nmero maior de pessoas.

    Este o grupo mais heterogneo no que se refere ao urbano, pois tanto rene alguns centros de mdia dimenso, e de considervel importncia regional, quanto pequenos centros urbanos cuja rea de influncia no vai alm do territrio municipal. Muitos destes centros urbanos destacam-se mais pela sua posio na hierarquia administrativa dos seus respetivos esta-dos, como polos regionais de servios, alm de exercerem influncia sobre uma determinada regio. A centralidade , nesse caso, um elemento de arti-culao territorial, cuja intensidade mais baixa do que nas duas categorias anteriores.

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 451

    espaos urbano-rurais

    Um nmero significativo de municpios (1043) compe este grupo, que pelas caractersticas demogrficas, pela estrutura econmica, e pela articula-o territorial, no chega a perceber-se neles, de forma clara, uma dinmica propriamente urbana, ao mesmo tempo que no se apresenta tambm uma caracterstica predominantemente rural. Este grupo tanto rene pequenos municpios cuja atividade principal a indstria ou o turismo, quanto alguns centros com populao urbana superior a 50 mil habitantes, mas com uma ele-vada percentagem de populao rural e forte presena do setor agropecurio.

    No que diz respeito estrutura econmica, o setor agropecurio o que apresenta maior peso relativo na composio do pib e na ocupao, sem, no entanto, deter a predominncia, uma vez que contribui com 29,8% do pib e 27,3 % do emprego. Logo a seguir, vem o setor de servios, com 27% e 24,4% respetivamente. O setor pblico ocupa uma posio muito prxima da inds-tria na composio do pib com 21,5% e 18,9%.

    O equilbrio entre os setores econmicos sem que algum deles se afigure como dominante tambm elucidativo de uma situao de ambiguidade na caracterizao espacial. Contudo, quanto ao aspeto demogrfico, estes muni-cpios apresentam uma baixa densidade, sendo a mdia do grupo de 36,6 habi-tantes por quilmetro quadrado.

    o rural agrcol a

    Nesta tipologia, composta por 1385 municpios brasileiros, distribudos em praticamente todas as regies, mas com maior incidncia nas regies Centro--Oeste, Sudeste e Sul, percebe-se como principal caracterstica o predomnio do setor agropecurio na formao do pib e na oferta de emprego, para alm da baixa densidade demogrfica e do tamanho da populao que tambm con-tribuem para a sua caracterizao rural.

    A nomenclatura rural agrcola indica que apesar da presena de outras atividades, esses municpios continuam a ter na agropecuria a sua maior fonte de riqueza, representando 35% do pib e 47,62% da ocupao. O setor pblico ocupa a segunda posio no pib, com 22,3%, seguido dos servios com 23,3%, e com a indstria respondendo apenas por 13,71%, ficando assim claro que o peso da agricultura predominante na economia e tambm na estrutura ocupacional desses municpios. Quanto ocupao, o setor de servios detem a segunda posio, com 26,76% da fora de trabalho, e a indstria representa 21,5%.

    Quanto dimenso demogrfica e econmica, estes municpios apresen-tam baixa densidade populacional e uma variao muito grande quanto ao

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    tamanho da populao. Os municpios desta categoria tm apresentado um forte crescimento, a partir da dcada de 1990, quando se assiste a um cresci-mento do setor agrcola, contribuindo para o que Domingues (2008) chama de reprimarizao da economia.

    Geograficamente, os municpios desta tipologia esto localizados sobre-tudo nas regies que conheceram uma modernizao da agricultura, nomea-damente no Sul e Sudeste e Centro-Oeste. Este tipo de espao rural est presente tambm de maneira significativa no Nordeste, principalmente na zona canavieira e nas reas de agricultura irrigada.

    o rural semi-perifrico

    A segunda tipologia de espaos rurais, composta por 1331 municpios, bas-tante semelhante ao primeiro tipo. A principal diferena que o setor agrcola j no predominante. Nesta tipologia, o setor pblico o que tem maior participao na composio do pib, respondendo por 35,1%, enquanto o setor agropecurio corresponde a 31,69%. O setor de servios apresenta uma rela-tiva importncia (20,56%), enquanto a indstria participa em apenas 11,16%. No que se refere ocupao, a agricultura ocupa tambm a primeira posio, respondendo por 49% da populao ocupada, enquanto a indstria contava com 11,5% e os servios 17,15%.

    A contradio entre a percentagem da ocupao agrcola e o maior peso do setor pblico na composio do pib pode ser explicada pelo facto de nos muni-cpios rurais a participao do setor pblico na economia se dever aos salrios da administrao pblica, e s transferncias sociais como as penses e refor-mas. Mais recentemente tm-se intensificado as transferncias de programas sociais de renda mnima, sendo o Programa Bolsa Famlia, o mais importante.

    Quanto dimenso densidade demogrfica e econmica, esta tipologia assemelha-se bastante anterior, bem como ao terceiro tipo de espao rural. Apresenta uma baixa densidade demogrfica (28,5 habitantes por quilme-tro quadrado), e a populao mdia ronda os 11 mil habitantes. Contudo, a maior parte reside em reas oficialmente definidas como rurais. So tambm municpios de pib muito baixo, tanto em termos absolutos, como no pib per capita. Nestes municpios, observa-se ainda que o volume de impostos muito pequeno, sendo quase insignificante na composio do pib. J no que se refere mobilidade e articulao territorial, estes municpios apresentam baixssimo grau de integrao e a proporo de deslocaes para trabalho e estudo no chega a 3% da populao, o que mostra um baixo nvel de articulao territo-rial entre esses municpios, conforme se verifica pelo pequeno nmero de des-locamentos para trabalho e estudo. Depreende-se assim que estes municpios, tal como os da tipologia seguinte, tenham uma economia pouco competitiva,

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 453

    fechada ao nvel local. Outra inferncia que se faz que nesta tipologia as migraes tm carcter duradouro, sobretudo para os grandes centros do pas.

    o rural perifrico

    O terceiro tipo de espao rural, formado por 887 municpios, diferencia-se do rural semiperifrico por uma densidade populacional mais baixa, menor participao da agropecuria na composio do pib, e maior dependncia em relao ao setor pblico. Entretanto, a maior parte da populao ativa est ocu-pada no setor primrio, o que pressupe a existncia da agricultura familiar como atividade de subsistncia. Predomina, assim, uma agricultura familiar de baixa produtividade, voltada sobretudo para o autoconsumo, tpica das reas rural profundo. A definio de rural profundo aqui adotada aquela proposta por Kayser (1990) e reforada por autores como Pedroso (1998) e Ferro e Lopes (2004). Nestes municpios, tanto a indstria quanto os servios se apre-sentam como setores frgeis tanto na estrutura das ocupaes, como na com-posio do pib. A fragilidade destes setores compensada por uma elevada participao do setor pblico no pib, sendo que nas regies mais pobres como o Norte e o Nordeste, as transferncias pblicas representam mais de metade da do Produto Interno Bruto.

    Ainda por se tratar de reas rurais e, na maior parte dos casos, de zonas deprimidas, a articulao territorial e a mobilidade apresentam os patamares mais baixos. A proporo dos deslocamentos pendulares no vai alm dos 6% da populao, no caso do valor mximo, sendo que a mdia para o conjunto dos municpios de 1,5%, o que representa pouca integrao territorial. O que no significa dizer que no haja nestes municpios movimentos migratrios. Como estes municpios so, geralmente, localizados em zonas tradicionais de migrao, esta tem-se direcionado para os grandes centros urbanos do Pas, e, mais recentemente, para as capitais estaduais e principais centros urbanos de cada estado.

    C ONC LU S E S

    As noes de rural e urbano so, antes de tudo, definies dos espaos onde tm lugar determinados processos sociais e econmicos. Todavia, os limites entre as duas situaes no so claros, sendo definidos a partir de caractersticas que lhes atribumos. No caso brasileiro, as dificuldades so acrescidas pela ausncia de um limite quantitativo que leva a sobrestimar o urbano e, de certa forma, a negar o rural. Qualquer classificao de uma rea como rural ou urbana ser incompleta, porque elaboradas a partir de indicadores escolhidos pelo investi-gador, e o que este faz nada mais do que uma interpretao desses indicadores.

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    O que se pretende com a tipologia apesentada propor uma metodologia de classificao do rural e do urbano no Brasil, que venha a superar as limi-taes do critrio administrativo atualmente utilizado. Se o modelo oficial de classificao do rural no Brasil insuficiente e anacrnico, os seus crticos no tinham at ento apresentado uma alternativa que fosse alm da discusso aca-dmica, geralmente baseada na dimenso demogrfica. Neste sentido, o nosso principal contributo passar da crtica acadmica e propor um modelo de classificao dos municpios brasileiros baseado em indicadores que podem ser testados na realidade emprica. Para isto, foram apresentadas variveis que ultrapassam a mera definio a partir da situao de domiclio, ou ainda pelo nmero de habitantes ou densidade populacional.

    Entendendo o rural e o urbano como um compsito no qual se somam os aspetos geogrficos do territrio e os processos sociais e econmicos, a tipo-logia proposta permite analisar o territrio brasileiro a partir das dinmicas territoriais presentes nas diferentes regies do Pas. Para alm dos aspetos empricos, a tipologia foi elaborada com base no referencial terico e metodo-lgico fornecido pela bibliografia internacional e brasileira, nomeadamente a abordagem territorialista. Portanto, do ponto de vista terico, prope-se uma releitura dos conceitos de rural e urbano e de como estes se apresentam na produo do espao no contexto brasileiro.

    Obviamente que a tipologia foi elaborada a partir de dados obtidos num determinado ano, e por isso reflete uma situao especfica. Entretanto, o que se prope com a mesma identificar as dinmicas predominantes em cada municpio que permitam classific-lo como urbano ou rural. A mesma no deve ser tomada como esttica, uma vez que a metodologia utilizada pode ser aplicada com dados estatsticos mais recentes, o que j se apresenta como desdobramento para futuras investigaes. Ao mesmo tempo, a atualizao da informao estatstica permitir exatamente perceber de forma dinmica a alterao da distribuio dos municpios pelas sete categorias, bem como a mobilidade entre os diferentes tipos de rural e urbano. Ou seja, de que forma as trajetrias de desenvolvimento dos municpios podero vir a alterar a sua situao dentro da tipologia.

    Quanto escolha do municpio como unidade de anlise, j explicada na seco que trata da metodologia, justifica-se por ser a este nvel da diviso territorial que so percebidas, de facto, as dimenses de urbano e rural no Brasil. Diferentemente da metodologia adotada pela ocde, h, no caso bra-sileiro, uma dificuldade de se trabalhar estas dimenses a um nvel regional. Embora reconheamos que restringindo o estudo s reas metropolitanas e ao seu entorno, seria possvel expandir a unidade de anlise para alm dos limites do municpio, nomeadamente ao trabalhar o conceito de cidade-regio. Tal

  • PROPOSTA DE CLASSIFICAO METODOLGICA DOS MUNICPIOS NO BRASIL 455

    opo metodolgica, entretanto, limitaria os objetivos do presente artigo, de estabelecer uma metodologia de classificao de rural e urbano para o con-junto dos municpios brasileiros.

    Certamente que a forma esttica da tipologia, e a utilizao do municpio na sua totalidade como unidade de anlise, no analisando as dinmicas inter-nas de cada municpio, constituem os pontos crticos e as principais limitaes do modelo proposto, embora tais limitaes sejam prprias do trabalho de investigao que, na maioria das vezes, requer do investigador decises te-rico-metodolgicas. Diante de tais opes, cabe ao investigador tanto a res-ponsabilidade pelas escolhas, quanto a humildade para se submeter ao juzo crtico dos leitores.

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