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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
IGOR POHL BAUMANN
O SALMO DE JEREMIAS 20.7-18 NA PERSPECTIVA DA
LINGUAGEM DA LAMENTAÇÃO DO ANTIGO ISRAEL
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2011
2
IGOR POHL BAUMANN
O SALMO DE JEREMIAS 20.7-18 NA PERSPECTIVA DA
LINGUAGEM DA LAMENTAÇÃO DO ANTIGO ISRAEL
Dissertação apresentada em
cumprimento às exigências do
Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, para obtenção do
grau de Mestre.
Orientação: Prof. Dr. Milton Schwantes
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2011
3
FICHA CATALOGRÁFICA
B327s Baumann, Igor Pohl
O salmo de Jeremias 20.7-18 na perspectiva da linguagem da
lamentação do antigo Israel / Igor Pohl Baumann -- São
Bernardo do Campo, 2011.
325fl.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) –
Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências
da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo
Bibliografia
Orientação de: Milton Schwantes
1. Aflição 2. Bíblia – A.T. – Jeremias - Crítica e
interpretação I. Título
CDD 224.206
4
IGOR POHL BAUMANN
O SALMO DE JEREMIAS 20.7-18 NA PERSPECTIVA DA
LINGUAGEM DA LAMENTAÇÃO DO ANTIGO ISRAEL
Dissertação apresentada em
cumprimento às exigências do
Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, Faculdade de
Filosofia e Ciências da Religião, para
obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico.
Data da defesa: 25 de setembro de 2011.
Resultado: Aprovado.
BANCA EXAMINADORA:
Milton Schwantes Prof. Dr. _________________
Universidade Metodista de São Paulo
Tércio M. Siqueira Prof. Dr. _________________
Universidade Metodista de São Paulo
José Ademar Kaefer Prof. Dr. _________________
Instituto Teológico de São Paulo
5
Dedico este trabalho à Jesus de Nazaré e
à memória de minha avó Alda Pacheco Pohl
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, meu Criador, Salvador e Consolador. Pois ―tudo vem de ti, e nós
apenas te demos o que vem das tuas mãos‖.
À Bruna, minha esposa e às minhas filhas amadas Maria e Liz que me apoiaram e por
vezes dividiram minha presença e atenção com as viagens, estudos e o trabalho de escrever a
dissertação. Aos meus pais e irmãos, minha gratidão.
À minha igreja, a Primeira Igreja Batista de Curitiba, que me apoiou de todas as
formas possíveis; especialmente ao Pr. Paschoal Piragine Junior que tem investido em minha
vida e ministério com liberalidade e sabedoria; aos colegas de ministério na Primeira Igreja
Batista de Curitiba, todos abençoados por Deus e preciosos na missão de Jesus, a quem
tiveram paciência comigo e demonstraram seu incentivo e agora são parte da minha alegria
neste tempo.
À Martha e ao Silas de Morais, colegas de ministério, mas principalmente amigos
mais chegados que irmãos. Faço questão de mencionar o empenho da Anne Beyer, minha
secretária e todos da equipe do Ministério de Educação Cristã da Primeira Igreja Batista de
Curitiba: professores, voluntários e amigos.
Aos colegas professores da Faculdade Teológica Batista do Paraná, especialmente
pelo Dr. Antônio Renato Gusso, Dr. Jaziel Guerreiro Martins, Ms. Eduardo Getão e outros
representantes do corpo docente que me apoiaram neste projeto.
Aos amigos, pessoas indispensáveis que me ajudaram a manter minha mente em
ordem. Ao Dr. Albert Friesen e ao Pr. Manfred Schwalb que estiveram mais perto de mim, me
ouvindo, exortando e ensinando nas circunstâncias difíceis que passei no período.
Aos irmãos em Cristo e pessoas queridas que ouviram alguns ―nãos‖ de minha parte
para que eu pudesse dedicar a este projeto.
Ao Dr. Milton Schwantes, meu orientador e ao professor Tércio Machado Siqueira,
pois apenas dez ou quinze minutos de conversa com eles sobre a pesquisa esclareciam vários
pontos e rendiam algumas páginas de qualidade. Aos funcionários da pós-graduação em
Ciências da Religião, especialmente a equipe da biblioteca ecumênica que me ajudou a
encontrar os artigos e enviavam por e-mail quando eu não podia ir à São Bernardo do Campo.
Também sou grato à CAPES, pela bolsa flexibilizada, a qual possibilitou o pagamento das
mensalidades nos primeiros dois anos deste projeto.
7
“Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados” (Mateus 5.4).
“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são
enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os
seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram. Eis que a casa
de vocês ficará deserta (Mateus 23.37,38)”.
“Tudo depende de como lemos, de como entramos no círculo mágico dos
significados de um texto; de como nos introduzimos em suas palavras e
permitimos que a textura de um texto teça a sua trama ao nosso redor”.
Michael Fishbane
8
RESUMO
A presente dissertação se situa no campo das Ciências da Religião. É um estudo da perícope
de Jeremias 20.7-18 na perspectiva do fenômeno de lamentação na área da literatura e religião
do mundo bíblico. Jeremias 20.7-18 é um dos textos de lamentação representativos dentre os
que se encontram fora do saltério, na literatura profética. O tema desenvolvido visa analisar
este salmo em sua forma, lugar e conteúdo na perspectiva da linguagem de lamentação. O
conteúdo que nos atemos foram as imagens de Yhwh reconhecidas na perícope: sedutor
irresistível, Deus violento, fogo consumidor, guerreiro violento e vingativo, Senhor dos
exércitos, libertador do pobre e subversor das cidades impenitentes. O estudo desta perícope
foi possível mediante a compreensão da linguagem de lamentação como um fenômeno
religioso universal. Localizamos a lamentação na sociedade do antigo Oriente Próximo, pois
foi o contexto que tornou possível tal experiência para o antigo Israel. A lamentação na
história da religião de Israel só é possível ser construída a partir de hipóteses. As hipóteses
para uma história da lamentação em Israel que averiguamos nesta dissertação foram
distribuídas entre o período pré-exílico, exílico e pós-exílico, a partir dos principais textos de
lamento que marcam tal linguagem em cada período. Reconhecemos o gênero de lamentação
nos documentos sagrados de Israel, como gênero literário e as estruturas simbólicas que
permeiam os salmos de lamentação. Dessa forma, nos aproximamos da linguagem de
lamentação de Jeremias 20.7-18 como parte do fenômeno do antigo Israel. Portanto, a
linguagem de lamentação se torna a linguagem do sofrimento. Em outras palavras, a
lamentação dá voz ao ser que sofre. O livro de Jeremias se situa num período de intenso
sofrimento e violência contra a nação de Israel. É adequado, pois, no âmbito das lamentações,
a presença deste salmo peculiar no livro seu profético. Com isso, estudamos exegeticamente
nossa perícope perguntando o seu gênero principal. Em seguida, verificamos o lugar vivencial
e, em termos de conteúdo quais são as imagens ou quadros ali demonstrados e como os dois
se ajustam.
Palavras-chave: Antigo Testamento; livro de Jeremias; Lamentação; Lamentos de Jeremias;
Jeremias 20.7-18.
9
ABSTRACT
This dissertation is located in the field of Science of Religion. It is a study of the passage of
Jeremiah 20.7-18 in view of the phenomenon of mourning in the area of literature and religion
of the biblical world. Jeremiah 20.7-18 is a representative of the texts of lamentation among
those who are outside the Psalter, in the prophetic literature. The theme is aimed at analyzing
this psalm in its form, place and content of language from the perspective of mourning. The
content that we keep the images were recognized in the passage of Yhwh: irresistible seducer,
violent God, consuming fire, violent and vengeful warrior, the Lord of hosts, the liberator of
the poor and subverter of unrepentant cities. The study of this passage was made possible by
understanding the language of mourning as a universal religious phenomenon. We have
located the mourning in ancient Near Eastern society, as was the context that made this
experience possible for ancient Israel. The mourning in the history of Israel's religion is only
possible to be built from hypotheses. The chances for a story of mourning in Israel that we
ascertain this dissertation were distributed between the pre-exilic, exilic and postexilic, from
the main texts of mourning to mark such language in each period. We recognize the genre of
mourning in Israel's sacred documents as literary genre and the symbolic structures that
permeate the psalms of lamentation. Thus, we approach the language of lamentation of
Jeremiah 20.7-18 as part of the phenomenon of ancient Israel. Therefore, the language of
lament becomes the language of suffering. In other words, the lamentation gives voice to be
suffering. The book of Jeremiah is in a period of intense suffering and violence against the
nation of Israel. It is appropriate, therefore, within the lamentations, the presence of this
particular psalm in his prophetic book. Thus, our study passage exegetically asking your
primary genre. Then we found the place and experiential in terms of content which are images
or pictures shown here and how the two fit together.
Keywords: Old Testament; Book of Jeremiah; Lament; Lament of Jeremiah; Jeremiah 20.7-
18.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
1 A UNIVERSALIDADE DA LAMENTAÇÃO .................................................................. 19
1.1 A LAMENTAÇÃO NA PESQUISA CIENTÍFICA .......................................................... 19
1.2 A LAMENTAÇÃO EM DOCUMENTOS RELIGIOSOS ................................................ 21
1.3 O FENÔMENO DA LAMENTAÇÃO .............................................................................. 24
1.4 O LAMENTO ENTRE CULTURAS ................................................................................. 27
2 A LAMENTAÇÃO NO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO ............................................. 31
2.1 LAMENTOS SUMÉRIOS PELAS CIDADES DESTRUÍDAS ........................................ 31
2.2 LAMENTOS BABILÔNICOS .......................................................................................... 35
2.3 LAMENTOS EGÍPCIOS ................................................................................................... 36
2.4 A RELAÇÃO LAMENTAÇÃO E MALDIÇÕES NA POESIA DO ANTIGO ORIENTE
PRÓXIMO ................................................................................................................................ 37
3 A LAMENTAÇÃO NO ANTIGO ISRAEL ...................................................................... 41
3.1 A LAMENTAÇÃO NA ÉPOCA PRÉ-EXÍLICA .............................................................. 43
3.1.1 O paradigma do Êxodo: do lamento de escravos à religião mosaica .............................. 45
3.1.2 Oficiais itinerantes dos grupos primários da sociedade israelita ..................................... 49
3.2 A LAMENTAÇÃO NO PERÍODO EXÍLICO .................................................................. 52
3.2.1 A lamentação entre os remanescentes ............................................................................. 53
3.2.2 A lamentação entre os exilados ....................................................................................... 59
3.3 A LAMENTAÇÃO NO PERÍODO PÓS-EXÍLICO.......................................................... 67
3.3.1 A compilação do saltério ................................................................................................. 69
3.3.2 A lamentação e a literatura apocalíptica .......................................................................... 71
3.4 A LAMENTAÇÃO NA SOCIEDADE E RELIGIÃO DO ANTIGO ISRAEL ................ 73
3.4.1 A lamentação nos ritos e liturgias do antigo Oriente Próximo ........................................ 74
3.4.2 A lamentação como ritual simbólico na sociedade de Israel ........................................... 77
3.4.3 As lamentações fúnebres e as carpideiras do antigo Israel .............................................. 79
3.4.4 A liturgia de lamentação nos cultos individuais e coletivos ............................................ 82
3.4.4.1 A lamentação em prol do indivíduo ............................................................................. 84
3.4.4.2 A lamentação nos cultos de valor nacional .................................................................. 86
4 GÊNERO E TEOLOGIA DA LAMENTAÇÃO NA BÍBLIA HEBRAICA .................. 89
11
4.1 OS SALMOS DE LAMENTAÇÃO .................................................................................. 91
4.1.1 As lamentações nacionais no Antigo Testamento ........................................................... 94
4.1.2 As lamentações individuais no Antigo Testamento ........................................................ 96
4.1.3 Subcategorias e tipos de lamentações no Antigo Testamento ....................................... 100
4.1.3.1 Os lamentos de inocência, de penitência e de vingança ............................................. 100
4.1.3.2 O lamento fúnebre e o lamento da angústia ............................................................... 101
4.1.3.3 O sofrimento como mediação a Deus ......................................................................... 102
4.1.3.3.1 O sofrimento e lamentação no livro de Jó ............................................................... 103
4.1.3.3.2 O sofrimento e lamentação no Segundo Isaías ........................................................ 104
4.1.3.3.3 O lamento do mediador ........................................................................................... 107
4.1.3.4 Os lamentos de Deus .................................................................................................. 108
4.1.4 A estrutura dos salmos de lamentação ........................................................................... 108
4.1.4.1 Introduçao ou invocação ............................................................................................. 110
4.1.4.2 Desenvolvimento ou súplica ....................................................................................... 111
4.1.4.3 Conclusão ou voto de louvor ...................................................................................... 114
4.2 A SITUAÇÃO VIVENCIAL DOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO .............................. 115
4.2.1 Contexto social das lamentações ................................................................................... 116
4.2.1.1 Contexto cúltico .......................................................................................................... 117
4.2.1.2 Orações privadas......................................................................................................... 120
4.2.2 Contexto composicional e autoria ................................................................................. 122
4.2.3 Função literária e destinatários ...................................................................................... 125
4.3 IMAGENS E SUJEITOS DO GÊNERO DE LAMENTAÇÕES .................................... 128
4.4 A TEOLOGIA DA LAMENTAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO............................ 131
4.4.1 Relação com o Êxodo .................................................................................................... 132
4.4.2 Distinção entre o lamento fúnebre e o lamento da angústia .......................................... 134
4.4.3 O significado da lamentação na teologia do Antigo Testamento .................................. 135
4.4.4 Considerações gerais sobre a perspectiva de lamentação na análise dos salmos .......... 137
4.2.4.1 Os salmos de lamentação fora do saltério .................................................................. 140
4.4.4.2 Sitz im Leben das lamentações proféticas ................................................................... 144
5 O SALMO DE JEREMIAS 20.7-18: ANÁLISE EXEGÉTICA .................................... 148
5.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO LIVRO DE JEREMIAS ................................................ 149
5.1.1 O profeta Jeremias ......................................................................................................... 149
5.1.2 Situação política do antigo Oriente Próximo e em Israel na época de Jeremias ........... 153
12
5.1.3 O exílio babilônico e sua teologia ................................................................................. 154
5.1.4 O livro de Jeremias ........................................................................................................ 158
5.2 ANÁLISE DA FORMA ................................................................................................... 161
5.2.1 Delimitação e tradução da perícope............................................................................... 162
5.2.1.1 Delimitação da perícope ............................................................................................. 162
5.2.1.1.1 Indicadores de um novo começo ............................................................................. 163
5.2.1.1.2 Indicadores ao longo do texto .................................................................................. 167
5.2.1.1.3 Indicadores de término ............................................................................................ 168
5.2.2 Tradução literal do texto ................................................................................................ 170
5.2.2 Problemática quanto à unidade da perícope .................................................................. 173
5.2.3 Forma e estrutura das unidades literárias de Jeremias 20.7-18 ..................................... 178
5.2.3.1 Forma de Jeremias 20.7-13 ......................................................................................... 179
5.2.3.1.1 Primeira estrofe, v.7................................................................................................. 179
5.2.3.1.2 Segunda estrofe, v.8,9 ............................................................................................. 183
5.2.3.1.3 Terceira estrofe, v.10 ............................................................................................... 188
5.2.3.1.4 Quarta estrofe, v.11,12 ............................................................................................ 191
5.2.3.1.5 Quinta estrofe, v.13 ................................................................................................. 197
5.2.3.2 Forma de Jeremias 20.14-18 ....................................................................................... 200
5.2.3.2.1 Primeira estrofe, v.14............................................................................................... 202
5.2.3.2.2 Segunda estrofe, v.15-17 ......................................................................................... 205
5.2.3.2.3 Terceira estrofe, v.18 ............................................................................................... 213
5.3.4 A estrutura de Jeremias 20.7-18 .................................................................................... 214
5.3 ANÁLISE DO CONTEXTO VIVENCIAL ..................................................................... 221
5.3.1 Problemática quanto ao lugar vivencial da perícope ..................................................... 222
5.3.2 Lugar e situação vivencial de Jeremias 20.7-13 ............................................................ 226
5.3.3 Lugar e situação vivencial de Jeremias 20.14-18 .......................................................... 234
5.3.4 Autoria, composição e compilação da perícope ............................................................ 242
5.3.4.1 Autoria da passagem ................................................................................................... 243
5.3.4.2 Redação e compilação da passagem ........................................................................... 247
5.3.4.3 A mensagem profética de Jeremias 20.7-18 ............................................................... 249
5.4 IMAGENS DE YHWH NA LAMENTAÇÃO DE JEREMIAS 20.7-18 .......................... 250
5.4.1 A imagem do sedutor irresistível ................................................................................... 252
5.4.2 A imagem do Deus violento .......................................................................................... 255
13
5.4.3 A imagem do fogo consumidor ..................................................................................... 259
5.4.4 A imagem do salvador vingativo ................................................................................... 261
5.4.5 A imagem do Senhor dos exércitos ............................................................................... 263
5.4.6 A imagem do libertador do pobre .................................................................................. 267
5.4.7 A imagem do subversor das cidades impenitentes ........................................................ 273
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 278
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 287
14
INTRODUÇÃO
A presente dissertação está localizada no campo das Ciências da Religião cuja linha de
pesquisa é Literatura e Religião no mundo bíblico. O objeto de estudo é a perícope da Bíblia
Hebraica do livro de Jeremias conhecida como a última de uma série de suas ―confissões‖.
A terminologia ―confissões‖ não nos pareceu adequada para a presente pesquisa, dado
o gênero literário em que nossa perícope de estudo se encontra, a saber, o gênero de
lamentação. A perspectiva do estudo do gênero de lamentação é bastante complexa e não se
enquadra no conceito de ―confissão‖. O termo confissão se adequa melhor quando tais
lamentos são analisados sob o ponto de vista da linguagem espiritual da oração. A
lamentação, em termos religiosos, é oração que fora registrada. Mas nem toda oração é do
gênero de lamentação.
Em outras palavras, o objeto de estudo é um salmo e deve ser interpretado como tal:
primeiro, porque se trata de uma poesia hebraica, marcada por repetições e imagens
simbólicas comuns à linguagem poética; segundo, porque se apresenta como gênero distinto
do texto imediatamente anterior e imediatamente posterior, a textura de Jeremias 20.7-18 é
poesia da mais alta qualidade com características mesmo no âmbito dos padrões das
lamentações dos salmos; terceiro, está alocada numa estrutura de cadeias narrativas e poesias
intencionalmente organizadas no plano de construção redacional do livro de Jeremias; quarto,
por se tratar de linguagem poética, imagética e simbólica pode possuir múltiplos níveis de
interpretação correlacionados com diferentes períodos da história vinculada à história do livro
de Jeremias e da própria pessoa histórica do profeta. Quito, definir data e autoria de um salmo
é uma tarefa bastante difícil, porém, necessária à interpretação. Portanto, preferimos a
nomenclatura de lamentação.
A ideia da confissão envolve um caráter de tradição religiosa entre tais poesias
(essencialmente as que se encontram entre os capítulos 11 a 20) e a pessoa histórica do
profeta. Alguns estudiosos vinculam nesta delimitação os capítulos 1 a 26. Por conseguinte,
falar em confissão é imediatamente estabelecer que o gênero literário da perícope é o de
lamentação individual e está diretamente ligado ao profeta Jeremias. A questão do gênero,
porém, é mais complexa do que parece. Nem sempre o ―eu‖ poético de um texto se trata de
um indivíduo; pode, pois, assumir a personificação de várias vozes que cantam. Estas vozes
podem ter encontrado ecos na pregação de Jeremias, que serviu-lhes de referencial ou vice-
15
versa. Ao assumirmos que a origem (autoria) da poesia como jeremiana, a definição do
gênero necessita de um exame minucioso. A função do texto em seu contexto literário
também é importante de ser observada. Não obstante, o Sitz im Leben do texto, isto é, seu
lugar vivencial é bastante incerto, uma vez que Jeremias profetizou por um longo e
diversificado período da história do antigo Israel. Contudo, temos bons indícios para datação
uma datação aproximada do texto e localizar a situação vivencial.
A questão que nos chama mais a atenção é a intensidade emocional do poema.
Principalmente, a terminologia empregada pelo salmo-salmista atribui a Yhwh, imagens de
sedução, violência, fogo consumidor, guerreiro, senhor de exércitos, libertador e subversor.
Algumas delas parecem estranhas ao leitor moderno, muito mais àqueles vinculados à
instituições religiosas e que utilizam o texto em suas confissões de fé e sermões.
Portanto, o objetivo geral da presente dissertação é situar a perícope de Jeremias 20.7-
18 no campo da linguagem da lamentação e, com isso, apontar o salmo como parte de uma
linguagem que tem uma função significativa na história, religião e teologia do antigo Israel.
Mais especificamente, queremos nos aproximar da perícope de estudo contextualizados com
tal linguagem.
Para chegar ao nosso objetivo levantamos as seguintes hipóteses, ou seja, se a perícope
de Jeremias 20.7-18 pode ser situada situa no campo da linguagem de lamentação é
necessário, em primeiro lugar, verificar se a lamentação é um fenômeno religioso universal,
isto é, se é possível encontrar em outras sociedades e culturas a lamentação como um
fenômeno; em segundo lugar, se for possível verificar essa universalidade da linguagem de
lamentação, necessitamos estabelecer um modelo de sociedade do mundo antigo, mais
precisamente anterior a Israel, que tenha influenciado os costumes de lamentação daquela
sociedade; em terceiro lugar, necessitamos nos aproximar da reconstrução de uma história da
lamentação do antigo Israel; em quarto lugar, importa averiguar os estudos e pesquisas acerca
do gênero literário de lamentação; por fim, a investigação termina com a análise exegética da
perícope em si para confirmar a presença de tal linguagem. Com isso, poderemos especificar
as imagens de Yhwh dentro do âmbito da linguagem de lamentação do antigo Israel.
O primeiro capítulo, portanto, faz um apanhado histórico da pesquisa e
fenomenológico em busca da universalidade da lamentação. Começaremos por investigar
como se tem dado a pesquisa no âmbito das lamentações; em seguida, verificar a presença de
lamentação em textos sagrados, isto é, em documentos religiosos que registram sua presença e
funções em sociedades e culturas de todas as épocas; caracterizaremos o fenômeno da
16
lamentação em si como um aspecto da experiência religiosa; e, trataremos de algumas formas
de lamento entre culturas.
O segundo capítulo localiza a linguagem de lamentação do antigo Oriente Próximo
como matriz para a lamentação do antigo Israel. A abrangência da lamentação no antigo
Oriente Próximo é grande, envolve vários impérios e países em diversas épocas: lamentos
babilônicos, lamentos sumérios por cidades e lamentos egípcios. Certamente, a lamentação do
antigo Israel foi influenciada pela cultura babilônica e suméria mediada pela religião dos
canaanitas.
A lamentação no antigo Israel é o assunto que dedicamos o capítulo três. Verificamos
o vocabulário hebraico para lamentação, ou seja, as palavras hebraicas que identificam na
literatura sagrada dos judeus os termos para lamentar. Em seguida, apontamos os aspectos
principais do que seria uma provável história da lamentação no antigo Israel, abordando as
prováveis a presença desta linguagem em época anterior ao exílio, na época do exílio e no
período pós-exílico. Obviamente, estamos conscientes da limitação desta perspectiva histórica
da lamentação, afinal, trata-se de uma hipótese. E por mais bem argumentada que tenha sido
feita ao longo dos anos por hábeis pesquisadores, configura-se ainda sim em uma hipótese.
Neste terceiro capítulo, nos dedicamos às funções sociais (incluindo proféticas) religiosas
(cúlticas) e teológicas que a linguagem de lamentação precisamente executa no antigo Israel.
O quarto capítulo é reservado para uma analise do gênero de lamentação na Bíblia
Hebraica. Conhecemos a linguagem de lamentação de Israel através de seus documentos
religiosos. Neste capítulo, destacamos as diferenças entre os tipos de salmos: nacionais,
individuais, de inocência, de penitência e de vingança. Em outras palavras, realizamos um
apanhado geral do conteúdo da pesquisa do gênero. Em seguida, nos dedicamos a salientar a
presença de salmos fora do saltério, assunto de nosso especial interesse no capítulo, uma vez
que nossa perícope se trata de um salmo deste tipo. É provável que nosso salmo não tenha
sido entrado como um dos salmos oficiais do saltério, consequentemente, do culto do Israel
pós-exílico, devido seu caráter altamente intransigente para com Yhwh. Mas ainda assim foi
considerado um salmo importante e colocado como parte das palavras de um dos profetas
mais importantes da história de Israel. Passamos a estudar a estrutura dos salmos de
lamentação até chegar em características peculiares do gênero, tal como lugar social, funções
e nas imagens e sujeitos que permeiam as lamentações bíblicas.
O quinto e último capítulo é a análise exegética da perícope escolhida. Atentamos para
o pano de fundo do livro e características peculiares do livro de Jeremias. Adentramos no
texto bíblico, começando pelo teste de delimitação da perícope e, em seguida, sua tradução
17
literal. A tradução da perícope é bastante literal, porém, o objetivo é mantê-la mais perto do
original, com a finalidade de uma maior precisão nos termos e frases em suas particularidades
morfológicas e linguísticas. Analisamos a forma do texto, o Sitz im Lebem e os conteúdos. Os
conteúdos são desenvolvidos com ênfase e busca pelas imagens de Yhwh da lamentação em
questão. Este último capítulo visa demonstrar que a perícope no livro de Jeremias possuí
características próprias dentro da linguagem de lamentação, bastante influenciada pelos
acontecimentos do exílio. É provável que o profeta tenha exercido uma espécie de função de
articulador da linguagem de lamentação, sendo que a época do exílio fora determinante para o
desenvolvimento da religião do antigo Israel. O profetismo, representado por Jeremias, mais
uma vez marca presença na religião e teologia do povo de Deus do passado.
Na dissertação foi conservado o caráter de pesquisa bibliográfica somado a métodos
exegéticos dos quais o método histórico-crítico abre caminho para o andamento da pesquisa
bíblica científica. O principal referencial teórico foi a Bíblia Hebraica Stuttgartensia
(Stuttgart, Deutsche Bibelgeschlschaft, 1997). Seguido esta principal fonte, seguem outras
versões do livro de Jeremias. Os demais referenciais teóricos e de referencias foram alistados
em notas de rodapé e seguem ao final da dissertação. No horizonte desta pesquisa os livros de
introduções ao Antigo Testamento, teologias do Antigo Testamento, livros mais específicos
de exegeses e comentários bíblicos que contribuem para a apropriação de conceitos
vinculados a perspectiva da lamentação e uma aproximação ao tema proposto.
Propomo-nos a examinar e situar Jeremias 20.7-18 na perspectiva da linguagem de
lamentação. No entanto, ao desenvolver o tema nos deparamos com a problemática do
sofrimento humano. Não podemos ignorar a presença do sofrimento no mundo, em todos os
segmentos sociais e étnicos; principalmente por estarmos envolvidos nele. Descobrimos que a
linguagem de lamentação é a linguagem do sofrimento. ―A queixa integra como componente
essencial o processo de libertação‖ (WESTERMANN, 2005). Ela dá voz àquele que fora
aviltado em sua dignidade e em outras áreas da vida. No livro de Jeremias, a linguagem de
lamentação alcança tonalidades proféticas das acusações, críticas quanto à injustiça social e
desespero diante das calamidades do período que o livro abarca. A pesquisa bíblica deve
encontrar espaço para além dos campos científicos e alcançar o ser humano e responder às
suas necessidades.
Importa destacar algumas questões sobre terminologia usadas ao longo desta
dissertação. A título de acessibilidade na leitura utilizamos algumas vezes a ideia de Bíblia
Hebraica como correspondente para o Antigo Testamento cristão, mas sabemos que se trata
de fenômenos diferentes (SMITH, 2006). Assim acontece com a palavra ―Bíblia‖, que denota
18
uma única obra, mas é composta por vários livros. A ideia de ―livro bíblico‖ também é usada
para simplificar, porém, é claro que os escritos que vieram a ser reconhecidos como ―livro‖ ou
―livros‖ bíblicos têm origem em um longo processo e história iniciada na tradição oral e, por
conseguinte, trabalho em forma de literatura. Por vezes, entre a fala do profeta ou a memória
do mesmo até sua constituição literária final, temos a criação de ―panfletos‖. Os documentos
sagrados nascem da experiência coletiva. Suas forças provem da força da coletividade. Estas
ganham referencia e autenticidade quando vinculadas ao memorial de alguém importante. O
que chamamos de livro bíblico é produto de reflexão comunitária ao longo dos anos,
obviamente, ligadas a um predecessor autorizado e eternizado na memória religiosa do povo
transformado em literatura, literatura sacra.
Com relação a datas também é preciso frisar que nem sempre colocamos as siglas
―a.C.‖ para antes de Cristo e ―d.C.‖ para depois de Cristo. Questão também complexa no
âmbito de terminologia cientifica. O contexto da leitura naturalmente nos mostrará se se trata
antes ou depois de Cristo. Pelo trabalho se concentrar nas páginas da Bíblia Hebraica
Stuttgartensia é natural que as datas sejam vinculadas à época anterior a Cristo.
A tradução utilizada para as citações da perícope da pesquisa é a nossa, sempre o mais
literal possível. Porém, em outras citações é utilizada a versão Nova Versão Internacional, em
português. Se trata de uma versão atual e de fácil acesso a consulta. Ainda que, quando
necessário utilizamos outra versão em português, como a Bíblia de Jerusalém, fazendo a
devida referência. Outras vezes optamos por utilizar termos anacrônicos para situar o leitor no
entendimento geral, como o termo Palestina, por exemplo.
19
1 A UNIVERSALIDADE DA LAMENTAÇÃO
A lamentação é um fenômeno universal. É uma experiência religiosa que existe deste
o mundo antigo até os dias atuais. Esse fenômeno não está restrito apenas ao antigo Israel,
pois vai além dos limites da religião de Israel, literatura hebraica e influências israelitas. O
antigo Israel faz parte de um ambiente maior na qual a lamentação se apresenta. Em outras
palavras, o mundo antigo antes de Israel já testemunha a presença de lamentações em seu
modo de ser.
As maneiras como se apresentam os lamentos são diferentes de uma cultura para outra.
Suas variantes dependem dos símbolos, dos mitos, dos textos e rituais que perfazem cada
cultura. No entanto, essa diversidade de expressar o lamento possuí pontos comuns. Ou seja,
há um núcleo básico que permite ao pesquisador verificar e analisar tal experiência a partir de
várias perspectivas (fenomenológica, psicológica, antropológica, sociológica, filológica,
teológica, etc.)1.
1.1 A LAMENTAÇÃO NA PESQUISA CIENTÍFICA
O tema da lamentação é de grande interesse dos pesquisadores tanto no campo das
Ciências das Religiões quanto da Teologia. Ele tem ocupado espaço nas observações e
análises fenomenológicas do mundo antigo e da religião de Israel e nos estudos teológicos da
literatura hebraica, isto é, do Antigo Testamento. Principalmente, foi a pesquisa da crítica das
formas que possibilitou maiores avanços e contribuições para que a pesquisa da lamentação
tivesse tal reconhecimento.
Ao longo da história da pesquisa da lamentação (que está bastante vinculada à
pesquisa dos salmos) podemos verificar progressos que auxiliaram no avanço da pesquisa e
interpretação. Coetzee sugere seis períodos como base2, mas o estudo da lamentação se
desenvolveu a partir da classificação ―salmos de lamentação‖ amplamente difundida pelo
1 Nossa perspectiva se dá no campo das Ciências da Religião e se concentra particularmente na área das Ciências Bíblicas,
isto é, da exegese e da hermenêutica da literatura e da religião do mundo bíblico em geral. Porém, uma ou outra visão
interdisciplinar torna-se parte do transfundo hermenêutico e exegético que queremos nos ater ao longo desta dissertação. 2 Os períodos sugeridos por Coetzee são: primeiro século d.C., patrística, igreja medieval, hermenêutica da reforma
protestante, pós-reforma (séculos XVII a XIX) e o século XX, que foi a época em que a base da pesquisa dos salmos de
lamentação mais se desenvolveu2. A lamentação começa a ser estudada, a partir do século XX, como um gênero literário
devido à perspectiva da crítica das formas. Consulte: COETZEE, J.H. A Survey of Research on the Psalms of Lamentation.
Old Testament Essays. Pretoria: OTSSA, n.5, p.151-155, 1992.
20
trabalho de Hermann Günkel (1862-1932), reconhecido como o pai da crítica das formas. A
partir do século XX, várias escolas surgiram e ainda perduram. É o caso da Gattungforschung,
ou melhor, a crítica das formas, cujo precursor foi Günkel. Portanto, grande parte da literatura
que visa o estudo da lamentação e/ou do lamento em si concentra-se a partir do exame
acurado do gênero literário dos salmos bíblicos, dentre os quais encontramos o de lamentação.
Reconhecemos, porém, que a crítica das formas não é a única perspectiva de leitura da
lamentação. É correto afirmar que ela abriu caminhos para outros pesquisadores e novas
abordagens de aprofundamento na análise da lamentação. Claus Westermann (1909-2002)
discorda de alguns pontos da classificação pormenorizada de Günkel para os salmos e sugere
uma mais simples: louvor e lamento, apenas (WESTERMANN, 1981, p.15-35). Westermann
considera os salmos bíblicos não só na perspectiva literária, mas da perspectiva da experiência
religiosa (comum à humanidade).
Cada período identificado por Coetzee contribuiu para o avanço da pesquisa dos
Salmos de lamentação, de nosso interesse. É certo que com Günkel ela expandiu-se, porém,
posteriormente, surgiram os estudos de Mowinckel com as interpretações cúlticas dos salmos
e outros estudos mais amplos, como os de Westermann (2005), no âmbito da teologia. E
estudos mais específicos, como os de Gerstenberger (1970). Estes e outros são igualmente
importantes na pesquisa dos salmos de lamentação e, concomitantemente, no da linguagem de
lamentação.
Seguindo Coezee (1992, p.167,168) podemos direcionar algumas possíveis tendências
na pesquisa da linguagem de lamentação: a) os exegetas não podem desprezar as formas de
lamentação da atualidade, pois elas são restritas a cada cultura e idiossincrasia; b) nenhuma
abordagem exegética usada no passado ou no presente pode ser destacada a partir de raízes
históricas e filosóficas; c) a diversidade de perspectivas de pesquisa da lamentação deve ser
respeitada, pois todas elas possuem seus méritos e contribuições; d) as aplicações
hermenêuticas das lamentações dependem da situação de vida do leitor ou ouvinte; e) o
excesso de ênfases nas tendências de interpretação específica deve levar os estudiosos a
retificarem suas ações no pensamento exegético; f) o conhecimento da história de Israel, do
ambiente social, cultural e religioso do pano de fundo do Antigo Oriente Médio, da
arqueologia do mundo antigo, da língua hebraica, do ugarítico, das perspectivas exegéticas
antigas e modernas, princípios hermenêuticos e perspectivas teológicas são indispensáveis
para o crescimento das pesquisas dos salmos de lamentação; g) realizar o exame mais
detalhada nos pontos de estagnação da pesquisa, para tornar mais efetivo e relevante o uso dos
21
salmos de lamentação na experiência religiosa da igreja e das comunidades de fé, de um modo
geral.
As várias situações de sofrimento no mundo, por exemplo, no sul da África e do
chamado Terceiro Mundo, têm requerido novas perspectivas na pesquisa da lamentação
devido às circunstâncias de constantes lamentos e dores na conjuntura da história atual. Uma
dessas novas perspectivas é a da fenomenologia religiosa aplicado às lamentações, dentro do
campo das Ciências das Religiões. Ela procura verificar através dos documentos bíblicos a
―experiência‖ não teológica, isto é, a manifestação religiosa da qual deriva e dá sentido à
prática tão antiga e universal que é a lamentação. Portanto, ela se torna uma forma de
expressão do fenômeno religioso em torno do antigo Oriente Próximo, do antigo Israel e de
outras culturas que a utilizam como recurso sócio, religioso, cultural e literário.
1.2 A LAMENTAÇÃO EM DOCUMENTOS RELIGIOSOS
A humanidade produziu textos e documentos que registram suas percepções religiosas,
sua narrativa mítica de origem e suas práticas rituais; e assim o fez através de sua capacidade
de comunicação escrita. O ser humano é capaz de utilizar a linguagem para perfazer suas
relações3. A linguagem de um modo geral pretende ser organizada e organizadora das
relações da humanidade com o sagrado.
A linguagem religiosa pretende, através de símbolos4, estabelecer a relação com o
sagrado5. O símbolos são ―eternos em sua mensagem e ilimitados em seu conteúdo‖
6. ―As
3 Para Rosenstock-Huessy, existe a linguagem formal, genuína, a linguagem em si. Antes dela, os estudiosos concentram-se
em perceber uma pré-linguagem formal. Depois dela, fala-se em linguagem informal. A linguagem informal é desleixada, a
formal é organizada e organizadora. ROSENSTOCK-HUESSY, Eugene. A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro: Record,
2002, p.40. 4 ―O símbolo em seu significado primitivo era um signo de reconhecimento, por meio do qual o mundo tornava-se legível,
traduzindo em termos de realidade objetos irreais, os quais constituíam pensamentos eternos. Tanto a imagem como o ícone
ou o próprio símbolo constituem representações, porém a imagem ou ícone difere do símbolo, à medida que o símbolo tem
um caráter de estar presente no interior do funcionamento social com um movimento afetivo dos seres humanos sobre uma
mesma figura sintética [...] O símbolo sintetiza a histórias e as emoções de povo determinado e serve de alicerce, ainda, para
a construção da própria cultura‖. Conforme: GOMES, Antônio M.; COLONHEZI, Laura. ―A Religião como Linguagem
Simbólica: Aproximações entre Durkheim e Jung‖. Revista Ciências da Religião – História e Sociedade. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, n.1, v.3, 2005, p.225. 5 Os símbolos religiosos são a linguagens do mistério e atuam para dar significação à vida do ser humano e, portanto, ao
simbolizar o sujeito está construindo uma representação sensível, ou seja, um significado. O simbolismo religioso serve de
mediação entre a experiência individual e a experiência coletiva, universalizando a linguagem sagrada e possibilitando ao
místico a participação na experiência transcendente primordial. GOMES, Antônio M.; COLONHEZI, Laura. ―A Religião
como Linguagem Simbólica: Aproximações entre Durkheim e Jung‖. Revista Ciências da Religião – História e Sociedade.
São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, n.1, v.3, 2005, p.230,231. 6 ―Símbolos assemelham-se a horizontes. Horizontes: onde se encontram eles? Quanto mais deles nos aproximamos, mais
fogem de nós. E, no entanto, cercam-nos atrás, pelos lados, à frente. São o referencial do nosso caminhar. Há sempre os
22
religiões empregam essas imagens simbólicas e as utilizam para se exprimir justamente
porque o ser humano busca nelas, e por meio delas, a representação da totalidade da vida e o
sentido da própria existência e do universo‖ (GOMES; COLONHEZI, 2005, p.227,228). A
religião e seus símbolos fornecem caminhos para que os seres humanos se relacionem com
seu mundo interior e exterior7.
A linguagem religiosa escrita, por sua vez, reorganiza a estrutura simbólica e subjetiva
de determinado grupo religioso e impede o surgimento de maus entendidos advindos de
lógicas contrárias aos seus sistemas religiosos. Os documentos religiosos impedem a
elucubração dialógica que descaracterizaria os componentes essenciais que definem tal
grupo8.
É na linguagem escrita que os componentes dos grupos são vinculados entre si e ela se
torna um veiculo promotor de uma religião (PINTO, 2002, p.81-98). A literatura religiosa
torna perceptível, no momento necessário (geralmente num ritual cúltico), a individualização
e distinção do outro; e em outro momento, a identidade coletiva. A linguagem apresentada
nos documentos religiosos aponta para o ideal de uma religião (BAUMANN, 2010).
Os documentos sagrados de um grupo é que proporcionam uma observação do
universo simbólico próprio de sua religião9. A literatura religiosa é uma das formas de
comunicação que pretende influenciar o outro e seu ―[...] objetivo é sempre o convencimento
dos ouvintes ou leitores a adotarem uma atitude ou comportamento ideal, de acordo com
certos padrões religiosos já estabelecidos ou, ao contrário, como ocorre na profecia bíblica,
novos‖ (MALANGA, 2005, p.31).
horizontes da noite e os horizontes da madrugada... As esperanças do ato pelo quais os homens criaram a cultura, presentes
no seu próprio fracasso, são horizontes que nos indicam direções. E esta é a razão pela qual não podemos entender uma
cultura quando nos detemos na contemplação dos seus triun fos técnico-práticos. Porque é justamente no ponto onde ele
fracassou que brota o símbolo, testemunha das coisas ainda ausentes, saudade de coisas que ainda não nasceram [...]‖.
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.22. 7 ―[...] E é aqui que surge a religião, teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos horizontes, a mais
fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza [...] A religião se nos apresenta como um discurso, uma rede
de símbolos. Com esses símbolos os homens discriminam objetos, tempos e espaços, construindo, com o seu auxílio, uma
abobada sagrada com que recobrem o seu mundo. Talvez porque sem ela o mundo seja por demais frio e escuro. Com seus
símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos‖. ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo:
Martins Fontes, 1991, p.24. 8 Girard dividiu a simbologia da Bíblia, que é de nosso maior interesse na presente pesquisa, em quatro grupos ―ancorados
cada um numa experiência humana fundamental e universal (manifestação divina, relação com o útero materno, hostilidade
das forças do mal, aspiração à transcendência)‖. GIRARD, Marc. Os Símbolos Na Bíblia: Ensaio de Teologia Bíblica
Enraizada na Experiência Humana Universal. São Paulo: Paulus, 1997, p.789. Porém, cada elemento simbólico na Bíblia
Hebraica deve ser interpretada diferentemente, de acordo com o contexto em que se encontra. 9 Os textos sagrados ―são mais importantes para sacerdotes do que para leigos‖, porque a vida religiosa ―é mais abrangente
do que apenas a doutrina e sua interpretação‖. Em outras palavras, nem sempre o texto sagrado reconhecido de uma
comunidade irá proporcionar a última palavra acerca de sua religião, mas sim a sua prática derivada (ou não, no caso das
chamadas religiões ―primitivas‖) deste texto reconhecido como definidor da vida religiosa. Isto é, a vida religiosa também
pode ser perceptível através dos mitos, ritos e símbolos constituintes de determinado sistema religioso. Os documentos
sagrados potencializam essa descoberta e envolvimento do pesquisador. GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é Ciência da
Religião? São Paulo: Paulinas, 2005, p.63.
23
Em vários segmentos religiosos na história da humanidade atesta-se a presença de
documentos religiosos. Onde são, por vezes, registrados a partir de tradições orais com a
finalidade de responder às tensões externas ao meio e definir a identidade religiosa-cultural do
grupo. O antigo Oriente Próximo testemunha essa produção literária de feitio religioso. O
povo de Israel, sobremaneira, contribuiu com esta perspectiva legando o que chamamos de
Bíblia Hebraica (a parcela que interessa nesta pesquisa).
As tradições religiosas (por vezes, milenares) que produziram literatura (sacra) foram
oralmente transmitidas e registradas para delimitar a identidade e status quo de determinada
sociedade (GRESCHAT, 2005, p.49-57). Para o antigo Israel, a produção da Bíblia Hebraica,
isto é, o seu conjunto oficial de textos sagrados, consistiu num longo período e passou por
diversas etapas até a definição de um cânon oficial. Para Alter, a ―evidência dos textos sugere
que o impulso literário no Israel antigo eram inextricáveis, de modo que para entender o
segundo é preciso levar plenamente em conta o primeiro‖ (ALTER; KERMODE, 1997, p.29).
Em outras palavras, o fenômeno literário em Israel está intimamente relacionado com sua
religião.
Segundo Rainer, podemos localizar intensa atividade editorial em Israel durante o
período da monarquia e do exílio, épocas de tensões e ressignificações na compreensão da
realidade para Israel (RAINER, 2003). Na época do exílio, principalmente, instaurou-se em
Israel a necessidade de ressignificação de seu universo religioso. Os textos da Bíblia Hebraica
interpretam e descrevem os eventos passados à luz de sua cosmovisão [presente] e, nesse
contexto, os ―artefatos que refletem este contexto‖ (SMITH, 2006, p.36). A literatura sagrada
de Israel é uma narrativa interpretada e ―suplementada‖ ao longo dos anos que retrata a
memória religiosa do povo. É por meio da narrativa que Israel constrói sua compreensão da
realidade: de Deus, de si, do indivíduo e do mundo (SMITH, 2006, p.190-203).
Portanto, a Bíblia Hebraica é a fonte da qual nos aproximamos das lamentações. A
textura na qual esses lamentos se apresentam é a poesia. Cerca de um terço de toda a Bíblia
Hebraica é composto de poesia. Essa descoberta é de certo modo recente na história da
pesquisa. Foi somente em 1753 que Robert Lowth (1710-1787), bispo da igreja Anglicana,
influente professor de poesia e língua inglesa da Oxford University, chegou à conclusão de
que certas partes da Bíblia Hebraica se tratavam de poesia. Seu livro Lectures on the Sacred
Poetry of the Hebrews deu início aos estudos que envolvem a estrutura da poesia hebraica
24
(LOWTH, 1815). Tal pesquisa já avançou bastante, mas ainda promove discussões e
descobertas dos pesquisadores de diversas áreas do conhecimento10
.
A linguagem de lamentação, portanto, no contexto de nossa pesquisa pode ser
acessada através da verificação e análise das fontes na qual esse tipo de linguagem se
manifesta, isto é, a Bíblia Hebraica. Ou seja, é a partir da análise dos textos de lamentações
neste conjunto literário sagrado da religião de Israel que analisamos as lamentações e,
significativamente, as lamentações no livro de Jeremias.
1.3 O FENÔMENO DA LAMENTAÇÃO
A prática da lamentação é uma experiência internacional ligado às tradições do antigo
Oriente Próximo, anterior e além de Israel. Mas esta experiência perpassa toda e qualquer
cultura, pois está vinculada à experiência religiosa do ser humano.
O Israel que encontramos nas páginas da literatura canônica estava imbuído num
universo maior que si mesmo. O Israel corporativo foi influenciado pelas culturas que
encontrou no contexto geográfico e cultural em que se estabeleceu. Somente assim, eles
puderam, mais tarde, influenciar outros com sua prática e literatura de lamentação.
O pressuposto de que a lamentação é um fenômeno universal pode ser devidamente
localizado entre as ciências humanas e das religiões porque: envolve a existência humana e
suas relações, incluindo sua relação com o sagrado; e, demonstra que o sofrimento é
universal, para além das diferenças culturais. O sofrimento humano possuí dimensões
individuais e sociais. É resultado de diversos fatores como perdas, fracassos, doenças, morte,
violências, medos, conflitos inter e intrapessoais. Em outras palavras, o sofrimento é parte
integrante da vida. Os danos e perdas têm seu retrato tanto na configuração física e
psicológica do ser, quanto na sua dinâmica social. As perdas provocam perplexidade e
inconformidade à existência humana (GERSTENBERGER, 2007, p.7-16).
Os sofredores ao longo da história, especialmente a história das religiões, recorriam à
prática da lamentação para dar voz ao seu sofrimento; recorriam aos lamentos em diversos
contextos para fazer algo quando não havia mais nada o que fazer. Através da lamentação,
expressavam em liturgias, textos e canções as questões profundas e complexas da existência
10 Consulte: ALTER, Robert. The Art of Biblical Poetry. New York: Basic Books, 1987; ALTER, Robert. ―As Características
da Antiga Poesia Hebraica‖. In: ALTER, Robert; KERMODE, Frank. Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1997, p.653-666.
25
humana; e ao cantar suas injustiças expunham suas emoções dolorosas e perplexidades. Com
isso, o sofredor não poderia acomodar-se diante da dor de suas perdas.
Nos lamentos, as pessoas atestam que a vida não deveria ser do jeito que é. Elas têm a
consciência do caos estabelecido em suas relações (com o mundo, com outros indivíduos,
com o grupo humano de modo geral e com o sagrado, isto é, com Deus). Lamenta quem atesta
sua finitude, fragmentação de ser e falta de sentido (CROATTO, 2010, p.41-46). Lamenta-se
pela ausência. O lamento é realizado, segundo as palavras de Wolterstorff, por ―tudo o que
poderia ter sido, e que nunca mais será‖ (2007, p.26). A prática da lamentação envolve a
experiência humana/religiosa como tal.
Considerando isso, a prática da lamentação constituí na interioridade humana o desejo
(inato) de organização de seu universo e a possibilidade de esperança de salvação
(CROATTO, 2010, p.46-48). Naturalmente estamos considerando como pressuposto básico o
ser humano como ser inerentemente religioso, isto é, como homo religiosus (homem
religioso) (ELIADE, 2008, p.170). Portanto, a lamentação pode ser uma experiência
(hierofania) deste ser humano religioso com o mysterium (mistério, divindade, Deus) por
causa da vivência inevitável do sofrimento.
Como toda experiência religiosa, ela é constituída de: um universo simbólico peculiar
ao lamentador e à coletividade no qual o individuo está incluso; e da possibilidade de relação
com o sagrado para que o ser humano liberte-se da dor ao experimentar transcendência. Daí a
importância da prática da lamentação estar voltada para o sagrado, que é o que acontece
visivelmente na tradição judaico-cristã. A lamentação adentra aos limites das linguagens da
experiência religiosa.
Por isso, em uma dentre várias formas de lamentação, o sofredor ou suplicante realiza
em um ato de contestação contra sua divindade, originada a partir do desconforto na relação
de um ―eu/nós‖ com o ―Tu‖. Às vezes, esse tipo de lamentação não exige reverência, nem
qualquer pomposidade litúrgica como vemos na presente pesquisa: os lamentos do livro de
Jeremias são como desabafos perplexos de quem se sente humilhado pela própria divindade.
Peterson (PETERSON, 2007, p.210) parafraseia Buber (BUBER, 1949, p.164,165)
exemplificando essa relação conturbada que existe na experiência religiosa da lamentação:
Ele, a quem e por meio de quem a palavra é falada, é uma pessoa no pleno
sentido da palavra. Antes da palavra ser proferida por ela na linguagem
humana, ela lhe é falada em outra linguagem, da qual é traduzida para a
humana, para ele esta palavra é dirigida como ocorre de pessoa a pessoa.
Com o propósito de falar ao homem, Deus deve tornar-se uma pessoa, mas
para falar a ele, Deus deve torná-lo uma pessoa também... De todos os
26
profetas israelitas, somente Jeremias ousou notar esta corajosa e devota vida
de conversação do totalmente inferior para com o absolutamente superior –
em tal medida que o homem aqui se torna uma pessoa. Todo relacionamento
de fé israelita é dialogal; onde o diálogo atinge a sua mais pura forma. O
homem pode falar e é autorizado a tal; se apenas ele falar verdadeiramente
com Deus, não há nada que o homem não possa dizer a Ele.
A lamentação, como fenômeno humano-religioso que é, dá inteligibilidade ao caos
existencial que o ser humano não pode e nem consegue viver, proporcionando através de sua
prática a possibilidade de reestruturação da vida. Do ponto de vista fenomenológico, a
lamentação retrata o universo do sofredor e suas convicções religiosas. Por isso, em nosso
entendimento, o palco genuinamente religioso do antigo Israel torna-se paradigmático para
identificação desta universalidade do lamento e do universo simbólico da linguagem de
lamentação. Isso nos dará legitimidade para aproximarmos do tema dentro dos limites do livro
de Jeremias.
Toda lamentação tem um ―eu/nós‖ (implícito ou explícito) que sofre algum infortúnio
causado por outrem (inimigos ou algo semelhante a isso como expressões simbólicas). Quem
sofre é porque perdeu algo e encontra-se sem esperanças de restituições imediatas e
equivalentes ao dano ocorrido. Para tanto, o lamento é o choro mais profundo da alma que
procura sair da tragédia rumo à transformação. Ele dá o tom da interioridade nas palavras e
das ações de quem tem fé mesmo sem esperanças evidentes ao seu redor. É uma experiência
que preenche a lacuna entre as hesitações humanas de crer e descrer diante as desgraças da
vida.
Quem chora, lamenta para além de suas angústias e pode se tornar simpático em
relação às feridas alheias. A prática da lamentação expande o universo interior do sofredor
para além de si mesmo, tornando-o solidário às experiências dos solitários sofredores. O
lamento de um encontra eco na experiência de outros. É isso que queremos ao nos envolver
com a experiência de lamento do livro do profeta Jeremias; embora a lamentação seja, muitas
vezes, de linguagem estritamente pessoal, ela tem identificação com o choro de outros que
choram. Portanto, é algo voltado para o individuo em si, mas encontra sua expressão também
no coletivo.
Em suma, lamenta quem sofre. Isto faz com que a experiência do lamento seja
universal. A presença de lamentações na literatura do mundo antigo é prova de que desde
épocas remotas aguardava-se a salvação de seus ―deuses‖ por causa do sofrimento, ora
causado pela própria degeneração da humanidade, ora causado por inimigos da vida e
deturpadores do amor. Todavia, a lamentação atesta através da riqueza poética do individuo e
27
de sua sociedade que é possível interagir com Deus mesmo quando não há nada o que fazer e
nem dizer. Em outras palavras, a lamentação é o choro que atraí Deus, rememora a
consciência da presença viva dele e expressa o clamor da alma sem formalidades mesmo na
escuridão mais sombria das dificuldades da vida.
A lamentação presente na sociedade e literatura do oriente médio, especialmente nas
páginas das Escrituras hebraicas e cristãs é história e literatura, mas também o veredito de que
a humanidade chora suas dores; chora diante de Deus, aguardando a intervenção salvadora do
Senhor. A lamentação permite que o ser humano veja o mundo através das lágrimas, para
então, ser possível ver coisas que se vêem com os olhos secos (WOLTERSTORFF, 2007,
p.30).
1.4 O LAMENTO ENTRE CULTURAS
A lamentação, como vimos, trata-se de um fenômeno universal, comum aos seres
humanos. Fundamentalmente, ela surge a partir de um senso de perda. A linguagem na qual se
expressa, isto é, o seu discurso, é particular. Normalmente, as expressões de lamento estão
associadas às canções e à poesia. Elas são produto da alma de quem sofre. Cada qual em sua
intensidade própria. O sofrimento humano perpassa as épocas, culturas e tradições.
Principalmente, em culturas onde a violência e a exploração espreitam a vida.
Os lamentos na tradição cultural do Antigo Oriente e do Israel bíblico, que são de
interesse de nossa pesquisa, eram encontrados em forma de poesia, envolviam o culto e a
comunidade, e chegam a nós através de seus textos sagrados.
É interessante notar que além da literatura sagradas dos judeus, sabemos que o mundo
greco-romano também atesta a presença de lamentações em seus textos e em sua mitologia.
Os pesquisadores da literatura grega encontram e analisam os lamentos da Ilíada (PERKEEL,
In: SUTER, 2008, 93-117): lamentos que falam de várias temáticas, como morte e
assassinato, miséria e dor, etc. Suter identifica outras expressões de lamento são registradas
nesta cultura, especificamente àquelas identificadas com a época micênica (SUTER, 2008,
258-280).
A diferença que reside entre estes lamentos gregos e os salmos hebraicos é que estes
são escritos para servir de funções artísticas somente ou para temática referente às boas e más
escolhas da vida; enquanto aqueles além de retratar a situação vivencial de uma comunidade,
28
também possui seus aspectos rituais e litúrgicos. Não obstante, os lamentos hebraicos nascem
da experiência que passa da tradição oral para a escrita; os lamentos gregos nascem em forma
de literatura.
A literatura moderna também incluiu textos de lamentação e poesia de sofrimento. São
textos que relatam determinadas situações culturais e locais. Podemos encontrar nos poemas
de T.S. Eliot lamentos que descrevem desolações sociais e individuais. Através de seus
personagens, Eliot expressa dramas poéticos em forma de lamentação. Um de seus poemas é
considerado um grande lamento, com título em inglês ―The Waste Land‖ (Terra Desolada),
datado de 1922. Neste poema percebem-se claramente algumas temáticas semelhantes aos
lamentos dos profetas bíblicos, como: personificação da cidade, personificação da natureza,
morte e sepultura, e imagens peculiares do seu tempo: fogo, afogamento, trovões e cenas
apocalípticas (RION, 2006). Estas imagens, diga-se de passagem, são bem comuns para o
homo religiosus (homem religioso)11
.
Antes de Eliot, Dostoiévski escreveu um livro que pode ser considerado um lamento:
―Crime e Castigo‖, publicado em 1866 na Rússia. Nesta obra ele lamenta a maldade humana
representada pela soberba de Svidrigailov e Lujin (DOSTOIÉVSKI, 2002). É notório o
lamento que o escritor transparece por uma sociedade injusta. Retrata a solidão humana de
forma desesperadora, semelhante ao sofrimento dos salmistas. Ainda que sob a ideologia do
existencialismo e com conexões religiosas, Dostoiéviski enfoca predominantemente o tema da
salvação por meio do sofrimento. Alguns anos mais tarde, em ―Os Irmãos Karamazov‖ (1879)
ele escreve que ―as lamentações só se acalmam roendo e dilacerando o coração. Uma dor
assim não quer consolações, alimenta-se da idéia de ser inextinguível. As lamentações são
apenas a necessidade de irritar cada vez mais a ferida‖ (DOSTOIÉVISKI, 2001, p.59).
Atualmente, Lee tem se dedicado neste tipo de pesquisa da lamentação utilizando
como ponto de partida de seus pressupostos os lamentos bíblicos. Ela entende que a literatura
bíblica não deve ficar restrita somente as especulações acadêmicas, mas deve responder às
questões relativas à vida humana. Lee entende que o lamento bíblico, essencialmente voltado
para Deus, é um recurso elementar para as pessoas na contemporaneidade; para aqueles que
anseiam dar voz ao seu sofrer, auto afirmar-se e encontrar esperança em meio às dificuldades
sociais e individuais pertinentes à sua cultura12
.
11 Segundo Croatto, o símbolo é a linguagem primordial da experiência religiosa. Veja mais sobre a configuração simbólica
na experiência religiosa em: CROATTO, José S. As Linguagens da Experiência Religiosa: Uma Introdução à
Fenomenologia da Religião. 3ª.ed. São Paulo: Paulinas, 2010, p.81-128. 12 Consulte as obras de Lee sobre o assunto: LEE, Nancy. Lyrics of Lament: From Tragedy to Transformation. Minneapolis:
Fortress Press, 2010; e, LEE, Nancy. The Singers of Lamentations: Cities Under Siege From Ur to Jerusalem to Sarajevo.
Leiden: Brill, 2002.
29
Segundo o sociólogo polonês Bauman, estudioso das ciências sociais e da pós-
modernidade, o mundo global experimenta uma constante ansiedade causada por vários
fatores, como: incidência do terrorismo, a violência nas cidades, corrupção social,
deslocamentos econômicos, a pobreza e a fome no mundo, etc13
. Estes fatores contribuem
para uma série de consequências na experiência da vida humana como um todo: medo14
,
raiva, angústia, a fragilidade nas relações humanas15
e a decadência das instituições sociais,
especialmente a família. Para ele, de um modo geral, a sociedade vive um mal estar e
ambivalência na existência humana16
. Segundo suas hipóteses, a sociedade carece de
―segurança‖17
.
Lee entende que este tipo de cultura – identificada por Baumann como modernidade
líquida – é permeada de perdas. Ela tem registrado o surgimento de lamentos em sociedades
mais violentas e onde a desigualdade social impera. A pesquisadora acredita que as culturas
contemporâneas onde a perda é aguda, o lamento é necessário para dar voz e visibilidade aos
que sofrem. Por isso, acredita que os lamentos bíblicos podem cumprir esta tarefa. Como
consequências disso, as comunidades religiosas de tradição judaico-cristãs devem dar
continuidade à prática humana de lamentação, tornando possível a conexão entre o lamento
particular dos tempos bíblicos e o universal, comum aos seres humanos (LEE, 2010, p.21-72).
Portanto, o senso de perda é universal, a expressão desta perda – especialmente, aquela
voltada para Deus – é particular. As expressões de lamento ganham espaço, por exemplo, nas
culturas do antigo Oriente Médio; no antigo e moderno Israel; no sul da África, no contexto
da AIDS; ao norte da África o problema com a malária; na população do Iraque afligida por
guerras; nos países onde impera a pobreza e a desigualdade socioeconômica, como alguns da
América-Latina, etc. Essas cultura expressam seus lamentos de seus hinos, canções, poesias e
orações e com isso têm dado voz ao seu sofrimento e caminhado em direção à esperança e
dignidade.
13 Consulte: BAUMANN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. 14 Consulte: BAUMANN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. 15 Acrescentamos a opinião de Bauman dizendo que o ser humano da pós-modernidade, ou da modernidade liquida, como ele
prefere caracterizar, também sofre fragilidades em seu relacionamento com o sagrado, isto é, com Deus. A relação com Deus
em termos de afeto torna-se cada vez menos sólida, uma vez que a esfera da afetividade e dos desejos humanos encontra-se,
na opinião de Bauman, afetados pela atual conjuntura cultural e filosófica da sociedade. Em outras palavras, apesar do ser
humano ser inerentemente religioso, isto é, ansiar por uma transcendência, uma conexão com o sagrado, tem preterido as
relações ditas ―religiosas‖ por aquelas meramente profanas; muito provavelmente pela carência dos modelos e padrões de
relação com o sagrado em si. Consulte também: ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões. 2ª.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2008. 16 Consulte: BAUMANN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004. 17 Consulte: BAUMANN, Zygmunt. Comunidade: A Busca por Segurança no Mundo Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2003.
30
Lee também se dedica em encontrar na contemporaneidade quem são os poetas e
cantores que dão voz aos que sofrem, e as novas formas que se apresentam os cânticos de
lamentação; por exemplo, para a autora, a cerimônia chamada ―dança do sol‖ realizada por
várias tribos indígenas norte-americanas é um ritual de lamentação, respeitando toda
diversidade e singularidade de expressões religiosas desta cultura. Este exemplo, na
argumentação da autora, nos mostra a diversidade cultural das expressões humanas para dar
voz à sua dor (LEE, 2010, p.66,67). O trabalho de Lee é o que nos parece ser o que mais
contextualiza o modelo bíblico da lamentação em face às injustiças atuais18
.
A prática universal da lamentação está presente em várias culturas. Sua linguagem é
particular. Portanto, a lamentação bíblica, como de Jeremias, encontra ecos nas lamentações
de hoje e nos serve de modelo para sequencia da presente pesquisa.
18 Consulte especialmente o capítulo dois, ―Features of Traditional Lament Across Cultures‖ e o oito ―From Tragedy to
Transformation‖ do livro: LEE, Nancy. Lyrics of Lament: From Tragedy to Transformation. Minneapolis: Fortress Press,
2010, p.49-72; 197-208.
31
2 A LAMENTAÇÃO NO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO
A pesquisa bíblica tem reagido positivamente aos novos horizontes dos estudos do
contexto religioso do antigo Oriente Próximo19
. A influência cultural e religiosa do Antigo
Oriente sobre as concepções de mundo, linguagem e costumes sociais e religiosos do Antigo
Israel é bem maior do que transparece.
Os estudiosos das religiões comparadas têm interesse nas descobertas literárias do
antigo Oriente Próximo. Pois, elas proporcionam insights importantes na compreensão do
antigo Israel. Para Eliade, ―a história das ideias e das crenças religiosas se confundem com a
história da civilização. Cada descoberta tecnológica, cada inovação econômica e social, é, ao
que parece, ‗reprodução‘ de um sentido e de um valor religioso‖ (ELIADE, 2010, p.54).
Notoriamente, as descobertas do antigo Oriente Próximo estão envoltos na esfera da religião,
ou no mínimo, a religião está imbuída nelas.
A lamentação no contexto do Antigo Oriente Próximo, como expressão literária,
religiosa e cultural, certamente, influenciou o modo de pensar e agir do antigo Israel. Essa
influência tem início desde a incerta origem de Israel e seus primórdios, isto é, a assentação
do povo de Israel em Canaã, perpassando toda formação religiosa de Israel até a época de
desenvolvimento literário e cúltico que conhecemos em seus textos sagrados.
2.1 LAMENTOS SUMÉRIOS PELAS CIDADES DESTRUÍDAS
A terra do antigo Israel é chamada na Bíblia por Canaã, hoje Palestina20
, se localiza
entre a Mesopotâmia e o Egito. Foi somente depois da descoberta do ferro, cerca do ano 1200,
que Israel se estabeleceu neste local, pois esta região montanhosa era repleta de matas. Este
antigo Israel é produto desta Palestina21
. O palco onde sua história é formada é a parte
19 Para uma aproximação do que seria o território do que nas pesquisas comumente é chamado de ―antigo Oriente Próximo‖
confira: GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas, 1988, p.46-50. 20 Sobre o termo ―Palestina‖ (claramente um anacronismo para a presente dissertação) consulte: DONNER, Herbert. História
de Israel e dos Povos Vizinhos v.1: dos Primórdios até a Formação do Estado. 4.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006, p.50. 21 As hipóteses sobre o surgimento de Israel são basicamente duas. A primeira, afirma que Israel deriva de ―tribos
seminômades das cercanias das terras cultiváveis‖ e afirmam que estes pastores, ―em algum momento, interrompem sua
transumância regular e tornam-se camponeses‖. Schwantes discorda desta perspectiva, pois entende que os pastores são
originários como resultado do campo e não o contrário. Conforme: SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. São
Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.11. A segunda hipótese entende que Israel resulta de ―desintegração‖ da sociedade
cananeia ao final do período do bronze e, fundamentalmente, do êxodo da população dos vales para a região das montanhas.
Conforme: GOTTWALD, Norman. As Tribos de Iahweh: Uma Sociologia da Religião de Israel Liberto 1250-1050 a.C. 2.ed.
São Paulo: Paulus, 2004. Consulte também: DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos v.1: dos Primórdios
até a Formação do Estado. 4.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006, p.60-81.
32
meridional do corredor siro-palestinense, entre os territórios de aluvião fluvial do Egito e da
Mesopotâmia. Israel é marcado pela geografia e o clima do Mediterrâneo. É marcado
também, sobremaneira, em seu início e no decorrer de seu desenvolvimento, pelas influências
literárias e religioso-culturais dos povos do Oriente Próximo, isto é, os do Egito e da
Mesopotâmia.
Sabemos destas influências através do acesso a antigas fontes literárias (e
arqueológicas) do mundo antigo como um todo, que em comparação com as fontes literárias
dos israelitas demonstram vínculos com a realidade cultural que permeava aquele ambiente.
―A maioria da prova na escrita procede de textos estatais ou dos templos nos arquivos das
principais potências do Egito, da Suméria, da Acádia, da antiga Babilônia, da Assíria, do
império hitita, e da Pérsia‖ (GOTTWALD, 1988, p.60).
A religião mesopotâmica teve início na Suméria. Pouco se sabe a respeito deles e de
sua língua. Mas a conservação de sua produção literária nos permite acessar informações dos
costumes do antigo Oriente Próximo, especialmente, em nosso propósito, de sua cosmovisão
religiosa e em como isso influenciou o antigo Israel e sua literatura (ELIADE, 2010, p.68,75).
A presença de lamentações no antigo Oriente Próximo é evidente nos poemas de
lamentações mesopotâmicos. Certamente, as práticas de lamentar destes povos estão
relacionadas com a experiência da dor e estranheza da morte através de rituais ou encenações
que acompanhavam o luto. Os lamentos mesopotâmicos mais antigos são relacionados aos
salmos sumerianos pelas cidades destruídas, embora exista evidência do gênero anterior ao
conjunto literário mais conhecido. Na pesquisa do mundo do antigo Oriente Próximo, estas
são compreendidas como um gênero literário.
Os estudos quanto à literatura suméria e ao trabalho de reconstituição dos textos só foi
possível depois dos avanços das pesquisas na língua suméria22
. Após estes avanços
linguísticos, os pesquisadores procuraram correlacionar estes poemas com os poemas de
lamentações da Bíblia Hebraica.
22 Os temas destas literaturas sumerianas são diversos: forças da natureza, imagens cósmicas, narrativas míticas, noções de
pecado e reorganização do cosmos. Em sua história, os sumérios foram subjugados pelos acadianos, anos mais tarde de seu
assentamento na baixa Mesopotâmia. Os acadianos vinham do deserto da Síria e penetraram nas cidades sumerianas até o
ponto de imporem uma espécie de simbiose religiosa-cultural. Mais tarde, é possível encontrar pesquisas que afirmem que
estes dois países foram unificados num só, tornando-se uma cultural única, chamada de babilônica. Mas ainda assim, essas
duas culturas mantiveram aspectos religiosos peculiares e próprios. ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias
Religiosas, Volume 1: da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010, p.66-91.
33
Os lamentos sumérios pela cidade destruída são cinco23
. Eles aparecem, nas pesquisas
atuais, como um único conjunto e inclui uma sexta lamentação (este sexto lamento está em
estado fragmentário, bem comprometido). São eles: lamento por Ur; lamento pela Suméria e
Ur; lamento por Nipur; lamento por Eridu; lamento por Uruk; e, lamento por Ekimar. Este
último, por ser bastante fragmentado, é descartado pelas pesquisas de ponta.
O lamento pela destruição de Ur é relacionado à tragédia que acometeu a terceira
dinastia de Ur. Ur foi dominada pelos Elamitas por volta de 2000 a.C. Foi Kramer que
inaugurou as pesquisas deste primeiro lamento em uma edição crítica com a tradução do
lamento (KRAMER, 1940). Kramer também foi o responsável pelas edições inglesas da
tradução e crítica do segundo lamento, ―lamento de Ibbi-Sin‖ e pelo terceiro, ―lamento por
Nipur‖ (KRAMER, In: PRITCHARD, 1969, p.611-619). Kramer é um dos mais respeitados
estudiosos do mundo e língua sumerianos do mundo. Os outros dois lamentos, ―lamento por
Eridu‖ e ―lamento por Uruk‖ foram traduzidos por Green (GREEN, 1978, p.127-167;
GREEN, 1984, p.253-279). O sexto lamento, o pela destruição de Ekimar não tem tradução
conhecida. Mas o desenho da tabua que está no museu de Istambul foi reproduzido por
Kramer (KRAMER, 1944).
Estes poemas são composições longas, por isso decidimos não transcrevê-los aqui.
Possuem mais de quatrocentas linhas. O lamento pela Suméria e Ur, também chamado de
―Ibbi-Sin‖ possuem quinhentas e cinquenta e nove linhas, é o maior dos lamentos; o lamento
por Ur possuí quatrocentos e trinta e seis versos; o lamento por Nipur possuí trezentos e vinte
e seis linhas; o lamento por Uruk possuí duzentos e cinquenta e uma linhas, mas estas são
foram preservadas e devem representar de sessenta a setenta por cento do que seria a tabua
original; o lamento por Eridu possuí duzentos versos, mas encontra cerca de vinte por cento
de seu estado corrompido.
Estes cinco lamentos principais tratam fundamentalmente das circunstancias e
destruições que cidades sumérias sofreram sob investida estrangeira, ou seja, por causa de
guerra e invasões24
. Eles foram escritos por volta de um período de cento e cinquenta anos. A
época é correspondente ao início da dinastia Isin, localizada junto ao período da Mesopotâmia
23 Antes destes documentos cujos pesquisadores identificam como ―lamentos pela cidade‖, já havia a presença de
lamentações na dinâmica religiosa dos sumérios. A prática de lamentar faz parte da cultura suméria desde tempos remotos.
Normalmente, está ligada às mortes das divindades, segundo seus mitos, e com a destruição de templos e cidades. Em geral,
está relacionada com a morte. Conforme: OTTERMANN, Monika; SCHWANTES, Milton (Orient.). As Brigas Divinas de
Inana: Reconstrução Feminista de Repressão e Resistência em Torno de uma Deusa Suméria. 2007. 339 f. + anexo 70 f.
Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007. 24 Para acessar um excelente resumo dos antecedentes históricos, sociais e culturais da Suméria, consulte: OTTERMANN,
Monika; SCHWANTES, Milton (Orient.). As Brigas Divinas de Inana: Reconstrução Feminista de Repressão e Resistência
em Torno de uma Deusa Suméria. 2007. 339 f. + anexo 70 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Faculdade de
Filosofia e Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007, p.15-128.
34
antiga, cerca de 2004. São poemas que retratam a derrota da terceira dinastia de Ur (CALOVI,
2006, p.82). Eles teriam sido compostos em ocasião de cerimônias religiosas e eram
executadas, na opinião de Green, nas cerimonias de recondução das estátuas dos deuses a
novos santuários, devido às destruições (GREEN, 1978, p.127-167). O ritual pedia a mudança
das instalações sagradas do local destruído para outro lugar novo25
.
É questionável se as pessoas realmente experimentavam um sofrimento efetivo. Ou se
se tratava apenas de um ritual de mudança de local sagrado. Segundo os comentaristas destes
rituais cujos poemas eram recitados, a linguagem requintada compunha mais um quadro de
encenação ritual do que uma manifestação coletiva de dor e pesar. Segundo Tinney, em sua
análise sobre o lamento por Nipur, a finalidade do lamento é dar uma retórica de legitimidade
aos deuses do período (TINNEY, 1996).
Essas lamentações possuem traços poéticos comuns com a literatura padrão
encontrados nas descobertas arqueológicas. Mas, entre eles próprios não há homogeneidade.
Segundo Green, cada um destes cinco lamentos constitui um gênero poético sui generis, ainda
sem consenso quanto sua determinação. Ao colocar os poemas lado a lado, em comparação
um com o outro, há poucas similaridades. O que os dá similaridades são os detalhes das
destruições e a ação dos deuses envolvidos (MICHALOWSKI, 1989, p.4,5). O que chama a
atenção dos estudiosos nestes poemas é a forma distintiva e peculiar a cada um deles
(VANSTIPHOUT, In: HECKER; SOMMERFELD, 1986, p.2-4).
Para Green, os poemas possuem seis temas recorrentes dos lamentos sumérios:
destruição; responsabilidade das divindades; abandono da cidade pelos deuses (devido a
destruição ou deslocamento das estátuas); reconstrução; retorno das divindades; e,
apresentação de súplicas (GREEN, 1975, p.295-310). Muito semelhante é a opinião de
Dobbs-Allops onde os lamentos possuiriam duas características formais: assunto e humor e
estrutura e técnica poética. E sete temas recorrentes: abandono divino; indicação de
responsabilidade; o agente divino da destruição; a destruição em si; a divindade que pranteia;
o lamento; a restauração divina (DOBBS-ALLSOPP, 1993). Essas obras podem ter sido
produzidas em três fases diferentes: agregação, composição e redação final com gêneros
definidos a partir de convenções literárias (VANSTIPHOUT, In: HECKER; SOMMERFELD,
1986, p.8).
Para o respeitado sumeriologista Kramer, os lamentos sumérios têm origem no
trabalho de ―poetas‖ sumérios ―em resposta à periódica e recorrente destruição de sua terra e 25 De qualquer forma, a linguagem de lamentação no antigo Oriente Próximo estava relacionada principalmente a rituais de
lamentação, conforme: COOPER, Jerrold. Genre, Gender, and the Sumerian Lamentation. Journal of Cuneiform Studies.
[s.l.], v.58, p.39-47, 2006.
35
suas cidades e templos‖ (KRAMER, 1969, p.89). O que nos permite verificar a partir da
analise fenomenológica destas cerimônias onde os lamentos eram realizados – a saber, na
ocasião de mudança das estatuas e reestabelecimento dos locais sagrados – percebemos uma
espécie de ritual de apaziguamento das divindades, quer dizer, uma ―barganha‖ com os
deuses, pelo ocorrido (SPARKS, 2005, p.96). Provavelmente, na esperança de não mais sofrer
tais calamidades.
2.2 LAMENTOS BABILÔNICOS
A lamentação para os babilônicos fazia parte constante de seus escritos,
principalmente de suas orações e salmos.
Por exemplo, há a presença de lamentações na narrativa babilônica do dilúvio. Esta
narrativa é baseada na tradição da Suméria, porém, é muito mais ampla do que a versão
antecessora. As placas foram encontradas na língua cuneiforme e são datadas de 669-626,
época do reinado de Assurbanipal. Mas os estudiosos estão certos que são cópias de alguma
versão mais antiga ou original. Essa narrativa é chamada de epopeia de Gilgamesh. A epopeia
pertence aos gêneros épicos, que apresentam lendas que eternizam feitos heroicos de certas
mitologias e crenças.
Ao longo da narrativa, após os deuses decidirem enviar um dilúvio à terra, o herói da
epopéia foi avisado para construir uma arca; quando começam as chuvas e clarões provocados
pelos raios, a narrativa nos informa que todas as divindades lamentam: ―os deuses, todos
humilhados, assentam-se e choram, os seus lábios estão apertados – todos eles‖ (UNGER,
2002, p.21-26).
Na literatura poética da Babilônia, segundo Westermann, os salmos babilônicos são
compostos de cinco partes: endereço; louvor; lamento; petição; e, voto de louvor
(WESTERMANN, 1981, p.36). O lamento, no entanto, não é introduzido logo após o
endereçamento do salmo, como é feito na maioria dos salmos de lamentação da Bíblia
Hebraica.
Em outros lamentos babilônicos existe a presença de acontecimentos míticos como no
―lamento de flauta para Adad‖ e no lamento ―elevação de Ishtar para a rainha dos céus‖.
Nesses lamentos, os deuses são aqueles quem oram. O elemento de louvor às divindades é
presente. São inclusos intercessões e pedidos nessas orações. Há também o voto de louvor,
36
que é o elemento que mais se aproxima em termos de forma e conteúdo dos salmos da Bíblia
Hebraica. Esse voto de louvor não é apenas o fim do salmo, mas é o zênite do mesmo, o seu
ponto principal.
Westermann acredita que este elemento de voto de louvor é uma expansão da parte do
lamento (WESTERMANN, 1981, p.40). O que torna os salmos babilônicos um binômio de
lamento e louvor. Dentro do aspecto de louvor destes salmos, o autor encontra a distinção
entre louvor declarativo e louvor descritivo: muito semelhantes aos salmos hebraicos
(WESTERMANN, 1981, p.41). O pesquisador, porém, não aprofunda a razão da incorrência
do elemento de louvor preceder o lamento, nos salmos babilônicos.
O que nos parece é que em ambas as culturas, babilônica e israelita, a oração gira em
torno do lamento e petições. Nas lamentações hebraicas, como peculiaridade de sua cultura,
encontramos os louvores depois do lamento e petições. Isso significa que os ―salmistas‖
hebreus louvavam após o lamento; no louvor, eles olhavam para trás confiantes do Deus já
tinha feito por eles. Já os babilônicos utilizavam o louvor precedendo a lamentação para
preparar os deuses para o que seria pedido, ou para a penitência a ser realizada26
.
2.3 LAMENTOS EGÍPCIOS
Os salmos egípcios são bem diferentes dos da babilônia e dos hebraicos. A diferença
notória entre eles é que os salmos egípcios apresentam a predominância do louvor e confiança
em seus deuses nos seus poemas. Diferentemente dos salmos babilônicos que possuem uma
menor correspondência de ênfase no louvor e incluí um espaço para ansiedade e sofrimento
através das lamentações em seus salmos (WESTERMANN, 1981, p.43). Em outras palavras,
o louvor e o chamado para a alegria no culto ocupam um lugar de destaque nos salmos
egípcios, maior que a lamentação.
O lamento aparece nos escritos egípcios para parte de suas narrativas, não diretamente
em seus salmos e poemas de culto. O lamento e a súplica que expressam as angústias e
sofrimentos dos egípcios se encontram no pano-de-fundo destas narrações em que predomina-
se o esplendor e a gloria dos seus deuses. Impressiona a Westermann esse nível elevado de
26 Infelizmente, não tivemos acesso às referencias principais sobre as similaridades e diferenças entre as lamentações do
saltério e as babilônicas. São elas: BREGRICH, J. Die Vertrauensäusserungen im Israelitischen Klagelied des Einzelnen und
in Seinen Babylonischen Gegenstücken. Zeitschriftfür die Alttestamentliche Wissenschaft. Berlin, n.46, 1928; e:
WIDENGREN, G. The Accadian and Hebrew Psalms of Lamentations as Religious Documents. [s.l], [s.e.], 1937.
37
confiança própria27
. Os egípcios eram peritos na auto-justificação e na autopromoção de suas
ideias e crenças.
Portanto, raramente encontramos lamentos na literatura egípcia. Westermann cita
Erman que encontrou um detalhe de lamento numa oração para Amon por causa de um ano de
miséria. Porém, salienta que parece mais uma descrição do que uma oração de desespero
(1981, p.44). Se forçar muito, como o faz Erman, pode-se encontrar nas petições e/ou
penitências egípcias aos deuses um elemento de lamentação. Indo além, podemos lançar a
hipótese que os rituais fúnebres dos faraós tivessem algum teor de lamentação em sua
linguagem ritual, mas ainda assim é duvidoso, pois para os egípcios a morte do faraó o levaria
para uma eternidade.
Mesmo assim, não encontramos uma análise convincente de que essas orações
contenham aspectos de lamentações. Ao contrário, elas atestam a ausência delas
(WESTERMANN, 1981, p.44-51).
2.4 A RELAÇÃO LAMENTAÇÃO E MALDIÇÕES NA POESIA DO ANTIGO ORIENTE
PRÓXIMO
O uso de maldições é recorrente em todo o antigo Oriente Próximo. Certamente,
também é uma das influencias da cultura do antigo Oriente Próximo na literatura e
pensamento israelita, que usa deste recurso em sua literatura e religião. Segundo Gusso, a
maldição era utilizada pelos vizinhos de Israel: ―como forma de automaldição‖, ―como
garantia do cumprimento de decretos‖ e ―como pedidos para que a divindade destruísse ou
ferisse de alguma forma o inimigo‖ (GUSSO, 1996, p.41).
Dentro da pesquisa acerca das lamentações sumérias e na verificação mais abrangente
da hinologia desta civilização, os pesquisadores encontram o surgimento de imprecações ou
maldições (VANSTIPHOUT, 1986, p.1-11). A conclusão que Kramer faz é que as maldições
são posteriores ao gênero das lamentações, sendo inclusas dentro dos poemas já existentes em
alguma forma devido à ―amargura‖ e ―resignação‖ à vontade dos deuses (1969, p.89).
Cooper, por sua vez, discorda quanto à época das maldições. Segundo ele, a maldição
pode ser um gênero anterior ao de lamentação (2006, p.39). Ele baseia suas hipóteses na
27 Na versão em ingles do livro do Westermann diz ―self-assurance‖, confira: WESTERMANN, Claus. Praise and Lament in
the Psalms. Edinburgh: T.&T. Clark Ltd, 1981, p.43.
38
descoberta de uma placa em Ugarit que contém uma maldição de Akkad. Essa descoberta
proporcionou avanços na pesquisa do gênero de lamentação na Mesopotâmia. Esse texto
recebe a data referente a terceira dinastia de Ur, por volta de 2100 a 2000; em seu conteúdo,
afirma que os deuses teriam causado a destruição da Suméria. O que é peculiar neste texto é
que se trata de uma oração contra inimigos do povo (comum das maldições), mas também de
restauração de seu governo. É um texto que possuí um rico vocabulário de lamento. Esta
maldição ―combina recursos de narrativa histórica e lamentação‖. Por causa disto tem-se
proposto que este texto seja considerado híbrido, uma mescla de lamento pela cidade com
maldição com aspectos de narrativa. Para Cooper, a maldição de Akkad deve lançar luz no
entendimento da lamentação pela Suméria e Ur, um dos cinco lamentos pesquisados (2006,
p.40).
Assim como na pesquisa dos salmos bíblicos, os estudiosos não são unanimes em
reconhecer se estas maldições são um gênero especifico ou se parte do gênero das
lamentações, ou ainda, se as maldições se valeram desta linguagem de lamentação. Gusso
prefere falar de ―salmos que contêm maldições‖ e reconhece que não existem poemas
completos de maldição, tanto na literatura do antigo Oriente Próximo como na de Israel
(2007, p.36-51). Para Mowinckel, no contexto dos salmos bíblicos, as maldições são
encontradas geralmente nos salmos de lamentação (1962, p.51).
Além das maldições pesquisadas pelos sumeriologistas, inclusive presente nos
lamentos pelas cidades, existem poemas, hinos, orações, tratados e documentos e rituais
prescritos que contem explicitamente maldições.
Normalmente, nesses poemas é perceptível a declaração de quem se sente injustiçado
amaldiçoando seu inimigo. Por exemplo, nas orações shu‟illa recitada pelos babilônicos e
assírios, posteriormente a 3000. Nesta oração o suplicante pede ao deus Girra que amaldiçoe
seus inimigos28
. Também há um poema hitita de Mursili II a Telibinu datado da segunda
metade do século XIV que pede uma maldição contra inimigos da nação29
.
Existiam também tratados entre povos que continham maldições para aquele que, de
uma forma ou de outra, não cumprisse sua parte no acordo. Primeiro, vejamos o tratado entre
28 Que eles morram, e que eu viva; que eles se afastem para longe, e que eu prospere; que eles acabem, e que eu floresça; que
eles se enfraqueçam, e que eu me fortaleça; Girra esplêndido, o mais iminente dos deuses, que agarras o meu e o inimigo,
agarra-os para que eu não sofra dano. Eu, teu servo, que eu viva, que eu seja salvo e venha à tua presença. VV.AA. Preces do
Oriente Antigo. São Paulo: Edições Paulinas, 1985, p.30,31. 29 E os países inimigos que se agitam e se revoltam, que não te respeitam, ó Telibinu, como não te respeitam os deuses do
país hitita, que querem incendiar vossos templos, que procuram apossar-te dos vossos rítons, dos vossos vasos, dos vossos
objetos de prata e ouro, que procuram devastar vossos campos, vossas vinhas, vossos jardins, vossas florestas, que procuram
levar vossos camponeses, vossos vinhateiros, vossos jardineiros e vossas moleiras, é a eles que se deve mandar a febre, a
peste, a fome e os gafanhotos29. (itálico nosso). VV.AA. Preces do Oriente Antigo. São Paulo: Edições Paulinas, 1985, p.46.
39
o rei hitita Mursili e o rei de Ugarit Niqmepa, por volta de 1300. Ao final do tratado se
pronuncia a maldição30
.
Os fragmentos do tratado do rei neo-assírio Assur-nirari V com o rei de Arpad,
chamado Mati-ilu, por volta de 754, ilustram mais um exemplo de tratados que contém
maldições para quem não os cumprir31
.
Além do tratado entre essas partes, fica claro que a cerimonia prescrevia um ritual
simbólico que acompanhava o acordo. Briend, Lebrun e Puech trazem a narração do drama
ritual da maldição que representava o que deveria acontecer com Mati-ilu se ele não
cumprisse sua parte no juramento. O tratado fora acompanhado de um ritual que ilustrava
dramaticamente as palavras documentadas. A cena descreve alguém decepando a cabeça de
um cordeiro, que simbolizava a cabeça de Mati-ilu. Certamente, o ritual deveria impactar os
participantes como que os forçando a serem fieis ao acordo (BRIEND; LEBRUN; PUECH;
1998, p.70-72). Seria uma maldição ritual-cerimonial32
.
Notamos a presença de maldições num mesmo tratado, mas com versões diferentes.
Isso reforça ainda mais a prática da maldição no antigo Oriente Próximo. No tratado egipto-
hitita entre Ramsés II e Hattusili III, por volta de 1270, na versão egípcia, diz o seguinte: ―[...]
àquele que não as observar – seja hitita ou seja egípcio –, então os mil deuses do país do Hatti
e os mil deuses do país do Egito destruiriam sua casa, seu país e seus servidores‖ (BRIEND;
LEBRUN; PUECH; 1998, p.68). Vejamos a maldição na versão babilônica: ―[...] àquele que
não observar as palavras que estão nesta placa de prata, os grandes deuses do país do Egito,
bem como os grandes deuses do país do Hatti, exterminarão sua casa, seu país e seus
servidores‖ (BRIEND; LEBRUN; PUECH; 1998, p.62). Ambas muito semelhantes. 30 Toda palavra deste tratado e deste juramento, inscrita nesta placa, se Niqmepa não for fiel a estas palavras do tratado e do
juramento, que estes deuses, pela vida deles, façam desaparecer Niqmepa, sua pessoa, suas mulheres, seus filhos, sua cidade
e seu país e tudo que possuí. E se Niqmepa for fiel às palavras deste tratado e deste juramento, inscritos nesta placa, então
pela vida deles, estes deuses guardem Niqmepa, sua pessoa, suas mulheres, seus filhos, sua cidade, seu país e tudo que
possuí. BRIEND, Jacques; LEBRUN, René; PUECH, Émile. Tratados e Juramentos no Antigo Oriente Próximo. São Paulo:
Paulus, 1998, p.50-54. 31 ―que Mati-ilu, seus filhos e filhas, seus maiorais e o povo de seu país sejam como [...]; que seu país seja como um deserto;
que se lhe deixe um espaço do tamanho de um tijolo, que nada se deixe a seus filhos e filhas, a seus maiorais e ao povo de
seu país para manterem-se de pé. Que Mati-ilu, com seus filhos, suas filhas, seus maiorais e o povo de seu país sejam [...]
como calcário e que ele, com o povo de seu país, seja esmagado como gesso‖. BRIEND, Jacques; LEBRUN, René; PUECH,
Émile. Tratados e Juramentos no Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Paulus, 1998, p.71. Na continuação do tratado ainda se
faz outras maldições para quem não cumprisse o tratado: ―se o exército parte para a guerra sob o comando de Assurnirari, rei
da Assíria, e se Mati-ilu, com seus maiorais, suas forças e de seus carros, não se põe a caminho com total lealdade, que Sin, o
grande senhor, que habita em Harran, revista Mati-ilu, seus filhos, seus maiorais e o povo de seu país com a lepra, como um
manto; que tenha de vagar pelos campos e que não haja nenhuma piedade por eles. Que Mati-ilu não tenha mais esterco e
bois, burros, carneiros e cavalos em seu país. Que comam a carne de seus filhos e de suas filhas, que achem a carne tão boa
quanto a carne dos cordeiros. Que sejam privados do trovão de Adad, tanto que a chuva lhe seja interditada, que a poeira lhes
sirva de alimento, o pez, de unguento, a urina do jumento, de bebida, o papiro, de vestimenta e que sua cama seja um montão
de esterco‖. BRIEND, Jacques; LEBRUN, René; PUECH, Émile. Tratados e Juramentos no Antigo Oriente Próximo. São
Paulo: Paulus, 1998, p.72. 32 Confira a maldição cerimonial proposta no acordo entre Assarhaddon com príncipes vassalos, por volta de 672 a.C.:
BRIEND, Jacques; LEBRUN, René; PUECH, Émile. Tratados e Juramentos no Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Paulus,
1998, p.92-93.
40
As maldições destes acordos estão presentes com sua versão de benção. Isto é,
maldições para quem não cumprisse, e bênçãos para quem cumprisse sua parte no acordo.
Também poderia haver maldições para aqueles que prejudicarem a uma das partes do tratado
(BRIEND; LEBRUN; PUECH; 1998, p.47,48). Nas orações e tratados que observamos, as
maldições aparecem no final dos textos, como um encerramento ou doxologia. Assim era a
tradição de maldição e benção do antigo Israel.
Em outras palavras, a prática de amaldiçoar estava presente no antigo Oriente
Próximo. O que não é difícil deduzir que essas maldições fizeram parte da literatura e da
religião-cultura daqueles que, antes de e, concomitantemente com, viviam em torno de Israel.
Depreendemos a ideia de que as lamentações do antigo Israel também foram influenciadas
pelo modo de pensar e praticar maldições do contexto oriental de seus predecessores.
Poderíamos relatar outros textos que contém maldições, mas estes, por ora, são suficientes
para o propósito deste tópico.
A importância de se estudar e verificar as maldições no antigo Oriente Próximo é, pelo
menos, duplo. A primeira razão é de âmbito geral na pesquisa: as maldições aparecem em
grande parte na literatura hebraica dentro dos salmos de lamentação, isto é, não se trata de um
gênero em si mesmo, mas de um recurso que os escritores hebreus utilizaram em seus textos.
A maldição fazia parte da cultura israelita imbutida no gênero das lamentações. A segunda
razão é especifica e de interesse particular: o salmo de lamentação em Jeremias 20.7-18 usa o
recurso da maldição.
41
3 A LAMENTAÇÃO NO ANTIGO ISRAEL
A influência do mundo do antigo Oriente Próximo no antigo Israel é bastante
significativa. O conhecimento das ideias e crenças religiosas do antigo Israel, isto é, do
fenômeno religioso no qual ele estava inserido se torna mais preciso através da ótica de todo
contexto cultural no qual estava inserido. Certamente ampliamos as possibilidades de
interpretações da Bíblia Hebraica quanto ao fenômeno da lamentação na experiência do
antigo Israel ao considerar as influências que moldaram o pensamento e as práticas israelitas.
Conquanto, foi a partir dos modelos representativos do ambiente no qual estava
inserido que o antigo Israel pôde desenvolver sua cosmovisão e prática religiosa, incluindo a
lamentação. É notório que a produção literária de Israel possuí tópicos correspondentes com a
produção literária anterior a ele, vinculada a estes povos mais antigos. Porém, não podemos
descartar as peculiaridades de Israel, principalmente as que se encontram no âmbito religioso.
Em outras palavras, a linguagem de lamentação comum ao antigo Oriente Próximo é
experimentada por Israel não como uma copia de gênero, mas como um desenvolvimento
próprio desta linguagem e formas literárias em seu próprio contexto e a partir de sua peculiar
cosmovisão – mesmo esta tendo sido influenciada pelo seu macro ambiente religioso-cultural.
Para Fohrer, este processo de ―assimilação‖ pelos israelitas não pode ser visto simplesmente
como uma ―cananeização‖ ou sincretismo religioso (FOHRER, 2006, p. 81-128). O
pensamento do antigo Israel se desenvolveu a custa de sua própria idiossincrasia. Ainda que
sujeito à constante influência dos povos vizinhos, o pensamento israelita se desenvolveu em
seu próprio gênero. Ao longo da história de Israel, a política, as forças armadas e o culto
israelita tiveram várias reformulações. Tanto é que a literatura israelita como a recebemos
conflita com a prática de vida de seus predecessores e vizinhos33
.
A lamentação em Israel, como observamos neste capítulo, passou por vários estágios
de desenvolvimento no pensamento religioso de Israel, isto é, em sua teologia e em sua
cultura (fundamentalmente religiosa) até chegar à forma literária, como conhecemos na Bíblia
Hebraica.
33 Sobre a singularidade dos textos sagrados de Israel mediante os textos paralelos do antigo Oriente Próximo, consulte:
RODRIGUEZ, Angel. Antigos Textos Literários do Oriente Próximo Paralelos à Bíblia e a Questão da Revelação e
Inspiração. Disponível em:
<http://www.adventista.edu.br/salt/arquivos_antigos/3Textos%20Antigos%20e%20a%20Revela%C3%A7%C3%A3o.pdf>.
Acesso em: 11 mai. 2011.
42
O propósito deste capítulo, portanto, é descrever o curso do desenvolvimento da
linguagem de lamentação ao longo da história da religião do antigo Israel. A religião de Israel
não era ―nem homogênea nem estática‖ (FOHRER, 2006, p.25). Ela coexiste como
diversidade cultural em seu próprio campo imaginário religioso e avança em suas concepções
elementares à medida que procura encontrar sua representatividade religiosa no macrocenário
do antigo Oriente Próximo e no microcenário de sua própria existência sociocultural.
A linguagem de lamentação faz parte dessa diversidade e processo inato à construção
da vida religiosa e existência do antigo Israel. Ela é parte do pensamento e prática do antigo
Oriente Próximo e, significativamente, do antigo Israel, que passa por um processo de
evolução histórica e transformações derivadas de tensões internas e externas. A linguagem de
lamentação se diversifica em suas expressões à medida que Israel avança na elaboração de sua
própria identidade e cosmovisão.
Os vários movimentos e tendências de grupos de Israel contribuíram para as diversas
formas de uso e aplicabilidade da lamentação. Cada movimento fazia uso desta linguagem de
acordo com suas necessidades de ocupar um lugar no cenário religioso, marcadamente
heterogêneo. A linguagem de lamentação, ao longo dessa história torna visíveis as tensões e
contrastes em diversas abordagens da vida daquele povo. Por conseguinte, a lamentação em
Israel não se trata apenas de um fenômeno cultural ou até mesmo de repetição do ambiente
cultural maior. Ela é também parte do pensamento e da construção da identidade religiosa
deles.
Não obstante, a linguagem de lamentação não pode somente ser analisada como um
fenômeno único e sistematizado do antigo Israel. As conceitualizações e metodologias
puramente teológicas não são suficientes para explanar o tema, porque procuram apresentar
estruturas padrões numa única mensagem teológica que o lamento em Israel poderia propiciar.
Ao contrário da sistematização, a observação e análise da linguagem de lamentação ao longo
da história da religião do antigo Israel nos permite ver as várias manifestações de usos e
funções desta linguagem.
Importa dizer que não há como demarcar o surgimento pontual da linguagem de
lamentação. Sabemos que Israel fez uso desta linguagem em sua religião e, posteriormente,
em sua literatura. Identificamos que essa linguagem é peculiar ao universo da linguagem
simbólica e ritual do antigo Oriente Próximo, de onde Israel surge e legitima seu espaço e
normas próprias. É comum encontrar nas páginas da Bíblia Hebraica narrações de rituais de
lamentação e poemas do gênero.
43
O pensamento religioso de Israel é definido por ele dentro dos limites destas
literaturas34
. Dentro deste contexto, destacamos na presente dissertação as diversas etapas e
contribuições de alguns textos de lamentação. Westermann propõe uma divisão tríplice que
nos ajuda de modo mais geral, numa visão de construção teológica, mas não tão especifica
quando vinculada à dinâmica da religião de Israel (2005).
Com fins de delimitação para verificar a presença da linguagem de lamentação, suas
transformações e funções ao longo do desenvolvimento da religião do antigo Israel dividimos
em época pré-exílica, exílica e pós-exílica.
3.1 A LAMENTAÇÃO NA ÉPOCA PRÉ-EXÍLICA
É difícil demarcar com precisão o início do período pré-exílico na história de Israel e
de sua religião. Porque compreende todo o período anterior aos anos chamados de exílio. É
um tempo consideravelmente grande. Fohrer denomina a época pré-exílica a que nos
referimos de ―período antigo‖ (2006). Tal período é extenso: vai desde o surgimento de Israel,
das influências recebidas pelos povos vizinhos, sua hegemonia no cenário sociocultural e
religioso do antigo Oriente Próximo, seu desenvolvimento religioso na fé javista e suas
constantes tensões internas e externas até meados da época do exílio.
34 A fonte para buscamos a presença da linguagem de lamentação na história da religião de Israel é a literatura sagrada dos
hebreus, isto é, a Bíblia Hebraica, ou o Antigo Testamento dos cristãos. Reconhecemos, no entanto, que a Bíblia Hebraica é
uma coletânea de livros. Smith entende que a Bíblia Hebraica não pretende contar a história de Israel, mas narrar a
perspectiva religiosa deste povo através das narrativas que retratam como eles queriam ser conhecidos e sua percepção da
vida. Através da coletânea dos livros hebraicos que os religiosos compreendem como canônicos é possível acessar a memória
religiosa e seguramente política de Israel. Para ele, os autores dos textos não se prenderam em descrever os fatos, mas em, ao
interpretá-los, conceder ―respostas aos desafios dos tempos em que sua composição aconteceu‖. SMITH, Mark. O Memorial
de Deus: História, Memória e a Experiência do Divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 2006, p.35-37. A Bíblia
Hebraica não é uma literatura homogênea. Cada livro, às vezes até textos dentro de um livro, constituem épocas e tradições
diferentes. É necessário o mínimo de determinação possível da ―data de cada escrito em particular ou das partes que os
integram‖; consulte: FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda / Paulus,
2006, p.27. Para estudar os pressupostos de datas e as conclusões relativas aos períodos de cada livro da Bíblia Hebraica,
consulte: BARRERA, Julio T. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: Introdução à História da Bíblia. 2ª.ed. Petrópolis: Vozes,
1999. BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento. Vol.1. São Paulo: Aste, 1959. BENTZEN, Aage. Introdução ao
Antigo Testamento. Vol.2. São Paulo: Aste, 1968. DILLARD, Raymond B. & LONGMAN III, Tremper. Introdução ao
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005. EISSFELDT, Otto. The Old Testament An Introduction. New York: Harper
and Row Publishers, 1966. GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas,
1988. LASOR, William S.; et. al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999. PFEIFFER, Robert.
Introduction to the Old Testament. New York: Harper & Brothers, 1948, 909p. SICRE, José Luiz. Introdução ao Antigo
Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995. Principalmente: SELLIN, Ernst; FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento.
São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda, 2007; WOLFF, Hans W. Bíblia, Antigo Testamento: Introdução aos Escritos e aos
Métodos de Estudo. 3ª.ed. São Paulo: Editora Teológica, 2003; e, CHILDS, Brevard. Introduction to the Old Testament as
Scripture. Philadelphia: Fortress, 1979. O conjunto das diversas literaturas sagradas hebraicas, que formam o cânon hebraico,
possibilita o estudo da história e desenvolvimento da religião de Israel dentro dos limites próprios da configuração de seu
pensamento e prática. Para um estudo aprofundado da história e memória da religião do antigo Israel, consulte: FOHRER,
Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda / Paulus, 2006; e, SMITH, Mark. O
Memorial de Deus: História, Memória e a Experiência do Divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 2006.
44
Outra dificuldade pela procura da linguagem de lamentação antes do exílio reside no
problema quanto à datação dos livros que contém material e relatos anteriores ao exílio. A
maioria dos estudiosos localiza os livros canônicos e suas atividades redacionais no período
final à monarquia, bem perto dos idos exílicos. Por isso, é possível existir alguma dificuldade
que estes livros apresentam em termos históricos fidedignos.
Smith fala em níveis de composição que nos ajudam a estabelecer alguns limites para
identificar as lamentações pré-exílicas. O primeiro nível é aquele que relaciona os eventos no
contexto histórico do passado que se remetem. Estes dados do primeiro nível são os que nos
interessam, mesmo sabendo da possível falta de precisão histórica dos eventos. O segundo
nível, opera a partir da literatura que utiliza esses dados históricos e de tradição religiosa mais
antiga que a composição literária com a finalidade de interpretar as tradições para o seu
presente. É o que faz a escola deuteronomística com suas releituras, situada na época da
monarquia, mas referindo-se a eventos anteriores a ela – em Josué e Juízes, por exemplo.
Com isso em mente podemos situar a lamentação pré-exílica a partir destes escritos que fazem
referencia ―ao período antigo‖ sem procurar, no momento, interpretar as razões que os
escritores (alguns claramente deuteronomistas) tiveram para utilizar esta ou aquela referência
da memória anterior à composição (2006).
Nossa procura pela linguagem de lamentação no pré-exílio começa na religião nômade
de Israel, relativa aos relatos bíblicos dos patriarcas; passa pela religião mosaica, definida
após o encontro cultural com o Egito; tem sua diversidade e unidade cultural na época da
religião tribal; o tribalismo entra em decadência e institui-se a época da monarquia; com a
monarquia, como sistema político semelhante a dos cananeus e inovador diante do que Israel
conhecia, a religião de Israel culmina com o estabelecimento do profetismo35
. Empenhamo-
nos em um grande período de tempo e desenvolvimento da identidade religiosa de Israel36
.
A religião israelita denominada por Fohrer de ―javismo‖ não foi a mesma desde seus
primórdios até o domínio babilônico, época chamada de exílio. Houveram transformações no
sistema de pensamento, rituais e práticas religiosas em todo este tempo. Com isso, a
linguagem de lamentação também passou por mudanças, transformações e novas aplicações,
acompanhando o processo de construção simbólica e cosmovisão das estruturas religiosas de
Israel.
35 Consulte: FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda / Paulus, 2006, p.31-
398. 36 Eliade traça um panorama da ―antiga história‖ religiosa de Israel e suas características religiosas elementares. Consulte:
ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas, Volume 1: da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010, p.162-183.
45
Através da literatura hebraica referente a este grande período, percebemos como se
demonstrava a linguagem de lamentação. Vamos destacar apenas dois exemplos notoriamente
marcantes no desenvolvimento de tal linguagem na história de Israel.
3.1.1 O paradigma do Êxodo: do lamento de escravos à religião mosaica
A narrativa da libertação dos escravos hebreus no livro de Êxodo forma o paradigma
da transição de Israel do sofrimento para o resgate, da experiência da lamentação como
escravos ao louvor coletivo como nação escolhida por Deus (RAD, 2006, p.174-273). A
tradição do Êxodo talvez seja um dos objetos de estudo mais visitados por pesquisadores de
várias linhas religiosas37
. São textos que nos instigam pela sua literatura, história, gêneros,
tipologias, símbolos e significado na religião do antigo Israel e nas religiões judaica e cristã.
Lee caracterizou a experiência do Êxodo dos hebreus como a demonstração de como
Deus compassivamente intervém contra a injustiça para responder aos lamentos dos
sofredores (2010, p.80). ―Muito tempo depois, morreu o rei do Egito. Os israelitas gemiam e
clamavam debaixo da escravidão; e o seu clamor subiu até Deus. Ouviu Deus o lamento deles
e lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaque e Jacó. Deus olhou para os israelitas e
viu a situação deles‖38
.
Brueggemann sugere que a tradição do Êxodo marca uma ruptura radical com a
religião do triunfalismo estático e a política de opressão e exploração; as reivindicações
míticas do império faraônico terminaram a partir da propagação de uma religião alternativa de
liberdade; é a política de justiça e compaixão que marca o surgimento de uma nova
comunidade social na história (BRUEGGEMANN, 1983, p.15-27). Ele ainda explana que o
verbo ―gritar‖ ou ―clamar‖, de Êxodo 2.23, tem haver com a apresentação de uma queixa
legal, terminologia forense. Pois, para ele, a tradição do Êxodo é como ―um grito primário que
permite o início da história‖ (BRUEGGEMANN, 1983, p.20-22).
O livro do Êxodo não contém um poema de lamentação propriamente dito, como nos
Salmos. São os Salmos e profetas que fazem alusões ao Êxodo em forma de poesia.
Provavelmente, o lamento encontrou espaço na forma de tradição oral por trás do livro do
37 Consulte: GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia de la Liberacion: Perspectivas. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1972; e,
ROWLAND, Christopher (ed.). The Cambridge Companion to Liberation Theology. New York: Cambridge University Press,
2007. 38 BÍBLIA, A.T. Êxodo. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2,
vers. 23 a 25.
46
Êxodo. O Êxodo, porém, torna-se o paradigma da presença de escravos que através da
lamentação encontram voz em meio à opressão, isto é, escravos podem ter esperança.
Êxodo 2.23-25 é o sumário que encerra a narração que antecede àquela que prefigura o
chamado de Moisés, no capítulo 3. A narrativa mostra que ―o Senhor disse‖ a Moisés:
De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o
seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo. Por
isso desci para livrá-los das mãos dos egípcios e tirá-los daqui para uma terra
boa e vasta, onde há leite e mel com fartura: a terra dos cananeus, dos hititas,
dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus. Pois agora o clamor
dos israelitas chegou a mim, e tenho visto como os egípcios os oprimem39
.
O verbo hebraico utilizado para ―clamor‖ no livro do Êxodo é q(acf (tsa„aq), ou seja,
literalmente ―clamar‖ (HOLLADAY, 2010, p.438). Como substantivo hqf(fc; (tse„aqah) pode
significar ―grito de lamento‖ (HOLLADAY, 2010, p.438). Ele se torna o primeiro sinal de
lamento no Êxodo. Miller sugere que q(acf (tsa„aq) seja estudado em conjunto com os termos:
rfqf (qara‟) e (wa f (shawa„). Para ele, esses termos referem-se a pessoas que lamentam
porque são pobres, fracas, oprimidas e inocentes (MILLER, 1994, p.38-48). São termos mais
específicos do que simplesmente ―orar‖ ou ―oração‖. Pois, a atitude de ―orar‖ incluí a
lamentação, mas também outros tipos de orações. Portanto, ―oração‖ é um termo bastante
genérico para designar a lamentação40
. Podemos dizer que a maior parte das lamentações
bíblicas são orações, mas nem todas as orações são de lamento.
No desdobramento da narrativa do Êxodo surgem as pragas de Deus contra o Egito.
Essas pragas sinalizam uma maldição sobre o Egito. Os egípcios lamentam: ―No meio da
noite o faraó, todos os seus conselheiros e todos os egípcios se levantaram. E houve grande
pranto no Egito, pois não havia casa que não tivesse um morto‖41
.
Tal maldição permite que os israelitas saiam do Egito. Pelo menos por um momento,
pois logo depois o faraó ordenará que o exército vá atrás dos seus ―escravos‖, aqueles que
estavam sendo libertos pelo Senhor42
. No clímax do momento, próximo ao ―mar dos Juncos‖
39 BÍBLIA, A.T. Êxodo. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 3,
vers. 7 a 9. 40 Consulte: BALENTINE, Samuel. Prayer in the Hebrew Bible: The Drama of Divine-Human Dialogue. Minneapolis:
Fortress Press, 1993. 41 BÍBLIA, A.T. Êxodo. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 12,
vers. 30. 42 Conforme: Êxodo 14.5-7.
47
(COLE, 2006, p.42,113), o Senhor disse a Moisés: ―Por que você está clamando a mim? Diga
aos israelitas que sigam avante‖43
.
Aparentemente, houve o tempo de lamentar – o verbo utilizado no texto é q(acf
(tsa„aq); porém, naquele momento a narrativa impele o povo à ação. O tempo da lamentação
tinha terminado. Eles poderão, brevemente, no tempo narrativo, celebrar a libertação. Logo
em seguida, o livro de Êxodo testemunha uma canção de louvor, em forma poética,
comemorando o livramento44
.
Há um lamento adicional de Moisés no livro de Números, caracterizando-o como
lamentador. Ele aparece lamentando quando as dificuldades da caminhada no deserto se
intensificam. A narrativa começa situando o leitor: ―Aconteceu que o povo começou a
queixar-se das suas dificuldades aos ouvidos do Senhor. Quando ele os ouviu, a sua ira
acendeu-se e fogo da parte do Senhor queimou entre eles e consumiu algumas extremidades
do acampamento‖45
.
Em seguida, narra a lamentação de Moisés e o motivo dela: as famílias se lamentando:
Moisés ouviu gente de todas as famílias se queixando, cada uma à entrada de sua
tenda. Então acendeu-se a ira do Senhor, e isso pareceu mal a Moisés. E ele
perguntou ao Senhor: Por que trouxeste este mal sobre o teu servo? Foi por não te
agradares de mim, que colocaste sobre os meus ombros a responsabilidade de todo
esse povo? Por acaso fui eu quem o concebeu? Fui eu quem o deu à luz? Por que me
pedes para carregá-lo nos braços, como uma ama carrega um recém-nascido, para
levá-lo à terra que prometeste sob juramento aos seus antepassados? Onde
conseguirei carne para todo esse povo? Eles ficam se queixando contra mim,
dizendo: ―Dê-nos carne para comer!‖ Não posso levar todo esse povo sozinho; essa
responsabilidade é grande demais para mim. Se é assim que vais me tratar, mata-me
agora mesmo; se te agradas de mim, não me deixes ver a minha própria ruína46
.
O termo para ―queixar-se‖ logo no versículo 1 é na f (‟anan) e quer dizer literalmente
―murmurar‖ (HOLLADAY, 2010, p.30). Van Groningen afirma que este verbo aparece
apenas duas vezes na Bíblia Hebraica, sendo uma delas neste texto (GRONINGEN, In:
HARRIS; ARCHER; WALTKE; 1998, p.96). Sobretudo, a terminologia muda no decorrer da
narrativa. Pois, o termo para ―queixando-se‖ (referente à atitude das famílias) logo no
versículo 10 é hkfbf (bakah), isto é, ―chorar, lamentar, derramar lágrimas‖ (HARRIS;
ARCHER; WALTKE; 1998, p.179), característico do vocabulário usado na Bíblia Hebraica
43 BÍBLIA, A.T. Êxodo. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 14,
vers. 15. 44 Conforme: Êxodo 15.1-18. 45 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
11, vers. 1. 46 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
11, vers. 10-15.
48
para lamentação. Em outras palavras, o povo murmurou; Moisés, porém, ouviu as famílias
lamentarem.
Além deste texto, o capítulo 12 de Números fornece algumas evidências para a
compreensão da fala de Arão e Miriam a Moisés como murmuração ou lamentação? As
versões em português traduzem o primeiro versículo transmitindo a ideia que Moises fora
criticado pelos seus irmãos: ―Miriã e Arão começaram a criticar Moisés porque ele havia se
casado com uma mulher etíope‖47
. Outra versão traduz: ―Moisés havia casado com uma
mulher da Etiópia, e Miriam e Arão começaram a criticá-lo por causa disso‖48
. O texto
hebraico, porém, não dá evidências de alguma palavra direta vinculada à murmuração nem a
lamentação. Literalmente diz: ―E falou Miriam e Arão a Moisés sobre o caso da mulher de
Cuxe a quem ele tomou, porque a mulher de Cuxe ele tomou‖. O único indício da ideia de
murmuração fica por conta do termo (a („al) em seu contexto. Na ocasião traduzimos (a
(„al) por ―sobre‖, mas pode ser traduzido por ―contra‖49
. Neste caso a versão Revista e
Atualizada da tradução de João Ferreira de Almeida estaria correta: ―Falaram Miriã e Arão
contra Moisés, por causa da mulher cuxita que tomara; pois tinha tomado a mulher cuxita‖50
.
Com isso, podemos dizer que eles estavam contra Moisés por causa do casamento dele
com a estrangeira. Mas, nos versículos seguintes, Arão e Miriam questionam se o Senhor
poderia falar somente através de Moisés, ou seja, eles queriam saber o porquê do Senhor não
falar através deles: ―‗Será que o Senhor tem falado apenas por meio de Moisés?‘,
perguntaram. ‗Também não tem ele falado por meio de nós?‘ E o Senhor ouviu isso‖51
.
Aparentemente, eles se sentiram injustiçados por Deus continuar falando através de Moisés,
mesmo ele tendo casado com a mulher estrangeira. O texto não nos dá mais explicações sobre
este ―casamento‖, nem das supostas objeções de Miriam e Arão. E, supostamente, essa foi a
razão pela qual a ira do Senhor se acendeu contra eles. Segundo Wenham não se tratava de
inveja (WENHAM, 2006, p.117). Talvez o texto queira comunicar que eles sentiram-se
injustiçados; mas, ao mesmo tempo falar contra Moisés seria uma injustiça maior. O Targum
47 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
12, vers. 1. 48 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri: Sociedade Bíblia
do Brasil, 2000. Cap. 12, vers. 1. 49 Confira as opções de tradução do sentido desta palavra em: HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.386,387. Sendo que ―sobre, acima de, em‖ são as primeiras opções a
considerar, enquanto ―contra‖ só seria de fato uma melhor opção dependendo do contexto do texto. 50 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia de Estudo Genebra: Edição Revista e Atualizada de João Ferreira de
Almeida. São Paulo / Barueri: Editora Cultura Cristã / Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Cap. 12, vers. 1. 51 BÍBLIA, A.T. Números. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
12, vers. 2.
49
comenta a expressão final do versículo 1: ―vertunt sensum in contrarium‖, isto é, Arão e
Miriam ―giram no sentido oposto‖ a Moisés.
Portanto, Números capítulo 12 não é um texto de lamentação, como afirma Lee (2010,
p.86,87), mas uma murmuração contra Moisés. Certamente, o texto pretende comunicar a
legitimidade da liderança de Moisés entre o povo, a despeito de suas escolhas matrimoniais.
Não obstante, mesmo se insistíssemos em considerar a atitude de Miriam e Arão contra
Moisés como linguagem de lamentação legítima, como o faz Lee, importa lembrar que o
lamento deles foi rejeitado pelo Senhor; teria se tratado de um lamento inadequado, já que
foram punidos e Moisés preservado.
3.1.2 Oficiais itinerantes dos grupos primários da sociedade israelita
Podemos dizer que a lamentação em Israel na época pré-exílica é atrelada aos cultos
celebrados por ordem comunitária ou em eventos nacionais. Algumas vezes o culto envolvia
rituais de lamentações durante dias, como na ocasião de guerras ou arrependimentos em
tempo de angustia nacional. Em segundo plano, as lamentações são dirigidas a liturgias
particulares dos grupos pequenos da sociedade israelita pré-exílica.
Segundo a opinião de Mowinckel (1962) e Gerstenberger (1984), as lamentações não
teriam surgido de poemas ou orações privadas. Para eles, qualquer tipo de literatura litúrgica
não nasce a partir de ―desabafos de indivíduos introvertidos‖ (GERSTENBERGER, 1984).
Isto é, não nascem desses indivíduos. Ela nasce para eles. Principalmente, aos que se
encontram em meio ao luto e sofrimento. Por conseguinte, as lamentações crescem com a
preocupação da sociedade com o indivíduo em suas atividades culturais.
A perspectiva de Mowinckel, precursor da escola de interpretação cúltica dos salmos,
lançou luz à presença da prática de lamentação no antigo Israel anterior a centralização do
culto no templo em Jerusalém (época pré-exílica) e na época em que se deu a compilação do
livro dos Salmos (pós-exílio). Aprofundando essa perspectiva, Gerstenberger concluí que
existiam famílias de cunho sacerdotal em todas as partes do antigo Israel
(GERSTENBERGER, 1984, p.11). Estes representantes do ―clero‖ teriam sido responsáveis
pelo arquivamento dos salmos.
Os sacerdotes pré-exílicos praticavam orações e liturgias aos chamados grupos
primários que formavam o antigo Israel. Essa talvez seja uma das maiores contribuições de
50
Gerstenberger para o estudo dos salmos. Ele distingue dois níveis de realização de cerimônias
cultuais no antigo Israel. O primeiro nível, chamado primário, consiste o pequeno grupo, isto
é, o clã, ou as famílias de Israel. Principalmente aquelas próximas dos santuários locais. O
segundo nível de ministração é o da coletividade, ou seja, da associação tribal, regional e
nacional. Portanto, havia diferenças entre os cultos primários dos secundários; diferença de
tempo e frequência dos ritos, seu local, a competência do oficiante e a expectativa do grupo
(GERSTENBERGER, 1984, p.13-16).
As práticas desses sacerdotes itinerantes ou ofienciantes religiosos eram diferentes
daquelas exercidas no templo em Jerusalém, e quem sabe, anterior ao próprio templo de
Salomão. Por conseguinte, devido a intensidade da tarefa, houve outros representantes
religiosos que ―coordenavam os ritos sagrados‖ (GERSTENBERGER, 1984, p.12).
Para Gerstenberger, esses oficiais religiosos itinerantes estavam vinculados aos
santuários locais. Participaram da época de profusão do profetismo em Israel cujos
representantes eram Samuel, Elias e Eliseu52
. Embora a perspectiva deuteronomística enfoque
a ideia de profeta sob arquétipo mosaico, ela possibilita a compreensão das funções que os
oficiais religiosos desempenhavam na época53
. Seguindo as tradições proféticas tanto do norte
como do sul, anterior ao exílio, os profetas tinham várias funções: profetas, sacerdotes,
vidente, curandeiro, milagreiro e promotor de saúde pública. Os profetas relacionados ao sul,
como por exemplo, Natã e Gad, possivelmente, foram os que tiveram maior atividade literária
e, concomitantemente, acesso e influências políticas (BAUMANN, 2004)54
.
Porém, ao lado desses sacerdotes enraizados nos santuários locais é possível encontrar
oficiais de culto ―móveis‖, isto é, que exerciam seus dons e oficios de modo itinerante entre a
sociedade. Para Gerstenberger esses itinerantes realizavam gestuais e ritos para as pessoas
enfermas das comunidades; oravam pelos seus ―pacientes‖; eram responsáveis pelos cultos
locais com as famílias; e, ao usarem linguagem litúrgica padrão, se tornaram os cuidadores da
literatura de lamentação e os encarregados dos ritos especializados (1984, p.12-21). É
provável que estes itinerantes fossem os responsáveis pelo ―arquivamento‖ e preservação dos
salmos e orações. Teriam sido responsáveis pela composição destes salmos e orações?
52 Samuel, Elias e Eliseu fazem parte da tradição profética efraimita, que provém da produção literária dos deuteronomistas.
O objetivo dos deuteronomistas era demonstrar a intensa relação entre a sociedade israelita e a dinâmica profética. Porém,
acaba por demonstrar certa evolução histórica do profetismo em Israel em seu corpus literário. 53 Para aprofundamento na temática do profetismo em Israel consulte: WILSON, Robert. Profecia e Sociedade no Antigo
Israel. 2ª.ed. rev. São Paulo: Targumim / Paulus, 2006, p.169-344. 54 Consulte: BAUMANN, Igor P. Profetismo, Justiça de Deus e Indigência Humana: Uma Abordagem Exegética Histórico-
Crítica em 2 Samuel 12.1-15a. 2004. 120fl. Monografia (Bacharel em Teologia). Faculdade Teológica Batista do Paraná,
Curitiba, 2004, p.44-48.
51
Os israelitas poderiam ser divididos em duas classes sociais: os envolvidos com a
liderança do estado, naturalmente ricos e letrados; e o povo pobre, humilde e limitado em suas
esferas políticas e econômicas. Nitidamente, muitos salmos bíblicos enfatizam o poder real e a
ideologias dos judaítas. Esses salmos derivam de fontes elitizadas vinculadas ao poder
monárquico. Conquanto, outra parte dos salmos bíblicos55
está claramente em prol dos
pobres, marginalizados, explorados, caluniados e doentes. São os salmos dos sofredores. Sua
grande parte pressupõe a ajuda misericordiosa do Senhor em prol dos injustiçados
(GERSTENBERGER, 1991, p.9-14).
Reconhecemos, portanto, que esta perspectiva dos oficiais litúrgicos dos grupos
primários da sociedade israelita pré-exílica possibilita encontrar entre essas comunidades
marginalizadas e dentre os indivíduos sofridos os primeiros compositores dos salmos de
lamentação. Caso esta hipótese não se fundamente devido à falta de recursos que os pobres
tinham para confeccionar materiais litúrgicos, no mínimo, esses salmos foram compostos por
alguns da elite judaíta (centro do poder) integrantes dos movimentos em favor dos
marginalizados.
Os salmos de lamentação deveriam servir a comunidade israelita em constante
sofrimento e lutas (GERSTENBERGER, 1991, p.5). Portanto, podemos dizer que na é época
pré-exílica que encontramos nas práticas de lamentação, incluindo a lamentação litúrgica:
meios de engajamento do sofredor no culto a Yhwh; a força e energia social dispensada por
aqueles que eram socialmente marginalizados e aos que pretendiam dar voz aos oprimidos em
meio às tensões sociais que assolavam o ambiente do antigo Israel; a possibilidade do
campesinato realizar seus atos de adoração a Yhwh sem depender exclusivamente do sistema
oficial – que estava em formação até a centralização do culto no templo; um meio de criação,
manutenção, preservação e atualização da sabedoria popular; e, as práticas de lamentação
através do registro das orações por liturgos itinerantes e, posteriormente, por movimentos que
lutavam em prol dos sofredores e injustiçados.
55 Para Günkel, os salmos de lamentação constituem o maior bloco, com cerca de um terço do saltério como
representatividade. Isso sem contarmos os salmos de lamentação localizados fora da compilação do saltério, como em
Jeremias e Ezequiel, por exemplo.
52
3.2 A LAMENTAÇÃO NO PERÍODO EXÍLICO
A linguagem de lamentação na época do exílio foi uma reação natural às calamidades
do período. Ela encontrou espaço entre os profetas do período. A lamentação possibilitava a
relação com Yhwh mesmo com a destruição do templo e a cessação da prática dos sacrifícios.
Também era um tipo de recurso litúrgico pessoal e comunitário para administrar a decepção
com Yhwh e se queixar das atrocidades sofridas. A lamentação era a linguagem da dor, do
sofrimento e da desesperança para os remanescentes; e a linguagem do abandono, do
desfalecimento do espírito religioso e da saudade da pátria para os exilados. Não obstante,
tanto a prática da lamentação quanto o registro da literatura de lamentação forneceram aos
remanescentes e exilados a possibilidade de suportar os desastres do exílio: o lamento também
é a linguagem da superação da dor ocasionada pelas perdas sofridas.
A catástrofe de Judá se reflete em sua literatura. A partir do exílio, as lamentações são
o gênero preferido dos escritores para descrever a situação de desespero em que os israelitas
se encontravam e nos servem de fontes sobre a situação do período (pelo menos entre os
remanescentes). O gênero de lamentação é atestado nos livros proféticos56
e poéticos que se
referem ao período. É possível afirmar que grande parte da literatura profética foi produzida e
compilada neste período ou, no máximo, num período brevemente posterior ao exílio
(SMITH, 2006, p.32). Não é de se admirar que a linguagem de lamentação se encontre
mesclada entre narrativas, relatos e outros gêneros proféticos e tenha ganhado espaço de
proeminência na compilação dos Salmos e no livro das Lamentações. É no exílio que os livros
proféticos referentes à época anterior ao exílio passaram por releituras e compilações. As
releituras são obras dos remanescentes. Porém, é provável que se cultivavam os salmos de
lamentação entre os exilados na Babilônia também.
Em outras palavras, o exílio marcou sobremaneira a história da religião do antigo
Israel e serviu de transição de um tipo de religião para outra. Tornou impossível a realização
de sacrifícios e alguns outros ritos vinculados ao templo, mas fez possível a percepção de
outras formas de envolvimento com Yhwh. Uma delas foram as lamentações que aconteciam
no lugar do templo destruído e àquelas que, provavelmente, eram realizadas nos círculos
56 A lamentação na época do exílio está intimamente vinculada à obra literária dos profetas literários ou clássicos: Jeremias,
Ezequiel e Dêutero-Isaías. Isso porque os acontecimentos históricos descritos em seus livros ocorreram em datas
reconhecidas, por volta do século VI. Assume-se de modo geral que a composição destes livros estava pronto até o final do
exílio, no máximo. As adições posteriores podem ser identificadas com mais facilidade do que àquelas relativas aos profetas
―anteriores‖. Contudo, a compilação dos livros dos profetas clássicos ainda é incerta. A maioria dos estudiosos liga a
compilação próxima do pós-exílio. Talvez pouco antes ou concomitantemente às redações de Ageu, Zacarias e Malaquias,
certamente datados depois da queda da Babilônia.
53
familiares de pessoas aterrorizadas pelos babilônicos. Os profetas símbolos deste período
foram Jeremias e Ezequiel57
.
É possível destacar pontos negativos e positivos dos efeitos do exílio na vida religiosa
dos indivíduos e comunidade e memória do povo. Certamente, o exílio, isto é, este período de
596 a 538 e chamado pelos estudiosos foi decisivo para a ―história de Israel e para o
desenvolvimento do javismo‖ (ELIADE, 2010, p.332). Dentre as diversas consequências do
exílio, uma delas foi a delimitação da identidade religiosa do antigo Israel preservada em seus
escritos sagrados.
3.2.1 A lamentação entre os remanescentes
É possível localizar grande parte da literatura canônica da Bíblia Hebraica produzida
―em terras de Judá‖ por círculos judaítas (SCHWANTES, 2007, p.39). A época do exílio
apesar de dolorosa desencadeou intensa produção literária entre os remanescentes.
Os livros de Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis constituem uma
grande unidade literária compilada na época exílica, em Judá; bem como os livros proféticos
que receberam auditório devido aos acontecimentos do exílio. É o exílio que faz com que os
profetas sejam escutados e interpretados, onde seus livros ganham espaço. Por isso, logo após
o exílio os textos que, outrora eram restritos aos círculos proféticos e em setores periféricos da
cidade, passam a ser colecionados e compilados por escolas de abrangência e influência na
religião de Israel. Segundo Schwantes, ―em consequência, foram adicionados salmos e refrãos
litúrgicos aos textos dos profetas‖ (2007, p.39). Em outras palavras, os textos proféticos que
pertenciam a segmentos vinculados à pessoa do profeta passam a ser da comunidade como um
todo e incluídos nas celebrações de todo Israel.
O exílio permitiu que a literatura israelita tivesse uma abrangência nacional mais
intensa e expandisse seus limites em áreas internacionais. Jeremias, por exemplo, incluí os
palestinenses, os israelitas exilados na Babilônia e países vizinhos a Israel em sua profecia. O
exílio dá legitimidade aos profetas, principalmente, os chamados literários. Portanto, os textos
dos profetas foram lidos, colecionados, preservados; em seguida, passaram por releituras; e
depois, atualizações para compilação. Tais releituras parecem ser particulares aos
57 Para Gabel-Wheeler, por causa do exílio que os judaítas se ocuparam em preservar seus escritos e produzir evidências de
sua religião através da literatura que buscava seu referencial nos antigos precursores da fé. GABEL, John; WHEELER,
Charles. A Bíblia Como Literatura. 2ª.ed. São Paulo: Loyola, 2003, p.135.
54
remanescentes, não dos exilados58
. Tais compilações, provavelmente, visavam o culto e a
liturgia do Israel pós-exílico, como uma religião de livro sagrado.
Porém, a literatura que representa a linguagem de lamentação entre os remanescentes
em Judá são principalmente: o livro de Jeremias, com seus poemas de lamentação espalhados
ao longo do livro; o livro de Lamentações; e, alguns Salmos sem localização certa de
composição, mas que retratam o sofrimento do povo judaíta. A linguagem de lamentação
entre os remanescentes, quer dizer, aqueles que não foram levados cativos pelos babilônicos e
permaneceram em Judá é uma expressão dos sobreviventes traumatizados com a devastação
sofrida.
Os círculos judaítas por trás dos livros que retratam o ―exílio‖ merecem atenção
especial. Certamente não o foram compilados no exílio, mas por volta de 539/538. Alguns
estudiosos mais ousados remetem as compilações destes livros para além de 539, chegando
muito próximo das redações de Esdras e Neemias. A escrita dos textos ainda em forma de
ditos, panfletos, cartas, poemas, etc., porém, pode ser atribuídas no mais tardar em 539/538.
É possível destacar pelo menos dois círculos e tradições literárias do período entre os
remanescentes. O primeiro círculo é nitidamente da ótica do campesinato, sob a perspectiva
de que Yhwh continuaria a usar o ―povo da terra‖, isto é, aqueles que ficaram em Judá. É a
perspectiva desenvolvida por pessoas que viviam em torno da cidade e pretendiam
reorganizar a nação. Essa literatura é marcadamente influenciada pelos deuteronomistas e
encontra familiaridades com o livro de Jeremias.
A linguagem de lamentação utilizada por alguns destes grupos é intensa e envolta a
muito sofrimento. Ela demonstra o sofrimento que os efeitos da tomada da cidade tiveram em
todo território nacional, como morte, fome e desespero. Num primeiro momento, tudo isso era
visto como injustiça, como pode-se ver no livro de Habacuque, que marca a transição entre o
pré-exílio do exílio59
. O profeta Jeremias também toca neste assunto em um de seus
lamentos60
. A situação provocava dúvidas se Yhwh tinha abandonado o seu povo61
. Esse tipo
58 Eram os remascentes que reclamavam a si a eleição divina para prosseguir a reconstrução de Judá; teoricamente, os
exilados só estavam esperando voltar para prosseguir o que, em sua perspectiva, já os pertencia. 59 ―Até quando, Senhor, clamarei por socorro, sem que tu ouças? Até quando gritarei a ti: ‗Violência!‘ sem que tragas
salvação? Por que me fazes ver a injustiça, e contemplar a maldade? A destruição e a violência estão diante de mim; há luta e
conflito por todo lado. Por isso a lei se enfraquece e a justiça nunca prevalece. Os ímpios prejudicam os justos, e assim a
justiça é pervertida‖. BÍBLIA, A.T. Habacuque. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2004. Cap. 1, vers. 2 a 4. 60 ―Tu és justo, Senhor, quando apresento uma causa diante de ti. Contudo, eu gostaria de discutir contigo sobre a tua justiça.
Por que o caminho dos ímpios prospera? Por que todos os traidores vivem sem problemas? Tu os plantaste, e eles criaram
raízes; crescem e dão fruto. Tu estás sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações. Tu, porém, me conheces,
Senhor; tu me vês e provas a minha atitude para contigo. Arranca os ímpios como a ovelhas destinadas ao matadouro!
Reserva-os para o dia da matança! Até quando a terra ficará de luto e a relva de todo o campo estará seca? Perecem os
animais e as aves por causa da maldade dos que habitam nesta terra, pois eles disseram: ‗Ele não verá o fim que nos espera‘‖.
55
de linguagem que expressa o sentimento do abandono de Deus chega a ser extrema quando o
queixoso acusa Yhwh de injusto: ―Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais
forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim‖62
.
É provável que o próprio livro de Jó tenha absorvido reflexos deste período cujo
sentimento de injustiça, indignação e desesperança tomou conta dos judaítas63
. Essa
linguagem extremada talvez represente a época bem próxima dos acontecimentos mais
graves. Depois, em seguida, a linguagem não é menos intensa, mas incluí expressões que
recorrem a Yhwh: ―Escuta, Senhor, as minhas palavras, considera o meu gemer‖64
. E recorrem
em atitude de confissão, penitência e arrependimento65
.
É difícil demarcar a época de origem dos Salmos cujo gênero se relaciona com a
lamentação. Sellin e Fohrer destacam que somente 4,5% dos Salmos pertencem ao período
exílico, seriam os Salmos: 51; 74; 77.1-6; 88; 102; 123. Ou seja, apenas seis deles compostos
no exílio. O Salmo 88 ainda pode ser sujeito a controvérsias devido sua proximidade de
linguagem com as lamentações do livro de Jó. Porém, a pesquisa a que Sellin e Fohrer se
dedicaram ainda é objeto de divergências e controvérsias entre os pesquisadores; eles próprios
afirmam saber da divergência de datas e da subjetividade das análises (2007, p.393-406).
O segundo grupo dentre os remanescentes é voltado para a teologia do templo e de
Sião e podemos situar sua produção literária logo após a destruição de Jerusalém. Em
Obadias, Sião ocupa o lugar central do texto, diferentemente de Jeremias. Com isso,
verificamos que havia um contingente judaíta, presente em Judá, que não integraram os
mesmos círculos que aqueles que receberam, preservaram e transmitiram a mensagem de
BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 12,
vers. 1 a 4. 61 Senhor, por que estás tão longe? Por que te escondes em tempos de angústia? BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia
Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 10, vers. 1. [...] ―Meu Deus! Meu Deus! Por que
me abandonaste? Por que estás tão longe de salvar-me, tão longe dos meus gritos de angústia? Meu Deus! Eu clamo de dia,
mas não respondes; de noite, e não recebo alívio!‖. BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 22, vers. 1 e 2. 62 BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
20, vers. 7. 63 Para debate sobre data do livro de Jó, consulte: ANDERSEN, Francis. Jó: Introdução e Comentário. 4ª.ed. São Paulo:
Vida Nova, 2006, p.59-62. 64 BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 5,
vers. 1. 65 Tem misericórdia de mim, ó Deus, por teu amor; por tua grande compaixão apaga as minhas transgressões. Lava-me de
toda a minha culpa e purifica-me do meu pecado. Pois eu mesmo reconheço as minhas transgressões, e o meu pecado sempre
me persegue. Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas, de modo que justa é a tua sentença e tens razão em
condenar-me. BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida,
2004. Cap. 51, vers. 1 a 4.
56
Jeremias. Podemos chamar estes grupos de sionitas. Eles demonstram o uso da linguagem de
lamentação a seu próprio modo, lamentando a destruição do templo e da cidade66
.
Os sionitas67
se dirigiam ao templo em atitude de lamentação, como o próprio livro de
Jeremias nos informa:
No dia seguinte ao assassinato de Gedalias, antes que alguém o soubesse,
oitenta homens que haviam rapado a barba, rasgado suas roupas e feito
cortes no corpo, vieram de Siquém, de Siló e de Samaria, trazendo ofertas de
cereal e incenso para oferecer no templo do Senhor. Ismael, filho de
Netanias, saiu de Mispá para encontrá-los, chorando enquanto caminhava.
Quando os encontrou, disse: ―Venham até onde se encontra Gedalias, filho
de Aicam‖68
.
Pelo fato dos sionistas estarem vinculados ao templo e aos sacrifícios, a linguagem de
lamentação usada por eles poderia acompanhar rituais e gestos simbólicos; e envolver
peregrinações junto aos escombros do templo como uma substituição dos sacrifícios. Lá, eles
realizavam seus lamentos à moda dos cânticos fúnebres. O livro das Lamentações pode muito
bem ter sido composto para esses rituais de lamentação pela cidade e o templo. Destarte,
muitas têm sido as hipóteses quanto à autoria, composição, ocasião e gênero do livro das
Lamentações69
.
Lamentações é um excelente livro bíblico do gênero das lamentações e retrata o
período, o período imediatamente posterior a destruição do templo70
. O livro reúne suas
lamentações em cinco unidades organizadas cada uma em forma de acróstico. É uma espécie
de ―cancioneiro‖ (SCHWANTES, 2007, p.74) das romarias e liturgias em torno das ruínas da
cidade; referem-se com pesar à destruição de Jerusalém71
.
66 Faria afirma timidamente que o profeta Jeremias teria inspirado outros movimentos com a linguagem de lamentação. Se se
seguirmos esta interessante hipótese, o livro das Lamentações teria uma vertente teológica diferente da do livro de Jeremias,
mas possivelmente a mesma influência de gênero, estilo e possivelmente de estrutura. Consulte: FARIA, Jacir de Freitas.
Salmos de Sofrimento: Expressão da Interiorização das Relações com Deus!. Revista de Interpretação Biblica Latino-
Americana (Ribla). Petrópolis: Vozes, n.45, p.105-114, 2003. 67 O livro de Zacarias, nos capítulos 7 e 8, também testemunha a respeito dessa peregrinação em atitude de lamentação. 68 BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
41, vers. 4 a 6. 69 Para se inteirar no debate destas hipóteses, inicialmente, consulte: CALOVI, Marcos; KILPP, Nelson (Orient.). Como Está
Solitária! Lamentações na Pesquisa Científica. 2006. 128 f. Dissertação (Mestrado em Teologia). Escola Superior de
Teologia. São Leopoldo, 2006, p.15-37; 48-73. 70 O Senhor é como um inimigo; ele tem devorado Israel. Tem devorado todos os seus palácios e destruído as suas fortalezas.
Tem feito multiplicar os prantos e as lamentações da filha de Judá. Ele destroçou a sua morada como se fosse um simples
jardim; destruiu o seu local de reuniões. O Senhor fez esquecidas em Sião suas festas fixas e seus sábados; em seu grande
furor rejeitou o rei e o sacerdote. O Senhor rejeitou o seu altar e abandonou o seu santuário. Entregou aos inimigos os muros
dos seus palácios, e eles deram gritos na casa do Senhor, como fazíamos nos dias de festa. BÍBLIA, A.T. Lamentações.
Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2, vers. 5 a 7. 71 ―Como está deserta a cidade, antes tão cheia de gente! Como se parece com uma viúva, a que antes era grandiosa entre as
nações! A que era a princesa das províncias agora tornou-se uma escrava. Chora amargamente à noite, as lágrimas rolam por
seu rosto. De todos os seus amantes nenhum a consola. Todos os seus amigos a traíram; tornaram-se seus inimigos‖.
BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
1, vers. 1 e 2. [...] ―Todo o esplendor fugiu da cidade de Sião. Seus líderes são como corças que não encontram pastagem;
57
O livro das Lamentações que tradicionalmente é atribuído a Jeremias (provavelmente
pela influência profética e similaridade de linguagem poética) pertence a este círculo judaíta
sionista. Nele, lamenta-se a destruição da cidade, à moda dos antigos poemas cujo gênero foi
chamado de ―lamentação pela cidade destruída‖ comuns na literatura do antigo Oriente
Próximo (DOBBS-ALLSOPP, 1993). A contribuição que esta literatura teve na linguagem de
lamentação na época exílica se deve à possibilidade de se envolver com Yhwh, mesmo com a
destruição do templo e a cessação de sacrifícios.
Contudo, não só o templo e a cidade são lamentados, o sofrimento humano também
ganhou espaço através de imagens que refletem o caos social ocasionado pela invasão
babilônica: fome generalizada72
, crianças abandonadas73
, pessoas com vergonha74
, morte de
todos os tipos75
, canibalismo76
, roubos77
, estupros78
. Schwantes descreve que há um abandono
generalizado de velhos, viúvas e crianças e resume que em Lamentações: ―a vida está
permeada de morte‖. O pesquisador afirma que o livro ―transpira essa atmosfera de morte e
decomposição‖; mas nos adverte contra a generalização do quadro: é provável que esta
situação não imperasse em toda Judá; alguns remanescentes ligados à periferia não sofreram
tanto. Conquanto, seguindo essa visão, o livro corresponde à dor jerusalemita (2007, p.75).
O livro de Obadias também pode representar os sionitas remanescentes. Wolff
considera a possibilidade do livro de Obadias ser o oposto complementar litúrgico do culto
que envolvia as lamentações descritas no livro de Lamentações (WOLFF, 1977). É consenso sem forças fugiram diante do perseguidor‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 1, vers. 6. 72 ―Todo o seu povo se lamenta enquanto vai em busca de pão; e, para sobreviverem, trocam tesouros por comida. Olha,
Senhor, e considera, pois tenho sido desprezada‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 1, vers. 11. ―De tanta sede, a língua dos bebês gruda no céu da boca; as
crianças imploram pelo pão, mas ninguém as atende‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova
Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 4, vers. 4. 73 ―O Senhor dispersou todos os guerreiros que me apoiavam; convocou um exército contra mim para destruir os meus
jovens. O Senhor pisou no seu lagar a virgem, a cidade de Judá. É por isso que eu choro; as lágrimas inundam os meus olhos.
Ninguém está por perto para consolar-me, não há ninguém que restaure o meu espírito. Meus filhos estão desamparados
porque o inimigo prevaleceu‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São
Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 1, vers. 15 e 16. 74 ―Os líderes da cidade de Sião sentam-se no chão em silêncio; despejam pó sobre a cabeça e usam vestes de lamento. As
moças de Jerusalém inclinam a cabeça até o chão‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2, vers. 10. 75 ―Meus olhos estão cansados de chorar, minha alma está atormentada, meu coração se derrama, porque o meu povo está
destruído, porque crianças e bebês desmaiam pelas ruas da cidade‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia
Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2, vers. 11. ―Os que foram mortos à espada estão
melhor do que os que morreram de fome, os quais, tendo sido torturados pela fome, definham pela falta de produção das
lavouras‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida,
2004. Cap. 4, vers. 9. 76 ―Com as próprias mãos, mulheres bondosas cozinharam seus próprios filhos, que se tornaram sua comida quando o meu
povo foi destruído‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2004. Cap. 4, vers. 10. 77 ―Conseguimos pão arriscando a vida, enfrentando a espada do deserto. Nossa pele está quente como um forno, febril de
tanta fome‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora
Vida, 2004. Cap. 5, vers. 9 e 10. 78 ―As mulheres têm sido violentadas em Sião, e as virgens, nas cidades de Judá‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In:
Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 5, vers. 11.
58
datar o livro com a queda de Jerusalém (BAKER, In: BAKER; ALEXANDER; STURZ;
2006, p.27), o que o aproximaria do livro de Lamentações. A queda do inimigo retratado
como ―Edom‖ traria consolo ao Israel ferido79
. Em outras palavras, as profecias contra Edom
demonstrariam que as queixas de Israel teriam sido atendidas. Neste caso, ―Edom‖ se referiria
tipologicamente às cidades estrangeiras, em especial, a Babilônia. Em 1 Esdras se diz que
foram os edomitas que destruíram o templo de Jerusalém80
. É uma hipótese viável, mas não
confirmada81
.
Há também alguns Salmos de lamentação que retratam o exílio. Recorreu-se aos
Salmos de lamentação como expressões cúlticas entre os remanescentes e exilados devido à
ausência de seu local sagrado. Eles representam a possibilidade de cultuar a Yhwh, pedir,
chorar, expressar suas angústias e declarar a confiança do caráter do Senhor. Com o tempo, ao
se aproximarem do pós-exílio, os Salmos receberam a textura litúrgica para cultos oficiais da
nação e ficou mais fácil localizar as funções subjacentes aos Salmos na dinâmica do culto do
antigo Israel.
Destarte, podemos dizer que a lamentação em Judá, de um modo geral, ficou a cargo
dos profetas, por causa do desligamento do culto e dos sacrifícios.
Muitos desses profetas não eram necessariamente vinculados com os chamados
―profetas clássicos‖. Até porque os profetas clássicos só foram reconhecidos como autênticos
para Israel depois de todas as tragédias ao se confirmarem suas palavras perante o povo e sua
liderança. Os profetas profissionais continuavam suas tarefas litúrgicas entre o povo. O que
explica a tamanha influência dos chamados ―profetas da paz‖ que atuavam no cenário
religioso da época. Os livros de Jeremias e Lamentações identificam este grupo como falsos
profetas82
. A linguagem deles era positivista, desprovida de qualquer ameaça ou precaução ao
povo e é provável que fizessem apenas as lamentações rituais prescritas em ocasião de morte
e doenças graves à maneira do pré-exílio.
Com esta hipótese de continuidade do trabalho de atendimento aos doentes e enlutados
dos profetas profissionais, a possibilidade da linguagem de lamentação pessoal e particular
79 Alegre-se e exulte, ó terra de Edom, você que vive na terra de Uz. Mas a você também será servido o cálice: você será
embriagada e as suas roupas serão arrancadas. Ó cidade de Sião, o seu castigo terminará; o Senhor não prolongará o seu
exílio. Mas você, ó terra de Edom, ele punirá o seu pecado e porá à mostra a sua perversidade. BÍBLIA, A.T. Lamentações.
Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 4, vers. 21 e 22. 80 Conforme: 1 Esdras 4.45. 81 Essa visão nos parece viável, mas entre os acadêmicos ainda há muito o que se debater sobre a função do livro de Obadias
e sua relação com o de Lamentações. Consulte: BAKER, David. ―Obadias‖. In: BAKER, David; ALEXANDER, T.
Desmond; STURZ, Richard. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias: Introdução e Comentário. 2ª.ed. São
Paulo: Vida Nova, 2006, p.27. 82 ―As visões dos seus profetas eram falsas e inúteis; eles não expuseram o seu pecado para evitar o seu cativeiro. As
mensagens que eles lhe deram eram falsas e enganosas‖. BÍBLIA, A.T. Lamentações. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova
Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2, vers. 14.
59
estar vinculada aos profetas clássicos aumenta significativamente. Jeremias seria o
representante do período em conjunto com o(s) autor(es) anônimo(s) do livro das
Lamentações e outro poemas que podem ter sido vinculados aos profetas e salmos ao final do
exílio e idos pós-exílicos83
.
Os profetas ―clássicos‖, isto é, os que foram reconhecidos como portadores da
mensagem de Yhwh puderam agregar em sua atuação a lamentação de uma realidade que
predisseram, experimentaram e que foram vinculadas junto às composições de seus escritos e
na compilação posterior dos textos associados a sua profecia.
3.2.2 A lamentação entre os exilados
Por certo, houve uma intensa produção literária em círculos judaítas e em território
babilônico. A maior parte dos judaítas não foi deportada. Os que foram para terras
estrangeiras representavam a elite de Jerusalém: militares, artesãos, sacerdotes e gente ligada
a corte real. Na Babilônia, porém, estavam vivendo como pessoas simples, ao estilo de
camponeses. Durante o tempo do exílio detinham certa liberdade, mas o fruto de seu trabalho
era absorvido pelos seus mandantes. A liberdade que detinham permitiu que continuassem
suas tradições religiosas e se apoiassem mutuamente (SCHWANTES, 2007, p.95).
Os escritos que referenciam este período na Babilônia foram de grande importância na
história da religião de Israel. Uma vez que foram produzidos por uma comunidade
representativa da liderança de Judá, os textos reclamam a si certa exclusividade quanto à
eleição de Yhwh. É fácil encontrar em seus escritos o vigor com que desprezavam os que
ficaram em Judá. Como exemplo, vemos que no início do livro de Ezequiel é previsto a
destruição de Jerusalém e do templo e compreende o fato como punição de Yhwh sobre a
cidade, e detalha que não haveria remanescentes (SCHWANTES, 2007, p.95-117).
Podemos atribuir aos exilados, cativos na Babilônia, alguns escritos fundamentais.
Certamente, o livro de Ezequiel e o Dêutero-Isaías. Reconhece-se, porém, outros textos: o
Código da Santidade, isto é, Levítico capítulos 17 a 26; e o escrito Sacerdotal, para aqueles
83 Podemos pensar que os autores de Lamentações estavam vinculados aos profetas clássicos porque esses profetas são
reconhecidos positivamente ao longo do livro. Esses autores estariam, portanto, vinculados a círculos proféticos antagônicos
àqueles que profetizavam a ―paz‖ em Jerusalém. Porém, há ainda uma objeção: haveria entre esses círculos proféticos do qual
o livro se deriva a presença de ―cantores‖? É provável que sim. São cantores com condições de conduzir as reuniões de ―luto‖
da cidade; cantores muito próximos dos círculos proféticos. Consulte: HARRISON, R.K. Jeremias e Lamentações:
Introdução e Comentário. 5ª.ed. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.155-162.
60
que levam em conta a teoria das quatro fontes. O texto de Levítico 17 a 26 seria uma das
partes do escrito sacerdotal. No entanto, ainda há muitas críticas e incertezas quanto a teoria
das fontes.
Há também a possibilidade de que alguns Salmos tenham sido escritos no exílio.
Principalmente aqueles que possuam características similares aos textos de Ezequiel, do
Segundo Isaías e do Código da Santidade. Os possíveis Salmos relacionados ao exílio sem
características cultuais claras, como o Salmo 88, possivelmente sejam mais bem atribuídos
aos exilados. A hipótese de que apenas uma pequena parte dos Salmos tem origem na época
do exílio prossegue (SELLIN; FOHRER; 2007, p.393-406). Kaufmann atribuí a origem dos
Salmos ao pré-exílio, ligados à época da monarquia até as primeiras deportações. Para ele, os
salmos não foram e nem poderiam ser compostos no exílio, com exceção do Salmo 137 que
deve ter sido o último Salmo a ser escrito (1989, p.313).
A literatura produzida em solo babilônico tinha como função principal manter as
tradições religiosas de Israel e dar novo sentido à religião e teologia para o momento em que
os israelitas se encontravam. Para Gabel e Wheeler, foi no cativeiro que os judaítas
desenvolveram o apreço significativo pelo sábado (substituto mais adequado para o culto) e
pela circuncisão; foi lá que começaram a desenvolver as sinagogas, como casas de
manutenção da tradição israelita através de reuniões regulares (2003, p.136). Gusso também
compreende a origem da sinagoga em terras babilônicas e possibilitou a transmissão dos
ensinamentos da ―fé javista‖ para a nova geração que se assentou na Babilonia e regressaria
sob determinação persa (GUSSO, 2002, p.75-92).
É presumível tomar como certo para nossa pesquisa somente o livro de Ezequiel e o
Segundo Isaías como literatura representativa do período exílico; e, ainda, como
representatividade dos possíveis Salmos originários em terras babilônicas, tomaremos o
Salmo 137. Cada um destes escritos se relaciona de alguma forma com a linguagem de
lamentação e são uteis para o desenvolvimento deste capítulo. Contudo, verificamos a
presença de lamentações entre os exilados no livro de Ezequiel, alguns vestígios no Dêutero-
Isaías, e a demonstração radical da lamentação que incluí maldição aos babilônicos no Salmo
137.
O livro de Ezequiel, em primeiro lugar, é praticamente um marco na teologia do
período, pois incluí ressignificações da fé javista para o novo momento e local em que o povo
cativo se encontrava. Sua literatura é marcada pela linguagem simbólica. Diverge dos outros
profetas ao usar com exagero a linguagem figurada. Seu ponto de contato com os profetas
61
clássicos é Jeremias em sua perspectiva deuteronomística de análise da história da salvação
(SSCHWANTES, 2007, p.96-105).
O livro demonstra que Ezequiel foi uma voz importante no exílio. Foi levado cativo
juntamente com o rei Joaquim, por volta de 597/596; atuou seguramente entre os cativos e,
provavelmente, havia uma comunidade em torno dele; tal homem era sacerdote em Judá, mas
tornara-se profeta na Babilônia; acreditava que a ―primeira deportação‖ da qual participara
não era o fim, mas o começo das dificuldades; entendia que Yhwh estava realizando seu
julgamento sobre os judaítas remanescentes e as instituições de Israel: todos corrompidos
(KLEIN, 1990, p.90-112).
O livro de Ezequiel verifica uma quebra de paradigmas na teologia de Israel84
. Por
conseguinte, houve mudanças na estrutura do pensamento teológico entre os exilados.
Segundo Fohrer, Ezequiel se serve de tradições não israelitas de caráter cananeu-fenício e
mesopotâmico (2006, p.411-416). O local onde o profeta se estabeleceu foi determinante para
a construção do gênero e estrutura do seu livro. Chegando com os primeiros deportados,
Ezequiel se estabeleceu em Tel-Abibe, às margens do rio Quebar, canal que ligava a
Babilônia a Uruk por meio de Nipur85
. Nipur foi uma das cidades mesopotâmicas destruídas
por volta de 2000.
Nipur é uma das cidades mesopotâmicas conhecidas através do ―lamento por Nipur‖,
um dos cinco lamentos sumérios pelas cidades destruídas. É possível que alguns rituais de
lamentação daquela região tenham continuado até meados do século VI, época de Ezequiel. O
lamento de Nipur procura legitimar os deuses em meio às catástrofes acometidas daqueles
dias (TINNEY, 1996). Segundo Petter, Ezequiel teria recebido influências de símbolos, ritos
e, principalmente, do gênero vinculado aos lamentos sumérios pelas cidades (2009).
A tese de Petter afirma que o lugar onde Ezequiel se estabeleceu moldou seu
pensamento para composição de seu livro. Sua tese é viável a partir do trabalho de Dobbs-
Allsopp. Dobbs-Allsopp procura entender o lamento pela cidade como um gênero, a partir de
recursos à luz de canções fúnebres ligadas ao período86
. Segundo Dobbs-Allsopp, há
conexões entre a cultura israelita e mesopotâmica, mas não há qualquer empréstimo literário 84 É decisivo para leitura de Ezequiel compreender: sua vocação – Ezequiel foi chamado por Yhwh assim como Isaías e
Jeremias, porém, em terra estrangeira; propõe um veredicto mais severo do que os outros profetas a Jerusalém – seu texto
demonstra radical ameaças a Jerusalém e a figura a prostituta; descobre a presença de Deus para além de Israel, entre os
exilados – conquanto, exclusivamente entre os desterrados; é possível profetizar e viver a fé fora da sua terra – ora,
compreenderam que Yhwh veio com eles de Judá para o exílio. Essas e outras peculiaridades testemunham que os exilados
assumiram a ―a pretensão de serem o único e verdadeiro Israel‖. Essas e outras peculiaridades do livro de Ezequiel podem ser
consultadas em: SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século
VI a.C. São Paulo: Paulinas, 2007, p.96-117. 85 Consulte: Ezequiel 1.1; 3.15. 86 DOBBS-ALLSOPP, F.W. Weep, O Daughter of Zion: a Study of the City Lament in Genre in the Hebrew Bible. Roma:
Pontificio Instituto Bíblico, 1993.
62
entre eles (1993). A linguagem de lamentação seria semelhante entre as culturas devido a
influência do contexto, não da literatura em si. Petter concorda com tal semelhança, mas vai
além, considerando que o lamento pela cidade é a matriz literária de Ezequiel. A fonte de
Petter é a tradição e gênero de lamentação do antigo Oriente Próximo recebida pelo profeta
em Nipur e por evidências desta influencia no sseu texto.
Contudo, é possível identificar tendências literárias relativas à lamentação na redação
do livro de Ezequiel. Em primeiro lugar, o profeta é retratado como alguém que conduz
funerais: primeiro, aos líderes de Israel; em seguida, para Tiro; e depois para o faraó.
Levante um lamento pelos príncipes de Israel87
[...] Filho do homem, faça
um lamento a respeito de Tiro88
[...] Filho do homem, entoe um lamento a
respeito do faraó, rei do Egito, e diga-lhe: Você é como um leão entre as
nações, como um monstro nos mares, contorcendo-se em seus riachos,
agitando e enlameando as suas águas com os pés89
.
Em segundo lugar, há uma similaridade quanto ao deslocamento de Ezequiel de Judá
para a Babilônia com o deslocamento da deusa suméria que aparece suplicando ao conselho
dos deuses pela decisão de Enlil destruir a cidade: ela é incapaz de parar o decreto de
destruição e abandona a cidade, o templo e torna-se uma estrangeira em terra em que ela não
conhece. Como resultado deste incidente, ela lamenta amargamente a perda de seu povo, de
sua cidade e de seu templo (KRAMER, In: DRIEL; KRISPIJN; VEENHOF; 1982).
Semelhantemente, a ordem de destruição que Yhwh decreta contra Jerusalém não pode ser
evitada e o profeta sai de sua terra e ruma à terra desconhecida. Aparentemente, a atitude de
Ezequiel no início do exílio era de lamentação, bem como sua mensagem inicial na Babilônia
era proferir lamentos:
Mas você, filho do homem, ouça o que lhe digo. Não seja rebelde como
aquela nação; abra a boca e coma o que vou lhe dar. Então olhei, e vi a mão
de alguém estendida para mim. Nela estava o rolo de um livro, que ele
desenrolou diante de mim. Em ambos os lados do rolo estavam escritas
palavras de lamento, pranto e ais. E ele me disse: ―Filho do homem, coma
este rolo; depois vá falar à nação de Israel‖. Eu abri a boca, e ele me deu o
rolo para eu comer. E acrescentou: ―Filho do homem, coma este rolo que
87 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
19, vers. 1. 88 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
27, vers. 2. Consulte também: Ezequiel 28.11. 89 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
32, vers. 2.
63
estou lhe dando e encha o seu estômago com ele‖. Então eu o comi, e em
minha boca era doce como mel90
.
Segundo Petter, Ezequiel 2.8-3.3 faz relação com a linguagem de lamentação na
estrutura da sua mensagem em três aspectos: sua natureza, conteúdo e a natureza comestível
(2009, p.68-74). A natureza da mensagem é um decreto divino de lamentação pelas cidades
destruídas. O conteúdo da mensagem está em torno da palavra yqi (qiyn), relativa aos
cânticos fúnebres na tradição israelita. A natureza comestível da mensagem define a
identidade do mensageiro: ele próprio é um depósito do lamento, isto é, o profeta absorve a
lamentação divina (HESCHEL, 2007).
A reação de Ezequiel à absorção da mensagem de Yhwh, segundo a descrição de seu
livro é de lamentação. Atestamos no profeta um comportamento emocional condizente com a
lamentação: ―com o meu espírito cheio de amargura e ira‖; verificamos uma postura física
adequada com as tradições por ele recebida: ―sentado‖91
; e, a duração do tempo em que ficou,
―sete dias‖92
; em seguida, ele profetizou93
.
Em terceiro lugar, há uma serie de gestos simbólicos exercidos por Ezequiel que estão
atrelados à linguagem de lamentação. No capítulo 5 ele recebe a ordem de cortar o cabelo e
raspar a barba. O ato de se barbear, de modo geral, é interpretado de duas formas, ora como
um ato de humilhação94
, ora como um ato de luto95
. Além disso, a deusa dos lamentos
sumérios faz gestos relacionados com seus cabelos e, em seguida, ela arranca seus cabelos
como gesto de luto por seu povo e por sua cidade, como um ato de auto-humilhação pela
desgraça (PETTER, 2009, p.83,84).
Há indicações de semelhanças gestuais de Ezequiel e a tradição de lamento
mesopotâmica que confirmariam a tese de Petter. O texto de Ezequiel 6.11,12 mostra outros
gestos de lamentação que o profeta deveria realizar: ―[...] esfregue as mãos, bata os pés e grite
90 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 2,
vers. 8 até cap.3, vers.3. 91 Trata-se de uma forma do hebraico bayf (yashab), literalmente, ―sentar-se‖, ―permanecer‖, ―habitar‖. Tem haver com
pessoas que se sentam sobre algo e que se demoram extáticos em determinada posição, etc. Esse é o sentido mais provável
para a tradução. A expressão usada pela Nova Versão Internacional não demonstra com assertividade o gesto físico do
profeta. A versão revisada da tradução de João Ferreira de Almeida apresenta o termo como ―passei a morar onde eles
habitavam‖ e parece mais adequada. Petter argumenta que se trata de uma expressão simbólica-ritual de lamentação, que
também é possível no contexto do texto e da linguagem. Consulte: PETTER, Donna L. The Book of Ezekiel: Patterned After
Mesopotamian City Lament? 2009. 225f. Tese (Doutorado em Filosofia). Toronto: University of Toronto, 2009, p.79. 92 Comparar com Jó 2.8. 93 ―Então o Espírito elevou-me e tirou-me de lá, com o meu espírito cheio de amargura e de ira, e com a forte mão do Senhor
sobre mim. Fui aos exilados que moravam em Tel-Abibe, perto do rio Quebar. Sete dias fiquei lá entre eles — atônito! Ao
fim dos sete dias a palavra do Senhor veio a mim [...]‖. BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 3, vers. 14 a 16. 94 Comparar com: 2 Samuel 10.4,5; Isaías 7.20. 95 Comparar com: Amós 8.10; Jeremias 16.6; 47.5; 48.37; Isaías 15.2.
64
‗Ai!‘ [...]‖96
. O próprio capítulo 6 vai demonstrar que se trata de gestual de luto. O capítulo 21
faz outra indicação: ―Clame e grite, filho do homem, pois ela está contra o meu povo; está
contra todos os príncipes de Israel. Eles e o meu povo são atirados contra a espada. Lamente-
se, pois; bata no peito‖97
. Dobbs-Allsopp afirma que são gestos de lamentação fúnebre
relativos às tradições de lamento pelas cidades (1993, p.78).
As referências até aqui verificadas pertencem particularmente ao início do ministério
do profeta. Mas apenas para destacar uma última referência a respeito da linguagem de
lamentação em Ezequiel, escolhemos uma que aparentemente é simultâneo ou posterior à
destruição do templo e da cidade de Jerusalém. É uma referência bastante estranha: a ordem
de Yhwh para que Ezequiel não lamente a morte se sua esposa. A morte da esposa teria
finalidade simbólica para o povo cativo98
.
É discutível se o texto, na ocasião, se tratava de um vaticínio profético ou um
comunicado aos exilados de que a cidade e templo haviam caído, como forma de julgamento
por seus atos. Interessa-nos perceber que mais uma vez a lamentação em Ezequiel está
atrelada aos rituais simbólicos realizados pelo profeta. Podemos considerar, portanto, que a
linguagem de lamentação em Ezequiel é bastante gestual e simbólica, onde o profeta recebe
ordens de Yhwh referente ao que ele deveria ou não fazer e profetizar sobre o sentido disso.
Como o profeta em suas ações simboliza a mensagem de Yhwh, podemos atestar uma
mensagem cuja linguagem de lamentação encontra-se mesclada com as ameaças e profecias
(HESCHEL, 2007).
Outra referência quanto à linguagem de lamentação usada no exílio fica por conta do
Salmo 137. O problema de analisá-lo fica por conta da incerteza de data e lugar de origem.
Para Sellin e Fohrer (2007, p.405) e Kaufmann (1989) não é possível que este Salmo tenha
sido produzido no exílio. Ele seria, no caso, pós-exílico. Waiser compartilha desta opinião
(1994, p.13). Kidner e poucos estudiosos assumem que foi escrito em terras babilônicas, na
época do exílio (2004, p.467) e estão baseados na afirmação do versículo 1: ―Junto aos rios da
96 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 6,
vers. 11. 97 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
21, vers. 12. 98 ―Veio a mim esta palavra do Senhor: Filho do homem, com um único golpe estou para tirar de você o prazer dos seus
olhos. Contudo, não lamente nem chore nem derrame nenhuma lágrima. Não permita que ninguém ouça o seu gemer; não
pranteie pelos mortos. Mantenha apertado o seu turbante e as sandálias nos pés; não cubra o rosto nem coma a comida
costumeira dos pranteadores. Assim, falei de manhã ao povo, e à tarde minha mulher morreu. No dia seguinte fiz o que me
havia sido ordenado. Então o povo me perguntou: ―Você não vai nos dizer que relação essas coisas têm conosco?‖. E eu lhes
respondi: ―Esta palavra do Senhor veio a mim: [...]‖.BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão
Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 24, vers. 15 a 19.
65
Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de Sião‖99
. Schmidt é cauteloso ao
demarcar a data de origem deste texto porque compreende que os salmos, de modo geral, são
caracterizado pelo uso de fórmulas e linguagens específicas que não permitem clara relação
entre a poesia e a história (1994, p.288).
A despeito da cautela que devemos ter ao atribuir uma data e lugar é certo que o
próprio salmo atesta dificuldades experimentadas no cativeiro pelos israelitas. Sem dúvidas, o
autor do Salmo 137, seja em terras babilônicas –data posterior da destruição do templo e da
cidade – ou no retorno à Judá, decidiu relatar seus sentimentos de ódio contra seus inimigos.
Os sentimentos por trás deste salmo são religiosos e nacionalistas, onde o autor extravasa por
meio de poesia seu ódio aos inimigos ao olhar o passado próximo de humilhação, saudades e
tristeza (GUSSO, 2007, p.83).
Quanto ao gênero literário também há divergências de opinião. Mas é seguro afirmar
que é um salmo de lamentação. Sellin e Fohrer o caracterizam como salmo de lamentação
coletivo (2007, p.405). Schökel (1998) concorda com Günkel (1993) de que é de um salmo de
lamentação, mas discorda da nomenclatura ―lamentação e súplica‖ usada por Schmidt (1994).
Conquanto não seja fácil determinar o gênero literário de um salmo devido duas
características próprias, Gusso propõe que este seja considerado uma lamentação, sem definir
ao certo se coletiva ou individual (2007, p.75-79).
O Salmo 137 possuí paralelos e semelhanças com o estilo literário do antigo Oriente
Próximo. Principalmente, com relação à presença clara de maldições. Como já observamos, a
maldição é recorrente no antigo Oriente Próximo e deve ter sido um dos elementos absorvidos
pelo antigo Israel. Fazer uso de maldições fazia parte do dia-a-dia dos israelitas e de sua
literatura. Quanto mais em situações de perigo e calamidades, como aquela que o exílio
trouxe. A tese de Gusso enfoca alguns usos da maldição por Israel: como automaldição (esta é
a que Jeremias usa no capítulo 20 de seu livro), como forma de garantir o cumprimentos de
leis, como forma de descobrir culpados, como forma de castigo, como uma espécie de arma
de defesa e ataque contra inimigos e como pedido de castigo divino para os inimigos (2007,
p.153-170).
O saltério testemunha a presença de maldições. Por um lado, o cotidiano do israelita
era marcado pela crença no poder da palavra (ZIMMERLI, 1980, p.114); mas de outro, a
literatura que contém maldições desperta interesse nos estudiosos, ora por deixar claro que a
maldição fazia parte do contexto do antigo Israel, ora por elas serem utilizadas
99 BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
137, vers. 1.
66
intencionalmente para determinados fins. Temos somente possibilidades plausíveis para a
presença de maldição nos salmos. Mas certamente cada salmo de lamentação com maldições
deve ter o próprio objetivo quanto ao uso da mesma. Como é o caso do Salmo 137.
Aos versículos 1 a 4 cabe o retrato da humilhação que os israelitas passaram no
exílio100
. Em seguida, o salmista retrata a saudades de Jerusalém. É notório ressaltar que a
teologia por trás do salmo a dos sionitas. Talvez muito próxima daqueles que compuseram o
livro das Lamentações: ―Que a minha mão direita definhe, ó Jerusalém, se eu me esquecer de
ti! Que a língua se me grude ao céu da boca, se eu não me lembrar de ti, e não considerar
Jerusalém a minha maior alegria!‖101
. Finalmente, a maldição contra a Babilônia, nos
versículos 7 a 9. O Salmo 137 encerra com a maldição contra os seus inimigos, usando
expressões vinculadas com a linguagem de lamentação (―lembra-te‖, ―Ó!‖, ―feliz aquele‖ com
sentido negativo)102
.
Portanto, fica claro que não é possível haver um gênero de maldições ou imprecações
como afirmam alguns. Para Günkel, ainda que ele próprio use o termo ―imprecação‖,
compreende que não é um gênero literário isolado, mas que faz parte de alguns salmos (1993).
Depois dele, Gerstenberger, compreende a maldição como parte da composição total do salmo
de lamentação (1984, p.172). Contudo, o que é presente na literatura do saltério são salmos
com maldições. Sendo que, na maior parte das vezes, essas maldições estão inclusas em
salmos cujo gênero é o de lamentações.
Por certo, o gênero no qual predominam as maldições é o de lamentação. É possível
que haja na linguagem de lamentação a presença de maldições. Seu uso na literatura e na
elaboração dos cânticos de lamentação se deu em grande parte no exílio babilônico. Pois, a
situação dos exilados e dos remanescentes pedia uma reação da parte deles. Cada qual a
realizou a sua maneira, principalmente através da crença da palavra proferida, já que estavam
limitados em suas esferas econômicas, politicas e militares.
Como resultado desta reação surgiram literaturas que descrevem a ruína de Judá. ―A
literatura capturaria com palavras o que havia sido sofrido e perdido na experiência‖ (SMITH,
100 ―Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de Sião. Ali, nos salgueiros penduramos as nossas
harpas; ali os nossos captores pediam-nos canções, os nossos opressores exigiam canções alegres, dizendo: ―Cantem para nós
uma das canções de Sião!‖ Como poderíamos cantaras canções do Senhor numa terra estrangeira?‖. BÍBLIA, A.T. Salmos.
Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 137, vers. 1 a 4. 101 BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
137, vers. 5 e 6. 102 ―Lembra-te, Senhor, dos edomitas e do que fizeram quando Jerusalém foi destruída, pois gritavam: ―Arrasem-na!
Arrasem-na até aos alicerces!‖ Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição, feliz aquele que lhe retribuir o mal que você
nos fez! Feliz aquele que pegar os seus filhos e os despedaçar contra a rocha!‖. BÍBLIA, A.T. Salmos. Português. In: Bíblia
Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 137, vers. 7 a 9.
67
2006, p.99). Até porque dentre essas diversas literaturas, o relacionamento dos judaítas com
Yhwh foi interpretado de diversas maneiras (ALBERTZ, 2003).
Os remanescentes, por serem pobres em sua maioria – principalmente os
jerusalemitanos depois dos efeitos da destruição da cidade e caos ocasionado pelos
babilônicos – não tinham condições militares ou politicas de qualquer enfrentamento contra
seus governantes. O lamento e a inclusão de maldições permitiram a possibilidade de
acreditarem que o poder da palavra destruíria as intenções do inimigo, bem como houvesse
vingança para os injustiçados.
Os exilados utilizaram o lamento como uma forma de canção nacionalista e de
assentamento em terra estrangeira, uma vez que deveriam aceitar e prosseguir de acordo com
essas novas demandas. Isso permitiu novas perspectivas teológicas viáveis, as quais o
Dêutero-Isaías se propõe103
.
3.3 A LAMENTAÇÃO NO PERÍODO PÓS-EXÍLICO
A época referente ao pós-exílio é definida a partir da conquista da Persa sobre a
Babilônia, sob a liderança de Ciro em 539. O domínio persa sobre os babilônicos permitiu que
alguns judeus voltassem à Palestina. Na situação, os deportados não voltariam com
reformulações, mas com novas propostas na religião. Como Gabel e Wheeler afirmaram, eles
―foram para o exílio na Babilônia como israelitas, mas voltaram como judeus‖ (2003, p.136).
Para alguns estudiosos, a data oficial da queda da Babilônia marca o início do período pós-
exílico (KLEIN, 1990, p.12).
A situação dos exilados na Babilônia era mais confortável que a dos remanescentes.
Eles tiveram condições de se adaptar às novas contingencias. Tanto que após 539 poucos
fizeram uso da liberdade para voltar a Judá, permanecendo na Mesopotâmia. Em outras
palavras, além dos cativos serem minoria, foram poucos que aderiram ao plano de voltar.
103 O Dêutero ou Segundo Isaías é composto pela segunda geração de exilados. Segundo Schwantes, podemos datar o livro
entre 550 e 540, ou seja, após Ezequiel, que possuí data por volta de 570. Ezequiel era da primeira geração e serviu de mestre
ao profeta anônimo do Segundo Isaías. Ezequiel possibilitou que profetas viessem falar em nome de Yhwh em meio à derrota
e longe de sua terra. Schwantes situa este profeta junto a cantores, longe da cultura sacerdotal de Ezequiel. Em termos
literários, o seu texto se aproxima muito dos Salmos 96 e 98. Sua ênfase é preferencialmente sionita e agiu próximo às
aldeias dos deportados. No próximo capítulo desta dissertação nos interessará os cânticos do Servo-sofredor deste livro.
Conforme: SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI
a.C. São Paulo: Paulinas, 2007, p.96-117.
68
Esses que voltaram assumiram para si a posição de verdadeiro Israel e impuseram aos
remanescentes suas perspectivas de reforma.
O foco dos que voltavam era a reconstrução do templo. A teologia de Sião era a tônica
dentre os círculos judaítas que regressavam. Para eles, o templo tornou-se o maior símbolo de
sua causa. Já o era em épocas josiânicas, quando ―remanescentes‖ e ―exilados‖ (naquela
ocasião não poderiam ser denominados assim) abraçaram juntos a reforma de 622
(SCHWANTES, 2007, p.156,157).
Esses círculos iriam encontrar menos resistência para a reconstrução do templo entre
os sionitas assentados em Jerusalém, àqueles que cultuavam junto aos escombros do templo.
Falamos que o livro de Lamentações e Obadias têm seu lugar vivencial junto ao templo
destruído. Na volta do exílio, remanescentes sionitas e deportados eram simpáticos ao ideal do
Sião. Mas estes grupos eram minoritários e encontrariam resistência por parte dos judaítas
preocupados com a ocupação da terra, aqueles que produziram a chamada obra historiográfica
deuteronomística e a compilação do livro de Jeremias. Temos no retorno dos exilados,
portanto, conflitos entre microcontextos por legitimidade e o estabelecimento da identidade
religiosa ―verdadeira‖.
O pós-exílio permitiu novas contingências para os israelitas deportados e não de
reformulações do passado. A vida em terras estrangeiras contribuiu para uma redefinição da
identidade de Israel. A literatura hebraica pós-exílica tornou-se uma resposta à vida pós-
exílica: lembra o primeiro momento da identidade religiosa de Israel em torno do Sinai e de
Moisés e, em seguida, redefine a identidade nova em torno das Sagradas Escrituras e dos
Profetas. A própria delimitação da identidade divina para Israel se dá ao final dos escritos
pós-exílicos. O status do povo mudou. Começa-se a desenhar a religião judaica, puramente
monoteísta e centrada nas prescrições do livro sagrado (SMITH, 1990; SMITH, 2001;
SMITH, 2006, p.108-119).
Os profetas pós-exílicos, a rigor Ageu, Zacarias e Malaquias – alguns acrescentam um
Terceiro-Isaías (FOHRER, 2006, p.429-433) – são inovadores, caminham nesta direção de
redefinições. Fohrer considera Ageu e Zacarias como ―a primitiva profecia pós-exílica‖;
posterior a ela, começa o desenvolvimento da escatologia judaica na esperança messiânica, do
qual após o fracosso destas expectativas, posteriormente, o gênero comum é o apocalíptico.
Fohrer aponta um período pós-exílico ―tardio‖ que incluí o livro de Malaquias, Neemias,
Esdras e ―muitos salmos‖104
. Por fim, neste período denominado tardio formou-se a
104 FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda / Paulus, 2006, p.459-477.
69
apocalíptica, sendo a ultima representante literária dos livros canônicos da Bíblia Hebraica.
Daniel é a literatura que marca a apocalíptica judaica canônica (FOHRER, 2006, p.459-482).
Não se pode negar a influência persa nos escritos da época. Na opinião de Gunneweg
houve um cambio religioso entre as etnias que proporcionou novas concepções de fé israelita
(GUNNEWEH, 2005, p.285-295). Entre os remanescentes, também temos indícios de
continuidade da redação deuteronomística no período persa. Person defende esta hipótese
(2002): seriam pequenas revisões nos textos que já tinham sido produzidos até o final do
exilio, na primeira redação (RÖMER, 2008, p.165-182). No entanto, como afirma Schwantes,
a interpretação da história que se impôs foi a dos exilados que retornavam: ―os textos até nos
dão a impressão de que toda a população de Judá teria sido levada à Babilônia. E, após 539,
sua ampla maioria teria regressado [...] É a [visão] que se impôs pela historiografia‖
(SCHWANTES, 2007, p.156).
A literatura composta e compilada por estes, de fato, recebeu influencias de sua nova
perspectiva religiosa. Fohrer admite que a literatura produzida no exílio possuía
características legalistas. Talvez, assim o fosse para que se preservassem das influencias
pagãs vizinhas, porém, posteriormente, elas foram impostas aos judaítas que permaneceram
em Jerusalém (FOHRER, 2006, p.406,407; MALANGA, 2005).
Outros livros são redigidos após o retorno: Crônicas, Esdras, Neemias, Joel, Jonas,
Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Ester e Daniel. Estes compreendem os
livros encontrados no cânon hebraico. Ainda há outros: Eclesiástico, Macabeus, Judite,
Tobias, Sabedoria, Baruque entre outros. Alguns livros ainda são de difícil datação para os
pesquisadores, como o livro de Daniel, Rute e muitos Salmos. Igualmente, a época de 539 a
333 denominado como período Persa, teve intensa atividade literária. Principalmente, em
literatura de cunho sapiencial e apocalíptico105
.
Podemos observar neste tópico duas vertentes literárias que ligam a lamentação na
época pós-exílica.
3.3.1 A compilação do saltério
105 Collins atribuí a origem ou matriz do gênero apocalíptico à profecia pós-exílica. Dawn, citado por Collins, divide a
profecia israelita pós-exílica em duas partes: o partido hierocrático (Ageu, Zacarias 1-8 e Ezequiel 40-48) e os visionários
herdeiros do Segundo Isaías (Isaías 56-66, Zacarias 9-14). Porém, os estudiosos não definem de qual grupo deriva a matriz
geral do gênero. Collins especula se os israelitas receberam influencias de apocalipses babilônicos e persas e considera que
eles receberam a influencia no imaginário, não propriamente na estrutura de um gênero literário. Consulte: COLLINS, John
J. A Imaginação Apocalíptica: Uma Introdução à Literatura Apocalíptica Judaica. São Paulo: Paulus, 2010, p.48-74.
70
A literatura hebraica se desenvolveu bastante no período de volta dos exilados e
posterior a ele. Certamente, após 540 houve um esforço para manter viva a tradição dos
antepassados, porém, redefinindo a partir delas a religião do presente. Esta delimitação, mais
tarde conhecida como o cânon hebraico, redefiniria a identidade futura de Israel para as
gerações. Como vimos, encontramos uma porção de obras literárias de cunho profético,
sapiencial e apocalíptico, bem como a compilação do saltério. Para o estudo da linguagem de
lamentação e, posteriormente, do gênero de lamentação, os salmos são primorosos:
Não vamos a terceira parte das Escrituras Judaicas, os Escritos (Ketubim),
como ―trabalhos históricos‖ do mesmo modo que vemos a Torá (Pentateuco)
ou os Profetas Anteriores (os livros históricos de Josué até 2 Reis). Ainda
assim, eles oferecem visões sobre experiências passadas de Israel que o
ajudaram a dirigir sua situação atual. Devido à natureza dos Escritos, suas
visões acerca do passado de Israel por vezes requerem algum esforço para
ser descobertas. Nos Salmos, as visões históricas são encontradas
primeiramente nos salmos individuais que narram o passado; seja em termos
de bênção divina (Salmo 105) ou dos pecados de Israel (Salmos 78 e 106).
Isto significa o passado apresentado a serviço do louvor divino e da
confissão. A reinterpretação ritual do passado encontrada nesses salmos
representa uma contínua resposta à perda (SMITH, 2006, p.120).
O saltério é permeado de lamentações que descrevem essa resposta à perda que Smith
detalha como a reinterpretação do passado (2006). De fato, o próprio saltério representa o
passado de Israel a serviço do futuro da religião judaica, que se redefine a partir das
experiências do exílio e dos novos desafios no pós-exílio. Os chamados Salmos individuais
contam a seus leitores a situação de vida de diversos personagens da história do povo. É
provável que até mesmo os salmos encontrados fora do saltério, como os de Jeremias, tenham
sido conectados a biografia de alguns ícones para reforçar o caráter histórico das perdas e
lamentações de Judá106
.
A linguagem de lamentação no pós-exílio em sua expressividade fica por conta de
toda a compilação e produção literária do livro dos Salmos e outros escritos poéticos da Bíblia
Hebraica. A partir do exílio babilônico o judaísmo emergente se sentiu motivado a copiar e
compilar os textos relativos ao saltério vinculando-os a seus heróis e tradições. As
lamentações não ficaram de fora de sua perspectiva da história de suas tradições.
106 Para discussão mais detalhada sobre a data dos Salmos e da compilação do Saltério, consulte: SELLIN, Ernst; FOHRER,
Georg. Introdução ao Antigo Testamento. v.1-2. São Paulo: Academia Cristã Ltda, 2007, p.387-409; KAUFMANN,
Yehezkel. A Religião de Israel. São Paulo: Editora Perspectiva/EDUSP, 1989; GERSTENBERGER, Erhard. Psalms: Part 1:
With An Introduction to Cultic Poetry. Michigan: Eardmans Publishing, 1991 (The Forms of the Old Testament Literature,
v.14); TERRIEN, Samuel. The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary. Michigan: Eardmans Publishing,
2003 (The Eardmans Critical Commentary).
71
A opinião dos estudiosos com relação a quantidade de salmos de lamentação no
saltério divergem, isto por causa da metodologia e pressupostos usados por eles na
identificação dos gêneros. Sellin e Fohrer alistam cinquenta e seis salmos de lamentação no
saltério, computando cerca de um terço dos salmos (2007, p.394-406). Lee conta setenta e três
salmos de lamentação, porém, acrescenta que dez deles são de gêneros de difícil delimitação
que totalizaria sessenta e seis salmos de lamentação (2010, p.92). Günkel estava certo ao
afirmar que o gênero de lamentação é a espinha dorsal do saltério. Os estudiosos concordam
entre si: o saltério como um todo é uma lamentação do povo de Deu (BRUEGGEMANN,
1984).
3.3.2 A lamentação e a literatura apocalíptica
A literatura apocalíptica tem recebido renovada apreciação dos pesquisadores nos
últimos anos. A terminologia, às vezes, pode causar dificuldades no real sentido da mesma
devido às observações teológicas que restringem como literatura apocalíptica somente àquelas
contidas no cânon oficial de suas tradições. A ―apocalíptica‖ judaica pode ser distinguida
entre gênero literário e mentalidade, isto é, com as formas básicas de sua expressão e seus
paralelos antigos que lhe deram origem (SOARES, 2008, p.99-113).
Soares aponta que alguns estudiosos entendem que literatura apocalíptica é somente
aquela desenvolvida entre 250 a.C. e 100 d.C. (2008); Collins, porém, averigua o gênero em
forma embrionária junto aos profetas pós-exílicos de Israel (2010). A ideia de Collins é
aceitável por algumas razões presentes na história da religião de Israel e não limita as
possibilidades de origem e influencias deste tipo de linguagem durante o período pós-exílio,
especificamente, do pós-exílio tardio.
Uma das razões para que concordemos com Collins e localizemos uma espécie de
relação entre a literatura apocalíptica e a linguagem de lamentação do período pós-exílico
tardio é a maneira como os profetas de Israel conceberam o assentamento do povo em Canaã,
em seus primórdios. Era claro para os israelitas que Yhwh não queria qualquer tipo de
assimilação das religiões dos povos vizinhos em seu povo. Conquanto, a religião dos
cananeus envolvia a relação com elementos da natureza, os profetas destituíram a sacralidade
72
da natureza para o culto a Yhwh, para que não houvesse qualquer semelhança com o culto
cananeu (COLLINS, 2010).
É possível que esse esvaziamento do conteúdo sagrado que a religião dos profetas
realizou tenha contribuído para que, mais tarde, já no período pós-exílico e depois, pudesse
forjar junto à linguagem de lamentação pós-exílica a literatura apocalíptica, que utiliza
recursos da natureza em formas expressivas e cósmicas. Não obstante, os lamentos mais
recentes abordam questões relativas à esperança escatológica e, por vezes, à apocalíptica (nem
sempre com as mesmas imagens dos escritos apocalípticos clássicos como Daniel e 1
Enoque). Collins define o gênero apocalíptico como:
Um gênero de literatura revelatória com estrutura narrativa, no qual a
revelação a um receptor humano é mediada por um ser sobrenatural,
desvendando uma realidade transcendente que tanto é temporal, na medida
em que vislumbra salvação escatológica, quanto espacial, na medidade em
que envolve outro mundo, sobrenatural (COLLINS, 2010, p.22).
Segundo esta definição é possível encontrar outros livros do período pós-exílico tardio
do gênero, além de Daniel, como: 1 Enoque, 4 Esdras, 2 Baruque, Apocalipse de Abraão, 3
Baruque, 2 Enoque, Testamento de Levi, parte de Apocalipse de Sofonias, livro de Jubileus e
o Testamento de Abraão. Em algumas vezes, o gênero apocalíptico aparece misturado com
outros. Por isso mesmo, Von Rad não o aceitou como um gênero único, mas como um mixtum
compositum. Collins defende a predominância do gênero mesmo quando há indícios de
outros, porque o gênero possui outras formas subsidiárias e distinguem-se diversos tipos de
apocalipses (2010, p.22-25).
É possível encontrar nos escritos apocalípticos judaicos as seguintes características:
cosmogonia, eventos primordiais, rememoração do passado, profecia ex evento, perseguição,
distúrbios escatológicos além de perseguição, julgamento e/ou destruição dos perversos,
julgamento e/ou destruição do mundo, julgamento e/ou destruição dos seres sobrenaturais,
transformação cósmica, ressurreição e outras formas de pós-vida (COLLINS, 1979, p.28).
Destas características, as lamentações bíblicas possuem correspondentes no âmbito da
perseguição, de distúrbios escatológicos além de perseguição, e do desejo de julgamento ou
do julgamento em si que a divindade deveria aplicar expresso pelos lamentos.
As lamentações pós-exílicas absorveram ou foram absorvidas pelo imaginário
apocalíptico ao descreverem o ―salmista‖ em uma situação de ―caos cósmico‖ por causa da
representatividade de seus inimigos (reais ou imaginários, mas sempre simbólicos). Em outras
palavras, se se encontra a matriz do gênero apocalíptico na profecia pós-exílica, dessa mesma
73
matriz pode se derivar outros gêneros comuns aos profetas e compiladores dos escritos dos
hebreus. A lamentação hebraica, comum à sua história, como literatura recebe influências do
pensamento matricial da apocalíptica judaica nascente entre os profetas pós-exílicos.
3.4 A LAMENTAÇÃO NA SOCIEDADE E RELIGIÃO DO ANTIGO ISRAEL
As lamentações faziam parte da vida do antigo Israel. Possuíam também um caráter
ritualístico e litúrgico naquela cultura. Primeiramente, como recurso litúrgico para os grupos
primários da sociedade na diversidade tribal de Israel. Eram utilizadas por profetas
profissionais itinerantes, ou algum tipo de liturgo autorizado pelo sacerdote local. Serviam os
doentes, enlutados e perseguidos. Em segundo lugar, a lamentação ocupa um lugar nacional
num nível secundário da sociedade israelita que reunia todo povo de Israel para lamentar.
Tornava-se dotada de gestual próprio para o evento; o rito era permeado pela crença de que
era possível alterar a situação de calamidade nacional ou do furor de Yhwh. Somente depois,
ela se torna o desabafo pessoal de quem se sente aviltado. A lamentação, portanto, fazia parte
da religião e cultura do antigo Israel.
A lamentação no período do exílio serve como uma reação da parte do povo de
Israel. Para os exilados, ela recebeu uma dinâmica cerimonial elaborada. Para os
remanescentes, ela era a única alternativa que tinham para dar voz ao seu sofrimento,
principalmente para os jerusalimitanos após a queda da cidade e destruição do templo. Para
estes, o culto estava envolto a uma liturgia fúnebre junto aos escombros do templo; e para os
camponeses localizados junto à periferia da cidade, a lamentação ganhou um caráter mais
individual e restrito.
Os judaítas que voltam do cativeiro assumindo a postura de verdadeiro Israel estão
ávidos para reconstruir o templo e reurbanizar a cidade. Sua estratégia é seguramente
religiosa, como vemos nos livros de Esdras e Neemias. Começa-se, no entanto, no pós-exílio
tardio a compilação da literatura de Israel. Certamente, esta literatura possuía papeis litúrgico
nos cultos oficiais retomados pelo povo. Em outras palavras, a linguagem da lamentação que
servia ao culto de Israel esteve envolta à aos ritos de Israel que aproximavam as pessoas de
sua divindade.
74
3.4.1 A lamentação nos ritos e liturgias do antigo Oriente Próximo
Tradicionalmente as perspectivas em torno do fenômeno da lamentação são percebidos
na literatura sagrada e na linguagem emocional humana. Nós simpatizamos com a linguagem
individual e coletiva de angústia e sofrimento porque faz parte de um fenômeno universal,
parte da vida do ser humano. O lamento, portanto, é uma linguagem muito antiga para
expressar dor, sofrimento, angústias e esperança em meio às desesperanças. É por meio da
literatura antiga que temos acesso à realidade psíquica e social do antigo Oriente Próximo.
Na análise destes documentos, Gerstenberger propõe a uma via de interpretação
através da observação dos cultos do antigo Oriente Próximo e do antigo Israel. Ele inspira
suas hipóteses no trabalho de Mowinckel ao afirmar que a lamentação como literatura era
desenvolvida no ambiente litúrgico da antiguidade. Em outras palavras, esses estudiosos,
somado a outros, como Günkel e Weiser, acreditam que o lugar vivencial da literatura de
lamentação é essencialmente litúrgico.
A prática da lamentação até hoje é realizada em formas de rituais em Israel. O ―muro
das lamentações‖ recebe continuamente pessoas que oram e depositam cartas com seus
desejos por escrito neste muro.
Isto nos indica que no antigo Oriente Próximo, bem como em Israel, a lamentação
estava ligada a atos litúrgicos. As referências à lamentação em rituais podem ser observadas
na literatura ugarítica e suméria e nas cerimônias de lamentação do antigo Oriente Próximo de
modo geral.
Em primeiro lugar, verificamos que a lamentação estava envolvida em rituais
fúnebres. A prática da lamentação associada à morte é muito antiga. É provável que seu
significado e função fossem míticos e até mágicos.
Alguns textos ugaríticos narram cenas de luto entre os deuses. Depois que El sabe que
Baal está morto, ele desce ao trono e senta-se; põe uma tanga, despeja poeira na cabeça,
mutila seu corpo com instrumentos cortantes e lacera seu peito e costas gritando que Baal
estava morto (GREENFIELD, In: ALTER; KERMODE; 1997, p.599). Em outros textos, a
lamentação fazia parte dos rituais de fertilidade, quando o deus vegetal morto era pranteado
durante o outono. E sua revitalização era festejada na época da colheita.
75
A Bíblia Hebraica está repleta de textos que nos permitem relacionar a lamentação
com práticas fúnebres107
. Segundo Greenfield, muitas descrições semelhantes ao luto, da
Bíblia Hebraica, são encontradas em textos ugaríticos e acadianos e em inscrições fenícias, e
em até textos aramaicos antigos (1997, p.600). O antigo Oriente Próximo, portanto,
testemunhou uma cultura de lamentação tanto em literatura como em categorias rituais em sua
liturgia, isto é, em sua experiência e fenomenologia cúltica.
Para citar um exemplo, em Ezequiel 26.16, na lamentação sobre o rei de Tiro, o
profeta descreve como os magnatas navais irão sentar-se na terra, ter suas vestes matizadas e
removidas; em Ezequiel 27.29-31 ele leva a imagem de luto mostrando os marinheiros
deixando seus navios para lançar pó sobre suas cabeças, cingidos de sacos e com os cabelos
cortados, lamentando. Em outras palavras, esses textos de Ezequiel nos mostram um excelente
uso do lugar-comum do luto em meio às lamentações.
Em segundo lugar, na Mesopotâmia, mais precisamente na Suméria, os lamentos
possuem conotação litúrgica. Provavelmente é das cerimonias de lamentação sumérias que
derivam a literatura dos lamentos pelas cidades. Um dos tipos de gênero de lamentação usado
nestas cerimônias é chamado ―lamentos balag‖ e são usados em rituais de restauração de
santuários. O termo balag tem haver com instrumentos musicais para apaziguamento de
deuses por causa das alterações das estátuas ou estruturas sagradas na ocasião de destruição
de templos e cidades (CALOVI, 2006, p.77).
Podemos identificar que estes lamentos balag são cânticos rituais para restauração das
estruturas sagradas dos antigos sumérios. Segundo Kutscher, o lamento balag depreende dos
lamentos pelas cidades, às vezes, até mesmo podem ser gêneros que se confundem entre si. O
tema destes cânticos congregacionais eram os desastres públicos. Eram usados para
acompanhar as cerimônias de reconstruções de santuários em caráter cúltico. Kutsher
demonstra que esses cânticos litúrgicos de lamentação descrevem muitas violências sofridas
quando da destruição de determinada cidade e eram liderados por sacerdotes do povo
(KUTSHER, 1975, p.1-7).
As lamentações mesopotâmicas constituem em sua maioria ritos e liturgias contra o
sofrimento. Por vezes incluía a confissão de pecados e pedidos de socorro e libertação. Como
é o caso dos lamentos eršema, que literalmente quer dizer, ―choro com o tambor šem‖. Este
tipo de lamento litúrgico é bastante curto e possuí conteúdo altamente mitológico. Assim
como os cânticos de lamentação balag, também eram conduzidos por sacerdotes. Os estudos
107 Consultar: 2Rs 18.28; Jr 16.6; Jó 1.20; 2.8,12; Ez 7.18; Dt 14.1.
76
sobre os lamentos eršema não são unanimes, o que não nos permite uma definição quanto a
sua prescrição ritual (COHEN, 1981).
Em terceiro lugar, as cerimônias de lamentação do antigo oriente Próximo poderiam
envolver rituais de maldição. Briend, Lebrun e Puech nos mostraram através de tratados e
juramentos do antigo Oriente Próximo, que estes tratados eram realizados em cerimônias
litúrgicas e acompanhados de cerimonias de maldições. Muito semelhantes a atos simbólicos.
Isto é, se alguém não cumprisse cabalmente sua parte no acordo, estaria debaixo de uma
maldição: os deuses de seu próprio país e os do seu vizinho iriam concretizar o mal proferido
nas maldições do contrato (BRIEND; LEBRUN; PUECH; 1998, p.70-72). Na cerimônia,
enquanto se pronunciava as clausulas do contrato realizavam atos simbólicos referentes às
maldições, como cortar a cabeça de um cordeiro e outras formas de violência que
simbolizavam a destruição do infeliz.
Em quarto lugar, as cerimônias de lamentação do antigo Oriente Próximo continham
um elemento de louvor aos deuses. É provável que lamento e louvor andassem juntos na
prática litúrgica do antigo Oriente Próximo. Sob este binômio – lamento e louvor –
Gerstenberger escreveu um artigo intitulado ―Louvor no Reino da Morte‖ que esclarece a
fusão destas duas linguagens nos cultos de Ugarit e da Suméria (GERSTENBERGER, In:
LEE; MANDOLFO; 2008, p.115-124). Ele atestou a presença de hinos e cânticos na
cerimônia de lamentação do antigo Orientem Próximo e verifica que em vários salmos de
lamentação existe a presença imediata do louvor após o choro de angústia. Através de seu
pressuposto de que estes salmos eram realizados na liturgia cotidiana do antigo Israel sob
influência deste contexto veterooriental, concluí que era parte do culto elogiar a divindade.
Quem sabe, era primordial que a divindade soubesse que seria elogiada para que pudesse
atender aos pedidos do sofredor (GERSTENBERGER, In: LEE; MANDOLFO; 2008, p.115-
118). Se a literatura e o culto no antigo Israel foram influenciados pela literatura e imaginário
cananeu é natural que este binômio, lamento e louvor, seja verificado na literatura anterior a
de Israel. É o que Gerstenberger se empenha em fazê-lo através do estudo da hinologia
suméria. Ele concluiu que os hinos sumérios não seguem uma regra uniforme nem há tantas
correspondências entre eles (2008).
Para confirmar sua hipótese, o pesquisador sublinha que os lamentos sumérios pelas
cidades contêm esporadicamente o elemento de louvor em sua configuração. No lamento por
Ur existe entre as linhas 418 e 435 do poema uma declaração de louvor do deus lua, que
restaurou a cidade destruída. No lamento pela Suméria e Ur há um notável desvio do tom de
lamentação para um discurso contra o agente da destruição das cidades. Nesta parte o poema
77
mostra a forma de orar pedindo bênçãos e realizando encantamentos contra o malfeitor. No
lamento por Nipur tem na sua segunda parte elementos de louvor e elogios ao desempenho da
divindade, na linha 322 (2008, p.119,120).
Na religião suméria e acadiana, Inana é a protagonista de uma cerimonia ritual muito
importante do antigo Oriente Próximo. Este ritual pode estar conectado com festas sazonais
de morte e renascimento da natureza, como parte de um ciclo. Neste mundo mitológico há
uma cena que envolve Inana, Urnamma e Ningešzida. No ápice do poema é requerido que se
louve a Ningešzida, como uma espécie de cântico de gratidão. Este cântico estaria remetendo
os interlocutores no culto ao reconhecimento do renascimento do ciclo de morte-vida da
natureza, muito provavelmente ligado a fertilidade da terra (GERSTENBERGER, In: LEE;
MANDOLFO; 2008, p.120,121).
Dentro do cotidiano no antigo Oriente Próximo havia diversos rituais de curas,
resgates e reabilitações das pessoas que ficavam inquietas diante da morte e das doenças. A
civilização suméria legou para a humanidade uma variedade de literaturas com cânticos de
curas e exorcismos. Eles usavam um tambor, cantavam para apaziguar o coração e
levantavam suas mãos aos céus, como parte dos rituais: elementos que serviriam para
apaziguar a ira da divindade (GERSTENBERGER, In: LEE; MANDOLFO; 2008, p.122).
Em outras palavras, o antigo Oriente Próximo utilizava a lamentação e o louvor como
recursos litúrgicos. O primeiro como uma forma de incluir os suplicantes no culto; o segundo,
como forma de reforçar e elogiar o poder divino de salvar as vítimas das doenças, da morte e
dos desastres.
3.4.2 A lamentação como ritual simbólico na sociedade de Israel
Os ritos são de suma importância na analise cientifica de uma religião. O rito
concentra em si mesmo grande parte de seu sistema simbólico. É através dele que
identificamos o contexto primário do mito religioso. ―O rito é o equivalente gestual do mito‖;
―é uma teatralização da narrativa mítica‖ (SANTOS, 2001, p.98). Em outras palavras, no rito
se faz a religião que o mito relata. É a comunidade religiosa que dá o sentido ao rito. Destarte,
a linguagem ritual desempenha funções sociais: a religiosidade humana é ―eminentemente
social‖ (DURKHEIN, 1956, p.38).
78
Os ritos são realizados para propiciar ―certos estados mentais‖ destes grupos e permite
o homo religiosus viver num mundo simbólico organizado, não caótico. Sem os rituais a
percepção de mundo da comunidade, que é composta por indivíduos, seria hostil e
desconfortável. Como resultado disso, o rito revela ―lados ocultos da nossa humanidade e de
nosso agir religioso e não-religioso‖ (TERRIN, 2004, p.54). O rito desempenha também um
papel pessoal/antropológico, além do envolvimento religioso em si. Especialmente, através
dos ―ritos de passagem‖108
.
O rito é uma linguagem religiosa e antropológica constituída de símbolos pertinentes a
um grupo para dizer algo sobre suas crenças no divino, sobre o mundo e sobre si mesmo. O
rito absorve e comunica a cosmovisão de um grupo109
. Os ritos ―são ações que se tornam um
fim em si mesmas pela observância de regras restritas‖ (THEISSEN, 2009, p.169,170). Em
outras palavras, os rituais evocam em si uma realidade ulterior e até mesmo escatológica,
atrelado à mensagem religiosa. O rito pretende colocar ordem no caos existencial ocasionado
ao homo religiosus (BAUMANN, 2010).
Por certo, os ritos do antigo Israel estão imbuídos de rico material simbólico,
particular a sua cosmovisão. Para Croatto, o símbolo é a ―linguagem frontal‖ da experiência
religiosa. O símbolo tem sua localização entre a divindade e o individuo ou comunidade que o
experimenta. Na linguagem simbólica ritual, o símbolo transignifica, isto é, ele assume
sentido além do seu próprio (CROATTO, 2010, p.81-175).
Portanto, partindo dessas pressuposições, a linguagem da lamentação em Israel é
também simbólica-ritual. Pois, o homo religiosus, no caso o israelita – que pertence à
comunidade local e nacional de Israel – experimenta uma relação com o sagrado, no caso com
Yhwh, através do ritual que o oficial religioso (profeta, liturgo, sacerdote) desempenha junto a
ele em seu infortúnio. A lamentação configura uma relação com Yhwh que põe em ordem o
caos ocasionado pelos seus inimigos (inimigos pode ser dotado de valor simbólico).
Com isso, podemos dizer que a lamentação ocupa uma clara função social no antigo
Israel. A lamentação gera vínculos entre as pessoas envolvidas. Como linguagem, a
lamentação é, por certo, um fato social em Israel. Por causa disso é possível conjecturar o 108 Para discussão se a religiosidade é inata ao ser humano, isto é, se ele é essencialmente homo religiosus, consulte:
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões. 2ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Para opinião
antropológica, não obstante a visão da fenomenologia da religião per si, consulte: TERRIN, Aldo. N. O Rito: Antropologia e
Fenomenologia da Ritualidade. São Paulo, Paulus, 2004. 109 ―Uma forma particularmente importante de símbolo religioso é o rito, que pode ser definido como ação simbólica,
constituída de gesto ou palavra interpretativa, tendo uma estrutura institucionalizada de caráter tradicional, que favorece a
participação comum e a repetição. As ações simbólicas mais típicas de cada religião estão geralmente ligadas aos momentos-
chave da vida do homem, como referência construtiva em face dos maiores problemas da existência humana. Quanto às
atitudes interiores normalmente traduzidas por completo no cotidiano, reconhece-se que a atividade simbólico-ritual tem
função de expressão mais integral, de intensificação, de socialização, de apoio, de formação permanente‖. SARTORE,
Domênico; TRIACCA, Achille M. (orgs.). Dicionário de Liturgia. São Paulo: Edições Paulinas, 1992, p. 1143.
79
porquê da permanência dos rituais de lamentação em Israel por tantos anos e até os dias de
hoje.
Na época anterior aos acontecimentos catastróficos do exílio, os israelitas entendiam
seu deus como dotado de todo o poder; para eles, Yhwh possuía a organização do cosmos em
suas mãos; ele estava acima dos poderes do bem e do mal. Por isso, tiveram tantas
dificuldades em reorganizar sua relação com a divindade após os acontecimentos do ―exílio‖.
Questionavam se Yhwh era mais fraco que os outros deuses ou o porquê de tamanha ira e
furor em destruí-los. Em meio à complexidade de caos acumulados na situação os profetas
desempenharam um papel favorável à redefinição da religião de Israel.
A redefinição da religião do antigo Israel acontece a partir do modelo paradigmático
da tradição do Êxodo. Segundo Westermann, a libertação do povo de Israel do Egito significa
a experiência com um deus libertador ou salvador (2005, p.47-98). A experiência da salvação
na teologia de Israel permite que haja um relacionamento do ser humano com Yhwh – isto é,
nas linguagens da religião: uma relação com o sagrado, o ―numinoso‖110
. Seguramente, no
âmbito da teologia, essa experiência se trata da revelação de Deus, isto é, Deus age e se
mostra a este grupo e por meio dele ao restante da humanidade. A partir da ação divina, a
lamentação ocupa uma posição relevante a resposta do ser humano que se torna participe de
um movimento de ações recíprocas. Uma das possibilidades de resposta do ser humano à
revelação divina é a lamentação (WESTERMANN, 2005).
A lamentação assegurava essa relação com o sagrado e, portanto, propiciou que a
relação com Yhwh continuasse e ganhasse novas concepções em meio às crises de Israel.
3.4.3 As lamentações fúnebres e as carpideiras do antigo Israel
A morte sempre suscitou dúvidas entre os israelitas. A concepção da Bíblia Hebraica
não faz distinção entre o corpo e o espírito do indivíduo. Alguém vivo é alma vivente, e O
morto é uma alma morta111
. Essas ideias justificam o cuidado que os israelitas tinham com os
cadáveres e com rituais fúnebres. Justifica também a função da lamentação: não havia alegria
110 ―Numinoso‖ é expressão cunhada por Otto para designar o conjunto de elementos que perfazem a realidade da relação do
ser humano com o Sagrado. Segundo ele, esses elementos podem ser concomitantemente fascinantes e assombrosos. Trate-se
de um fenômeno verificado nos participantes de uma religião, ou seja, não podem ser racionalmente deduzíveis, pois se
encaixam na experiência e em como ela se traduz segundo quem a experimentou. Consulte: OTTO, Rudolf. O Sagrado: os
Aspectos Irracionais na Noção do Divino e Sua Relação com o Racional. São Leopoldo / Petrópolis: Sinodal / Vozes, 2007. 111 Consulte: WOLFF, Hans W. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2007, p.33-56.
80
numa alma morta, nem esperança de alguma ressurreição escatológica. Pelo menos até os idos
do pós-exílio (VAUX, 2004, p.80-83).
Vaux (2004, p.82) descreve como era realizado o cuidado com o cadáver e os rituais
de sepultamento no antigo Israel: não havia incineração, mas uma câmara funerária; a palavra
usada para o lugar fúnebre é hmfbf (bamah); no período helenístico já haviam ossuários e
outras formas de sepultura.
Os ritos de luto eram observados quando um parente de alguém falecia, como em
momentos de calamidade pública e catástrofes nacionais. Vaux sistematiza o rito fúnebre: à
noticia da morte, rasgavam-se as vestes; vestiam-se de saco, uma veste rustíca sobre o corpo
nu; tiravam-se os calçados, andavam à pé nas procissões; haviam gestos de dor e vergonha,
como colocar um véu ou as mãos sobre a cabeça; punha-se terra sobre a cabeça; no período de
luto, sentava-se sobre o chão; algumas vezes fazia-se incisões sobre o corpo e raspavam-se a
cabeça. Havia ritos alimentares: jejuns por sete dias, que representava o tempo normal de luto;
eles comiam o pão do luto e o cálice da consolação. Por certo, havia ritos de lamentações
fúnebres (VAUX, 2004, p.83,84).
Os ritos de lamentações eram as principais cerimônias do funeral e do luto em Israel.
Conforme Vaux, em sua forma mais simples ―era um grito agudo e repetido‖, que o profeta
Miquéias compara ―ao do chacal e do avestruz‖. O parente do falecido gritava ―Ai!‖ e, por
vezes, a relação de parentesco que tinham, como: ―Ai! Minha irmã‖. O pai ou chefe da família
poderia chamar o filho morto pelo nome. Se o filho fosse único, a lamentação seria mais
intensa. Os gritos eram obrigações dos parentes mais próximos. E se contratavam carpideiras
profissionais para fazer o cântico de lamentação (VAUX, 2004, p.84,85).
Os rituais fúnebres em Israel estão longe de serem comparados com cultos pelos
mortos. Ainda que se testemunhem cultos aos mortos no antigo Oriente Próximo, tal ideia era
reprovável na concepção religiosa do antigo Israel. Os ritos fúnebres permeados de
lamentações eram a expressão da dor da perda. Importa salientar que os gestos comumente
usados nos rituais fúnebres também eram usados em outras ocasiões, não necessariamente de
luto fúnebre; mas em qualquer situação de complexidade que envolvesse tais pessoas. Até
mesmo os profetas realizam cânticos fúnebres para retratar sua mensagem. No livro de Amós
encontramos um cântico fúnebre: ―Ouça esta palavra, ó nação de Israel, este lamento acerca
81
de vocês: ‗Caída para nunca mais se levantar, está a virgem Israel. Abandonada em sua
própria terra, não há quem a levante‘‖112
.
Jeremias é um dos profetas que lamentam. No texto abaixo, ele convoca as
―pranteadoras profissionais‖. Pede as mais habilidosas dentre elas. Ele conclama que as mães
judaítas ensinassem suas filhas a lamentar-se, a realizar cânticos fúnebres. A situação que
Jeremias descreve é de desolação, morte para todos os lados da cidade. Todas as mulheres
deveriam lamentar.
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerem: Chamem as pranteadoras
profissionais; mandem chamaras mais hábeis entre elas. Venham elas
depressa e lamentem por nós, até que os nossos olhos transbordem de
lágrimas e águas corram de nossas pálpebras. O som de lamento se ouve
desde Sião: ―Como estamos arruinados! Como é grande a nossa humilhação!
Deixamos a nossa terra porque as nossas casas estão em ruínas‖. Ó
mulheres, ouçam agora a palavra do Senhor; abram os ouvidos às palavras
de sua boca. Ensinem suas filhas a lamentar-se; ensinem umas as outras a
prantear. A morte subiu e penetrou pelas nossas janelas e invadiu as nossas
fortalezas, eliminando das ruas as crianças e das praças, os rapazes. ―Diga:
Assim declara o Senhor: ―Cadáveres ficarão estirados como esterco em
campo aberto, como o trigo deixado para trás pelo ceifeiro, sem que
ninguém o ajunte‖113
.
Os cânticos fúnebres na sociedade israelita, normalmente, eram compostos por estas
carpideiras. A tarefa de prantear ficava a cargo das mulheres, assim como a maioria dos
cânticos de Israel; pois elas eram chamadas para realizar cânticos de vitórias; também
entoavam cânticos de zombaria, contra os inimigos de Israel. Tanto o cântico de vitória
quanto o de zombaria são partes do mesmo gênero literário. Interessante perceber que mesmo
numa cultura onde a mulher ocupa um lugar periférico, elas não deixam de ser participantes
da sociedade e agentes da religião.
As carpideiras eram as mulheres que realizavam os cânticos de lamentação fúnebre.
Ou seja, a função de lamentar não ficava somente a cargo dos parentes do falecido. Eles
poderiam contratar pessoas que realizassem a tarefa para eles. Parece ser uma profissão
prioritariamente feminina. O texto de Jeremias é um dos testemunhos da historiografia que
nos dá essa indicação. O culto do antigo Oriente Próximo ligado ao rito feminino do culto de
Ishtar de chorar o ―Tamuz‖ também nos indica que essa prática era feminina: ―[...] ele me
112 BÍBLIA, A.T. Amós. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 5,
vers. 1 e 2. 113 BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 9,
vers. 17 a 22.
82
levou para a entrada da porta norte da casa do Senhor. Lá eu vi mulheres sentadas, chorando
por Tamuz‖114
.
É certo que a lamentação fúnebre era um fenômeno da sociedade do antigo Israel e
fora usado pelos mais hábeis profetas. Isso significa que tal gênero não era restrito às ocasiões
de luto de familiares de alguém morto. O gênero era usado pelo profetas para zombar ou
ironizar determinadas situações em Israel. Por exemplo, em Miquéias 2.4 se zomba das elites
de Jerusalém com um cântico fúnebre; em Isaías 14.4-21 há a presença de um cântico de
lamentação revestido com ironia que ―lhe confere uma acidez que combina bem com os
desabafos de grupos ou pessoas que, finalmente, vêem-se livres das ‗maldades‘ e dos
sofrimentos causados pelo objeto do cântico‖ (OTTERMANN, 2003, p.154).
A valorização da profissão das carpideiras é perceptível no livro de Jeremias, que é de
nosso interesse. Ottermann averigua a possibilidade de Jeremias ter sido o profeta que
partilhou com as carpideiras a função de ser voz profética diante as calamidades da destruição
da cidade. Segundo ela, Jeremias as teria considerado sábias. Para a situação particular a que
o texto de Jeremias 9.17-22 se refere era necessária que se multiplicasse a profissão, pois a
única alternativa para uma cidade desolada é o luto e o lamento (OTTERMANN, 2003,
p.155,156). Jeremias atesta a ação, interação, presença e relevância da lamentação a partir das
mulheres israelitas de seu tempo caótico.
3.4.4 A liturgia de lamentação nos cultos individuais e coletivos
A dinâmica da vida do antigo Israel é centrada na religião. O antigo Israel não se vê
destituído de qualquer valor simbólico que a religião lhe confere: para eles não há vida sem
religião, sem a experiência com o sagrado – este, retratado em seus escritos na pessoa do
Deus Yhwh. Não obstante, todo pensamento e prática religiosa configuram-se voltados ao
culto. Os salmos testemunham isso: o saltério é a literatura cúltica de Israel.
Para Gerstenberger, os Salmos são a matriz de vários rituais e processos simbólicos
voltados à comunidade e ao individuo (1991, p.5). Para Westermann, eles são a
artificialização da experiência de oração dos israelitas (2005, p.37). Gerstenberger entende
que o antigo Israel desconhece a oração como ação espontânea de indivíduos que lamentam e
114 BÍBLIA, A.T. Ezequiel. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 8,
vers. 14.
83
agradecem; Westermann pressupõe que as lamentações e hinos tenham sido breves orações
reativas à queixa ou gratidão a Deus na constituição do culto.
As dissonâncias entre esses pesquisadores por vezes encobre as prováveis
convergências: a oração é marca da experiência religiosa humana retratada na literatura
sagrada de Israel; o antigo Israel possuí o culto como centro das atividades religiosas; os
infortúnios ou bênçãos recebidas pediam o envolvimento comunitário em torno do indivíduo,
pois tal sociedade tinha na experiência religiosa a fundamentação da vida.
Seguindo as aproximações entre esses dois acadêmicos, o saltério deriva de uma
complexa história entre as exigências religiosas dos grupos primários e secundários, o
processo de entendimento da identidade de nacional de Israel e a preservação dos escritos
litúrgicos tanto da memória nacional quanto da propagação de suas tradições oficiais. Na
escolha dos materiais, os que mais se sobressaíram eram os que remetem à linguagem de
lamentação.
Os salmos de lamentação servem a comunidade religiosa diante de infortúnios de toda
sorte; eles são a linguagem do sofrimento. O sofredor utiliza este tipo de linguagem para dar
voz ao seu sofrimento e infortúnios e, com isso, alcançar a compaixão de Yhwh. A lamentação
assume um papel significativo no culto: pretende alcançar a misericórdia divina, apelando a
Deus como Senhor compassivo. Enquanto o louvor é a linguagem da alegria, lamento e
louvor se alterna na experiência religiosa cotidiana de Israel.
Os salmos de lamentação são, por conseguinte, resultados da operação ritual em meio
às liturgias que a religião de Israel proporcionava em tempos de angustias pessoais e na
iminência de ataques de forças maléficas nacionais. Tanto os perigos que o individuo sofria
quanto aos assaltos ao grupo numa conjuntura nacional eram oferecidos tais atividades rituais
de lamentação para manter o sentido de vida e existência.
O cerimonial de lamentação fora institucionalizado e democratizado no e para o antigo
Oriente Próximo para que houvesse a subsistência dos grupos primários e secundários das
sociedades vigentes em meio aos infortúnios ocasionados por doenças, guerras e catástrofes.
Por conseguinte, é notória a presença cúltico-ritual no sistema religioso israelita logo nas
primeiras páginas das suas escrituras, permeando toda ela. Portanto, há uma preocupação
coletiva pelo bem estar do indivíduo e do povo. Principalmente, a partir das experiências
comuns de sofrimento. Este é o espaço social que as lamentações ocupam.
Analisamos aqui como se manifesta esta preocupação em prol do indivíduo através das
liturgias particulares de lamentações e, em seguida, através das liturgias comunitárias do
grupo representativo da sociedade israelita que cantava o funeral de Jerusalém.
84
3.4.4.1 A lamentação em prol do indivíduo
Gerstenberger é quem demonstra a existência de cultos em prol do indivíduo, em
liturgias particulares para momentos de angústias. Essas liturgias eram de lamentação.
Segundo ele, essas liturgias estavam presentes em quase todos os ―ritos de passagem‖ tanto
para as experiências positivas como para as negativas. O individuo, sempre analisado junto à
sua comunidade, ou seja, ao grupo que lhe confere identidade e pelo qual é conhecido, passa
por toda sorte de males: miséria, opressão, pecados, calamidades, doenças, etc (1991).
Tão logo o indivíduo fosse atingido por algum mal, ele se tornava suspeito ante a
comunidade. Os grupos e nações do mundo antigo temiam pela sua sobrevivência e pela
destruição da convivência social diante de algum mal desconhecido. Portanto, aquele que
visivelmente se encontrava destoante dos demais era posto em prova.
Surge o papel do mediador neste contexto, pois é quem intercede pelo aflito. Este
mediador115
era um especialista na área litúrgica para executar as cerimonias.
Cerimônias desse tipo [de lamentação em prol do indivíduo] facilmente
passam, em todos os povos e culturas, da responsabilidade particular, do
chefe de família, para a responsabilidade semi-oficial de uma autoridade
reconhecida, um tipo feiticeiro, xamã, pajé. Concluímos, portanto, que as
orações em prol de indivíduos carentes do AT constituíam parte de
cerimônias realizadas sob a direção de um ―homem de Deus‖ ou outro
funcionário religioso a fim de reabilitar o miserável diante de Deus e na
sociedade dos homens (GERSTENBERGER, 1984, p.169).
A quantidade de Salmos de lamentação no saltério refletem as variadas e constantes
situações de sofrimento dos indivíduos. De fato, os salmos de lamentação constituem o maior
grupo do saltério. Os salmos de agradecimento, inseridos em lamentos e às vezes encontrados
avulsos no saltério também testemunham o cerimonial em prol do individuo. No caso dos
salmos ou parte de salmos de gratidão, percebe-se o testemunho daqueles que alcançaram a
superação de sua miséria, e a agora poderiam participar do culto de gratidão
(GERSTENBERGER, 1984, p.173-176).
115 Inferimos que estes mediadores litúrgicos do Israel pré-exílico são antítipos que prefiguram o mediador profético revelado
em Jeremias e Segundo Isaías, seja como persona ou representante da coletividade. Sobre tipo e antítipo na hermenêutica do
Antigo Testamento. Consultar: GUNNEWEG, Antonius. Hermenêutica do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
85
Os estudiosos concluem que o suplicante citava o então salmo indicado pelo oficiante
junto à cerimônia que envolvia os familiares e amigos. Não sabemos como se desenvolvia a
liturgia, passo a passo. Sabemos, pois, que se trata de uma liturgia em prol do individuo, por
um ritual de lamentação. Podemos levantar a hipótese que o ponto alto deste culto de
lamentação era a fala do suplicante. Se ele não tivesse condições de recitar o salmo,
provavelmente, alguém faria em seu lugar, caracterizando certo tipo de lamentação
intercessória.
Os rituais de lamentação apresentam outros elementos além das orações. Segundo
Turner, entoam-se canções, há gestuais, sacrifícios, ofertas, danças, atos simbólicos e
mágicos, perambulações, ablusões, dentre outros elementos, dependendo do caso específico
(1974, p.20). Para Cottrill, o corpo desempenha função prioritária na cerimônia de lamentação
em prol do indivíduo (COTRILL, In: LEE; MANDOLFO; 2008, p.103-107). Segundo ela, a
linguagem corporal é parte de um discurso estratégico que representa a dor e também os
recursos necessários para mudar a situação do sofredor. Para ela, o corpo do sofredor é parte
do discurso de lamentação ao expressar a representatividade do sofredor descrito pelos
salmistas através de: imagens físicas de abatimento, imagens de criação e destruição de seu
corpo e imagens de feridas e armas.
O lamento emerge como uma linguagem complexa que reflete o sofrimento humano.
Cotrill cita Kleimann que reconhece que a linguagem corporal de sofrimento facilitava o
entendimento retórico de um salmo para identificar a linguagem usada pelo salmista (2008,
p.112). A tarefa da liturgia de lamentação era, sobretudo, envolver-se com o sofrimento. A
prática da lamentação como um ritual do antigo Israel permite-nos ver uma tarefa pastoral
nesta sociedade. Nem sempre a liturgia minimizava a dor do doente. Tais salmos não são
compêndios de explicações sobre os infortúnios. Os salmos de lamentação eram simpáticos à
dor alheia e trazia o grupo primário para próximo da pessoa aflita, proporcionando empatia,
acolhimento e segurança diante de algo inominável (SCHIAVO, 2011).
Em outras palavras, quando falamos de liturgia de lamentação em prol do indivíduo,
temos por base a presença da comunidade de entorno deste indivíduo que recebe as operações
desta liturgia voltada a seu sofrimento. Porém, os estudiosos comumente concordam que
quando o indivíduo estava assoberbado, toda a comunidade sofria com ele. O indivíduo não
era visto desassociado do todo comunitário, ele era englobado como parte integrante do
conjunto. Portanto, as liturgias em prol do indivíduo não são isoladas do grupo primário da
pessoa aflita, mesmo que tenham um encargo especialmente dirigido a um indivíduo.
86
3.4.4.2 A lamentação nos cultos de valor nacional
Em nível secundário, as lamentações ocupam um papel preponderante na liturgia
coletiva. Uma vez que o culto em Israel assumia uma posição de destaque na sociedade
israelita, a assembleia de Israel tanto falava quanto respondia a Yhwh na sua dinâmica
litúrgica cotidiana (EICHRODT, 2004, p.81-152). As respostas de lamento e louvor eram
solicitadas quando a proclamação da palavra de Yhwh no culto no contexto de ação sagrada,
na presença da assembleia cultual (WESTERMANN, 2005, p.31).
Verificamos a lamentação como parte ou a própria liturgia de cultos em Israel no papel
que ocupa o livro Lamentações na tradição e memória deste povo. O livro de Lamentações era
usado como o cântico fúnebre de uma liturgia em torno dos escombros do templo de
Jerusalém, destruído pelos exércitos babilônicos, representando o polo do lamento na ocasião.
Seu contexto histórico demonstra que Israel manteve viva a memoria da destruição de
Jerusalém e do templo; e o faz até hoje no dia 9 do mês Ab. O livro de lamentações é o
cântico fúnebre para a cidade morta. Sua incumbência é servir a cerimônia que rememora o
sofrimento mais profundo da história do povo.
Este documento é adequado ao relacionar imagens de morte e desespero com as de
pureza e moralidade na caótica Jerusalém de seus dias que passava por desesperao e alto
índice de violência (ARMSTRONG, 2008). O gênero do livro é relacionado com os lamentos
mesopotâmicos por cidades destruídas (HILLERS, 1972, p.xxviii-xxx). Mas demonstram
particularidades próprias em sua composição, todas elas discutidas por Calovi (2006) e
demonstradas em particularidades por Dobbs-Allsop em na plausibilidade das linhas
enjambing e da direção da métrica kinah (2008, p.13-35).
A forma do livro e seu estilo literário têm função tão importante quanto seu conteúdo:
seus lamentos foram compostos em forma de acrósticos. As quatro primeiras unidades
poéticas abrangem todo o alfabeto hebraico. A quinta unidade difere das quatro primeiras,
mas suas vinte e duas linhas, numero de letras do alfabeto hebraico sugerem mais um
acróstico. No capítulo três, que é a unidade poética central do livro, não apenas a primeira,
mas as três linhas de cada estrofe começam com a mesma letra.
A opinião de Gottwald explica a finalidade do acróstico – comumente usado para
memorização de poemas – para descrever o sofrimento: o acróstico pretende garantir que a
87
tristeza e o desespero sejam descritos de forma plena (1954, p.23). Isto é, a leitura litúrgica de
Lamentações, letra por letra, dá atenção ao sentimento daquelas pessoas tomadas pela aflição.
Suponhamos que o ritual prescrevia a leitura do livro, então, orante e ouvinte precisariam
estar atentos a cada detalhe do poema, tal como um ritual de luto.
Günkel analisou o livro de Lamentações e demonstrou que é uma composição de
lamentos comunitários (HILLERS, 172, p.xxvii). Segundo sua análise, apesar do capítulo 3
parecer uma lamentação individual, o ―eu‖ poético pode ser lido como a representatividade de
todo o povo para além do indivíduo. A ocasião que faz este livro é comunal com finalidade
litúrgica. A liturgia do livro de Lamentações unia as lágrimas da comunidade, do grupo dos
sionitas em torno do templo destroçado. É o espaço que o culto em Israel tinha para o luto e a
perda. Afinal de contas, o lamento de um sempre faz eco na experiência de outros. Através de
hinos e salmos de lamentação a vida do sofredor ganhava um novo significado. A dor era
evidenciada, não negada. A solidariedade com a dor do outro servia de balsamo para as
feridas dos solitários. A liturgia de lamentação trocava os rituais de festividade pelos de
lágrimas e dor.
A finalidade da lamentação, não obstante, é desencadear espectros de esperança para
quem sofre. A capacidade de lamentar num culto dirigido à dor e ao sofrimento, em conjunto
com o grupo que lhe dá sustentação é, segundo o casal Mitscherlich, uma ação terapêutica que
recobra a dignidade do ser116
.
O livro de Lamentações se encontra na companhia dos Salmos de lamentação em prol
da comunidade para assegurar um espaço para a dor e a perda na sociedade do antigo Israel.
Para a nação, tanto um como outro têm papel litúrgico no culto para todo Israel.
O culto em Israel per si poderia ter sido compreendido com o papel de mediador no
relacionamento entre Deus e as pessoas; assim também o era o sacerdote ou oficial de tal
culto e veio a ser alguns dos profetas; no caso de um culto fora dos limites do templo central
do antigo Israel, os santuários locais poderiam assumir esta posição. Eichrodt entende o culto
como a própria mediação: ―o culto não é somente a expressão necessária da realidade interior,
senão também mediador e expoente das energias divinas para que o homem delas participe‖
(2004, p.82). Dentro da liturgia na religião javista, o culto deveria levar o ser humano a uma
116 Mitscherlich escreveu um estudo sobre o ―entorpecimento psíquico‖ que aconteceu na Europa após a segunda guerra
mundial. Seu livro é intitulado de ―incapacidade de lamentar‖. Ele analisa o problema psiquiátrico que aflige pessoas que não
vivem em comunidade. O ponto alto deste isolamento da comunidade, que era comum aos que regressaram da guerra, era a
perda da motivação e a depressão grave. MITSCHERLICH, Alexander; MITSCHERLICH, Margarete. Inability to Mourn:
Principles of Colletive Behavior. 2ª.ed. [s.l.]: Grove Press, 1984.
88
ação responsiva a palavra divina proferida117
. Certamente, o culto recebia valor sacramental
na religião israelita.
Dentre a diversidade de respostas que a assembléia reunida em culto poderia dar
encontram-se o lamento e o louvor, a confissão o agradecimento, a penitência e o sacrifício.
117 Westermann argumenta que o cerne do culto em Israel é a palavra de Yhwh e que é possível ao ser humano responder a
Deus. Consulte: WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Academia
Cristã Ltda., 2005, p.25-33.
89
4 GÊNERO E TEOLOGIA DA LAMENTAÇÃO NA BÍBLIA HEBRAICA
A textura na qual o gênero literário da lamentação se encontra na Bíblia Hebraica é a
poesia. Somente em poucos textos percebemos a lamentação em narrativas que, segundo
Westermann, seriam os lamentos mais antigos (2005, p.189,190).
A poesia simplifica a realidade narrativa da história e amplifica a dimensão simbólica
e metafórica da existência (RICOEUR, 2000). Por vezes, a poesia hebraica se torna uma
linguagem de difícil interpretação para o leitor moderno e ocidental porque não se limitam a
aspectos narratológicos, mas em imagens polissêmicas (CROATTO, 2010, p.102-106) como
uma expressão da religião do antigo Israel de difícil localização histórica (ALTER, In:
ALTER; KERMODE; 1997, p.653-666).
Os poemas significativos da história da religião do antigo Israel se espalham por toda
Bíblia Hebraica, mas concentram-se principalmente no saltério.
Certamente, na época em que os poemas de Israel eram proferidos ou lidos, as
imagens que expressavam eram comuns aos interlocutores. Atualmente, a barreira que nos
distancia dos poemas de Israel torna a pesquisa cada vez mais instigante, porém, comumente
imprecisa em termos de autoria, ocasião e circunstancias históricas de sua composição. A
tarefa dos pesquisadores tem sido descobrir as relações existentes entre os salmos, as
circunstancias que levaram à composição e o uso que se estabeleceu ao longo da história para
determinado salmo.
Contudo, assim como em diversas culturas existem tipos diferentes de poesia, também
o é no caso da poesia hebraica. Dentro de cada gênero literário da Bíblia Hebraica, podemos
ainda enumerar subgêneros ou subdivisões de gêneros.
Não obstante, Schökel alerta para alguns cuidados quanto à pormenorização dos
gêneros dos salmos: deve-se evitar o reducionismo do salmo a uma forma padrão; não se deve
exagerar nas subdivisões de um gênero; deve-se lembrar de que o poeta usa suas próprias
convenções sem se submeter totalmente a elas; e, a situação vivencial não pode ser
desconsiderada na analise das formas (SCHÖKEL, 1987, p.28,29). Zogbo-Wendland
advertem:
Uma divisão dos salmos em gêneros específicos, à maneira de Günkel, é,
sem dúvida nenhuma, um exercício muito útil quando contribuí a identificar
características poéticas de poemas individuais, ou quando nos indica algo de
sua função religiosa. Contudo, devemos estar conscientes da subjetividade
90
presente em qualquer tentativa de categorizar salmos ou qualquer outro tipo
de poesia bíblica (1989, p.18,19).
É possível os salmos serem categorizados para uma finalidade comunicativa mais
abrangente, além da de gêneros. Tem haver com a função geral que o salmo irá desempenhar
na dinâmica de comunicação religiosa de Israel. Com essas categorias mais genéricas é
possível justapor mais de um gênero literário. Destacamos as quatro categorias principais:
poesia didática, poesia litúrgica, poesia erótica e poesia profética.
A didática tem como principal função ensinar a lei de Deus. A litúrgica caracteriza o
uso dos salmos no culto e em festividades religiosas. A erótica é representada em Israel pelo
Cântico dos Cânticos e se aproxima de outros contos eróticos do antigo Oriente Próximo
(ZOGBO; WENDLAND; 1989, p.19-21). A profética tem como proposito comunicar uma
mensagem a um grupo específico ou àqueles a quem diretamente o profeta/poeta se reporta.
De todas essas funções, a profética é talvez a mais rica e abrangente, pois ela guarda em si
uma diversidade de gêneros que convergem para a entrega da mensagem profética.
Os salmos podem se apresentar com gêneros diversos118
. Dificilmente encontra-se um
salmo com gênero puro. Daí a variedade de divergências entre os pesquisadores. Todavia, o
trabalho de delimitação de gênero para as poesias hebraicas são de difíceis conclusões na
pesquisa por causa da falta de evidencias históricas e das circunstancias de origem dos
salmos. Para tanto, o recurso que disponibilizamos é a identificação do gênero em sua forma
para acessar o conteúdo do salmo. Somente a partir deste ponto é possível conjecturar os
possíveis ambientes vivenciais do salmo.
O gênero literário é determinado ou justificado por sua forma particular. Identificamos
um gênero examinando sua forma, estrutura, configuração, Sitz im Lebem, estilo e
vocabulário. A análise dos gêneros literários nos permite designar os textos sob uma forma
comum. É evidente, portanto, entre os estudiosos que é possível categorizar salmos de
lamentação individual e nacional ou coletivo. Todos eles assumem que o saltério é composto
em grande escala pelos salmos de lamentação. Por certo, como Günkel (1985) afirmou, e
atestado pelos posteriores pesquisadores que o gênero de lamentação é a espinha dorsal do
saltério.
118 Ballarini e Reali, por exemplo, destacam os seguintes gêneros literários da Bíblia Hebraica: hinos, teofanias, cantos da
realeza ou entronização do Senhor, lamentações ou súplicas individuais, salmos de súplica coletiva ou da nação, salmos de
confiança, salmos de ação de graças individual, salmos de ação de graças por Israel ou nacionais, salmos reais, salmos de
Sião, liturgias de entrada, salmos de peregrinação e procissão, requisitórios sobre ruptura da aliança, salmos de
congratulações ou macarismáticos, salmos ou oráculos de proteção divina, salmos de juízo de Deus, salmos sapienciais e
salmos alfabéticos. Consultar: BALLARINI, Teodorico; REALI, Venanzio. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis:
Vozes, 1985, p.60,61.
91
4.1 OS SALMOS DE LAMENTAÇÃO
Os salmos têm em comum o caráter de oração (BALLARINI; REALI; 1993, p.22).
Salmos de lamentação são orações de vozes humanas que se dirigem a Deus. Diferentemente
dos hinos, os salmos de lamentação não falam acerca de Deus, mas diretamente com ele. A
motivação principal que leva o israelita a orar a Deus – em culto ou espontaneamente119
– é a
tentativa de mover Yhwh a fim de que ele intervenha na dificuldade apresentada.
É significativo que a poesia hebraica, essencialmente a poesia lírica, conheceu várias
etapas até sua forma escrita. Tais etapas atravessam, sem dúvida, a piedade do povo dentro do
caráter religioso do antigo Israel. Porém, a poesia nos é apresentada no saltério em forma de
gêneros diversos. Dentre esses gêneros, o de lamentação ocupa um lugar de destaque junto ao
saltério e também entre os profetas, especialmente, Jeremias.
O gênero de lamentação de Israel é bem próximo com o do antigo Oriente como um
todo. As lamentações no Egito e na Mesopotâmia são testemunhos que Israel participou de
um ambiente maior cujas lamentações eram familiares e realizadas nos rituais cúlticos dessas
culturas. Isso argumenta em prol da hipótese que os salmos e os salmos de lamentação
nasceram nos cultos e que participam de um fenômeno comum do antigo Oriente120
. Ainda
assim, enquanto gênero literário as lamentações da Bíblia Hebraica receberam uma série de
inovações e peculiaridades competentes à tradição de Israel, principalmente quanto ao
conteúdo. Em termos puramente de gênero, o de lamentação geralmente possuí proximidade
com os do antigo Oriente.
Os salmos babilônicos agrupavam em si uma mistura de gêneros, isto é, não eram
necessariamente puros em gênero único. Com isso, é mais fácil averiguar que os salmos de
Israel também não seguiram um padrão único de gênero. Ainda que um salmo possua uma
especificidade litúrgica mais ou menos clara, isto é, padronizada por sua teologia, ele não
necessariamente segue uma regra ou convenção poética fixa. Por conseguinte, não podemos
119 Gerstenberger é da opinião que até mesmo as orações espontâneas das pessoas quer nas aldeias, ou nas assembleias
oficiais seguiam regras fixas. Conforme: GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros dos Salmos no Antigo
Testamento. v.1. São Leopoldo: Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, 1984, p.12. Weiser vê
uma relação estreita entre as oração individuais e as comunitárias. A ideia de que houvesse um tipo de liturgia fora do culto é
contraria às religiões na antiguidade. Em outras palavras, até mesmo as lamentações individuais devem ser compreendidas
dentro de um sistema cúltico comunitário. WEISER, Artur. Os Salmos. São Paulo: Paulus, 1994, p.54. 120 Mowinckel sugeriu acertadamente que as ideias babilônicas foram mediadas pelos canaanitas através de sua realidade
cúltica até chegar em Israel. Consulte: MOWINCKEL, Sigmund. The Psalms in Israel‟s Worship. v.1-2. Oxford: Basil
Blackwell, 1967.
92
estigmatizar um salmo de lamentação no sentido puro, como faz Günkel; pois, é possível uma
mescla de gêneros. Em outras palavras, um salmo cuja linguagem é de lamentação pode usar
outros gêneros para cumprir cabalmente sua finalidade de comover Deus.
[...] os escritores [dos salmos] tendem a ser indóceis com os limites do
gênero, encontrando repetidamente meios de escamotear e transformar
convenções genéricas, formulares ou de outro tipo e, ocasionalmente,
empurrar o gênero para além de seus limites formais ou temáticos.
Tendemos a perceber melhor a riqueza poética dos Salmos se nos damos
conta de que há uma boa dose dessa remodelação de gênero na coleção,
mesmo quando a recorrência de certas fórmulas nos diz que um fundo de
gênero específico está sendo evocado (ALTER, In: ALTER; KERMODE;
1997, p.267).
Os salmos de lamentações121
da Bíblia Hebraica são caracterizados, sobretudo, pela
queixa desesperada e pela súplica de quem tem o espírito atormentado (GÜNKEL, 1993,
p.151). Podemos dizer que as lamentações fizeram parte preponderante da religião do antigo
Israel durante toda sua história. A teologia do antigo Israel contava com tal recurso nos
tempos de aflição. A liturgia dos cultos de Israel se valeu das lamentações em prol do
indivíduo e da nação para sacramentar a vida religiosa da sociedade. Mas é na redação e
compilação do saltério e dos livros proféticos que encontramos as lamentações que
analisamos.
A compilação do saltério é fixada no período pós-exílico, quando os judeus voltaram-
se para uma religião escriturística e o faziam em assembléias locais. O pós-exílio propiciou
várias transformações nas instituições religiosas de Israel, principalmente na época do pós-
exílio tardio. Não obstante, o segundo templo tornou-se um santuário longe do povo em geral,
como alvo de grandes e específicas romarias. É plausível estabelecer neste contexto o
surgimento e papel das sinagogas: leitura das ―escrituras‖ e orações.
Podemos agrupar a este período a compilação de outros livros da Bíblia Hebraica, pelo
menos em sua forma final, os livros proféticos122
. As compilações foram realizadas, pois os
judeus tiveram o interesse de reunir e preservar as antigas tradições e fixar por escrito não
somente suas leis, mas os testemunhos proféticos, sapienciais e litúrgicos
(GERSTENBERGER, 1984, p.6,7). Os escribas foram pessoas chaves neste processo de cópia
121 Sobre a terminologia ―lamento‖ ou ―lamentação‖: alguns acreditam que seja melhor identifica-los como ―súplica‖, pois
corresponderia melhor ao conteúdo. Na presente dissertação, o conteúdo de um salmo é importante, mas não sem antes a
verificação de sua forma. O exercício exegético demonstra-se mais eficaz quando o estudo da forma precede a verificação do
conteúdo. O conteúdo se esconde na forma. 122 Para consultar a respeito da compilação dos livros dos profetas maiores, em especial, Isaías, Jeremias e Ezequiel: KOCH,
Klaus. ―Latter Prophets: The Major Prophets‖. In: PERDUE, Leo (ed.). The Blackwell Companion to the Hebrew Bible.
Malden: Blackwell Published, 2001.
93
dos documentos mais antigos e compilação. Os documentos que eles utilizaram como
―fontes‖ eram os que vieram tanto de profetas itinerantes e cultuais, quanto dos discípulos dos
profetas que viemos a conhecer como os principais da religião de Israel. Os especialistas em
rituais e liturgias da religião de Israel preservaram estes materiais que serviram de fontes para
os escribas123
.
Por estas razões, os especialistas acreditam que é possível reconstruir a situação
vivencial dos salmos de lamentação junto aos cultos cotidianos de Israel. Esta foi a tarefa de
Mowinckel em The Psalms in Israel Worship [Os salmos na adoração de Israel]124
e,
posteriormente, em perspectiva mais antropológica, tal hipótese foi abordada por
Gerstenberger em Der Bittende Mensch: Bittritual Und Klagelied Des Einzelnen Im Alten
Testament [O homem que pergunta: oração e lamento ritual do indivíduo no Antigo
Testamento]125
e em sua Introduction to Cultic Poetry [Introdução a poesia cultica]126
.
Segundo eles, os líderes127
das aldeias primitivas de Israel exerciam funções rituais e
sacerdotais em ritos de passagem. Nos momentos que os membros do clã eram acometidos de
infortúnios os rituais de lamentação exerciam a função de súplica, intercessões e queixas com
a finalidade de curar e reanimar o sofredor (GERSTENBERGER, 1984, p.13,14). O sofredor
tornava-se, de certa forma, uma ameaça para o equilíbrio do grupo, afinal, eles se
encontravam diante do desconhecido, da doença, dos danos psicológicos e infortúnios de toda
sorte (SCHÖKEL, 1992, p.91-105). Portanto, a comunidade exercia um papel de preservação
de si própria diante dos problemas desconhecidos que os indivíduos sofriam através dos
rituais onde se cantavam e oravam as lamentações. O mesmo acontecia quando o aviltado
recebia a dádiva divina da libertação do mal: a comunidade poderia participar da celebração
seus votos de louvor e testemunhar o agir de Yhwh entre eles atraves daquele individuo que
recebera as bênçãos (WEISER, 1994, p.46). 123 Gerstenberger percebeu que entre os vizinhos de Israel se conheciam famílias de sacerdotes que guardavam certas
tradições religiosas em pequenas escrituras. Em escavações na Mesopotâmia recuperaram-se tabuas de cunho litúrgico e
sapiencial que revelam o nome de seu autor ou do proprietário subsequente. É provável, pois, que o antigo Israel testemunhe
de famílias e grupos religiosos que tenham realizado tal tarefa. Conforma: GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros
dos Salmos no Antigo Testamento. v.1. São Leopoldo: Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana,
1984, p.11. 124 MOWINKEL, Sigmund. The Psalms in Israel‟s Worship. v.1-2. Oxford: Basil Blackwell, 1962. 125 GERSTENBERGER, Erhard. Der Bittende Mensch: Bittritual Und Klagelied Des Einzelnen Im Alten Testament.
Neukirchen: Neukirchener Verlag, 1980 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament). 126 GERSTENBERGER, Erhard. Psalms: Part 1: With An Introduction to Cultic Poetry. Michigan: Eardmans Publishing,
1991 (The Forms of the Old Testament Literature, v.14). 127 Gerstenberger pressupõe que os salmos em sua forma escrita não provinha do povo pobre, mas de pessoas letradas,
normalmente lideres abastados das comunidades. Estes letrados pertenciam às elites tribais ou estatais. Porém, mesmo sendo
a ―elite‖ israelita que cunhou os salmos ao longo das gerações até a formação final do saltério, importa destacar que os
salmos de lamentação têm uma preocupação com os marginalizados, sofredores, explorados, caluniados e doentes que
pressupõe a disposição de Yhwh em ajuda-las e resgatá-las de suas misérias. Isto é, socialmente falando, a elite pressupunha
que seu papel como instituição divina entre o povo era de misericórdia e promulgação da justiça divina entre o povo.
Conforme: GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros dos Salmos no Antigo Testamento. v.1. São Leopoldo:
Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, 1984, p.16-18.
94
Por conseguinte, Gerstenberger (1984) sugere que os salmos de lamentação
individuais tenham sido preservados por estes círculos familiares e que legaram tal tradição de
lamentação até que os escribas as registrassem em caráter oficial e sagrado. O estudioso
ressalta que para uma interpretação acertada deste tipo de salmo é necessário distinguir as
situações vivenciais combinam com questões atreladas aos dilemas do individuo (nível
primário) e seu clã ou infortúnios de cunho nacional (nível secundário).
As lamentações, portanto, podem ser nacionais ou individuais. Como nacionais, elas
assumem o papel de envolver a nação como um todo. Como individuais, elas desempenham
um papel mais voltado para o individuo, mesmo que a comunidade em torno dele participe
das cerimônias. Embora sejam considerados distintamente pelos estudiosos e na presente
pesquisa, ambos têm a mesma função: alcançar a compaixão e misericórdia de Yhwh no dia da
angústia, ou, mais precisamente, quando os ―inimigos‖ estão presentes128
.
4.1.1 As lamentações nacionais no Antigo Testamento
As lamentações nacionais possuem um caráter cultual e coletivo maior que as
individuais. Esse tipo de lamentação desempenhou papel preponderante em ocasiões especiais
da nação de Israel, tanto em liturgias de pesar em momentos especiais e extraordinários
quanto em festas regulares (SELLIN; FOHRER; 2007, p.367). É certo que os salmos de
lamentação individuais também possuem caráter litúrgico e coletivo, porém, enfatizando na
maioria das vezes o sofrimento do individuo inserido em sua comunidade, a despeito das
tragédias e ocasiões nacionais.
[...] o lamento nacional abre o acontecimento do Êxodo. Ele continua na
murmuração do povo em toda a sua jornada pelo deserto. Durante a
conquista e o primeiro período da ocupação, o lamento é de um povo
oprimido por seus inimigos superiores. Durante o período do império, os
lamentos, especialmente os que pertencem às catástrofes políticas (opressão
do inimigo), podem ser distintos daqueles que lidam com catástrofes naturais
(gafanhotos, seca). Como consequência da queda de 587 a.C., o lamento
nacional teve um significado especial, pois após a destruição do templo de
128 Sellin e Fohrer admitem que o gênero de lamentação possa ser subdividio em três classes: além das classes coletiva e
individual, ele acrescenta o cântico de confiança. Essa subdivisão estaria correlacionada com o elemento da ―conclusão‖ ou
―voto‖ na estrutura da lamentação. Segundo os autores, esses cânticos de confiança faziam parte dos salmos de lamentação e
somente depois receberam forma autônoma. Esta parte de confiança do lamento é considerada uma resposta ao oraculo
divino que o lamentador recebia após a sua queixa. Consulte: SELLIN, Ernst; FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo
Testamento. v.1-2. São Paulo: Academia Cristã Ltda, 2007, p.368-370.
95
Jerusalém, a lamentação se tornou o único possível caminho para adorar a
Deus. A proclamação do Segundo Isaías refere-se a recitação do lamento
nacional em vários pontos (e.g., 40.27). Em tempos pós-exílicos a recitação
do lamento foi transformado em um culto de arrependimento (Esdras 9;
Neemias 9). A observância do lamento nacional é indicado por 4Esdras, em
que o lamento, agora separado do serviço da adoração, mais uma vez e com
grande sentimento, expressa o sofrimento daqueles que haviam sobrevivido
à catástrofe (WESTERMANN, 2005, p.270).
De um modo geral, os salmos de lamentação nacionais possuem como sujeito que
lamenta o ―nós‖, isto é, a nação de Israel como um todo. Porém, é discutível se somente os
salmos cujo ―nós‖ é o sujeito são de cunho nacional. É possível que alguns daqueles salmos
cujo sujeito poético é o ―eu‖ sejam melhor localizados entre as lamentações nacionais, porque
não se pode comprovar exatamente se o ―eu‖ poético se refere a um rei ou outro líder
importante da nação que assume a representatividade de toda nação expressando interesses
coletivos.
Bentzen afirma que há uma linha tênue entre os salmos de lamentação nacionais e
individuais que não podem ser definidas ―mecanicamente‖ (1968, p.172). Há poucos indícios
literários que os distinguem claramente. As estruturas literárias são equivalentes, com poucas
discrepâncias. A linguagem, caracteristicamente poética, é por vezes simbólica e permeada de
imagens comuns à nação e aos indivíduos. Nem sempre o estudo da situação vivencial
esclarece por completo tal demanda. Devemos, pois, ter cautela ao definir um ou outro tipo de
lamentação.
Para Günkel, os salmos de lamentação nacionais eram parte dos rituais de jejuns do
povo; ele acredita que o contexto vivencial deve ser demarcado como litúrgico, pois se
reconhecia o valor das lamentações nacionais mesmo em meio aos cultos que envolviam
alegria e festividades (1993, p.136). Na maioria das vezes, os cultos de lamentação nacionais
aconteciam em festas anuais e em momentos extraordinários. Seu lugar seria o santuário
oficial de Israel, contrapartida os santuários locais da periferia, onde a atenção ao indivíduo é
mais evidente. Schökel sugere que a prática da confissão de pecados do individuo depreende
da súplica comunitária e que é provável que na festa anual do dia da expiação se recitassem
textos penitenciais (1992, p.92).
Bentzen apoia esta hipótese dizendo que a ocasião das lamentações nacionais é o culto
penitencial ocasional; e também anuais, como a festa da expiação (1968, p.172). Segundo ele,
as lamentações coletivas e rituais seriam a ―célula primitiva‖ das lamentações individuais,
particularmente, as posteriores ao exílio ou vinculadas diretamente a este evento (1968,
96
p.173). Em outras palavras, os salmos nacionais adquiriram características privadas e
individuais e, certamente, teriam inaugurado uma nova fase na dinâmica litúrgica de Israel.
Os salmos de lamentações coletivos são orações em que a nação de Israel se dispõe
como um todo com a finalidade de alcançar a misericórdia divina. Tais cultos incluíam rituais
de lamentação e penitência. A finalidade destas orações nacionais, dirigidas ou não por um
representante oficial, era comover o coração de Yhwh, por vezes com muita insistência e
dramaticidade, para receber a salvação almejada. É perceptível que na concepção hebraica,
quanto mais drástica era a oração, maior se tornava a possibilidade dela ser atendida.
As lamentações coletivas podem ser identificadas principalmente por causa de sua
situação vivencial que englobava uma série de infortúnios sociais e nacionais de Israel, tais
como fome, guerras, problemas agrícolas, pragas, epidemias, catástrofes naturais, secas,
calamidades presentes e futuras, males de toda sorte, perseguição e exílio. Para Westermann,
sobretudo, o significado teológico das lamentações nacionais encontra-se imediatamente na
relação de Israel com Deus em sua atividade de salvador (1965, p.270).
4.1.2 As lamentações individuais no Antigo Testamento
É possível que originalmente os salmos tenham tido um caráter mais litúrgico coletivo,
porém, especialmente a partir da centralização do culto em Jerusalém, os salmos tenham
perdido seu caráter nas liturgias dos grupos secundários da sociedade Israelita e ganhado um
espaço mais ―democrático‖ entre as aldeias, para um nível mais elementar da sociedade e
voltado para o indivíduo (BENTZEN, 1968, p.172,173)129
. Em outras palavras, independente
da forma literária atual, os salmos de lamentação têm origem nos cultos dos grupos pequenos
de Israel e foram sendo, ao longo do tempo, utilizados não só em prol do individuo aviltado,
mas por estes mesmos indivíduos. Particularmente, após a época do exílio, tanto para os
deportados quanto para os remanescentes.
A lamentação individual sugere que o individuo suplica por sua libertação. Ainda
assim, uma determinação distintiva entre os salmos coletivos e individuais é bastante difícil.
Schökel se pergunta se os salmos cujo sujeito poético é ―eu‖ são realmente individuais (1992,
p.92,93). É possível que em alguns deles, o ―eu‖ poético seja uma representação da
129 Bentzen fala de uma desintegração do ritual ―coletivo‖ e de uma ―democratização‖ dos salmos para uso comum e privado.
97
coletividade de Israel. Porém, em ambos os tipos há similaridade: o sofrimento humano. O
lamento e a expressão de confiança acompanham as crises do indivíduo por toda sua vida.
Os salmos de lamentação nacional são voltados a ocasiões de cunho citadino, mais
global do que as de indivíduos-cidadãos; os lamentos nacionais são desempenhados em
ocasiões regulares realizados nos cultos oficiais e públicos da nação. Porém, mesmo quando
voltados ao individuo, em sua maioria, podem ser relacionados com o culto.
Os salmos de lamentação individual são a maioria em todo o saltério. Alguns
claramente indicam liturgia no templo, como os Salmos 28, 61 e 68 que segundo Günkel,
foram utilizados pelos reis nas celebrações coletivas (1993, p.194). Muitos salmos individuais
também foram colocados na boca de personalidades de Israel, podendo assumir o sentido de
representante geral do povo, como Jeremias; e de personificações, como Sião. Certamente,
num determinado momento da religião de Israel, os lamentos individuais receberam maior
interesse e utilização por parte da comunidade e dos indivíduos. Por conseguinte, a piedade
popular cresceu e utilizou os elementos da lamentação individual para dar forma a sua
expressividade religiosa.
Sellin e Fohrer defendem a hipótese que tanto os lamentos espontâneos quanto os
cultuais estiveram lado a lado na dinâmica religiosa de Israel (2007, p.367). Tal hipótese é
possível e apoiada por Westermann, uma vez que a experiência religiosa em si não pode ser
demarcada unicamente pela liturgia oficial dos santuários (2005; 1965). Soma-se a isso, a
presença de profetas e poetas em Israel que nem sempre seguiram as normas pré-estabelecidas
pela imposição da religião e atuaram mais ou menos fora dos santuários e do templo.
Os salmos de lamentação individual possuem claramente o sujeito poético ―eu‖.
Günkel demonstra-se bastante incomodado com as interpretações que atribuem a este ―eu‖
poético o caráter de personificação da coletividade de Israel. Para ele, se trata de uma
interpretação alegórica. Ele responde a este viés de interpretação do sujeito poético afirmando
que só é possível afirmar que o ―eu‖ poético se refere a um ―nós‖ implícito quando há um
pressuposto coletivo claro na poesia, como no caso do livro de Lamentações (1993, p.195).
De qualquer forma, não podemos negar que o gênero aparece vinculado a indivíduos e
personagens bíblicos individuais, em sua maioria:
[...] o lamento individual aparece tão cedo quanto às histórias dos patriarcas:
o lamento de Abraão (Gn 15.2), o lamento de Rebeca (25.22; 27.46), o
lamento do filho de Hagar (21.6), e antes destes mesmos o lamento de Caim
em Gênesis 4.13,14. No período dos juízes nós encontramos o lamento de
Sansão (Jz 15.18) e no tempo dos reis o lamento por não ter filhos de Ana
98
(1Sm 1) ou no do rei doente (Is 38). Nos Salmos o lamento pessoal é a forma
mais extensa, e em Jó é o motivo básico (WESTERMANN, 2005, p.272).
Poderíamos acrescentar à lista de Westermann o profeta Jeremias. A tradição judaica o
aponta como um lamentador. A presença das chamadas ―confissões‖ de Jeremias (que são do
gênero de lamentações), no livro que leva seu nome também testemunha a ligação de
lamentos com um personagem individual da história da religião de Israel.
A situação vivencial dos salmos de lamentação individuais são genéricas e
abrangentes demais para que o intérprete possa definir o Sitz im Leben com segurança,
principalmente em pormenores. Para Mowinckel, não é possível dissociar o lamento do
individuo do culto de Israel (1962, p.4-30). Gerstenberger é da mesma opinião, pois averigua
que as lamentações individuais têm origem nos círculos religiosos itinerantes vinculados aos
santuários locais, em época pré-exílica. Alguns lamentos reconhecidos como individuais
possuem linguagem litúrgica atrelada em sua poesia, vinculadas aos horários de oração
pessoal e ordens litúrgicas privadas. Em outros momentos, é verificável que o poema se refere
a um indivíduo e fora dos limites do culto coletivo de Israel, como no caso de Jó e Jeremias.
Portanto, é pouco provável que encontremos com assertividade o Sitz im Leben do
individuo que lamenta. Os dados que dispomos para verificar a ocasião particular do provavel
salmista é débil e se movem em indicações de caráter muito genérico. As imagens usadas nas
lamentações individuais são comuns àquelas usadas nas lamentações coletivas.
A linguagem de lamentação na perspectiva do individuo permite algumas inferências
para plausíveis interpretações: acontecimentos nacionais interferiam na vida do indivíduo;
toda poesia pressupõe um circulo maior do que uma pessoa, ou seja, uma comunidade
pequena e privada junto ao compositor; a composição diante de iminente perigo de vida em
oposição a pequenos acontecimentos cotidianos; o medo do desconhecido, isto é, o salmista
utiliza imagens e símbolos que determinem de modo mais ou menos universal e comum
aquilo que ele reconhece como maléfico para si e sua comunidade, como enfermidades
desconhecidas, por exemplo; o medo ou sentimento de abandono de Deus nos tempos de
infortúnio; as descrições dos perigos são comuns, mesmo que em imagens abrangentes e
simbólicas.
Os ofícios de lamentação em prol do indivíduo eram realizados por ocasiões regulares
da vida do israelita. Normalmente, vinculado aos santuários locais, mais do que ao santuário
oficial da religião de Israel. A lamentação era o meio de expressão e também de relação com
Yhwh nos tempos de infortúnio individual. Quando o indivíduo sofria, toda a comunidade ao
seu entorno sofria em conjunto. São os momentos de transitoriedade e miséria do ser humano
99
que as lamentações individuais encontram seu lugar vivencial. A partir daí podemos inferir as
diversas situações que acometiam as pessoas no antigo Oriente Próximo para correlacionar
com os salmistas.
A pessoa acometida de um infortúnio, especialmente uma doença ou praga
desconhecida, se tornava suspeito da comunidade. A comunidade temia a convivência social
com o desconhecido. Criam que poderia ser intervenção ou sinal da ira de Deus, nos primeiros
momentos. Um caso típico é o de Jó: o sofredor se torna um perigo iminente para a sociedade.
É significativo que os amigos de Jó propunham que ele se voltasse a Deus em cerimônias
litúrgicas.
O ato litúrgico pedia um encarregado da mediação e da intercessão pelo aflito. É
provável que o sofredor devesse pronunciar algumas palavras ao Senhor, se sua condição
permitisse. O objetivo destas orações era certamente a reabilitação do miserável diante de
Deus e da sociedade da qual fazia parte. Os elementos das lamentações individuais dos salmos
são principalmente: invocação; lamentação; confissão de pecados; súplica; imprecações
contra os inimigos; expressões de confiança; voto de louvor ou promessas; agradecimento ou
louvor antecipado (GERSTENBERGER, 1984, p.169-172). Estes elementos não se referem a
um padrão fixo, mas aqueles que ocorrem com certa regularidade e de forma entrelaçada nos
salmos do gênero.
O sentido teológico das lamentações individuais aponta para a lamentação como
recurso que dá voz ao sofrimento do individuo, ligando-o a Deus. O lamento é a linguagem do
sofrimento e do sofredor. O sofredor recebe dignidade em seu sofrer através da linguagem.
Em outras palavras, o sofredor pode exprimir suas mazelas, direcionar suas misérias a Deus e
procurar na linguagem do sofrimento algum sentido para sua experiência caótica. A função do
lamento individual é proporcionar certo alivio ao sofredor através da possibilidade (religiosa,
social e existencial) que este tem de suplicar. Nesta perspectiva, ―podemos dizer que o
lamento como tal é um movimento em direção a Deus‖ (WESTERMANN, 1965, p.273).
A linguagem também é um grito de protesto contras as injustiças e violências. A
lamentação nacional, bem como a individual contém um elemento de protesto contra Yhwh
pela permissão das desgraças e sofrimento advindos à nação eleita. ―Por que?‖ é expressão
comum nestas lamentações. Na concepção teológica nacional, o seu Deus trouxe o sofrimento
do qual agora eles não conseguem se livrar. O protesto do povo que não entende o que está
acontecendo é direcionado radicalmente a Deus. Quando o lamento é ouvido por Deus, isso
significa que o protesto fora ouvido.
100
Com esses dados, é certo que a interpretação literal nem sempre é a melhor para a
leitura destes salmos de lamentação individual. As imagens e símbolos são comuns à
religiosidade humana e a idiossincrasia de determinada cultura. Elas dificultam a exata
localização do poema e da determinação dos infortúnios sofridos pelo indivíduo que suplica.
Somente a exegese e leitura acurada de cada caso poderão chegar mais perto de uma
interpretação equilibrada e cientificamente comprovada pelos seus dados.
4.1.3 Subcategorias e tipos de lamentações no Antigo Testamento
Alistamos como subcategorias dos salmos de lamentação: lamentos de inocência, de
penitência e de vingança. Ainda há outros tipos de lamentações na Bíblia Hebraica, além dos
nacionais e individuais: o lamento do mediador e o lamento de Deus130
. Importa dizer que os
lamentos são direcionados a três tipos de interlocutores: a Deus, a si mesmo e a outras
pessoas.
4.1.3.1 Os lamentos de inocência, de penitência e de vingança
É Bentzen quem propõe uma significativa distinção entre os salmos de lamentação: os
de inocência e os de penitência. Segundo ele, a primeira classe foi importada de Hans Schmidt
como ―orações dos acusados‖, isto é, o salmista argumenta com Yhwh sua inocência diante do
abuso sofrido por injustos (1968, p.175). A segunda classe demonstra o salmista como um
penitente que lamenta sua própria queda131
. Para os salmistas penitentes, sua queda é seu
maior sofrimento; o perdão de Deus, sua maior benção e motivo de alegria (WOLFF, 2003,
129). A confissão da culpa do pecado aparece em lamentos nacionais e individuais. Estes
130 Consulte: WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. Interpretation, n.28,
1974, p.20-38. Consulte também: WESTERMANN, Claus. Praise and Lament in the Psalms. Edinburgh: T. & T. Clark
LTD., 1965, p.275-280. 131 A trilogia editada por Mark Boda e publicada pela Society of Biblical Literature chamada Seeking the Favor of God
contém excelentes artigos sobre a origem, desenvolvimento e impacto da ―oração de penitência‖ no judaísmo.
101
estão em oposição aos lamentos que protestam sua inocência perante o Senhor. Nesta
subcategoria de lamentação, o sujeito do salmo é consciente de sua culpa132
.
Wolff alista outros dois subtipos de salmos de lamentação, os imprecatórios e os de
vingança, mas apenas um deles nos parece adequado para a presente pesquisa: os lamentos de
vingança (2003, p.129). Discordamos quanto à ideia de que o salmo imprecatório seja um
gênero em si. As maldições ou imprecações estão entremeadas entre os salmos, sendo a
maioria deles do gênero de lamentação. Portanto, a maldição nos parece mais um elemento a
ser considerado na estrutura da lamentação, que ora aparece, ora não, do que necessariamente
uma subcategoria ou gênero em si. A subcategoria de vingança daria maior atenção aos
pedidos de vingança contra os inimigos.
No entanto, essas subcategorias nos servem para especificar um pouco mais o
conteúdo dos salmos do gênero de lamentação. Cada salmo deve ser interpretado conforme
suas características próprias, mesmo fazendo uso de uma linguagem comum de lamentação.
Não obstante, dado a dificuldade de estabelecer um limite claro para distinção entre
lamentação nacional e individual e suas subcategorias aceitamos a posição de Westermann: a
tarefa de estudo dos tipos de lamentação se justapõe, levando o intérprete ao cerne da
lamentação que é o relacionamento do ser humano com Deus (WESTERMANN, 1965,
p.270).
4.1.3.2 O lamento fúnebre e o lamento da angústia
Westermann dedicou um artigo para explanar o lugar da lamentação numa teologia do
Antigo Testamento133
. Segundo ele, com o apoio de Von Rad, a lamentação já se encontra na
confissão de fé de Deuteronômio 26.7: ―Então clamamos ao Senhor, o Deus dos nossos
antepassados, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu o nosso sofrimento, a nossa fadiga e a opres-
são que sofríamos‖134
. O lamento é componente essencial no processo de libertação de Israel
da escravidão do Egito; tal evento é paradigmático na soteriologia do Antigo Testamento, pois
132 A cristianização do lamento penitencial da Bíblia Hebraica desenvolveu uma forma de lamento cristão em termos de
doutrina: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa! Consulte: WESTERMANN, Claus. Praise and Lament in the Psalms.
Edinburgh: T. & T. Clark LTD., 1965, p.274. 133 Consultar: WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. Interpretation.
Richmond, n.28, p.20-38, 1974. Original em alemão: WESTERMANN, Claus. Struktur und Geschichte der Klage im Alten
Testament. ZAW, n.66, 1954, p.44-80. 134 BÍBLIA, A.T. Deuteronômio. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004.
Cap. 26, vers. 7.
102
demonstra que a salvação é precedida da lamentação, isto é, dos gritos dos oprimidos
(WESTERMANN, 2005, p.188).
Westermann dá atenção à diferença teológica entre a lamentação fúnebre e a
lamentação derivada dos infortúnios na vida dos indivíduos e suas comunidades.
A lamentação fúnebre olha para o passado, a lamentação da aflição olha para o futuro.
Isto é, a primeira vê o fim do sofrimento; a segunda prevê o fim de tal. A lamentação fúnebre
pertence ao gênero comum, enquanto a lamentação da aflição normalmente se dirige a
divindade. A lamentação fúnebre como gênero comum é utilizada no lamento de Davi por
Saul e Jonatas, em 2 Samuel 1.17-27 e no livro de Lamentações. A lamentação da aflição
surge da necessidade de se fazer um apelo a Deus. O lamentador sofre pelo que aconteceu a
ele e relata sua condição através da lamentação. Ele implora que seu sofrimento seja tirado.
Ao clamar a Deus, o suplicante estende suas mãos para o término do sofrimento135
.
4.1.3.3 O sofrimento como mediação a Deus
A estrutura básica de um salmo de lamentação descreve também sua teologia em
pormenores: invocação, súplica, lamentação, pedido e voto136
. A lamentação é expressão da
alma que clama por salvação; é também um recurso que a religião de Israel dispõe para os
sofredores. Lamentações são orações, embora nem toda oração seja de lamentação. Tais
lamentos retratam o cotidiano de Israel em suas etapas de desenvolvimento, sempre cheia de
tensões e dilemas.
Para responder ao sofrimento, a tônica teológica desenvolvida na época da destruição
de Jerusalém e no desenvolvimento teológico do período, chegando ao inicio do pós-exílio era
de causa e efeito. Chamamos isso de teologia da retribuição137
. Porém, em direção ao pós-
135 Consultar: WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. Interpretation.
Richmond, n.28, p.20-38, 1974. 136
Por esta razão, não podemos concordar com Wolff que advogam que a petição é o centro das lamentações. Confira:
WOLFF, Hans W. Bíblia, Antigo Testamento: Introdução aos Escritos e aos Métodos de Estudo. São Paulo: Teológica, 2003,
p.128. Se observarmos a estrutura de uma lamentação veremos que nem sempre há uma distinção clara entre petição e
lamentação. Ora um suprime o outro. Ora não se vê um ou outro. Ora lamenta-se primeiro, ora pede-se antes de lamentar ou
vice-versa. Westermann apoia a ideia que petição é lamentação não podem ser distinguidos na estrutura do lamento.
Consultar: WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. Interpretation.
Richmond, n.28, p.20-38, 1974. 137 A teologia da retribuição é um exercício coerente com a visão da liberdade humana, que torna o ser humano responsável
por seus atos diante de Deus. Esta é também a tônica do livro de Eclesiastes. Os chamados amigos de Jó, ao apressarem o
arrependimento de Jó que, segundo eles seu sofrimento era originário de seus pecados, eles representam a visão corrente
sobre o sofrimento baseado na causa e efeito. Em outras palavras, se de um lado, o exílio buscou dar uma resposta racional a
103
exílio, próximo ao que chamamos de pós-exílio tardio, a teologia da retribuição requeria
novas formulações. Os novos questionamentos que exigiam respostas eram relativos à
teodiceia: por que os justos sofrem? As respostas variavam.
Primeiramente, através dos profetas, o povo reconheceu que a destruição da cidade, do
templo e a deportação da liderança fora causado pela ira de Yhwh que já previa em sua aliança
que o abandono da fé era passível de castigo. Mas, num segundo momento, mais refletido,
questionavam-se o porquê de Yhwh não ter confundido os inimigos e agido em favor do seu
povo diante de tão grande calamidade. As perguntas nesta direção efervesceram.
O livro de Jó e o livro do Segundo Isaías fornecem as pistas para entender o
sofrimento como mediação a Deus na teologia do Antigo Testamento.
4.1.3.3.1 O sofrimento e lamentação no livro de Jó
O livro de Jó é talvez o maior representante da literatura hebraica a respeito da
teodiceia: é merecido o justo sofrer? Deus impõe sofrimento sobre seus justos? Por que os
justos sofrem e os ímpios prosperam? Por que o mal não é sempre castigado em proporção à
culpa? Por que o bem não é sempre recompensado na proporção do mérito? O sofrimento é
algum tipo de punição? (ANDERSEN, 2006, p.62-71). O livro de Jó também trata da maneira
como se deve proceder em meio às exigências da existência permeada de sofrimento138
.
Na estrutura em prosa, Jó é um justo que sofre uma perda irreparável. No centro
poético, o livro se movimento nos diálogos de Jó e três, depois quatro interlocutores que
investigam as razões das perdas de Jó. O diálogo de Jó com Deus mostra que tais razões vão
além da compreensão dele. O livro de Jó sinaliza que os benefícios que Deus concede à
humanidade não podem ser ―demarcados por sistemas humanos ou esforços humanos para
entendê-los‖ (SMITH, 2006, p.107).
Westermann afirma que a poesia de Jó é composta sobre o tema da lamentação139
.
Smith pensa que o livro de Jó foi uma resposta às indagações sobre exílio. Não sabemos se o
enredo é mais antigo que a época exílica e tenha sido usado de modo apropriado para
perplexidade do acontecido, o livro de Jó prefere abdicar das respostas e colocar novas perguntas; tais perguntas nos inserem
nos questionamentos referentes ao pós-exílio. 138 Se o livro de Jó é este musical composto sobre a lamentação, não seria o livro de Daniel seu contraposto, mostrando a
fidelidade e soberania de Deus? 139 Consultar: WESTERMANN, Claus. The Structure of the Book of Job: A Form-Critical Analysis. Philadelphia: Fortress
Press, 1981.
104
responder ao período, o que é provável. Terrin fala de uma possível ―antiga narração
folclórica‖ transformada em poema (TERRIN, 1994, p.43). Apesar das dificuldades quanto às
fontes de sua composição, sua organização atual ―dramatiza o problema do sofrimento e da
crise sobre a falta de inteligibilidade sobre o mundo‖ (SMITH, 2006, p.108). A narrativa do
personagem Jó permitiu aos israelitas perscrutarem o ―desconhecido teológico‖ e lança uma ponte
entre o ser humano e o Deus incognitus (TERRIN, 1994, p.44).
No enredo, aparentemente, Jó está abandonado de todos, inclusive, de Deus. Seus
supostos amigos indagam-no baseados na estreita teologia da retribuição. Jó permanece firme
em afirmar que é justo, esbravejando a sua inocência. Jó não se vê em condições de confessar
qualquer crime. Sua visão sobre Deus muda em detrimento de seus questionamentos
(WESTERMANN, 2005, p.192). A teodiceia é o máximo da profecia pós-exica (2005,
p.126,127). Todavia, Jó possuía uma convicção de sua dignidade e de suficiência que se
desvaneceu em seu diálogo com Deus. Terrin observa bem que ele sabia que sua
autossuficiência não poderia leva-lo a Deus140
.
O livro de Jó interessa à teologia da lamentação porque ele resolve apelar contra o próprio
Deus, ainda que o acusasse. Ele apela a Deus sem qualquer mediação. É o sofrimento que o leva para
perto de Yhwh. Para Westermann ―graves sofrimentos tendem a separar de Deus, mas a possibilidade
de se queixar supera o abismo; eis a grandeza e a tarefa vital da lamentação‖ (2005, p.192). O livro de
Jó, pelo menos em sua parte poética, é uma lamentação em busca do Deus absconditus. Jó suplicava o
reaparecimento de Yhwh.
4.1.3.3.2 O sofrimento e lamentação no Segundo Isaías
O Segundo-Isaías refere-se aos capítulos 40 a 55 do livro de Isaías e foi produzido em
terras babilônicas por um ou vários profetas desconhecidos. Eles atuaram entre os exilados, na
140 Na dinâmica poética do texto, em algumas vezes parece que Jó irá aceitar a suficiência da graça, mas recaí em sua
justificação de inocência. Até seu encontro com Deus, onde sai da posição de quem coloca em dúvida a justiça de Deus à
ironia de Yhwh que o recoloca em seu lugar. ―Jó cedeu a um acesso de hybris metafísica. Duvidou da justiça do Criador,
embora, ao mesmo tempo, a reconhecesse, uma vez que esperava dela a sua quitação. Exigindo de Deus a proclamação de
sua justiça, na verdade ele negou a liberdade de Deus. Tentando justificar-se, reduziu Deus à finitude. Entendeu a justiça
divina não em relação com o macrocosmo teocêntrico, mas em função de um microcosmo antropocêntrico. Vivendo em sua
egocentricidade, ignorou a teocentricidade da vida. Se Jó tivesse o poder de Deus, poderia salvar a si mesmo, e Deus não
hesitaria em oferecer-lhe os ritos da adoração cultual (40,14)! Mas o poder do homem, por mais vasto que ele seja nos limites
de sua mortalidade, está cercado pelo nada. Exerça Jó seu poder dentro e fora de seu eu, e descobrirá logo sua fraqueza
existencial! ‖. TERRIN, Samuel. Jó. São Paulo: Paulus, 1994, p.44.
105
Babilônia. O mais correto é data-lo por volta de 550 e 540141
. Para Schwantes, o Segundo-
Isaías é parte da segunda geração de exilados, posterior a Ezequiel, e pode ser situado entre os
cantores do templo. Se admitirmos essa hipótese, ele poderia ser correlacionado aos cantores
das lamentações junto ao templo. Isto é, cantores nas mediações dos remanescentes e cantores
exilados.
O Dêutero-Isaías articula uma mensagem de salvação aos jerusalemitanos para acolher
seus ouvintes. A salvação seria possível por meio do perdão142
divina àqueles que haviam
abandonado ―arbitrariamente‖ a vontade do Senhor (SCHOORS, 1973, p.189-207). Portanto,
o núcleo da profecia dêutero-isaíana é o retorno à terra. Esse assunto é tomado pela teologia
como o ―novo êxodo‖: o regresso dos cativos para sua terra. O profeta incluiu tanto os
exilados quanto os dispersos em sua mensagem. Mas nem todos a receberam. É provável que
poucas pessoas lhe deram crédito143
.
Chama-nos atenção no Dêutero-Isaías as passagens que tratam do Servo Sofredor:
42.1-4; 49.1-6; 50.4-9 e 52.13-53.12. São cânticos em sequencia na estrutura do livro.
Apresentam este Servo Sofredor: vocação, tarefa, resistência e martírio. É comum em todo
Isaías 40-55 e nos cânticos do Servo a defesa do universalismo religioso, isto é, que Yhwh
deve ser o Deus de todas as nações; mas o sofrimento vicário não é comum no livro como um
todo.
A missão do Servo Sofredor é englobar o conjunto das nações e Israel junto a ele.
Porém, esta não é uma tarefa fácil, conquanto, exigirá do Servo a persistência em meio às
contrariedades das nações e do próprio Israel. O último cântico vai mostrar que a realização
plena de sua missão será através da mediação pelo sofrimento deste Servo Sofredor. Este
Servo carrega ―martírio e vicariedade‖ (SCHWANTES, 2007, p.133). O Servo é alguém
solidário com o sofrimento. Sua missão era um ―arquétipo para a missão de Israel‖ (KLEIN,
1990, p.137).
Esta tônica não é única em Isaías 40-55, o é em Amós, nos Salmos e, principalmente,
na pessoa de Jeremias conforme seu livro. O Servo do Senhor, ou seja, assume o papel de
lamentador para se colocar como mediador do povo distante de Yhwh para que este alcance
suas misericórdias. O sofrimento se torna um meio desejável para um fim prospero e cheio de
141 Veja os argumentos para esta datação em: SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia
do Povo de Deus no Século VI a.C. São Paulo: Paulinas, 2007, p.118,119. Klein também concorda: KLEIN, Ralph W. Israel
no Exílio: Uma Interpretação Teológica. São Paulo: Paulinas, 1990, p.113. 142 Perdão significa que ―o passado deixou de ser determinante‖ para o futuro de Israel. Em outras palavras, o perdão do
Senhor supera o exílio. Conforme: SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo
de Deus no Século VI a.C. São Paulo: Paulinas, 2007, p.120,121. 143 Para ver outras características da mensagem profética de Isaías 40-55, consulte: SCHWANTES, Milton. Sofrimento e
Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São Paulo: Paulinas, 2007, p.117-136.
106
bênçãos. A isso damos o nome de mística da inutilidade. A mediação pelo sofrimento tem
uma história importante na teologia do Antigo Testamento, da qual o Servo Sofredor faz
parte144
.
Moisés assim o fizera. Agora, rumo ao novo êxodo, o Servo Sofredor é o mediador
representativo do povo de Deus. Westermann vê Moisés e este Servo como os ―pilares‖ da
teologia da mediação. A diferença fica por conta dos detalhes entre esses personagens: sobre o
Servo Sofredor não nos é descrito pormenores de sua vida e história. Moisés é o pioneiro na
mediação do povo a Deus, o Servo é onde a história da mediação para Israel se encerra; e
assim o faz em mistério: quem é este Servo?
A teologia da lamentação possuí paralelo com o esquema teológico da missão do
Servo Sofredor do Dêutero-Isaías. A lamentação visa à salvação do sofredor, e assim o é a
tarefa do misterioso Servo. Ela se torna um recurso para apelar a Deus e sair de uma situação
miserável. No caso do Servo, ele mesmo assume os prejuízos do sofrimento vicariamente em
prol dos sofredores, distantes de Yhwh e que devem se unir a ele, vindos de todas as nações. O
Dêutero-Isaías mostra que é possível lamentar a Deus em qualquer momento. Yhwh estará
sempre atento para as súplicas.
A teologia da lamentação é situada por Weiser como uma experiência de fé baseada na
Aliança entre Israel e Deus; Deus permite que sejam feitas a ele as súplicas que caracterizam
essa relação:
Os salmos de lamentação expressam a submissão do homem a Deus, a quem,
atraves da lamentação, confia as suas tribulações e na súplica apresenta os
seus desejos. A multiplicidade das aflições terrenas do indivíduo encontra
sua unidade interior e seu apoio na orientação para Deus, através da fé
comum alimentada pela tradição cúltica constantemente renovada [...] O
tema da maioria dos salmos de lamentação, mais ou menos claramente
expresso, é a separação de Deus e o desejo de restaurar o contato perdido
com o seu poder vivo, na demonstração de sua presença, com a sua graça e a
sua ajuda. É neste ponto que os salmos do Antigo Testamento se elevaram à
sua mais alta espiritualidade e ao mais elevado nível do desenvolvimento da
força da sua fé. Relacionando todo sofrimento com Deus e não com vários
deuses ou demônios, como nas religiões politeístas, a fé do Antigo
Testamento experimenta na sua tribulação a ameaça direta de toda a sua
existência diante de Deus e, inversamente, vê na comunhão de vida com este
Deus a única possibilidade de sua existência (WEISER, 1994, p.54).
144 Os mediadores principais são: os patriarcas, Moisés, Josué, os reis, os sacerdotes, os profetas e, por último, o Servo
Sofredor. Consulte: WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Academia
Cristã Ltda., 2005, p.85-95.
107
O Servo Sofredor serve de recurso de mediação entre Yhwh e seu povo, do exílio para
todas as nações. Dessa forma, os cânticos do Servo Sofredor encaixam-se no gênero das
lamentações, pois permite que o sofredor tenha liberdade em levar a Deus os ―mais profundos
problemas da vida‖ e ―na oração‖ pedir ―decisões supremas‖ quanto sua situação (WEISER,
1994, p.55).
4.1.3.3.3 O lamento do mediador
O lamento do mediador é uma forma importante dentro da linguagem de lamentação.
Trata-se de um lamento bastante pessoal de alguém que se coloca como intermediário da
nação e/ou do indivíduo. O mediador leva a Deus não o seu sofrimento pessoal ou privado,
mas através de sua mediação, ele apresenta o sofrimento da nação. Westermann exemplifica
este ponto apresentando o lamento de Moisés, a operação profética de Elias e as confissões de
Jeremias e, principalmente, o sofrimento do Servo do Senhor do Dêutero-Isaías como
modelos deste tipo de lamentação (1965, p.275,276).
O lamento do mediador perpassa as páginas e teologia do Antigo Testamento e
encontra espaço central na teologia do Novo Testamento. É através do lamento de Jesus na
cruz do Calvário que a história do lamento do mediador ganha maior sentido no Antigo
Testamento, pois é o ápice da história da lamentação.
Segundo Westermann, só poderemos encontrar o significa do lamento do mediador se
observarmo-lo em conexão com os lamentos nacionais e individuais. Para ele, essa conexão é
mais clara nos lamentos no livro de Jeremias, nos lamentos do Servo do Senhor e no lamento
de Jesus Cristo ao citar o Salmo 22. A própria Teologia do Novo Testamento advoga que
Jesus Cristo morreu em substituição pelo pecado das pessoas. A figura do Cristo é do
mediador: não nos espanta a presença de um Salmo de lamentação nos seus lábios no
momento de consumação de sua obra substitutiva por meio do sofrimento e morte.
108
4.1.3.4 Os lamentos de Deus
O Senhor, Deus dos hebreus, denominado Yhwh, lamenta? Seria uma linguagem
antropopática – Deus com sentimentos humanos? Ou uma linguagem antropomórfica – Deus
representado como humano e com ações humanas? Contudo, a literatura sagrada hebraica
apresenta este importante fenômeno: o lamento de Deus. O livro de Isaías e outras coleções
proféticas começam com Deus lamentando; em Isaías 1.2, em especial, ele lamenta a rebelião
do seu povo. O mesmo lamento ocorre em Jeremias.
Os escritores hebreus localizaram os lamentos de Deus nos livros proféticos e em
textos com caráter redacional de escolas proféticas. Permitem que seus leitores percebam seu
Deus como cheio de compaixão, paixão e passionalidade em seu ser e agir145
. Os lamentos de
Deus são descritos com amargura de quem se encontra decepcionado, ou como é descrito no
livro de Oséias, traído e aviltado em seus sentimentos146
.
Para Westermann, os lamentos de Deus são ainda mais intensos em conjunto com os
lamentos de Jeremias nos capítulos 12, 15 e 18 do livro do profeta (1965, p.279,280). Tais
lamentos não são sobre Deus. São possibilidades do falar dele. Tem haver com o
relacionamento de Deus com seu povo, na perspectiva do próprio Deus, tal como os escritores
nos indicam147
. Ainda em Jeremias é possível definir que os lamentos de Deus se confundem
com os lamentos de Jeremias. Se assumirmos a ideia de que o profeta encarna a mensagem do
próprio Deus em sua vida, certamente, os lamentos de Deus estariam encarnados em Jeremias.
Ou, possivelmente, o lamento do povo representado no profeta. Matizes de interpretações que
tornam ainda mais difícil a compreensão exata destes textos.
A linguagem da lamentação expressada pelo próprio Deus instiga as pesquisas e
estudos teológicos sobre o sofrimento de Deus. Por conseguinte, estes estudos estão
vinculados com a linguagem profética das escrituras judaicas.
4.1.4 A estrutura dos salmos de lamentação
Os elementos da estrutura dos salmos de lamentação comunitárias e individuais são
praticamente os mesmos. Os poemas babilônicos realizam essa justaposição entre
145 Consultar: HESCHEL, Abraham. The Prophets. v.1. New York: Harper Torchbooks, 1962. 146 Consultar: BONHOEFFER, Dietrich. Widerstand und Ergebung. München: Chr. Kaiser Verlag, 1951. 147 Consultar: KITAMORI, Kazo. The Theology of the Pain of God. Richmond: John Knox Press, 1965.
109
lamentações comunitárias e individuais, o que pode ser frequente no antigo Oriente Próximo.
Günkel define as lamentações comunitárias como gênero diferente das individuais, mas faz
um intercambio dos conceitos em ambos os gêneros, devido à proximidade entre os tipos de
lamentação:
A estrutura e outras séries de detalhes das lamentações públicas localizam as
lamentações comunitárias em igualdade das lamentações individuais,
embora seja verdade que a natureza de cada um desses gêneros estabelece
diferenças significativas entre ambos: o sujeito das lamentações
comunitárias é normalmente ―nós‖, enquanto o da individual é ―eu‖; o
lamento da primeira é por causa de desgraças nacionais, enquanto a base da
segunda fica por conta de males pessoais, principalmente doenças; na
lamentação comunitária se enfatiza o elemento da ira que é provocada pelos
insultos dos povoados vizinhos, na lamentação individual domina a imagem
da descida para o abismo. Por outro lado, são muitos os elementos comuns
entre os poemas individuais e públicos, portanto, entre as lamentações
correspondentes (1993, p.150).
É possível analisar a estrutura dos lamentos comunitários e individuais em
justaposição. Portanto, podemos enumerá-los conjuntamente e, quando necessário, faremos
menção das principais diferenças.
Utilizam uma tríplice divisão, mais resumida e abrangente: Bentzen: introdução, corpo
e motivos de louvor (1968). Sabourin verifica que a estrutura do gênero pode ser dividida em:
introdução, sessão principal e conclusão (1970). Westermann alista: invocação, súplica,
pedido e formulação do voto (2005). Schökel divide a estrutura de um salmo de lamentação
em três partes apenas: introdução, corpo e profissão de confiança (1992). Sellin e Fohrer
dividem o gênero em três partes principais: introdução, parte principal e conclusão (2007).
Kraus estrutura de forma dupla apenas, mais resumido que os anteriores: introdução e sessão
principal (1993). O trabalho de estruturação de Gerstenberger se aproxima do de Günkel
(1984) e Weiser (1994), porém, em forma mais resumida. Gerstenberger é mais detalhista ao
descrever os elementos comuns da lamentação: invocação, lamentação, confissão de pecado,
protesto de inocência, súplica, imprecações contra os inimigos, expressões de confiança,
promessa ou voto de louvor e agradecimentos ou louvor antecipado (1984, p.172).
Kselman e Barré apresentam como constituintes do salmo de lamentação a invocação,
a descrição de uma necessidade concreta, a oração por ajuda e libertação, as razões por que
Deus deve ajudar a quem ora e o voto para oferecer louvor ou sacrifício quando o pedido for
atendido (KSELMAN; BARRÉ; In: BROWN; FITZMYER; MURPHY; 2007, p.1031,1032).
Seguindo a mesma linha, porém, mais resumida, Baigent e Allen afirmam que os elementos
110
são: clamor a Deus, lamento em si, declaração de confiança e promessa de louvor
(BAIGENT; ALLEN; In: BRUCE, 2009, p.757).
Para Alter, a lamentação pode ser estruturada sendo apenas ―súplica‖ aliada ao
―anúncio da salvação‖. Mas afirma pertinentemente que a estrutura de qualquer salmo não é,
nem pode ser fechada de acordo com limites preestabelecidos pela crítica das formas
(ALTER; In: ALTER; KERMODE; 1997, p.268-270). Torna-se impraticável analisar
qualquer salmo se não percebemos certa autonomia na maneira pela qual o seu gênero se
apresenta. Em outras palavras, a estrutura dos salmos de lamentação nos ajuda a perceber
elementos constitutivos, similares e correspondentes.
Utilizaremos a divisão tríplice para melhor finalidade didática, abrangendo a maior
parte dos elementos constitutivos dentro de cada parte de um salmo de lamentação.
Conquanto, entendemos que tal divisão e elementos são próximos tanto das lamentações
individuais quanto das coletivas ou nacionais.
4.1.4.1 Introduçao ou invocação
A introdução é a primeira parte da lamentação. É o momento de invocação do nome de
Yhwh. Normalmente tal invocação é feita de modo direto e pessoal. Wolff entende que o
nome de Yhwh deve ser a primeira palavra do lamento (2003, p.127). A forma utilizada para
invocar no hebraico é o vocativo. Assim se apresentam a maioria das invocações dos salmos
de lamentação: ―Ó, Yhwh!‖. E por vezes, a invocação é acompanhada de um verbo no
imperativo: ―Ó, Yhwh, ouve!‖. Outros verbos: ―apresse‖, ―ouve‖, ―acorde‖, ―responde‖,
―volte‖, etc. Os verbos no imperativo sempre são direcionados ao ―tu‖.
O nome de Deus usado para invoca-lo nas lamentações é o mesmo relacionado com a
revelação do nome divino ―no ato cúltico da teofania‖ (WEISER, 1994, p.49), ou seja, o
tetragrama sublime anunciado no livro do Êxodo. É comum o nome de Deus ser apresentado
repetida vezes, tanto em paralelismo quanto em repetições poéticas mais complexas, onde o
nome divino se encontra, por vezes, adornado de epítetos. Junto ao nome de Yhwh lembra-se
de seus atos salvíficos do passado.
Günkel afirma que a clareza com que o salmista expressa o nome de Yhwh é uma
contínua caracterização de sua divindade em detrimento dos deuses dos povos vizinhos (1993,
111
p.139). A lamentação demonstra qual é a divindade a quem se ora e o caráter pessoal dela.
Portanto, é comum a lamentação apresentar o nome de Yhwh tanto na introdução quanto por
todo o seu desenvolvimento: Deus presta atenção nas palavras do seu povo, ou ainda, das
pessoas que compõe seu povo. Deus é apresentado em linguagem antropomórfica, isto é, em
formas humanas, característico também ao longo dos textos de lamentação.
A introdução da lamentação é, sobretudo, um grito de socorro direcionado a divindade
dos antigos hebreus. É seguido à invocação um pedido de socorro. O lamento é expresso em
linguagem dramática, provavelmente dramatizada quando realizada em atividades cultuais.
Nos chama a atenção que os salmistas se achegam a Yhwh em oração, na lamentação, prontos
para censurá-lo e coibir as ações realizadas por ele (SELLIN; FOHRER; 2007, p.368). O
salmista utiliza imagens e ilustrações, por vezes comparações, do poder divino, a fim de
lembrar o próprio Yhwh de seu poder.
Podemos incluir na introdução da lamentação perguntas que o salmista faz a Yhwh
sobre sua sorte: ―por que?‖ e ―até quando?‖ são comuns. Os lamentos estão vinculados a tais
perguntas retoricas que se faz em busca de uma resposta para o caos existencial. Algumas
perguntas chegam a possuir uma tonalidade acusatória contra a própria divindade a quem se
dirige a oração. Após a invocação é possível encontrar uma pequena autodescrição do aflito
(KRAUS, 1992, p.71,72). Ele descreve a si mesmo como ―pobre‖, dentre outros sinônimos.
Na aflição do salmista, Yhwh é o ―tu‖ a quem se ora, mas na confiança torna-se o ―ele‖
a quem se proclama ao final do salmo. Segundo Sellin-Fohrer, em algumas ocasiões o salmo
de lamentação pode começar com um cântico de confiança (SELLIN; FOHRER; 2007,
p.173).
4.1.4.2 Desenvolvimento ou súplica
O desenvolvimento da lamentação envolve a súplica como um todo. Podemos chamar
de o lamento em si. Kraus prefere identificar como cânticos de oração, ao invés de
lamentação. Esta é a sessão principal da lamentação e incluí vários elementos em conjunto e
por vezes justapostos. Nem sempre há a presença de todos. Mas, certamente, um ou outro
elemento se apresenta na lamentação. Segundo Wolff, podem ser orações longas, onde se
descreve o sofrimento quase que em termos narrativos (2003, p.127).
112
O estilo em que esta parte central da lamentação é desenvolvida é hiperbólico. Ou seja,
é escrito de forma exagerada e dramática. Nem sempre corresponde a um fato em si ou
alguma narrativa. Daí a dificuldade de determinar o Sitz im Leben das lamentações. Von Rad
é por genérico quando afirma que o Sitz im Leben dos salmos, especialmente os de
lamentação, é o coração humano. Certamente, cada salmo de lamentação foi construído para e
a partir de uma realidade, porém, é descrito de forma abrangente, simbólica e em imagens
comuns aos lamentadores.
A hipérbole foi o estilo em que os escritores puderam melhor adequar esses textos. É
provável que assim o fizeram para dar aos cânticos um caráter atemporal, não localizado a
uma situação especifica, mas incluí-lo nas várias e repetidas situações que exigiam a
linguagem de lamentação na vida dos israelitas.
A lamentação pode atestar a presença entre a introdução/invocação e o lamento em si
de uma transição. Para Westermann, essa transição é fundamental na classificação de um
lamento. Ela tem o objetivo de demonstrar que o lamento se trata de uma oração a Deus. Por
isso, o salmo de lamentação encerra-se normalmente com o voto de louvor, que abrange outra
transição importante na estrutura. A transição da introdução para o lamento e do lamento para
o louvor marca o gênero literário da lamentação nos salmos (1965, p.267). É na transição que
o salmista ou cantor oficial declaram que vão ―derramar‖ sua alma a Deus. Em outras
palavras, a transição é que dá ligação entre a invocação, o lamento em si e o agradecimento ou
voto de louvor durante todo o salmo.
É comum as lamentações apresentarem as narrativas dos infortúnios. Dentre elas
alternam-se diversos motivos que levaram o aflito a queixar-se a Yhwh. O sofredor narra o as
suas desgraças da forma mais ―negra‖ que puder (BENTZEN, 1968, p.174). As petições dos
salmistas são ―apaixonadas‖, isto é, acaloradas, passionais e por vezes cheia de ira e vingança.
Segundo Kraus, este é o momento principal do centro da lamentação: o retrato da situação
desgraçada que o salmista experimenta. Pode ser uma doença, um problema jurídico, uma
acusação falsa, perseguição de inimigos reais ou imaginários, o sentimento de abandono da
parte de Deus e dos amigos, sentimento de culpa pelo pecado cometido (KRAUS, 1993,
p.72). Em outras palavras, é o perigo de morte que leva o salmista à súplica (SABOURIN,
1970, p.216).
Entremeios a desgraça narrada ou inferida, o salmista decididamente suplica. A
súplica dirigida a Yhwh tem a finalidade de encontrar sua clemencia e misericórdia. A
lamentação é o último recurso que o israelita possuía diante das dores e malefícios da vida. A
súplica é permeada de queixas. As perguntas retóricas podem encontrar espaço neste
113
momento também. A súplica, de modo geral, é um apelo ao Senhor realizado por alguém que
se sente no submundo ou à beira da morte (BENTZEN, 1968, p.174).
O lamentador lança impropérios aos seus inimigos neste ponto, pois se sente
injustiçado. O sentimento de injustiça é tema central nos salmos de lamentação. Na concepção
do salmista os injustos não podem prevalecer. Esses impropérios podem se tornar na
linguagem de lamentação em maldições ou imprecações contra os inimigos. O salmista deixa
claro neste elemento o desejo que Yhwh se vingue dos seus inimigos, que haja uma retribuição
do mal que lhes fizeram. É comum o lamentador fazer um protesto a sua inocência.
As lamentações apresentam os motivos pelos quais Yhwh deve socorrer o aflito. Yhwh
deve socorrer alguém porque é soberano e o sofredor depende inteiramente dele (BENTZEN;
1968, p.174); porque Yhwh deve preservar sua honra, ou seja, quando alguém calunia ou
prevalece contra o povo de Deus, o nome de Yhwh é envergonhado (1968, p.174); é Yhwh que
examina a consciência de quem ora e dos inimigos (WEISER, 1994, p.51); Yhwh é lembrado
do Êxodo do Egito como padrão de sua libertação; porque não será possível o sofredor louvar
a Deus e testemunhar seus grandes feitos na assembleia dos justos se estiver no sepulcro.
Sellin e Fohrer resumem o que podemos encontrar no lamento em si, dentro da
estrutura de um salmo de lamentação:
[...] a narrativa do infortúnio, em forma de queixa (enfermidade, acusação
em juízo, abandono por parte de Deus etc.) e entremeada de perguntas a
respeito do por que e do por quanto tempo, e de acusações contra os
inimigos reais ou supostos; os pedidos dirigidos a Deus para que se volte,
propício, e preste socorro, talvez ligados a desejos ou a maldições; a
indicação dos motivos que devem levar Javé a intervir (recordação de ajudas
antigas: apelo à honra de Javé, perigo de perder um adorador por morte
deste), e também protestos de inocência e o tema da confiança; a promessa
de um sacrifício ou de um cântico de ação de graças, que aparece às vezes
inclusive no fim da lamentação (2007, p.368).
Contudo, Westermann ressalta que a petição não é o centro da lamentação. Para ele, a
lamentação não tem sentido em si mesma. Portanto, ela não deve ser retirada de seu contexto
teológico e analisada simplesmente em termos de gênero. Pois, a lamentação dirige a atenção
de quem ora a Deus na expectativa da salvação ou livramento. O essencial da lamentação,
geralmente representada no corpo da lamentação ou no desenvolvimento do lamento em si, é
alcançar a compaixão de Deus através destes recursos retóricos, psicológicos, litúrgicos e
teológicos que o salmista recorre (1965, p.265,266).
O lamento em si é quando o salmista implora com todas as suas possibilidades que
Yhwh seja compassivo com seu sofrimento.
114
4.1.4.3 Conclusão ou voto de louvor
Em geral, a conclusão ou encerramento do salmo de lamentação é ―a expressão da
certeza de que será atendido, ou o agradecimento dirigido a Javé‖ (SELLIN; FOHRER; 2007,
p.368). Há uma transição entre a queixa e este ponto. Os estudiosos verificam uma serie de
diversidade de elementos que constituem a conclusão da lamentação. Pode concluir a
lamentação: o voto, o agradecimento, o louvor, o louvor antecipado e a declaração de
confiança.
Para Bentzen, o voto ―geralmente se refere à intenção do sofredor de louvar a Javé, seu
poder e sua glória, perante a congregação, na ‗grande congregação‘, e até mesmo diante de
todos os homens, de todo o mundo‖ (1968, p.173). O voto promete um sacrifício de ação de
graças. O voto se assemelha ao agradecimento e ao hino. Interessante é a expressão do voto
de louvor do Salmo 51: o salmista tem consciência que o sacrifício de animais não basta para
Yhwh, uma vez que se trata de um ritual simbólico, ele propõe entregar a si mesmo como um
sacrifício, isto é, seu coração quebrantado e contrito.
Estes votos de louvor são considerados por alguns estudiosos como poemas
independentes das lamentações. Acreditam que foram incorporados ao fim ou no decorrer dos
lamentos depois da situação de lamentação em si. Em outras palavras, seriam salmos de ação
de graças acoplados aos de lamentação na forma final do saltério. Neste ponto debatem os
estudiosos se este elemento final do salmo estaria vinculado ao oráculo do templo, isto é, o
momento posterior da lamentação do sofredor em que o líder oficial do culto proferia um
oráculo divino em resposta à oração. Seriam oráculos cúlticos (BENTZEN, 1968, p.175,176).
Por vezes, os motivos de ―confiança‖ que destacamos como parte do corpo da
lamentação podem estar presentes na conclusão. Alguns estudiosos tratam desta parte como
sendo um gênero ou textos independentes da lamentação. Estes seriam os hinos e os cânticos
de gratidão que foram acoplados nas lamentações, mas que originalmente eram textos
distintos (WOLFF, 2003, p.125-127).
O encerramento da lamentação pode conter uma benção que renova a confiança do
salmista. A declaração de confiança em Yhwh é resultado da certeza de que a prece será
ouvida. Por isso, a presença da maldição no encerramento do salmo de Jeremias do capítulo
115
20 pode deixar o interprete confuso quando a configuração do gênero. Contudo, o que a
perícope de Jeremias capítulo 20 quer apresentar é o cumulo da desesperança, uma vez que o
contexto demonstra a impossibilidade de bênçãos e louvor devido a situação caracterizada
pela narrativa do livro do profeta.
A apresentação de um louvor antecipado, ou seja, antes do recebimento da libertação
almejada poderia servir como recurso de incentivo a Yhwh para que apresse a resposta à
oração. Quem ora quer fazer valer a sua causa porque se encontra debaixo das bênçãos da
aliança, principalmente, se sua lamentação é de inocência, ao contrário da penitência
(KRAUS, 1993, p.72). O voto de louvor antecipado também caracteriza a confiança de que o
salmista será escutado. Mas ainda há variações de opinião quanto ao debate do assunto148
.
A sessão final do salmo de lamentação demonstra Deus como o ―ele‖ a quem se
proclama e louva pelas respostas da oração. Louvor, confiança e alegria são marcos deste
momento no gênero. Tais cânticos seguem os modelos dos hinos e dos vaticínios dos profetas.
Aqui é o momento de descrever a derrota e humilhação que os inimigos sofreram ou sofrerão
por terem abusado do justo de Deus. Lembramos mais uma vez da importância que
Westermann dá para a transição do lamento para o louvor: do desespero à confiança, da
dúvida à certeza.
4.2 A SITUAÇÃO VIVENCIAL DOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO
O contexto no qual os salmos de lamentação foram compostos é muito importante para
sua interpretação. A criação de um salmo responde a uma situação ou a uma necessidade
existencial particular. O mesmo gênero literário pode ser constante na literatura hebraica, mas
nem sempre está vinculado a épocas próximas e coincidentes, ainda que o uso do gênero se
aplique em situações análogas (MAINVILLE, 1999, p.91).
Com a análise do Sitz im Leben de um salmo, nós procuramos identificar o ambiente
vital ou a experiência que deu origem a tal escrito em seu gênero particular. Nem sempre é
possível fixar uma data ou estabelecer um contexto histórico claro para elucidar o papel que o
salmo desempenhou. Certamente, os poemas de Israel estão envolvidos com a vida humana.
A vida que se desenrola no âmbito da história e, no contexto religioso de Israel, na história da
148 Consultar: WOLFF, Hans W. Bíblia, Antigo Testamento: Introdução aos Escritos e aos Métodos de Estudo. 3ª.ed. São
Paulo: Editora Teológica, 2003, p.128,129.
116
salvação é o palco onde os personagens estabelecem suas relações; e de onde derivam nossos
textos.
A pesquisa atual se beneficiou das descobertas das poesias babilônicas e assírias para
estudos comparativos das prováveis situações vivenciais dos salmos bíblicos. Ou seja, a
poesia extra bíblica auxilia na localização histórica, sociológica e composicional das
lamentações. A verificação da estrutura interna das lamentações e o reconhecimento de seu
gênero preponderante são tarefas imprescindíveis para investigação do contexto vital.
De fato, os estudos do gênero literário de lamentação localizam os modos, costumes,
instituições, princípios e experiências que caracterizaram o ambiente no qual as pessoas
lamentavam (OSBORNE, 2009, p.198,199).
4.2.1 Contexto social das lamentações
As matrizes sociais e históricas mais específicas dos salmos de lamentação são
melhores discutidas em relação aos textos específicos, isto é, na verificação e análise do seu
Sitz im Leben particular. Os estudos recentes da área pressupõe que os salmos não são
originados da manifestação da religião privada de um individuo introvertido, mas da
experiência comunitária dos cultos de Israel. A religião da antiguidade não concebe a vida
religiosa privada, apenas coletivamente. Em Israel, não há dissociação da vida do culto, nem
uma vida independente da assembleia sagrada (WEISER, 1994, p.54).
A vida religiosa devocional, centrada no indivíduo, é posterior à queda das instituições
religiosas de Israel; muito bem localizada junto à ocasião da destruição do templo de
Jerusalém, nos círculos da religião oficial. Talvez seja por este motivo que o saltério
(compilado pelos escribas pós-exílicos) testemunhe a presença de salmos de lamentação
individual em maioria que os nacionais ou comunitários. A religiosidade israelita nas aldeias e
campo talvez não tenha sofrido tantas mudanças desde a centralização do culto em Jerusalém
até sua destruição em 586.
Quando tratamos da questão do contexto social de maneira indutiva nos salmos
especificamente, é claro que precisamos estabelecer alguns pressupostos comuns.
Em primeiro lugar, não há qualquer base para dizer que os salmos de lamentação
tenham sido produzidos num único evento; é desorientador falar de um movimento único de
117
produção dos salmos de lamentação. Em segundo lugar, há grupos de textos que pertencem a
uma tradição comum, por vezes, atrelado ao seu gênero preponderante149
. Nesse caso
podemos pressupor alguma continuidade histórica e social por parte de autores. Perguntamo-
nos aqui a hipótese se os salmos embutidos no livro de Jeremias chamados ―confissões‖
façam parte desta linha. Em terceiro lugar, não é evidente a presença de um círculo comum
em outros salmos. A proximidade que existe entre eles é verificada pela forma do gênero.
A tese mais aceita e difundida é que os salmos retratam a literatura litúrgica de Israel.
Por certo, sua origem, linguagem e uso são relacionados com o culto. O saltério serviu a
necessidade que o povo de Israel tinha ao reajustar suas convicções religiosas e tradições
proféticas, litúrgicas e sapienciais na volta do exílio. Ele retrata tradições cúlticas anteriores a
sua compilação e reforçam a concepção que tinham do seu Deus libertador em circunstâncias
tensas que Israel passou ao longo de sua história. Porém, tal afirmação não pode ser levado a
cabo como a única alternativa de formação, ainda que seja difícil reconhecer claramente
outras.
Devemos considerar também que a literatura cúltica de Israel nascia de acordo com as
necessidades da vida em comum. A religião e a teologia serviam a vida e os dilemas
cotidianos da sociedade. O contexto social mais provável é, sem dúvida, o culto, porém, a
possibilidade de que houvesse poetas e profetas que originaram salmos para uso privado não
pode ser descartada.
4.2.1.1 Contexto cúltico
Os cultos e seus rituais eram o meio do indivíduo e sua comunidade acessarem a
divindade no antigo Israel. Era nos encontros religiosos regulares que se poderiam expressar
as angústias que assolavam os indivíduos e as nações. As festividades e conclamações
nacionais também levavam o povo, em conjuntura nacional e corporativa, estarem atentos ao
bem estar da nação como um todo.
149 Por exemplo: salmos de claro uso litúrgico cujos títulos remetem a procedimentos culticos, salmos de Davi, salmos dos
filhos de Coré, salmos de Asafe, salmos atribuídos a outros personagens como Salomão, Moisés e outros, salmos com o
nome ―elohim‖ característico, coleções de salmos cuja palavra chave é ―hallels‖, coleção de salmos de peregrinação, salmos
de lamentação individual. BRIDGES, Charles A., A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Psalms. Edinburg:
T. & T. Clark, 1909 (The International Critical Commentary), p.xlviii-lxxxix.
118
Essa prática regular de realizar rituais sagrados por Israel é tida pelos pesquisadores
como influência do sistema cúltico de Canaã, que por sua vez recebeu influencia babilônicas e
assírias.
A festa de ano novo celebrada pelos babilônicos pedia que o rei ou outro oficial
dramatizasse a morte e o renascimento da criação numa cerimonia de cânticos de lamentação;
simbolicamente, tal rei defendia seu povo do mal e assegurava o bem estar geral para o
próximo ano. Outro exemplo é o das lamentações pelas cidades destruídas, onde havia um
ritual de reassentamento dos grupos fugitivos que traziam consigo suas imagens e artefatos
religiosos e representam outro tipo de ritual de procissão na qual a lamentação era praticada.
Ainda temos os cultos fúnebres, onde eram entoadas lamentações; tais cultos, supostamente
derivados de um culto aos mortos em épocas mais remotas na Mesopotâmia.
As influências de onde Israel incorporou a prática de lamentar e o gênero da
lamentação veio principalmente da Babilônia, mediada pela religião canaanita e, certamente,
os cultos do antigo Israel absorveram traços da religião ao seu redor. Ainda assim, as
experiências que Israel teve ao longo de sua trajetória permitiu uma série de adequações e
ressignificações dos estilos e gêneros cultuais, litúrgicos e literários comuns ao lugar onde se
fixara como nação.
O culto de Israel era a ocasião apropriada para pedir ajuda a Yhwh. Para os que atrelam
a situação vivencial das lamentações e outros salmos ao culto, o culto é ―a visível e audível
expressão da relação entre a congregação e sua divindade‖ (MOWINCKEL, 1967, p.15). O
culto israelita dramatiza em seus rituais o universo simbólico que dá sentido à religião do
antigo Israel. Havia um valor ―sacramental‖ em ver, ouvir e recitar fórmulas no culto.
Devido ao papel central que o culto assumia na religião antiga, os estudiosos se
empenharam em compreender o fenômeno cúltico do antigo Israel para correlacionar os
salmos e seus gêneros literários a este fenômeno. Bentzen afirma que a ocasião das
lamentações nacionais era o culto penitencial, mas admite que pudesse existir um elemento
penitencial nas principais festas de Israel (1968, p.163).
Mowinckel é peremptório ao afirmar que todos os salmos tiveram sua origem no culto
e que é praticamente impossível qualquer relação com indivíduos e poemas privados; o
estudioso sinaliza que o ―eu‖ nos salmos se trata da personificação da assembleia. Mais tarde
ele admite que no desenvolvimento da religião de Israel posterior ao pós-exílio os salmos
foram destituídos de seu lugar genuíno e utilizado por indivíduos para devoção privada (1967,
p.23,30).
119
As hipóteses representativas para o Sitz im Leben das lamentações no culto do antigo
Israel são:
Günkel sinalizou que os salmos de lamentação teriam seu Sitz im Lebem nos cultos de
Israel, num momento apropriado para queixar-se e agradecer; ele sugere que os hinos ou
salmos de confiança alocados às lamentações poderia ser uma resposta ao oraculo divino feito
em resposta às queixas, dentro da liturgia do culto; afirma que o caráter generalista dos
salmos de lamentação só se pode explicar devido seu contexto cultual.
Mowinckel ampliou a ideia de Günkel e disse ser a festa dos Tabernáculos a ocasião
onde se podiam entoar as lamentações nacionais; essa festa de ―ano novo‖ estaria
correlacionada com a festa do ano novo dos babilônicos, onde haveria uma lamentação ritual
que chorava a narração javística da Criação e da Queda; os salmos de lamentação individuais
estariam vinculados aos rituais de cura e magia dos santuários locais de Israel.
Gerstenberger propôs que os salmos tiveram origem nos grupos primários de Israel e
apresenta a ideia de que eles serviram os clãs nos dias de sofrimento, enfermidade e angústias
quando estes se voltavam para a liturgia especifica ministrada por um liturgo, por vezes, o
liturgo era um sacerdote, levita ou profeta itinerante; porém, sua hipótese é voltada para uma
espécie de religião comunitária mais privativa e familiar, pois, até mesmo as lamentações
individuais incluíam a participação de familiares.
A festa da Aliança desenvolvida por Weiser não foi amplamente aceita, inclusive, por
não conseguir maiores detalhes na reconstrução desta festa, onde sua ideia parece uma leitura
hermenêutica dos salmos sob ponto de vista da teologia da Aliança. Outra ideia não difundida
foi a de Johnson (1967) e Eaton (1876) que previam um ritual de renovação anual de
soberania terrena do rei; tal teoria atribuí a maioria das lamentações ao rei, aviltado por seus
inimigos e cujo livramento está nas mãos de Yhwh.
Sellin e Fohrer (2007) têm como garantido o Sitz im Leben dos salmos de lamentação
o fenômeno cúltico em Israel; admitem, porém, que não se podem restringir as lamentações a
um culto apenas, mas a diversos tipos de celebrações cultuais – que incluí as celebrações mais
familiares e individuais.
Os salmos de lamentação, portanto, são cânticos religiosos e cultuais; isto é, conforme
Bentzen afirmou são ―poesia indubitavelmente religiosa‖ (BENTZEN, 1968, p.117-271). Mas
não necessariamente no culto oficial e centralizado em Jerusalém. As hipóteses de que se
realizavam lamentações com uso cultual em santuários locais antes da unificação em
Jerusalém são bem plausíveis. A vinculação com o culto nacional de Israel é certa. A
120
discussão tramita em torno da viabilidade ou não de tais poesias envolverem o indivíduo em
suas orações e devoções privadas.
Portanto, para chegar ao Sitz im Leben das lamentações o caminho da origem cúltica
dos salmos é um bom começo. A história das tradições auxilia muito a pesquisa do ambiente
vivencial, bem como a percepção da distinção entre a origem da lamentação e sua posterior
compilação pós-exílica no saltério, respeitando a evolução do pensamento e procedimento
religioso do antigo Israel.
4.2.1.2 Orações privadas
Sellin e Fohrer (2007) têm como garantido o Sitz im Leben dos salmos de lamentação
o culto em Israel. Mas admitem que não se possam restringir as lamentações ao fenômeno
cúltico apenas. Israel não possuí apenas um culto abrangente para toda a nação. Podemos
considerar a existência de diversos tipos de cultos, inclusive, concordando com as hipóteses
de Gerstenberger, onde se cultuavam nos pequenos grupos, aldeias e clãs de Israel.
Também não se pode pensar, conforme nos indica Sellin e Fohrer em uma vinculação
dos salmos permanentemente aos cultos. Certamente, houve um momento em que se tornaram
autônomos. ―A utilização da tese cultual como critério único de explicação é unilateral e
exorbitante porque equipara falsamente religião e culto‖ (BENTZEN, 1968, p.117-271). É
como se ao longo dos anos os formulários cultuais começassem a ser remodelados dentro dos
mesmos padrões por indivíduos piedosos que levavam a sério sua relação com Yhwh fora dos
limites das instituições religiosas. ―As formulas de lamento oferecem ao ferido e ao
desesperado um caminho de esperança baseada nas experiências de Israel‖ (WOLFF, 2003,
p.128).
Günkel admite que no início da religião de Israel as lamentações eram de pouca
expressão individual, mas aos poucos foram ganhando espaço entre indivíduos piedosos que
queriam expressar sua intimidade com Deus por meio de salmos e poemas já preestabelecidos
outrora nos cultos. Por isso, os poemas que recebemos na Bíblia Hebraica são dotados de
tonalidade pessoal intensa, quase em sua maioria150
.
150 Günkel alista três fases de desenvolvimento dos poemas de Israel do sistema cúltico comunitário para a devoção pessoal.
A primeira fase é marcada pelos indivíduos que intentaram expressar sua religiosidade com os salmos preestabelecidos no
culto, porém, de forma privada. A segunda fase, é marcada pela mescla de gêneros que tais indivíduos realizaram conforme
as necessidades de sua devoção: isso possibilitou variações de expressões para qualquer estado de ânimo e necessidade do
121
O indivíduo encontra apoio na experiência religiosa de todo o Israel (WOLFF, 2003,
p.127). Mas pode buscar confiança em Yhwh em suas próprias experiências. Cada sofredor
incluí no lamento as misérias que assolam sua vida. Sua perspectiva é turva dos fatos em si,
pois estão restritas à sua própria condição de sofrimento. Segundo Westermann, ―a prece
estruturada dos Salmos, em nenhum momento perdeu o contato com a oração espontânea
nascida diretamente da vida. Os dois gêneros principais dos salmos de louvor e de lamentação
representam reações elementares que mais agita o homem‖ (2005, p.176).
Ballarini e Reali compreendem que em vários salmos o orador exprime seus próprios
sentimentos (mesmo que às vezes esse orador seja um representante da nação) e que os
salmos de lamentação que temos à disposição respondem às situações dos suplicantes de
modo mais ou menos preciso, com ―fórmulas polivalentes e diversamente aplicáveis‖. Os
autores até sugerem que essas orações privadas de lamentação teriam sido compostas por
refugiados no templo, a espera de seu justo julgamento por algum ato cometido (1985, p.66-
70).
Para Günkel quem lamenta é o individuo concreto (KRAUS, 1993, p.58). Para
Gerstenberger, haja vista que a linguagem de lamentação individual estava arraigada à
comunidade e servia ao indivíduo dentro dela. Mowinckel (1967) nega absolutamente que
sejam possíveis as poesias privadas, isto é, as lamentações praticadas por indivíduos
desvinculados dos cultos. Segundo ele, a matriz dos salmos é o culto. Sabemos, porém, que
houve certa adaptação dos salmos originalmente vinculados aos cultos por indivíduos
piedosos. A obra The Interpreter‟s Bible advoga ser possível que alguns salmos tenham sido
compostos por indivíduos e poetas e que posteriormente vieram a compor a salmodia de Israel
(BUTTRICK, 1955, p.6). Os estudiosos atribuem o uso pessoal e privado dos salmos num
período do judaísmo tardio; os salmos privados seriam a minoria do saltério para estes
pesquisadores (SABOURIN, 1970, p.35).
Günkel assume que as lamentações são orações. Isto nos obriga a considerar a
possibilidade de que os escritores hebreus registraram suas orações, seja de forma explicita ou
não (1993, p.22). Tal tarefa não nos parece estranha. Afinal, a oração é uma experiência
universal do ser humano. É na oração que o ser humano faz referencia ao Outro, ao divino, a
Deus. Orar significa reconhecer sua própria incapacidade diante das demandas da existência,
comum às pessoas do antigo Oriente Próximo. A oração leva o orante à outra realidade a ser
indivíduo. A terceira fase é marcada mais pela razão e intelectuação dos poemas privados do que a passionalidade da devoção
espontânea. Seria nesta terceira fase que surgiram as coleções de salmos e poemas de Israel. É possível estabelecer o
nascimento do saltério nesta fase. Conforme: GÜNKEL, Hermann. Introducción a los Salmos. Valencia: Edicep, 1993, p.39-
43.
122
experimentada, lhe possibilita um novo significado quando se encontra com o sagrado. Tal
experiência e necessidade faz parte do que chamamos nesta dissertação de homo religiosus
(TERRIN, 2003, p.107,108).
Do ponto de vista fenomenológico, a oração é uma expressão do ser religioso. O
sentimento religioso é inato e específico. A oração intencional de invocação do divino atesta a
consciência que o orante tem de sua existência e finitude. Todas as religiões, de uma forma ou
de outra, atestam a prática da oração. Para os hebreus, a lamentação e o louvor se tratam de
um tipo de oração bastante comum na Bíblia Hebraica. A oração de lamentação representa a
súplica que o ser humano realiza em prol de suas necessidades (TERRIN, 2003, p.107-122).
Segundo Terrin (2003), a oração é o elemento fundamental de conexão em todas as
religiões, mesmo que de formatos diferentes. Não seria diferente na religião do antigo Israel.
Portanto, limitar as orações de Israel ao âmbito do culto pode ser uma imprudência diante de
um fenômeno universal que envolve o homo religiosus. Os personagens bíblicos
caracterizados em tradições mais antigas são descritos como pessoas que oram a Deus.
Portanto, a Bíblia reconhece que o ser humano necessita de um relacionamento com Deus no
qual a oração assume papel de representatividade em resposta à consciência do ser humano às
ações e iniciativas da divindade (WESTERMANN, 2005, p.222-225).
4.2.2 Contexto composicional e autoria
O saltério é resultado de um processo longo na história da religião de Israel e se baseia
em tradições e coleções anteriores a ele (RENDTORF, 1988, p.33). Em outras palavras, o
saltério possuí materiais muito antigos e outros mais modernos, todos arranjados num mesmo
corpo. Bridges apoia a ideia de longa formação dos salmos, desde o período de Davi até os
macabeus e localiza o final da compilação do saltério por volta do século II já no período
helenístico (1909, p.xlviii-lxxxix). Portanto, é muito difícil fixar uma data segura para a
origem de cada um dos salmos. Determinar o contexto social e histórico de um salmo não é
tarefa fácil e seu resultado, por vezes, será incerto (ANDERSON, In: CLEMENTS, 1981,
p.275).
O leitor dos salmos é aparentemente bem informado quanto aos seus autores. Os
salmos são atribuídos a Davi, a Salomão, a Moisés, a Asaph, aos filhos de Coré, a Hemã e
123
Etã. Weiser fala da presença destes nomes no início dos salmos como epígrafes (1994, p.63).
No entanto, um exame mais minucioso concluirá que esses salmos não foram compostos por
Davi e nem outro personagem a quais são atribuídos. É de supor que essas epígrafes não
descrevam autores, afinal, a preposição l (le) no início dos nomes pode ter outras
interpretações, como ―para Davi‖ ou ―à moda de Davi‖. Porém, tal preposição não é tão obvia
do ponto de vista litúrgico dos salmos. Weiser ainda supõe que a preposição l (le) designe
Davi como ―o ancestral portador das promessas de salvação‖ ou ainda que tal salmo ―foi
destinado para a recitação conforme...‖151
.
Neste ponto é preciso ter em mente que saltério é fruto de uma evolução histórica. Ele
não é fruto de um único ato de coleção nem de composição152
. Briggs acentua que na
formação do saltério temos em média dez séculos de crescimento que vai desde a época de
Davi até o período dos Macabeus, passando pelo período dos Persas e Gregos até seu arranjo
e edição final na metade do segundo século153
.
O saltério é um fenômeno de escribas, ou seja, um produto da atividade erudita
(minuciosa), em vez de popular e das classes menos favorecidas. É fruto de intensa reflexão
teológica. Corresponde a literatura de Israel, por certo, mais prodigiosa. Tal literatura
incorpora diversas tradições antigas e recentes amalgamadas entre si para formar um corpo
literário coeso. Contudo, tais unidades literárias possuem uma heterogeneidade que lhe
confere autenticidade e dinamizava a experiência religiosa de Israel.
Portanto, é árdua tarefa para o pesquisador identificar a autoria de um salmo154
.
Podemos falar em salmos anônimos e salmos com pseudônimos, frequentemente identificados
com ícones da tradição e da religião como Davi, Moisés, Jeremias, etc155
. O fenômeno da
151 Weiser está baseando-se nas descobertas e evidencias dos escritos de Ras-Shamra. Elas mostram que muito da fraseologia
do saltério é corrente na Palestina ao longo de vários anos e posterior aos profetas. Mesmo assim, os critérios a serem
observados no exame literário são delicados. Consulte: DAHOOD, anchor bible, p.xviii-xliii. 152 Consultar: DAHOOD, Mitchell. Psalms I: 1-50. Garden City: Doubleday, 1965 (The Anchor Bible, v.16); BRIGGS,
Charles A. A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Psalms. v.2. New York: Charles Scribner's Sons, 1907 (The
International Critical Commentary); ACKROYD, Peter. Doors of Perception: A guide to leading the Psalms. London: SCM
Press, 1978; BRUEGGEMAN, Walter. The Message of Psalms. Minneapolis: Fortres Press, 1985; GERSTENBERGER,
Erhard. Psalms: Part 1: With An Introduction to Cultic Poetry. Michigan: Eardmans Publishing, 1991 (The Forms of the Old
Testament Literature, v.14); KIRKPATRICK, A.F. The book of Psalms. 1ªed. Cambridge: Cambridge University Press, 1957;
TERRIEN, Samuel. The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary. Michigan: Eardmans Publishing, 2003. 153 Os períodos indicados por Briggs (1907) para origem dos salmos são: antiga monarquia, média monarquia, monarquia
tardia, exílio, período Persa intermediário, período Persa tardio, período Grego intermediário e tardio, período dos macabeus,
final da coleção e divisão em cinco livros. O quadro demonstrativo das páginas xc-xci relacionam os salmos com os períodos
e é útil para análises, consultas e posteriores pesquisas, apesar de ser um material bastante antigo na história da pesquisa. 154 Consultar: MILLARD, Alan. ―Authors, Books, and Readers in the Ancient World‖. In: ROGERSON, John William &
LIEU, Judith M. The Oxford Handbook of Biblical Studies. New York: Oxford University Press, 2006, p.544-564. 155 Günkel se pergunta o porquê dos salmos não se referirem de modo pessoal a algum personagem citado por seu nome.
Para ele, a ideia dos salmos serem produto da piedade pessoal é tardio à composição dos salmos. Segundo ele, a falta de
clareza na autoria dos salmos reforça seu argumento de que eles nasceram em contexto cultual e não privado. GÜNKEL,
Hermann. Introducción a los Salmos. Valencia: Edicep, 1993. p.25.
124
pseudonímia era bastante difundido na época do pós-exílio tardio, principalmente na era
helenística, que testemunhou a chegada da literatura apocalíptica (METZGER, 1972, p.3-24).
Alguns estudiosos procuram explicar a pseudonímia dos salmos devido ao declínio da
literatura profética de Israel (época da oficialização dos livros poéticos ou Escritos)156
.
Mesmo assim, os salmos procuram reconhecer e venerar os feitos e personagens do passado.
Seria este o caso da inclusão de salmos nos livros dos profetas de Israel. Mas, apesar de outros
motivos que possam ser apontados para justificar a pseudonímia, o motivo fundamental é a
reivindicação de autoridade. Não há duvidas que um pseudônimo como Moisés, Davi ou
Jeremias agregaria autoridade, principalmente na época de reformulação da fé israelita
posterior ao exílio, em Judá (CHARLES, 1913, p.ix).
Os salmos de lamentação são bastante parecidos entre si em termos em estrutura,
imagens, símbolos e conteúdos. É bastante difícil delimitar, pois, uma data fixa para um
salmo desse gênero157
. As tentativas de localizar seu desenvolvimento na história da religião
de Israel é, pois, uma hipótese158
. Porém, há hipóteses plausíveis e mais bem argumentadas
que outras.
Conquanto, os salmos bíblicos estão atrelados com a história da religião de Israel,
Kraus apresenta algumas diretrizes equilibradas para descoberta da data, situação vivencial e
provável autoria dos salmos, que bem se aplicam na investigação das lamentações:
Poderíamos nos perguntar acerca da época dos salmos, fixando-nos
especialmente em sua linguagem e estilo; certos temas, grupos de conceitos
e formas de expressão proporcionam também chaves para datar os salmos
[...] Poderíamos tratar de fixar o período a que pertencem os salmos. O culto
também tem a sua história. A história do culto permite tirarmos conclusões
sobre o período a que se deve ser atribuídas o cântico cúltico de que se trata
[...] Muitos salmos fazem referencia a acontecimentos históricos mais
antigos. O estudo da história das tradições está encarregado de investigar a
natureza destas adaptações, recitações ou mencionar ainda que breve as
tradições históricas ou da história da salvação [...] Em casos particulares, a
referencia dos salmos a história de Israel é direta. Sobretudo, os ―cânticos de
oração da comunidade‖ [chamamos aqui de lamentos nacionais], que
aparecem em um tempo determinado de desgraças, se referem diretamente a
uma situação histórica (1993, p.95).
156 CHARLES, R.H. The Apocypha and Pseudepigrapha of the Old Testament. v.2. Oxford: Clarendon, 1913, p.ix. 157 Berkhof chega a afirmar que não se pode ter uma interpretação acertada de um texto bíblico sem que tal passagem seja
vista em suas próprias circunstâncias históricas passemos a procura destas situações. Porém, no caso dos salmos de
lamentação essa tarefa é bastante árdua e nem sempre efetiva. BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Rio de
Janeiro: Juerp, 1981, p.120. 158 A sugestão de Eissfeldt nos parece adequada: a interpretação literária à luz dos contextos composicionais maiores dos
livros bíblicos, ao invés de prender-nos tão somente na Gattungsforschung. Os livros biblicos não oferem uma disposição
cronológica, mas um material consistente estruturado por princípios de composição. O plano que delimitou esses princípios
nos é desconhecido. É tarefa do interprete se lançar nestas prováveis reconstruções dos esquemas de composição de um livro
bíblico para chegar a compreender melhor seu ambiente vivencial e funções literárias. Consulte: EISSFELDT, Otto. The Old
Testament: An Introduction. New York: Harper and Row Publishers, 1966.
125
Os salmos de lamentação possuem situações vivenciais comuns que envolvem o
sofrimento dos seus compositores e cantores. Portanto, apesar da distância histórica que
separa o texto do intérprete, seja possível, em termos de hipóteses, delimitar um Sitz im Leben
mais ou menos acertado para as composições bíblicas. Contudo, sem retirar a minuciosidade e
possíveis imprecisões da tarefa.
4.2.3 Função literária e destinatários
Fica claro a partir das discussões precedentes que os contextos do gênero da
lamentação apresentam um conjunto de problemas, e que generalizações históricas têm um
valor limitado para a exegese. Porém, nem sempre é possível sair do âmbito das
generalizações no estudo de alguns salmos. É possível, no entanto, falar da possível ilocução
ou função literária de um gênero à parte de seu contexto social159
.
Não podemos delimitar as lamentações com apenas uma ou outra função. Em cada
contexto literário e vivencial nos livros bíblicos as lamentações podem assumir funções
diferenciadas e particulares. De um modo geral, é possível traçar alguns caminhos para a
investigação de suas funções. Com efeito, no entanto, as funções mais plausíveis para o
gênero da lamentação que ocupa cerca de um terço dos salmos bíblicos podem ser alistadas
em funções religiosas ou cúlticas, a mágica relacionada à crença no poder da palavra, a
política praticamente profética e a função de oração privada.
A função cultual é seguramente religiosa. As lamentações serviam o culto do antigo
Israel. Em níveis elementares, em pequenos grupos e em níveis nacionais, com a grande
159 A lamentação não pode ser definida somente a partir de seu gênero. Deve-se, pois, ser entendida segunda as funções que
assume na literatura hebraica. Tomemos como exemplo a definição de lamentação proposta por Zogbo-Wendland: ―um
cântico ou poema triste que expressa desesperança como algumas circunstancias infelizes, como doença, morte, derrota ou
qualquer outra catástrofe. O lamento pode ser um pedido de socorro por toda a comunidade, como quando os habitantes de
Jerusalém lamentaram a caída da cidade [...], mas pode ser também um lamento individual, como quando Davi chorou a
morte de Saul e Jonatas [...]‖. ZOGBO, Lynell; WENDLAND, Ernest. La Poesia del Antiguo Testamento: Pautas para su
Traducción. Miami: Sociedades Bíblicas Unidas, 1989, p.18. Esta definição nos mostra como é difícil delimitar as
lamentações simplesmente por seu gênero literário. A dificuldade consiste porque ela assume funções diferentes, em
contextos diferentes no decorrer da Bíblia Hebraica. Temos um gênero comum, mas diversas modalidades de funções que
servem aos personagens, contextos sociais e ocasiões do desenvolvimento da religião de Israel. A tarefa se torna mais difícil
ainda, quando verificamos que a Bíblia Hebraica não possuí uma estrutura histórica cronológica definida, mas um plano
literário teológico, que ora reflete história sem, porém, descartar a mensagem que os produtores queriam deixar aos seus
conterrâneos e futuras gerações. Deve ser cautelosa da parte do estudioso a tentativa de definir ou limitar a lamentação
apenas como gênero literário. Tal gênero pode ter um âmbito ainda maior quando observado à luz de suas funções literário-
redacionais e, principalmente, dentro da narrativa mais ampla na qual está inserida.
126
assembleia reunida. As lamentações fazem parte de ―certo impulso religioso e poético muito
elevado‖ comum no contexto cultual do antigo Oriente Próximo.
Westermann (2005) defende a tese que o ser humano responde a ação divina dentro da
fenomenologia religiosa do Antigo Testamento de duas formas: ora falando, ora agindo.
Quando ele fala, pois, o faz de duas maneiras: louvando e lamentando. Sua fala se conecta
com suas ações. Portanto, quando o ser humano age no contexto veterotestamentário o faz de
três modos: obedecendo as leis propostas pela divindade, prestando culto e refletindo acerca
das ações e manifestações de seu Deus.
O culto é ―patrimônio comum do gênero humano‖ (WESTERMANN, 2005, p.207).
Ele está presente em toda a história da religião de Israel. Não obstante, importa ressaltar que o
templo nem sempre foi um lugar absoluto de sacralidade e culto na esfera do antigo Israel.
Haviam outros lugares sagrados para a realização de cultos. Haviam peregrinações cultuais.
Festas sagradas. Cultos ocasionais: periféricos às solenidades fixas e nacionais. O saltério
testemunha a possibilidade de celebrações periféricas ao culto nacional realizadas pelas
famílias ou grupos mais reduzidos. Cultos que aconteciam no templo, mas também
aconteciam nas casas e aldeias. Westermann (2005) admite essa possibilidade. Gertenberger
(1991) desenvolve sua tese dos gêneros culticos a partir deste ponto.
As lamentações assumem este papel no âmbito religioso-sacro, pois oferecem serviços
cultuais regulares para a comunidade frente as situações de doença, calamidade, angústia e
morte. Para as ocasiões fúnebres haviam os cânticos de lamentação ―profanos‖, em inglês o
termo é ―dirge‖, isto é, um cântico fúnebre. As lamentações nacionais ou individuais
possibilitavam ao sofredor levar seu caso a Yhwh. Em outras palavras, o culto do antigo Israel
abria espaço para o sofredor. Essa linguagem de lamentação no culto era formalizada de
acordo com padrões diversos para cada ocasião (GERSTENBERGER, 1991, p.11,12).
Havia a função mágica associada ao poder da palavra proferida. As ocasiões de
injustiça e perseguição de inimigos nacionais e individuais geravam a necessidade de proteção
e ataque contra o desconhecido e a morte iminente. As lamentações serviam de fórmulas
mágicas para atacar os inimigos. As palavras pronunciadas deveriam realizar uma ação
determinada segundo os efeitos esperados por quem as pronunciava. Segundo Gerritzen, para
o antigo Israel, as palavras significavam mais do que sons articulados, porque eram uma
realidade ativa cheia de força própria para criar e destruir de acordo com o alvo que lhe fora
atribuído (ROS, 1964, p.1111,1112).
As fórmulas mágicas, conjurações e oráculos proféticos tem sua forma literária em
poesia, por vezes a poesia lírica (GÜNKEL, 1993, p.27,28). Não apenas o antigo Israel, mas
127
todo o Oriente Próximo antigo testemunhava desta crença e gênero. A crença no poder eficaz
da palavra proferida é bem cabível quando atrelada ao culto de Israel, mas pode ter sido usada
por indivíduos ao longo de suas crises e ameaças. Neste contexto cabe o poder da palavra
profética, da palavra de bênção e da palavra de maldição160
. Em outras palavras, o antigo
Israel ora abençoava ora amaldiçoava seus vizinhos e conterrâneos através de cânticos
religiosos na expectativa da realização dos propósitos a eles atribuídos.
Também é possível considerar que as lamentações tivessem uso de caráter privado.
Principalmente, quando a prática da penitência foi atrelada às lamentações: o individuo
piedoso comparecia ao templo ou em outro lugar sagrado para clamar o perdão divino por
suas falhas e alcançar libertação para suas limitações161
. A função particular da lamentação
atendia o sofredor que se sentia injustiçado e abandonado. O lamentador almejava respostas
urgentes e a aplicação da justiça, seja do direito civil-religioso ou do próprio Yhwh. É
provável que quando este apelasse a Yhwh em público, concomitantemente, estivesse
apelando àquelas da esfera jurídica que pudessem agir em seu favor.
Brueggemann (1997) defende a ideia que as lamentações privadas surgem do impulso
humano em busca da justiça contra um contexto de violência e miséria. O lamento privado
seria uma recusa consciente de silenciar diante de Deus as injustiças sofridas pelo individuo e
sua sociedade. A relação aceitável diante de Deus permite e exige que a voz humana se
manifesta contra toda injustiça. Brueggemann ainda considera que a questão da lamentação
privada dar voz ao injustiçado é mais do que teórica e teológica para o mundo antigo, mas
concreta e pastoral, pois a sociedade era permeada de violência e abusos. Existe uma
conspiração contra a violência quando o silêncio é quebrado através da lamentação. Por vezes,
na Bíblia Hebraica, quem quebra este silêncio são os profetas de Yhwh.
As lamentações privadas podem se tornar nacionais, neste caso, quando um grupo
ergue sua voz para dar significado a seu sofrimento e denunciar as injustiças ao seu redor. A
violência e o abuso de poder contra o antigo Israel, segundo O‘Connor teve seu auge em 586,
data comumente indicada para a destruição do templo de Jerusalém e desurbanização da
cidade. Na ocasião, quando finalmente os babilônicos tomaram a cidade, muitas pessoas
160 Consultar: GUSSO, Antônio R.; SIQUEIRA, Tércio M. (Orient.). As Maldições do Salmo 137: o Princípio da
Reciprocidade na Justiça do Antigo Testamento Como Chave Bíblica Para a Interpretação. 2007. 289 f. Tese (Doutorado em
Ciências da Religião). Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007, p.125-143.
Especialmente sobre a origem da crença no poder da palavra no Antigo Testamento: GUSSO, Antônio R.; SIQUEIRA,
Tércio M. (Orient.). As Maldições do Salmo 137: o Princípio da Reciprocidade na Justiça do Antigo Testamento Como
Chave Bíblica Para a Interpretação. 2007. 289 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Faculdade de Filosofia e
Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007, p.138-143. 161 Consultar: BODA, Mark. ―The Priceless Gain of Penitence: From Communal Lament to Penitential Prayer in the ‗Exilic‘
Liturgy of Israel‖. In: LEE, Nancy; MANDOLFO, Carleen (eds.). Lamentations in Ancient and Contemporary Cultural
Contexts. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2008, p.81-101.
128
foram mortas, mulheres estupradas, e houve não só a destruição de lugares simbólicos e
importantes para o povo, mas uma repressão generalizada pelo exército dos inimigos de Israel
(O‘CONNOR, In: LEE; MANDOLFO; 2008, p.27-31).
Ganha peso neste contexto a emergente teologia do sofrimento. As lamentações
privadas após a catástrofe do ―exílio‖, tanto em Judá quanto para os deportados, tornam-se
expressão dos sobreviventes. Tais cânticos seguem padrões e rítmicos comuns às suas
tradições. Para O‘Connor, o livro de Lamentações, particularmente o capítulo 3 cujo sujeito se
encontra em primeira pessoa do singular, ―eu‖, ao invés de ―nós‖, se torna a fusão de
múltiplas vozes que se erguem diante da tragédia que os assolou. Para ela, as lamentações
ganham espaço na teologia quando Deus silencia e se mostra como deus absconditus
(O‘CONNOR, In: LEE; MANDOLFO; 2008, p.27-31).
Sobretudo, tais funções devem ser analisadas à luz de seu contexto composicional, ou
seja, dentro dos livros bíblicos em que se encontram e como se encontram agora. Somente a
análise da crítica das formas não será suficiente. Importa que o intérprete perceba a
consistência em que o material foi composto, agrupado e os princípios que nortearam um
plano de composição literária.
4.3 IMAGENS E SUJEITOS DO GÊNERO DE LAMENTAÇÕES
O estudo das imagens que permeia os salmos de lamentação na Bíblia Hebraica se
encontra no campo simbólico da religião do antigo Israel. Os símbolos são imagens, de um
modo geral. Os salmos foram compostos em linguagem imaginativa. Alguns deles, senão a
maioria refletem períodos históricos anteriores a sua composição. Por conseguinte, fazem
amplo de imagens e símbolos do universo simbólico e da cultura que permeava a vida do
antigo Israel162
.
As imagens descritas nos salmos incluem alguma situação vivencial da experiência
religiosa do antigo Israel, por mais difícil que seja acessá-las. Segundo Schökel (1987, p.118-
167), existem imagens em plano descritivo163
, no plano correlativo164
e no plano dos efeitos
162 Consultar: CAIRD, G.B. The Language and Imagery of the Bible. Philadelphia: [s.e.], 1980. 163 O plano descritivo é realizado nos salmos bíblicos pelos símbolos. O símbolo se manifesta na transcendência. É
translucido. É a protolinguagem da experiência religiosa. É um meio de comunhão que media a relação com o sagrado, no
campo das palavras. Não se pode reduzir os símbolos a conceitos, senão absorvê-los dentro dos contextos em que estão
inseridos na literatura sagrada hebraica. Schökel distingue classes de símbolos: arquétipos, culturais, históricos e literários.
Confira: SCHÖKEL, Luiz A. Manual de Poetica Hebrea. Madrid: Ediciones Cristandad, 1987, p.126,127. O plano descritivo
129
sociais. A imagem, assim como o símbolo, possuí uma qualidade polissêmica, ou seja, são
polivalentes no seu campo de atuação imagético. As imagens causam efeitos nos
interlocutores dos salmos, sejam eles leitores ou ouvintes. Elas ―servem para vestir as ideias‖
(SCHÖKEL, 1987, p.123) e justapõe significados.
As imagens da Bíblia são próprias da religião do antigo Israel, porém, várias delas, são
mediadas pelas imagens que perfaziam o contexto dos povos vizinhos de Israel, como
Babilônia e Canaã. As imagens bíblicas foram descritas num mundo de fantasia e de
imaginação religiosa e assim devem ser recebidas, primeiramente, pelos leitores atuais
(SCHÖKEL, 1987, p.127). Em outras palavras, os salmos estão impregnados de metáforas e
que elas não podem ser descartadas na interpretação. A metáfora testemunha a linguagem a
partir da fusão das ideias com a matéria; ela usa a experiência dos sentidos para conduzir o
interlocutor ao mundo do invisível: o sagrado165
. O visível e o invisível são reunidos pela
metáfora.
Os profetas utilizam imagens e símbolos para comunicar sua mensagem. Para Heschel,
os profetas usavam linguagem emocional, com movimentos poéticos rítmicos e forma
artística com a intenção de envolver seus interlocutores e tornar efetiva sua pregação
(HESCHEL, 1985). Alguns utilizaram gestos simbólicos, como Jeremias e Ezequiel. Para
Fohrer, a linguagem de ação simbólica dos profetas pode ser considerada um gênero
(FOHRER, In: FOHRER, 1985). Tais ações acontecem em dois momentos: o primeiro é a
dramatização sem palavras diante de um publico; o segundo, é a interpretação do ―teatro‖
profético como oráculos de Yhwh.
Os salmos de lamentação são permeados de imagens e símbolos próprios que
conferem sentido ao gênero. Tais imagens são descritas em estilo hiperbólico, dramático.
Normalmente, na composição poética da bíblia há uma imagem central. A partir dela se
difunde ou se ramifica outras imagens, que se juntam a outros momentos do poema. O estudo
das imagens é de utilidade na interpretação dos salmos, principalmente daqueles que cobrem
cerca de um terço do saltério.
Os salmos de lamentação compilam imagens dramáticas que envolvem elementos
cósmicos, da natureza, do cotidiano, animais, vegetais, seres humanos, cultura e fantasia. Elas se empenha na explicação da imagem. É o desenvolvimento do poema. CROATTO, José S. As Linguagens da Experiência
Religiosa: Uma Introdução à Fenomenologia da Religião. 3ª.ed. São Paulo: Paulinas, 2010, p.102-128. 164 O plano correlativo utiliza a comparação como método de interpretação das imagens dos salmos bíblicos. Na poesia
hebraica isso é realizado por meio de paralelismos, repetições e justaposições de palavras, verbos, raízes e partículas que
indicam simetria de ideias e imagens. Consulte: PAYNE, D.F. A Perspective on the Use of Simile in the Old Testament.
Semitcs. [s.l]: n.1, p.111-125, 1970. Importa distinguir a metáfora da comparação: a primeira, consiste em uma só palavra ou
frase e não palavras ou frases acopladas por dois planos. Consulte: RICOEUR, Paul. La Metáfora Viva. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1980. 165 Consultar: JAMES, William. The Varieties of Religious Experience. London: Penguin, 1985.
130
são imagens sensoriais, isto é, que envolvem os sentidos humanos para a aproximação do
texto com seu interlocutor. Exemplificando, o livro do Cântico dos Cânticos apresenta
imagens de perfumes, cheios e sabores de elementos comuns ao universo imagético e
cotidiano do antigo Israel: uvas, mel, figos, etc. As lamentações, por se tratarem da linguagem
do sofrimento, apresentam imagens mais dramáticas: temporais, fogo, inimigos traiçoeiros,
cobras perniciosas, imagens de guerra, etc.
Os sujeitos relativos aos salmos de lamentação acessamos por meio de imagens. Os
sujeitos mais comuns são: seres inanimados que se comportam como pessoas (Salmo 68); a
personificação (Isaías 59.14,15); o ser humano cujo repertorio de imagens é bastante intenso;
junto com o ser humano participam elementos como: água, terra, ar, fogo, árvores, plantas,
animais, etc; Deus também faz parte destes sujeitos: existem várias analogias para descrever
Deus e suas ações, por vezes, são analogias simbólicas, antropomorfismos, antropopatismos,
manifestações divinas com ocultamentos (TERRIEN, 1978), comparações e imagens vívidas
das realidades implícitas dos salmos; também se aproximam de Deus imagens conhecidas da
experiência humana como: fidelidade, lealdade, amizade, justiça e até mesmo vingança e
violência166
.
Outros símbolos que surgem na dinâmica da poesia de lamentação: conjugal, reais, de
guerra, de direito e justiça, de resgatador, lavrador, zoomorfismos, elementos da natureza
(fogo, água, luz, etc.) e o símbolo de experiências humanas e religiosas. Na experiência
religiosa, os poetas bíblicos empregaram imagens que pudessem prolongar tal experiência,
torna-la viva como memoria para as próximas gerações, sobretudo, imagens concretas, que
envolviam sensações, para levar o interlocutor a uma percepção imediata do caráter e da ação
de Deus (COPE, 1959).
As imagens das lamentações, na opinião de Alter (1997), são ―uma espécie de
pequeno léxico do próprio repositório de figuras convencionais [...] mas o efeito do todo é
uma afirmação poética forte e tocante, não um ensaio familiar. Essa força pode ser devida, ao
menos em parte, ao reforço mútuo que ocorre entre imagens relacionadas‖. Portanto, os
salmos de lamentação utilizam imagens com efeitos que envolvem os sentidos, jogos de
palavras, metáforas e, certamente, figuras memoráveis da tradição da história e religião do
antigo Israel.
Podemos dizer que na ―gramática‖ dos sujeitos das lamentações, de um modo geral,
podemos nos apropriar das imagens de Yhwh, das vozes que lamentam, das aflições que
166 Consultar: FISCH, H. The Analogy of Nature: A Note on the Structure of the Old Testament Imagery. Journal of
Theological Studies. [s.l.], n.6, p.161-173, 1955.
131
permeiam o sofrimento humano e dos inimigos que participam terrivelmente do drama
humano de dar voz à sua dor.
4.4 A TEOLOGIA DA LAMENTAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
As lamentações ocupam espaço na teologia de Israel porque se tratam de reações
humanas ao agir divino na história. Este é o pressuposto básico do qual se depreendem as
lamentações no cotidiano de Israel e no culto. As lamentações no âmbito da teologia do
Antigo Testamento são dirigidas a Deus: quando o ser humano afetado pela ação divina ora,
seja num ambiente ―profano‖ ou no ambiente ―sagrado‖ tal ação é de interesse da ética e da
teologia litúrgica. Na concepção da Bíblia Hebraica, Yhwh age sempre, o homem pode e deve
ser reagente à palavra de Deus.
Westermann afirma que a voz do ser humano retratada nos textos bíblicos, em especial
nos salmos de Israel é de importante averiguação para a interpretação dos textos sagrados de
Israel: ―[...] a resposta do homem deveria ser qualificada como um dos elementos mais
relevantes do Antigo Testamento‖167
. Segundo ele, ―a resposta do homem ocupa posição
relevante em tudo que diz respeito a Deus‖ e ―a reação do homem é simplesmente o objetivo
do falar e do agir de Deus‖. Essa reação humana ao Mysterium Tremendum é significativa na
teologia do Antigo Testamento: ―a ação do Deus-redentor e do Deus-juíz reflete-se nos dois
grupos dos Salmos, nos de louvor e nos de lamentação‖. Para Westermann é peremptório que
tal resposta acontece de duas maneiras: ora com lamento, ora com louvor (2005, p.36,37).
Por causa desta polaridade de reações humanas à ação divina, os Salmos bíblicos
podem ser classificados, segundo ele, nesses dois grupos principais: lamentação e louvor; que
ainda podem ser tomados, conforme a visão de Gerstenberger, em nível primário (indivíduo) e
em nível secundário (coletivo). Neste caso, no âmbito da teologia do Antigo Testamento, o
nível primário da lamentação pertence à ética; o nível secundário, à liturgia; e ambos à
antropologia do Antigo Testamento.
167 Westermann é contrário a opinião de Von Rad e Zimmerli, outros dois expoentes da disciplina de Teologia do Antigo
Testamento. Von Rad e Zimmerli entendem que o culto a Yhwh ―não passa de iniciativa humana sem relevência teológica‖.
Westermann acredita que a teologia ocidental tende a isolar a reação humana da teologia dogmática. Ele argumenta que são
os textos sagrados (da tradição judaica-cristã) que têm competência para definir o que é oração, culto e obediência.
WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda., 2005,
p.36.
132
4.4.1 Relação com o Êxodo
A narrativa do Êxodo é paradigmática para a compreensão de uma teologia da
lamentação no Antigo Testamento. Ela nos serve de pressuposto. Seu contexto de libertação é
base da relação que Yhwh estabeleceu com os israelitas. Este ato de salvação de Deus é o
protótipo e o paradigma do desenvolvimento da soteriologia da Bíblia Hebraica. Para Von
Rad, a libertação é base da história da salvação do Antigo Testamento (RAD, 2006, p.174-
184).
A partir da narrativa do Êxodo, a Bíblia Hebraica descreve-a a partir de confissões de
fé que servem de base para sinalizar outros atos salvíficos de Deus e delinear o conceito de
soteriologia do Antigo Testamento. Eichrodt entende tal conceito como uma troca, com
exigências para ambas as partes, que pode ser mais bem descrita através do conceito de
aliança (2004, p.11-80). Os atos redentores de Deus, por conseguinte, demonstram um Deus
que reage ao sofrimento de suas criaturas (WESTERMANN, 2005, p.47,99-109).
Von Rad demonstra que os credos que depreendem da narrativa do Êxodo têm a
função de validar a experiência do Êxodo como parte do pensamento da religião da Israel
(2006, p.174-177). Westermann compreende a narrativa do Êxodo como o início da história
nacional e que fundamenta a religião javista desde os primórdios até o pós-exílio (2005,
p.49.). Westermann ainda demonstra certo esquema de ―opressão-libertação‖ no livro de
Êxodo que descortina as linhas centrais da soteriologia do Antigo Testamento e como ela é
ampliada no livro de Juízes e no desenvolvimento teológico de Israel (2005).
Este esquema pretende mostrar a imagem de Yhwh como redentor168
. As páginas da
Bíblia Hebraica mostram a imagem redentora do Deus da religião javista. Os israelitas
poderiam recorrer a este Deus que suscitava a ideia de que não somente perdoa as culpas do
pecador, como trabalha em prol do aflito. O aflito, isto é, o ser humano limitado e pecador
poderia ter acesso à misericórdia de Yhwh através da lamentação.
Na narrativa do Êxodo o povo se encontrava numa posição de aflição, choro e
angústia. Em seguida, Deus ouve o lamento do povo sofrido e age em prol deles, libertando-
os e abençoando-os. Nisto, a narrativa do Êxodo molda também a teologia da lamentação,
pois nesta relação salvífica entre Deus e Israel é possível que o povo clame o favor dele. Os
168 Consulte: WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã
Ltda., 2005, p.47-95.
133
salmos de lamentação, portanto, ―estão a serviço [...] da atuação de Deus‖ porque ―solicitam a
intervenção salvadora‖ (WESTERMANN, 2005, p.119).
Sem este pressuposto fundamental, qualquer salmo é visto apenas como palavra
humana destituída de valor teológico no âmbito das pesquisas veterotestamentárias. Por essa
falha razão, a teologia do lamento não ocupou nenhum lugar especial nos estudos teológicos.
Segundo Buber, isso acontece porque se desconhece que o falar sobre Deus sobre os salmistas
seja equiparável ao mesmo que falar com Deus (BUBER, 1960). Em outras palavras, a reação
de lamentação do povo de Deus faz parte da salvação de Israel, tornando os israelitas
participes da trama salvífica.
A teologia da lamentação também acessa a imagem do Deus-juiz, da mesma forma
como faz com a imagem do Deus-redentor. ―Deus-redentor é fadado a se converter em Deus-
juiz, sem deixar, no entanto, de todo a continuar a ação salvífica de seu povo‖
(WESTERMANN, 2005, p.144). Ou seja, Deus julga o ser humano por causa de seu pecado,
devido sua finitude. Conquanto, o israelita acreditava que os prejuízos causados pelo pecado
afetavam todo o seu ser e relações.
A lamentação, portanto, assume um lugar concomitante com a atuação dos profetas de
Israel. Precisamente, de Amós a Ezequiel. Os profetas fizeram uso das lamentações: ―o uso
por parte dos profetas de uma linguagem emocional e imaginativa, de dicção correta,
movimentos rítmicos e forma artística, marcam seu estilo poético‖ (HESCHEL, 1962, p.6).
As lamentações proféticas pretendem interpretar a situação. Elas assumem as acusações e
ameaças do profetismo com a finalidade de censurar a política nacional, os abusos sociais e a
deturpação da religião javista.
Os profetas condenam diretamente os israelitas ou segmentos da nação de Israel. Mas
não foram pessoas levadas a sério em seu tempo. Somente alguns próximos a eles se
interessavam por suas mensagens. Seus ouvintes efetivos eram poucos. Alguns se tornaram
seus discípulos. Estes, porém, conservaram suas palavras e até colecionaram-nas. Por isso, é
muito difícil separar nos textos proféticos a fala do profeta da fala dos formuladores de seu
livro (SICRE, 2011, p.487). Portanto, a linguagem de lamentação, não obstante, é encontrada
em conjunto com a linguagem profética característica de cada livro.
A palavra profética deveria ser a consciência que acusava Israel de seus próprios erros.
Assim o foi quando as palavras dos profetas foram tidas em alta credibilidade, após as
catástrofes que seguiram suas profecias. Os profetas eram porta-vozes de Yhwh: tanto para
salvação quanto para juízo. As lamentações aparentemente mostram um deus incoerente que
ora pune, ora volta atrás para perdoar seu povo, como no caso da teologia do livro de Oséias.
134
Com isso, a teologia da lamentação começa a ocupar um lugar de confissão e
penitência na consciência e culto de quem reconhece seus próprios erros e suplica por perdão.
A teologia da lamentação aceita a imagem do Deus-juiz, mas tal imagem perdura até o
momento em que ele volta a ser misericordioso169
.
A linguagem de lamentação profética neste entrelaçar de opressão-libertação,
condenação-salvação, lamento-louvor caracteriza em parte as imagens de Yhwh nos lamentos
de Israel. Primeiro, mostrando a imagem do Deus compassivo libertando o povo de sua
opressão. Depois, se compadecendo por causa da ação de sua própria ira e julgamento.
4.4.2 Distinção entre o lamento fúnebre e o lamento da angústia
Westermann dedicou um artigo para explanar o lugar da lamentação numa teologia do
Antigo Testamento170
. Segundo ele, com o apoio de Von Rad, a lamentação já se encontra na
confissão de fé de Deuteronômio 26.7: ―Então clamamos ao Senhor, o Deus dos nossos
antepassados, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu o nosso sofrimento, a nossa fadiga e a opressão
que sofríamos‖171
. O lamento é componente essencial no processo de libertação de Israel da
escravidão do Egito; tal evento é paradigmático na soteriologia do Antigo Testamento, pois
demonstra que a salvação é precedida da lamentação, isto é, dos gritos dos oprimidos
(WESTERMANN, 2005, p.188).
Westermann dá atenção à diferença teológica entre a lamentação fúnebre e a
lamentação derivada dos infortúnios na vida dos indivíduos e suas comunidades.
A lamentação fúnebre olha para o passado, a lamentação da aflição olha para o futuro.
Isto é, a primeira vê o fim do sofrimento; a segunda prevê o fim de tal. A lamentação fúnebre
pertence ao gênero comum, enquanto a lamentação da aflição normalmente se dirige a
divindade. A lamentação fúnebre como gênero comum é utilizada no lamento de Davi por
Saul e Jonatas, em 2 Samuel 1.17-27 e no livro de Lamentações. A lamentação da aflição
surge da necessidade de se fazer um apelo a Deus. O lamentador sofre pelo que aconteceu a
169 ―Como posso desistir de você, Efraim? Como posso entregá-lo nas mãos de outros, Israel? Como posso tratá-lo como
tratei Admá? Como posso fazer com você o que fiz com Zeboim? O meu coração está enternecido, despertou-se toda a minha
compaixão. Não executarei a minha ira impetuosa, não tornarei a destruir Efraim. Pois sou Deus, e não homem, o Santo no
meio de vocês. Não virei com ira‖. BÍBLIA, A.T. Oséias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São
Paulo: Editora Vida, 2004. Cap. 11, vers. 8 e 9. 170
Consultar: WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. Interpretation.
Richmond, n.28, p.20-38, 1974. Original em alemão: WESTERMANN, Claus. Struktur und Geschichte der Klage im Alten
Testament. ZAW, n.66, 1954, p.44-80. 171 BÍBLIA, A.T. Deuteronômio. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004.
Cap. 26, vers. 7.
135
ele e relata sua condição através da lamentação. Ele implora que seu sofrimento seja tirado.
Ao clamar a Deus, o suplicante estende suas mãos para o término do sofrimento
(WESTERMANN, 1974, p.20-38).
4.4.3 O significado da lamentação na teologia do Antigo Testamento
A narrativa do Êxodo é aberta com o lamento do povo sofredor no Egito, em seguida,
Deus vem em seu socorro. O livro de Juízes também atesta o lamento do povo e a
subsequente intervenção de Deus em ciclos dinâmicos de apostasia e arrependimento. No
tempo do exílio, época de grande catástrofe para Israel, a linguagem de lamentação foi
bastante usada e houve intensa produção literária do gênero. É provável que o livro de Jó seja
baseado na tradição da lamentação. A estrutura e motivação do Dêutero-Isaías sinaliza o
gênero. Mas é o saltério que concentra a maior parte das lamentações do antigo Israel.
A produção do saltério se encontra numa época de atribuição do sofrimento ao
individuo. Daí a variedade de expressões que declaram a inocência do justo e a culpa dos
ímpios nos salmos. Os discursos dos chamados amigos de Jó podem ser localizados neste
contexto, mas a fala de Jó ainda mostra a resistência e o contrassenso comum.
Foram os escribas oriundos do pós-exílio que trabalharam na confecção do saltério.
Eles eram o grupo encarregado de preservar e organizar os escritos sagrados. No retorno do
cativeiro encontraram a produção literária do povo que ficou. Mesmo assim, o saltério mostra
que foi a visão teológica do pós-exílio que sobrepujou a tarefa. O saltério contém vestígios do
âmbito da sinagoga e sugerem o uso privado ou de orações em círculos íntimos, em
detrimento do sacrifício. Recebemos, portanto, o saltério como resultado do trabalho de
escribas, por volta do século III a.C.
É provável que os salmos de lamentação oriundos dos judaítas que se empenhavam na
terra de Judá tenham sido colecionados e colocados nas palavras dos profetas que foram
reconhecidos como verdadeiras para o Israel pós-exílico (por exemplo, Jeremias). Com isso,
temos nos salmos de lamentação o centro da história do lamento, seja individual ou coletivo.
Notoriamente, o saltério é a maior representatividade destes salmos, apenas deles se
encontrarem em outros livros.
136
A partir destes salmos de lamentação representativos na Bíblia Hebraica é possível
esboçar o significado da lamentação na teologia do Antigo Testamento.
Os salmos conhecem o ser humano somente na perspectiva da sua limitação e finitude.
Desde os relatos da criação o ser humano é alguém cuja vida é transitória. Sua vida é
permeada de perigos que ameaçam sua existência. Nos salmos, essas ameaças normalmente
são identificadas com a denominação de ―inimigos‖. Esses perigos e ameaças poderiam ser
expressos no lamento. A declaração de finitude e pobreza é o centro antropológico das
lamentações.
O centro teológico destes salmos, mais precisamente, constata o esforço dos escribas
em preservar e ressaltar a imagem de Yhwh vinculada à misericórdia e compassividade. É ao
Deus Yhwh cheio de compaixão e misericórdia que os lamentadores apelam. Portanto, os
salmos de lamentação têm por finalidade levar o sofredor para proximidade com Yhwh, dentro
da dimensão da aliança. ―O lamento implora a Deus para ter compaixão daqueles que sofrem‖
(WESTERMANN, 1981, p.264).
Westermann resume o significado do lamento na teologia: ―apelar a compaixão de
Deus‖ (1981, p.264) e complementa dizendo que ―todas as várias formas de aflição humana, a
opressão, ansiedade, dor e perigo são dadas voz no lamento e, assim, [o lamento] torna-se um
recurso para o único tribunal que pode alterar a sua situação‖ (1981, p.264). Em outras
palavras, a lamentação não é um fim em si mesmo na teologia de Israel; é um meio de acessar
Yhwh para ter a situação de sofrimento modificada.
A única possibilidade deixada ao sofredor é a lamentação. Portanto, aquela visão de
que ―lamentar‖ é o mesmo que ―reclamar‖ e os religiosos não deveriam fazê-lo, pois não
compete a quem crê em um Deus soberano é no mínimo equivocada. O Antigo Testamento
testemunha que lamenta quem acredita que Deus poderá mudar sua situação de infortúnios.
―A lamentação exprime a esperança de que Deus venha até nós‖ (WOLFF, 2003, p.122). Para
tanto, é importante que se reconheça junto aos salmos de lamentação a transição do lamento
para a confiança, que se torna um voto de louvor.
137
4.4.4 Considerações gerais sobre a perspectiva de lamentação na análise dos salmos
A lamentação é um fenômeno universal nas religiões relacionado com o sofrimento
humano. Se o louvor e os rituais de agradecimento, por vezes religiosos ou não, em cada
cultura, representam o espaço que é dado ao belo, ao politicamente correto e à alegria pela
vida, o lamento representa o espaço que é dado (nem sempre) à dor, ao sofrimento, àquilo que
nem sempre é politicamente correto. Quando as vozes dos que sofrem são anunciadas, elas
assim o são em forma de lamentação.
A lamentação no antigo Oriente Próximo surge como queixa ou reclamação aos
deuses. As lamentações mesopotâmicas mostram tradição e valor em guardar por escrito as
suas lamentações. Podemos começar daqui uma busca pelo gênero das lamentações nas
sociedades antigas. Nelas, os lamentos estavam relacionados à religiosidade. A civilização
suméria, por exemplo, legou à humanidade textos de lamentação por cidades. A lamentação
(gênero) desde antes de Israel já começa a surgir como literatura. Estes textos são
imprescindíveis para a pesquisa da poesia bíblica, dos salmos do gênero e da linguagem da
lamentação no antigo Israel e na atualidade.
Portanto, nos capítulos dedicados até aqui, na presente dissertação, estuda-se a
lamentação numa perspectiva mais ampla, para em seguida aproximar-se do objeto de estudo
em si que é o texto do livro de Jeremias.
A manifestação da lamentação em Israel, portanto, é paradigmática para sequência da
pesquisa e para a demonstração da dinâmica da linguagem da lamentação na perícope ou
salmo selecionado para esta dissertação. Contudo, não podemos desconsiderar que a
lamentação em Israel foi influenciada pela tradição do ambiente em que estava situado, ou
seja, os vizinhos de Israel; e, que ela passou por processos que permitiram a religião israelita
desenvolver o gênero através de sua literatura, de modo peculiar à sua idiossincrasia (embora
com certas semelhanças culturais do macro contexto).
O estudo das religiões comparadas exigiu que a religião do antigo Israel fosse vista
dentro da estrutura do desenvolvimento religioso da humanidade. Os estudiosos modernos
têm instado em que não se separe o estudo da religião de Israel das religiões dos povos
antepassados e vizinhos. ―O estudo da religião israelita dentro da estrutura do mundo religioso
do antigo Oriente Médio é parte indispensável dos estudos do Antigo Testamento‖
(FOHRER, 2006, p.24). A religião do antigo Israel pode ser vista em conexão com religiões
138
da Mesopotâmia e do Egito. Ou seja, ela é de certa forma resultado e participante das religiões
do antigo Oriente Próximo.
Ao abordarmos a lamentação na história da religião de Israel nos chama a atenção a
maneira como esta linguagem assume um papel significativo na época do exílio. O exílio é
um momento privilegiado para produção de literatura e compilação dos profetas na história de
Israel. O exílio legitimou os verdadeiros profetas de Israel. Jeremias, por exemplo, só recebeu
tal credibilidade após o cumprimento de suas profecias, provavelmente depois da catástrofe de
586 num âmbito nacional. Por certo, outros profetas utilizaram o gênero de lamentações para
dar força às suas profecias no período, como é o caso de Habacuque (ao fim do pré-exílio),
Jeremias (período exílico entre os remanescentes) e Ezequiel (período exílico entre os
deportados).
As lamentações possuíam várias funções, dentre elas, expressões cúlticas entre os
remanescentes e exilados. Cada qual formulava suas próprias respostas às demandas do
sofrimento cotidiano. Embora, o sofrimento dos remanescentes, seguramente fosse maior. É
certo que a expressão cúltica das lamentações fosse maior até a queda das instituições
religiosas oficiais de Israel e ganhasse novas configurações, como as pessoais e proféticas.
Pelo menos até a compilação do saltério, nos idos pós-exílicos. Porém, na compilação do
saltério a tradição sionista se impõe sobre a tradição do campo, e torna-se a corrente
hegemônica. Cabe aqui a hipótese de que por causa disso, alguns dos salmos dos
remanescentes influenciados por Jeremias alocaram as lamentações no livro do profeta.
A situação dos exilados e dos remanescentes pedia uma reação da parte deles. Cada
qual a realizou a sua maneira. Como resultado desta reação surgiram obras literárias que
descrevem a ruína de Judá. ―A literatura capturaria com palavras o que havia sido sofrido e
perdido na experiência‖ (SMITH, 2006, p.99). Albertz nos ajuda a perceber que dentre essas
diversas literaturas, o relacionamento dos judaítas com Yhwh foi interpretado de diversas
maneiras (ALBERTZ, 2003).
A reação literária mais conhecida é o livro de Lamentações. Relata em poesia acróstica
a situação de maio trauma da história de Israel. É um lamento fúnebre, uma expressão ritual
do funeral de Jerusalém e do templo. O livro de Lamentações fora produzido pelos judaítas
cuja ênfase se dirigia aos rituais de lamentação próximos aos escombros do templo. O livro de
Obadias também pode ser situado neste contexto, porém, demonstrando a vitória do povo que
lamentava sobre os seus inimigos. Obadias seria o livro que localiza o agradecimento e louvor
como antítese da lamentação cantada no livro de Lamentações.
139
O livro de Jeremias também é uma reação literária; que interpretou os fatos de sua
época como punição divina. Em sua profecia, Yhwh estaria condenando a nação pela adoração
a outros deuses e a injustiça dos líderes de Israel. Contrapartida, os profetas opositores a
Jeremias interpretaram o fato como punição da rainha dos céus, a deusa dos sumérios, e não
Yhwh. Por conseguinte, vemos no livro do profeta permeado uma reação local contra
Jeremias, considerado um ―antiprofeta‖. Somente mais tarde, depois de toda destruição e nos
idos do pós-exílio é que Jeremias foi reconhecido como profeta de Yhwh e sua obra compilada
como parte da literatura religiosa oficial. Porém, importa salientar que tanto Lamentações
como o livro de Jeremias não pretendem relatar a situação de todo povo de Judá; eles
concentram suas profecias em atividade contra lideranças representativas e as consequências
de sua influência apostata sobre o povo.
Perguntamos-nos se o livro de Jó teria sido uma resposta ao exílio assim como os
demais livros aqui citados. Certamente, a história que perfaz o conteúdo do livro de Jó não
descreve ipsis literis a história de Israel, nem mesmo o situa intencionalmente na época do
exílio. O lugar narrativo-poético de Jó pode ser bem localizado no período tribal. Sabemos,
porém, que sua produção literária final é posta no pós-exílio.
Andersen data o livro como anterior à destruição do reino do Norte pela Assíria, por
volta de 730 e assinala sete etapas diferentes de composição até a forma atual (2006, p.39-62).
Malanga considera três fontes usadas para edição do livro de Jó: um relato cananeu antigo,
um poema e um acréscimo em prosa posterior, mas considera Jó um dos livros de difícil
datação (2005, p.114). Terrin verifica várias etapas de composição, porém, data a discussão
poética do livro como alguns anos depois da destruição de Jerusalém pelos Babilônicos, isto
é, posterior a 587 (1994, p.29). Smith (2006) assertivamente enfoca o conteúdo de Jó como
referente ao período: ―inspirado pelo exílio ou não, o livro de Jó dramatiza o problema do
sofrimento e da crise sobre a falta de inteligibilidade sobre o mundo‖. Conforme Siqueira, que
compreende os escritos da Bíblia Hebraica como um lamento, Jó pode ser compreendido
como uma lamentação ante o sofrimento e a injustiça do período (2005, p.23-30).
O exílio não é um período de evento único. Os estudiosos chegam a dividi-lo em
acontecimentos e eventos principais, dentro de um todo. É comum atribuir o ano de 597 como
o início do ―exílio‖, talvez data da primeira deportação. Em 589/588 houve o primeiro sítio da
Babilonia em Judá. Somente em 586 o templo e a cidade de Jerusalém foram destruídos. O
ano de 582 é marcado como o da terceira deportação. Jeremias foi o profeta que participou
destes eventos.
140
Assim que aprofundamos o assunto das lamentações nos aproximamos do livro de
Jeremias. Afinal, este livro profético possuí a mostra desta tipologia textual e fenômeno de
linguagem que surpreende e supera os demais livros proféticos: o lamento.
A lamentação, finalmente, não é particular a Israel, mas faz parte de um contexto
maior do Antigo Oriente, não especificamente semita. A representatividade da lamentação
encontra lugar entre os egípcios, mesopotâmicos, e, por conseguinte, de modo peculiar na
religião e literatura de Israel. A lamentação está imbuída no mundo antigo e particularmente
na literatura poética de Israel. Mas nossa tarefa afunilou-se em um dos livros proféticos cuja
presença das lamentações é singular: Jeremias.
Os próximos itens predentem contextualizar ainda mais nosso pressuposto básico para
estudo da perícope-objeto desta dissertação. Primeiro, como um dos salmos de lamentação
fora do saltério; e, em seguida, como uma mensagem profética que nasce em determinado
tempo e lugar para um determinado problema sociológico cuja resposta se encontra no
relacionamento com Yhwh, através de seu profeta.
4.2.4.1 Os salmos de lamentação fora do saltério
A Bíblia Hebraica possui em sua estrutura salmos de lamentação fora do saltério. O
leitor perspicaz do Antigo Testamento percebe a diferença de gênero literário entre as
narrativas da Torá e dos Profetas. Principalmente, nos livros proféticos. Alguns lamentos são
breves e embutidos junto às narrativas. Outros recebem destaque, por se tratarem de longas
orações. Alguns editores das versões modernas da Bíblia Sagrada trazem estes textos de
caráter poético junto às narrativas com margens mais espaçadas, mostrando que se trata de um
cântico ou poesia. Seguindo Westermann (2005), louvor e lamento são as expressões das
vozes humanas que ecoam diante de Yhwh na literatura hebraica.
Para Gerstenberger (1984), a presença de salmos fora do saltério confirma ainda mais
sua tese de que os salmos se originaram na linguagem ritual generalista dos grupos pequenos
de Israel influenciados pela cultura do antigo Oriente Próximo. Tais salmos possuem
―nitidamente‖ a linguagem litúrgica vinculada aos ritos comuns desses grupos pequenos do
antigo Israel.
Muitos destes salmos fora do saltério, segundo Duhm e Günkel, são influenciados pela
pregação profética (BALLARINI, 1985, p.57). Ou seja, pela religiosidade que os profetas de
141
Israel incutiram sobre o povo. Tal religiosidade possuía elementos de piedade pessoal, de
escatologia e justiça social diferentes dos compostos nos círculos cúlticos oficiais do antigo
Israel.
Segundo Günkel, os profetas assumiram os cânticos de lamentação e os elevaram a um
plano superior do hábito da lamentação ritual nos cultos e cerimônias fúnebres. Grande parte
dos lamentos de profetas, para Günkel, se restringe em reconhecer que os pecados do povo
fazem merecimento ao castigo divino. Alguns profetas, inclusive, se colocaram como
mediadores do povo, a fim de confessarem a culpa coletiva e obterem misericórdia de Deus
diante das catástrofes nacionais. Este era o sentimento profético principalmente na época do
exílio: a causa dos desajustes sociais e desgraças nacionais são os pecados do povo. Por
conseguinte, vários salmos de lamentação de cunho penitencial surgem na literatura profética
(GÜNKEL, 1993, p.149).
Bentzen (1968) afirma que os salmos de lamentação foram ―imitados‖ pelos profetas.
Sugere que Jeremias seja o principal destes profetas ―imitadores‖ do gênero. As lamentações
mais representativas que Bentzen destaca no livro de Jeremias são as que se encontram entre
os capítulos 11 e 20 do livro (BAUMGARTNER, 1988). ―As passagens de lamentação em
11:18-20 e posteriormente são, talvez, o traço mais característico do livro [de Jeremias]‖
(ROSENBERG, In: ALTER; KERMODE; 1997, p.202). O profeta Jeremias, portanto, deixou
importante contribuição para a tradição e o gênero da lamentação na Bíblia Hebraica
(DIAMOND, 1983).
Os livros proféticos de Habacuque, Isaías e Ezequiel também testemunham da
presença de lamentações em suas narrativas proféticas. Os livros proféticos que narram
situações pré-exílicas (por exemplo: 1Reis 8.33-40; 21.9-12; Joel 1.13,14; 2.12-17)
demonstram mais uma lamentação ritual demonstrada pelos profetas do que,
necessariamente, um envolvimento direto do profeta com o gênero como se o próprio profeta
estivesse cantando ou compondo o lamento (BENTZEN, 1959, p.172,173).
Sellin e Fohrer também entendem que as lamentações nos profetas são imitações do
gênero. Salientam que tais salmos fora do saltério em sua maior parte aparecem nos profetas,
sendo Jeremias a melhor amostra. As lamentações nos livros proféticos contêm tanto antes
quando depois delas oráculos proféticos ou narrativos que configuram a estrutura do livro
profético em si. Portanto, ―nos profetas, são numerosos os fragmentos construídos segundo o
estilo dos salmos‖ (GÜNKEL, 1993, p.20).
Os profetas assumiram cânticos ou compuseram-nos? Gerstenberger acredita que os
salmos de lamentação no antigo Israel estiveram atrelados atividades de curas realizadas por
142
―homens de Deus‖, ou seja, curandeiros oficiais da religião javista pré-exílica. Esses
curandeiros atuavam como ―médicos‖ locais em prol de seus pacientes através da experiência
religiosa. Eram especialistas em rituais. Segundo o autor, a estes homens que podemos
vincular a origem do gênero das lamentações (1984, p.12). Dentre eles, estariam sacerdotes e
profetas locais. Portanto, é possível que profetas tenham parte na composição dos salmos de
lamentação. É mais provável, porém, que estes profetas sejam mais bem identificados como
profetas profissionais, diferentes daqueles que chamamos de profetas clássicos.
Aos profetas clássicos é mais fácil atribuir que assumiram cânticos de lamentação
comuns ao seu tempo. Principalmente, porque os livros proféticos que dispomos como
oficiais na literatura sagrada dos judeus passaram por intenso processo redacional e editorial
até sua edição final. Se delimitarmos tal pergunta ao profeta Jeremias em especial, a resposta
se torna ainda mais difícil; uma vez que é complexo o processo de redação e edição do livro
que leva seu nome. Os intérpretes normalmente têm muitas dificuldades em saber o que é
originalmente jeremiânico, do que são a composição e a compilação posteriores realizadas por
seus discípulos e pela escola deuteronomística.
Apesar destas complexidades quanto à autoria, redação e compilação dos livros
proféticos é certo que os profetas usaram o gênero de lamentação para rebuscar e sofisticar
sua mensagem:
É certo que, em sua origem, a profecia israelita não tem nada haver com a
lírica religiosa. Porém, em um determinado estágio de sua evolução, utilizou
a poesia dos salmos e outros gêneros literários para expressar melhor sua
mensagem e alcançar assim um maior efeito em um povo tão sensível à
poesia. Assim, quando os profetas quiseram dar maior força e expressividade
possível ao lamento do povo pela miséria que pesava sobre eles e sua busca
por salvação, recorreram às ―lamentações‖ segundo o estilo entonado pela
comunidade e das quais os salmos testemunham (GÜNKEL, 1993, p.20).
A lamentação poderia dar mais ênfase ao que os profetas pretendiam transmitir aos
líderes e ao povo de sua nação172
. O ofício profético era censurar áreas da vida do povo,
172 As acusações de cunho politico são bastante pormenorizadas nos livros proféticos. Cada profeta possuí uma perspectiva e
mensagem peculiar ao seu tempo e sociedade. Para cada monarca que Israel teve houve um profeta que, próximo a ele,
orientou, exortou e admoestou a liderança do país. Também eram os profetas que denunciavam os abusos sociais contra a
nação. Os abusos se estenderam por vários períodos da história de Israel em esferas econômicas e culturais. A censura que os
profetas realizavam quanto aos crimes sociais, segundo Westermann, ―ancorava-se no direito transmitido desde os tempos
antigos, e não apenas no alto grau de sentimento moral dos profetas‖. Em outras palavras, Westermann assume que a base da
pregação profética e fonte de autoridade deles é a palavra de Deus. Houve censuras no campo religioso também. Os profetas
clássicos eram zelosos quanto às relações que os reis tinham com Yhwh. Acusaram firmemente o sincretismo, a idolatria e a
apostasia do povo de Deus. A mensagem profética pretendia reorganizar o bom uso das instituições sociais que se
corrompiam pela atividade de homens maus. O culto também foi alvo das críticas proféticas. Por vezes, o culto se tornou
mais importante que o relacionamento com Yhwh e tornara-se um ritual hipócrita. Conforme: WESTERMANN, Claus.
Fundamentos de Teologia do Antigo Testamento. Santo André: Editora Academia Cristã, 2005, p.147-151.
143
principalmente quando havia violações dos mandamentos. A violação dos mandamentos
divinos traria problemas para toda a nação, não apenas ao indivíduo infrator. As situações em
que os profetas mais atuavam eram: política, social e religiosa.
Porém, não podemos esquecer que esses lamentos fora do saltério também aparecem
no livro de Jó. Podemos situar o livro de Jó no mesmo âmbito da pesquisa de lamentações:
primeiro, por se tratar de poesia religiosa; segundo, porque o livro de Jó como um todo se
refere à lamentação do oprimido que dá voz ao seu sofrimento. O livro apresenta o terrível
sofrimento do personagem Jó. Na boca de Jó é colocado cânticos de lamentação de inocência
(Jó 10, 13.23-14.22; 16.6-17.9; 19.18). Coloca-se também cânticos semelhantes aos hinos do
saltério (Jó 5.9; 9.3-13; 12.13; 26.5; 36.26; 38.4).
Westermann chega a afirmar que a linguagem de lamentação atinge seu auge na poesia
de Jó. O autor caracteriza o gênero da poesia de Jó como ―lamentação‖ (1981, p.1-16).
Mackenzie e Murphy seguem Westermann e também o caracterizam como um lamento (In:
BROWN; FITZMYER; MURPHY; 2007, p.924). Clines não comenta sobre o estilo poético
do livro, apenas faz referencia à lamentação em Jó ao comentar o capítulo 3, mas considera
como um gênero de maldição tal passagem (In: BRUCE, 2009, p.711-714). Clines erra em,
aparentemente, atribuir a maldição como um gênero por si. A maldição (auto-maldição) do
capítulo 3 de Jó é parte dos elementos que perfazem o gênero literário do livro: lamentação.
O personagem Jó questiona seus amigos se o sofrimento é causa do pecado. Seu
lamento é a linguagem de quem não compreende os caminhos de Deus. Greenberg simplifica
a questão atribuindo à linguagem de lamentação a terminologia de ―queixa‖ (In: ALTER;
KERMODE; 1997, p.312). No caso de Jó, a linguagem da lamentação atinge seu auge na
função de súplica ao Senhor. O lamento de Jó é importante para a pesquisa, pois retrata o ser
humano que, em intenso desespero, clama a um Deus que aparentemente o abandonou ou se
contradiz (WESTERMANN, 1965, p.273).
Com estes exemplos de Jeremias e Jó, pudemos verificar que a presença dos salmos de
lamentação fora do saltério é uma realidade indiscutível na literatura sagrada dos judeus.
Importa, porém, que tais salmos alheios aos mormente verificados no saltério sejam também
de apreciação e exame minucioso das pesquisas de ponta, no âmbito da linguagem de
lamentação da tradição do antigo Israel. É nossa pretensão ao examinar o salmo de Jeremias
20.7-18 na perspectiva de tal linguagem.
144
4.4.4.2 Sitz im Leben das lamentações proféticas
O solo aonde acontece as lamentações proferidas por profetas, como Amós, Isaías e
Jeremias é o da apostasia religiosa e o das injustiças sociais. O livro Jó nos leva ao Sitz im
Leben do sofrimento inexplicável pelo indivíduo e sua comunidade. A época de Habacuque e
Jeremias é substancialmente o de sincretismo religioso, abusos sociais, conflitos locais,
guerras internacionais; época permeada de violência e sofrimento. Habacuque e Jeremias,
praticamente contemporâneos, podem ser localizados em época denominada de ―exílio‖, cujas
lamentações assumem diversos papéis na religião e sociedade de Israel.
A expressão ―exílio babilônico‖ se refere à conquista de Judá pelos babilônicos no
início do século VI a.C. A data oficial para o início deste evento, segundo Klein, foi o ano 597
quando os babilônicos capturaram o rei Joaquim e fizeram a primeira deportação (1990, p.11).
Segundo Schwantes foram deportadas cerca de 10.000 pessoas nesta primeira leva (2007,
p.28), sua base está em 2 Reis 24.14-16; mas não sabemos ao certo o número exato, pois as
contagens bíblicas são contraditórias e inexatas (por exemplo, não sabemos se neste numero
incluem-se crianças e mulheres). A experiência do exílio só acabaria em 539 quando os
babilônicos foram dominados pelos persas. Esse tempo denominado entre os estudiosos como
o ―exílio‖, a saber, por volta de 586 a 538, é erroneamente entendido como a ênfase do que
houve no cativeiro babilônico.
Muito da literatura produzida entre os remanescentes (os que ficaram em Judá)
receberam influencia dos que retornaram do cativeiro e reclamavam a si a exclusividade da
eleição divina. Portanto, é importante deixar claro que para os que permaneceram na terra não
havia um ―exílio‖, mas uma existência e subsistência colonial, cheia de dificuldades.
O período de 597 a 586, que se dá desde a primeira deportação passando pelo sítio de
Jerusalém até sua queda, foi marcada pela expansão da população de Judá ao redor da
periferia da cidade e de outras regiões próximas a Judá como Amon, Moab e Edom, partes do
atual território da Jordânia.
Em contraste, para os que foram levados para Babilônia a vida não foi tão severa173
.
Ainda que eles tivessem sido deportados de sua terra e perdido vários direitos que tinham
como elite e liderança em sua nação, eles desfrutaram de certa liberdade em território
estrangeiro. Acroyd é quem desenvolveu um estudo aprofundado e de referencia sobre o
173 Sobre as condições do povo ―exilado‖, a partir de informações dos profetas Jeremias e Ezequiel, consulte: GABEL, John;
WHEELER, Charles. A Bíblia Como Literatura. 2ª.ed. São Paulo: Loyola, 2003, p.136.
145
período174
. Segundo ele, a categoria ―exílio‖ aplica-se àqueles que foram deportados e, quanto
aos judaítas que ficaram em Judá, certamente, suas condições de sobrevivência foram se
tornando piores; para os que iam se assentando em terras estrangeiras, ou seja, para os
deportados, a vida aos poucos melhorava à medida em que se adequavam às novas demandas
culturais e adaptações religiosas175
.
O lamento foi amplamente praticado na época do exílio. O livro de Habacuque se
encontra no início do cenário do exílio, mais precisamente no final do que convencionalmente
chamamos de pré-exílio. A perícope de Habacuque 1.1-4 lança mão do lamento para fazer a
análise da realidade marcada por violências e crimes de toda ordem no período. O caos parece
ter tomado conta da sociedade. Não há onde buscar socorro. Não há a quem se dirigir na
expectativa de justiça. Os que exercem poder e teriam a autoridade para exercer o direito
estavam corrompidos. Portanto, Habacuque lamenta que o injusto estivesse sendo entregue
nas mãos do perverso (Hc 1.1-4)176
.
Em Habacuque não há qualquer outro recurso disponível para proteger o justo, o
pobre, e aquele que se tornava vítima dos abusos internos da nação e oprimidos pela
conjuntura de crises internacionais: o lamento era a possibilidade de dar voz ao sofrimento.
Diante da ameaça da fé, lança-se mão do lamento para alterar a situação calamitosa ao seu
redor.
O livro de Jeremias em seu estado atual é uma reação ao exílio, uma releitura religiosa
dos fatos, uma ressignificação dos símbolos da religião de Israel e uma resposta teológica a
partir do profeta que ganhara legitimidade profética após os desastres. A diversidade de
gêneros no uso da profecia jeremiânica são exemplos da riqueza literária que os judaítas
dispuseram para interpretar a situação de calamidade, violência e desespero (NICHOLSON,
1970).
174 O estudo histórico do exílio foi tratado com profundidade por: ACKROYD, Peter. Exile and Restoration: A Study of
Hebrew Thought of the Sixth Century. London: SCM, 1968 (Old Testament Library); BRIGHT, John. História de Israel. São
Paulo: Paulinas, 1978; DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos: da Época da Divisão do Reino até
Alexandre Magno. V.2. São Leopoldo: Sinodal, 1997. Para revisar as justificativas, consequências e perspectivas do exílio na
ótica jeremiana vale consultar o trabalho de: TRIGO, Alecssandra C. O Exílio na Babilônia: Um Novo Olhar Sobre Antigas
Tradições. 2007. 139fl. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). São Paulo, 2007, p.87-107. 175 O ―exílio‖, ao contrário do que se pensa, acarretou em uma série de oportunidades tanto para os exilados quanto para os
remanescentes, os que ficaram em Judá. Donner afirma que ―o exílio babilônico foi uma época de miséria e opressão, mas
também de mudança e reflexão‖ DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos: da Época da Divisão do Reino
até Alexandre Magno. V.2. São Leopoldo: Sinodal, 1997, p.442. Na opinião de Schwantes, ―o sofrimento [do povo] foi
transformado em êxito‖ SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no
Século VI a.C. São Paulo : Paulinas, 2007, p.17,18. 176 Consultar: PORATH, Renatus. ―A Fé e o Cotidiano de Violência: Caminhos de Inspiração Cúltico-Profética no Livro de
Habacuque‖. In: ZWETSCH, Roberto E.; BOBSIN, Oneide (Org.). Prática Cristã: Novos Rumos. São Leopoldo:
Sinodal/IEPG, 1999, p.159-169.
146
Os idos do exílio e pós-exílio foram épocas de intensa atividade literária entre os
palestinenses. Marca a literatura deste tempo: a obra deuteronomística e o livro de Jeremias:
literatura sob o ponto de vista campesino; a produção de vários salmos e do uso das
lamentações: liturgias e cânticos de sofrimento e esperança por indivíduos e pela comunidade
em culto (SCHWANTES, 2007, p.68). Para a compreensão mais ampla do livro de Jeremias,
importa relacioná-lo com a produção literária de âmbito palestinense e o exame das suas
―confissões‖. Para Von Rad, os lamentos dispostos no livro de Jeremias são a chave
hermenêutica de todo o livro, ele as caracteriza como a ―parte central de qualquer
interpretação‖ (2006, p.627).
A linguagem de lamentação no livro de Jeremias, por sua vez, envolve as funções
proféticas relativas ao profeta Jeremias e as características de critica social e teológica da
escola posterior que reconheceu Jeremias como profeta autêntico. Esta escola foi a que
provavelmente trabalhou a edição final do livro após o profeta ser levado à força para o Egito
ou ter morrido. Alguns estudiosos a reconhecem como deuteronomística, outros ainda
afirmam que o livro de Jeremias passou por mãos de agentes redacionais antes da influência
deuteronomística. Por certo, o livro de Jeremias apresenta uma série de complexidades
redacionais e de compilação que problematizam a questão177
.
As funções destas lamentações espalhadas no livro de Jeremias podem ser
multifacetadas. Primeiramente, elas possuem uma tonalidade de acusação da injustiça que o
povo de Deus acreditava ter sofrido com tamanha catástrofe. Em segundo lugar, por se tratar
de lamentações proféticas, anunciam uma mensagem vinculada ao sofrimento do profeta que
reclamava a si legitimidade de porta voz de Yhwh no cenário religioso da época. Segundo a
177 O tema das chamadas ―confissões‖ de Jeremias é peculiar ao livro de Jeremias. Elas aparecem na estrutura do livro entre
os capítulos 11 e 20. HOLLADAY, William L. The Architecture of Jeremiah 1-20. Lewisburg: Bucknell University Press:
1976, 125-163. Alguns estudiosos apontam que já existem confissões desde o primeiro capítulo, onde a partir desta teoria
elas apareceriam já no capítulo 1. É curioso estas confissões estarem espalhadas por este bloco. De qualquer forma, dentro da
estrutura redacional do livro de Jeremias, o bloco 1 a 25, em especial, 11 a 20 formam o contexto literário maior no qual estas
confissões estão inseridas. O número de confissões encontradas no primeiro bloco do livro de Jeremias também é discutido
pelos estudiosos. Uns vêem mais, outros menos parágrafos de confissões. BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Aste, vol. 2, 1959, p.130-136. A maioria concorda que tais poemas se encontram entre os capítulos
11 a 20. Discordam apenas nas divisões e subdivisões das perícopes. SMITH, Mark. S. The Laments of Jeremiah and Their
Contexts: A Literary and Redactional Study of Jeremiah 11-20. Atlanta: Scholars Press, 1990 (Society of Biblical Literature
Monograph Series, no. 42). O gênero literário no qual elas são escritas é o de poesia, mais precisamente o de lamentação
individual. BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah's Poems of Lament: Historic Texts in Biblical Scholarship. Sheffield:
Almond, 1988, p.59-62; 76-78. Ainda que possamos discutir a respeito da delimitação do que é um lamento individual para o
lamento nacional. THIELE, David Herbert.. The Identity of the 'I' in the 'Confessions' of Jeremiah. Cooranbong: Avondale
College, 1998. Para alguns exegetas, como John Skinner, esses lamentos revelam a vida íntima do profeta. SKINNER, John.
Jeremias: Profecia e Religião. São Paulo: Aste, 1966, p.189-213. Para outros, são apenas acréscimos redacionais da literatura
de lamentação da época do exílio que ganha ênfase quando posta na boca do profeta representante do período. CARROLL,
Robert. P. Jeremiah: A Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986.
147
maldição explícita no lamento do capítulo 20 era melhor Israel ou o profeta não terem nascido
para sofrer tamanha injustiça e violência178
.
É complexo, da mesma forma, identificar as vozes que lamentam no livro de Jeremias.
Ottermann (2003) identificou vozes de mulheres oprimidas, vitimadas pela violência do
período. Lee percebe que nas chamadas confissões, Jeremias é a personificação do povo,
desde a corrupção de Jeoiaquim até o desastre da queda da cidade (2010, p.144,145). Skinner
representa a perspectiva de que os lamentos se tratavam da vida íntima do profeta, chegou a
escrever um capítulo dedicado a isso, chamado ―a religião íntima do profeta‖ (1966, p.189-
213). Carroll (1986) trabalha tais lamentações como símbolos e arquétipos da luta cósmica
entre o bem e o mal, representados no confronto do justo afrontado pelo injusto.
Ora, como o contexto onde as lamentações são escritas é muito importante,
precisamente seu ambiente vivencial, faz-se necessário um exame minucioso e exegético das
lamentações de Habacuque e Jeremias para sair das generalizações. Portanto, as lamentações
realizadas ou utilizadas pelos profetas eram expressões de queixas, de interpretação da
sociedade, de ressignificação da teologia e, até mesmo, de mediação entre Deus e o povo. No
próximo capítulo da presente dissertação procuramos sair de tais generalizações quanto à
linguagem de lamentação, observando cautelosamente o salmo de Jeremias 20.7-18.
O estudo que realizamos até o momento na pesquisa se fez necessário para
adentrarmos no estudo exegético da perícope de estudo, tendo por base a perspectiva geral da
lamentação em Israel.
178 Consultar: LUNDBOM. Jack. Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary. Garden City: Yale
University Press, 2004. (The Anchor Bible Commentaries).
148
5 O SALMO DE JEREMIAS 20.7-18: ANÁLISE EXEGÉTICA
Por certo, a perícope de Jeremias 20.7-18 é um salmo de lamentação. Esse é nosso
pressuposto básico para a análise exegética do nosso objeto de estudo. O gênero da perícope é
marcadamente o de lamentação. Jeremias é o livro profético que atesta peremptoriamente a
linguagem de lamentação do antigo Israel.
Como fenômeno universal que é, a lamentação é encontrada quando a violência e o
sofrimento se mostram presentes na sociedade. O contexto histórico e social do livro de
Jeremias atesta claramente a opressão, o sofrimento, a violência e o caos generalizado. É certo
que o livro de Jeremias abrange um período amplo na história de Israel, mas em todo ele o
sofrimento encontra eco na voz de Jeremias. O solo cultural e religioso que a profecia
jeremiana se encontrava fora influenciado, até certo ponto, com a cultura geral do antigo
Oriente Próximo. Em outras palavras, a micro cultura do antigo Israel continha certos pontos
de contato com a macro cultura da sociedade a seu entorno, ainda que mantivesse sua própria
idiossincrasia. Jeremias se fixa neste ambiente. Seu livro é produção deste micro contexto
envolvido num âmbito maior.
A linguagem de lamentação em Israel atinge seu auge na época do exílio. Este é um
período privilegiado em termos de produção literária dos profetas e de manifestações
religiosas que deram voz ao povo que perguntava, clamava e sofria. É, porém, uma época de
transformações a partir de todo sofrimento. Armstrong (2008) afirma que este é um dos
períodos ―axiais‖ da história da humanidade, em que a religião promovida em seu contexto
em meio a dor e violência gerou transformações significativas nas sociedades que as
precederam.
O livro do profeta Jeremias é parte desta linguagem que nasce da dor. Provavelmente,
assume como escopo de sua estrutura literária (pelo menos no primeiro bloco do livro) a
linguagem de lamentação. A trajetória de Jeremias é tanto histórica quanto simbólica.
Historicamente, ele é o profeta que dá voz a seu próprio sofrimento; simbolicamente, ele dá
voz e sentido ao sofrimento do povo de Judá e Jerusalém. É provável que a escola jeremiana
tenha sido aquela que encontrou na voz de Jeremias a personificação da situação vivencial dos
judaítas.
O capítulo 5 de nossa pesquisa pretende, portanto, situar historicamente o livro de
Jeremias e o backgroud histórico e sociológico do livro para aproximação da perícope de
149
estudo. A metodologia de análise do nosso texto de interesse é a da forma, lugar e conteúdos
sob perspectiva da linguagem de lamentação. Esta aproximação e verificação de linguagem na
perícope de estudo é que proporcionou o tema da presente dissertação.
5.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO LIVRO DE JEREMIAS
A análise do contexto histórico do livro de Jeremias é uma perspectiva mais ampla em
termos históricos que nos situará no contexto da vida do Jeremias histórico e na literatura
composta a partir destas experiências179
.
As informações contidas no livro de Jeremias estão fora de ordem cronológica, o que
dificulta nossa tarefa, porém é possível fazer uma reconstrução do seu contexto histórico
apesar das informações encontrarem-se fragmentadas180
. Essa reconstrução tem o objetivo de
facilitar o entendimento do transfundo histórico, social e teológico do livro de Jeremias.
5.1.1 O profeta Jeremias
O livro de Jeremias, normalmente atribuído ao profeta de mesmo nome não se trata de
sua biografia. Porém, através dele é possível obter informações biográficas181
e a reconstrução
do retrato de sua vida182
.
Para esta análise é muito difícil separar o que é genuinamente jeremiânico do que
pertence aos formuladores posteriores do livro, isto é, dos prováveis redatores. Mas
179 O debate a respeito da pessoa histórica do profeta e a obra literária que leva seu nome, além das introduções bíblicas e
comentários do livro, são bem desenvolvidas por: BRUEGGEMANN, Walter. ―The Book of Jeremiah: Portrait of the
Prophet‖. Interpretation, n.[?], v.[?], p. 130-145; CARROLL, Robert. ―The Quest of the Historical Jeremiah‖. In:
CARROLL, Robert P. From Chaos to Covenant. London: SCM Press, 1981, p.5-30. 180 O livro de Jeremias não segue uma estrutura literária cronológica, ou logicamente fácil de ser reconhecida por leitores
modernos. Possivelmente a estruturação do nosso livro tenha sido feita com objetivos teológicos pelos seus redatores. O livro
de Jeremias é mais parecido com uma coletânea meticulasamente organizada, do que uma narrativa biográfica ou cronológica
de Jeremias e seu tempo, cf. GABEL, John; WHEELER, Charles. A Bíblia Como Literatura. 2ª.ed. São Paulo: Loyola, 2003,
p.101. 181 A Bíblia deve ser utilizada como fonte de história? As narrativas bíblicas atestam ipsis literis o que aconteceu no passado
de Israel? Como os escritos bíblicos se relacionam com a tarefa da disciplina História? Para debater estas perguntas consulte:
SMITH, Mark. O Memorial de Deus: História, Memória e a Experiência do Divino no Antigo Israel. São Paulo: Paulus,
2006, p.27-77. 182 Para informações sobre a carreira de Jeremias e o pano de fundo de sua época consulte também: RAD, Gerhard Von.
Teologia do Antigo Testamento. 2vols. São Paulo: Aste/Targumim, 2006, p.600-642; EICHRODT, Walter. Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2004, p.224-263.
150
assumimos que a tradição por trás de toda obra é jeremiana183
. Ele foi o profeta histórico que
ocupa posição preponderante neste livro e quem influenciou o pensamento subjacente a toda
obra184
.
Jeremias participou de notáveis capítulos da história mundial e faz parte da memória
tradicional de Israel. Essa figura notável representa o profeta símbolo da transição de Israel
para o exílio, principalmente, na perspectiva do grupo remanescente, isto é, aqueles que
ficaram em Judá185
. Por outro lado, Ezequiel teria sido o profeta que atuou na época do exílio,
porém, entre os exilados na Babilônia.
Segundo o capítulo 1.1-3 do livro, Jeremias é benjamita e descende de uma família de
sacerdotes do vilarejo de Anatote186
.
Como benjamita, está próximo a Israel, às tribos do norte. Conhece suas
tradições, dentre elas, a do êxodo libertador [...] Pertencendo a uma família
sacerdotal, tinha acesso à cultura de sua gente. Nós até podemos nos
perguntar se não teria conhecido os conteúdos do livro de Oséias. Afinal, os
capítulos 2 a 6 de Jeremias têm muitas semelhanças com Oséias. Tendo
nascido em Anatote, vem do mundo camponês. Está ligado às tradições das
pessoas da roça187
.
Outra referência às suas origens destaca que seu pai se chamava Hilquias e era
sacerdote. Os estudiosos se perguntam se este Hilquias de Jeremias 1.1 trata-se do mesmo
sacerdote descrito em 2 Reis 22.8, aquele que encontrou o livro norteador da reforma de
Josias na perspectiva deuteronomística. Se assumíssemos esta hipótese, isso nos diria ainda
mais sobre a influência religiosa efraimita em sua vida188
.
183 Sobre noções de autoria dos textos da BHS veja: CLEMENTS, Ronald (org.). O Mundo do Antigo Israel : Perspectivas
Sociológicas, Antropológicas e Políticas. São Paulo: Paulus, 1995; GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à
Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 1988; e, principalmente, LEVENSON, Jon. The Hebrew Bible, The Old Testament, and
Historical Criticism. Louisville: Westminster / John Knox Press, 1993. 184 O profeta Jeremias é geralmente considerado um profeta literário porque há um livro com seu nome, não necessariamente
que ele seja o escritor do livro, cf. GABEL, John; WHEELER, Charles. A Bíblia Como Literatura. 2ª.ed. São Paulo: Loyola,
2003, p.99,100. Para maiores discussões sobre o debate referente à autoria do livro de Jeremias consulte as obras: CHILDS,
Brevard. Introduction to the Old Testament as Scripture. Philadelphia: Fortress, 1979; DILLARD, Raymond; LONGMAN
III, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005; EISSFELDT, Otto. The Old Testament an
Introduction. New York: Harper and Row Publishers, 1966; PFEIFFER, Robert. Introduction to the Old Testament. New
York: Harper & Brothers, 1948; SELLIN, Ernst; FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. 2vols. São Paulo:
Academia Cristã Ltda, 2007. 185 ALTER, Robert; KERMODE, Frank. Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p.199.
Junto com Jeremias, outro profeta símbolo deste período é Ezequiel. A diferença consiste em que, Jeremias atuou entre os
remanscentes; Ezequiel atuou entre os exilados na Babilônia. 186 Anatote ficava a nordeste de Jerusalém. Tratava-se de uma aldeia levítica. Segundo Mears, este vilarejo ficava localizado
cerca de cinco quilômetros de Jerusalém, cf. MEARS, Henrietta. Estudo Panorâmico da Bíblia. São Paulo: Vida, 2006,
p.245-266. Segundo Bright a família de Jeremias estava ligada ao antigo santuário em Siló; mas Josias a anexou ao Reino de
Judá, tornando-a dependente da administração de Jerusalém, cf. BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas,
1978, p.450,451. 187 SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.55. 188 RAD, Gerhard Von. Teologia do Antigo Testamento. 2vols. São Paulo: Aste/Targumim, 2006, p.616,617.
151
Fohrer informa que a ―tradição registra, comparativamente, mais pormenores acerca
do seu destino e personalidade do que para qualquer outro profeta‖189
. É provável que ao
longo de sua vida o profeta tenha visto ao todo cinco reis no trono de Israel: Josias, Jeoacaz,
Jeoiaquim, Joaquim e Zedequias.
A data de nascimento de Jeremias é incerta. Alguns datam seu nascimento na última
década do reinado de Manassés (c. 687 a 642 a.C.) o pior rei que os hebreus já tiveram190
.
Neste caso, ele também teria estado debaixo do governo de Amom, que reinou por dois anos e
foi assassinado. Há estudiosos que propõe que 626/627 a.C. seja a data de seu nascimento, já
que ele fora eleito como profeta deste sua concepção/gestação, mas eles parecem basear a
ideia unicamente sob ponto de vista teológico191
. Certo é que Jeremias começa profetizar nos
dias de Josias192
. Podemos ainda situar o início de sua profecia um pouco antes da reforma
josiânica, por volta de 630 a 622, a qual se deve a ocasião a que os capítulos 2 a 6 se
referem193
.
Na cronologia194
de sua vida – questão ainda bastante relativa na pesquisa, os
estudiosos entram em consenso nas seguintes etapas (não necessariamente em datas) de sua
atuação: sua vocação anterior e talvez próxima do décimo terceiro ano do reinado de Josias
(630/627 a.C.), primeira etapa nos dias da reforma de Josias e tempo de silêncio (626 a 609
a.C.), oráculos na época de Jeoiaquim e Joaquim (608 a 597 a.C.), de Zedequias até a queda
de Jerusalém (597 a 586 a.C.) e, finalmente, sua ida à força para o Egito (586 a.C.) de onde
não temos mais informações. Jeremias, portanto, somaria no mínimo quatro décadas de
atuação profética195
.
189 SELLIN, Ernst & FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. 2vols. São Paulo: Academia Cristã Ltda, 2007,
p.335. 190 PETERSON, Eugene. Ânimo: o Antídoto Bíblico Contra o Tédio e a Mediocridade. São Paulo: Mundo Cristão, 2008,
p.56-58. 191 Esta discussão é proposta por Gottwald, mas Fohrer prefere datar o nascimento do profeta nos idos de 650 a.C., cf.
GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 1988, p.372,373 e SELLIN, Ernst
& FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. 2vols. São Paulo: Academia Cristã Ltda, 2007, p.549. Holladay
propõe que o nascimento de Jeremias seja datado em 627, cf. HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the
Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.1. 192 Bright acredita que Jeremias começou seu ministério cinco anos antes do livro da lei ser encontrado, cf. BRIGHT, John.
História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1978, p.450. 193 SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.56,57. 194 Devemos lembrar, no entanto, que nos textos bíblicos a cronologia é relativa, isto é, ela difere da cronologia ―absoluta‖ de
nossos dias. Desse modo, é muito difícil transpor uma cronologia exata dos textos bíblicos para nossa compreensão, cf.
SCHWANTES, Milton. Da Vocação à Provocação: Estudos e Interpretações em Isaías 6-9 no Contexto Literário de Isaías
1-12. 2ª.ed. ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.50. 195 Outros detalhes sobre hipóteses cronológicas da vida de Jeremias relacionadas com o livro que leva seu nome é
apresentado em SCHÖKEL, Luiz A.; DIAZ, José L. Profetas I : Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988, p.414. Trigo
realizou um excelente resumo destas etapas da carreira do profeta, cf. TRIGO, Alecssandra C. O Exílio na Babilônia: Um
Novo Olhar Sobre Antigas Tradições. 2007. 139fl. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). São Paulo, 2007, p.76-86. Para uma discussão mais
profunda sobre a cronologia da vida do profeta deve ser consultado também HOLLADAY, William L. ―A Coherent
Chronology of Jeremia‘s Early Career‖. Em: BOGAERT, P-M. (ed.). Le Livre de Jeremie: Le Prophete et son Miliue, Les
152
Para Kilpp, Jeremias desenvolvia uma atividade pastoral antes da morte de Josias (por
volta de 627 a 609 a.C.) entre os habitantes de Anatote, principalmente entre os descendentes
de refugiados do ―antigo reino do norte‖196
. Sua atuação profética-pastoral estaria vinculada
ao combate contra a idolatria. Somente depois teria se dirigido a Jerusalém, onde dedicou a
maior parte de sua atividade profética197
.
Embora tenha atuado principalmente em Judá, Jeremias está ligado às tradições
proféticas do reino de Israel, do norte. A documentação bíblica mostra que o conteúdo de sua
mensagem, bem como sua linguagem estão ligados a um grupo de sustentação que
corresponde às tradições ―efraimitas‖198
. Este grupo de sustentação profética produziu a
literatura que conhecemos como a obra deuteronomística, responsável pelas formulações
(posteriores?) do livro de Jeremias199
.
À medida que nos aproximamos de modo mais efetivo do contexto vivencial do
profeta e, na sequencia da dissertação da época mais precisa e ambiente social referente à
nossa perícope, vemos Jeremias como um dos pobres em Jerusalém, um dos que
permaneceram como remanescente durante o exílio200
. Isto é, a atuação de Jeremias foi
realizada em coligação com o povo camponês e suas ideias reformadoras201
.
Oracles et Leur Transmission. Louvain: Peeters, 1981, p.58-73; HOLLADAY, William L. ―The Years of Jeremiah‘s
Preaching‖. Interpretation. n.37, v.2, Abril de 1983, p.146-159. Sugere-se a leitura completa do artigo ―A Chronology of
Jeremiah‘s Career‖ em HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters
1-25. Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.1-10. 196 KILPP, Nelson. ―Um Profeta que Nasce da Atuação Pastoral‖. Revista Teológica Londrinense (RTL). Londrina:
Seminário Teológico Rev. Antônio de Godoy Sobrinho, n.2, 2001, p.99-111. 197 Nosso profeta foi seguramente contemporâneo do profeta Ezequiel e, ao que os estudiosos indicam, dos profetas
Habacuque e Sofonias. Holladay escreve um artigo meticuloso procurando alguma possibilidade de Jeremias e Ezequiel
terem se conhecido no período anterior a deportação. 198 Wilson é quem pressupõe que em Benjamim e em Efraim se cultivavam as tradições israelitas sobre o êxodo e o Sinai,
diferentemente das tradições de Judá, cf. WILSON, Robert. Profecia e Sociedade no Antigo Israel. 2a.ed. São Paulo:
Targumim/Paulus, 2006, p.274-296. Trigo observou essa ligação jeremianica com as tradições efraimitas: ―É interessante
notar a amplitude de ação do profeta, uma vez que ele fora constituído também para intervir pelas nações. Essa característica
de universalidade é encontrada nas tradições proveninentes do Reino de Israel, enquanto que as do Reino de Judá defendem a
noção de restrição da ação divina apenas ao povo escolhido‖ ; porém, ressalta que ―tanto as tradições do Reino de Israel,
quanto as do Reino de Judá, estavam presentes em suas manifestações, no que concerne aos aspectos políticos e sociais de
sua missão profética‖, cf. TRIGO, Alecssandra C. O Exílio na Babilônia: Um Novo Olhar Sobre Antigas Tradições. 2007.
139fl. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(FFLCH/USP). São Paulo, 2007, p.75. 199 Em recente publicação em português, Merril considera que através da literatura produzida durante o século VI a história
deuteronomística responde os porquês os escritores e redatores fizeram suas escolhas de tópicos da história da religião de
Israel, Cf., MERRILL, Eugene. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd Publicações, 2009, p.402-448. Mas Thiel é
quem realiza melhor a discussão sobre a influencia deuteronomística no livro de Jeremias: THIEL, Winfried. Die
Deuteronomistische Redaktion von Jeremia 1-25. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1973 (WMANT). 200 SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. 2a. edição ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.49-86. 201 Cf., SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C.
São Paulo : Paulinas, 2007, p.54-62.
153
5.1.2 Situação política do antigo Oriente Próximo e em Israel na época de Jeremias
O livro de Jeremias trata da época referente ao século VI. Situa o leitor no período de
transição do império assírio para o neobabilônico. Através dos vários fragmentos deste livro
profético temos a noção que ele engloba uma época anterior ao exílio e, em seguida,
concentra-se na época do exílio babilônico202
.
Egito e Babilônia disputam o poder global em meados do século VI. Nesta disputa, o
poderio global é oficialmente tirado da Assíria em 612 a.C – quando a tomada de Nínive: a
potência que se impôs foi a Babilônia. Dentro deste contexto de disputas encontra-se o estado
de Judá. Judá se encontra entre essas disputas políticas e territoriais desde o século VIII a.C.
até a época que o livro de Jeremias abrange. Todo este período é significativo para a
reconstrução do transfundo da conjuntura nacional dos tempos do profeta Jeremias203
.
Na dimensão da politica nacional de Judá, o livro de Jeremias compreende os períodos
que coincidem com o final do reinado de Manassés e inauguração do reinado de Josias (c.640
a 609 a.C.): com Josias, o estado de Judá (o reino do norte não existia mais) experimentou um
movimento político reformador a partir de 640 a.C. Isso foi possível porque a Babilônia
concentrou seus esforços nas disputas contra o Egito. Este foi um tempo certa autonomia
nacional até ―a crescente dominação babilônica sobre Jerusalém (609/605-587); e os anos da
desurbanização de Judá e do exílio (597/587-539)‖204
. Portanto, foi possível desencadear uma
serie de ações políticas renovadoras chamadas de reforma josiânica. Em seguida, vieram os
202 Ainda que o pano de fundo do nosso livro concentre-se no século VI devemos lembrar que dois séculos antes os Assírios
retomam a hegemonia no cenário político mundial. Em 732 a.C. eles rumam do Mesopotâmia para o Mediterrâneo – em
direção ao sul – com sua politica de dominação territorial, cf. SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio:
História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São Paulo : Paulinas, 2007, p.17-22. Em 722 os assírios tomam
Samaria, a capital do reino do norte de Israel. Em 701 quase conquistam Jerusalém, mas deixam o reino do sul em destroços,
avançando para o Egito, cf. SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. 2a.ed. ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora,
2008, p.28; 37-48. O auge da dominação assíria vai de 700 a 650 a.C. Tanto o Egito quanto a Babilônia questionaram essa
hegemonia. Para maiores informações e detalhes sobre este assunto, cf. DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos
Vizinhos: da Época da Divisão do Reino até Alexandre Magno. V.2. São Leopoldo: Sinodal, 1997, p.402-496; BRIGHT,
John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1978, p.417-550. Entendemos também que apesar das cenas descritas no livro
de Jeremias partilharem do período de transição do império assírio para o império e hegemonia neobabilônica é de igual
importância verificar o período de transição do período neobabilônico para o persa. Isso porque consideramos que parte da
redação posterior do livro de Jeremias e suas releituras deuteronomísticas são realizadas também nos idos do pós-exílio, neste
caso, recomenda-se ACKROYD, Peter A. ―The History of Israel in the Exilic and Post-Exilic Periods‖. Em: ANDERSON,
George Wishard. Tradition and Interpretation: Essays by Members of the Society for Old Testament Study. Oxford:
Clarendon Press, 1979, p.320-350. Para discussões sobre as datas de redação e camadas literárias do livro de Jeremias
referimo-nos principalmente as obras: THIEL, Winfried. Die Deuteronomistische Redaktion von Jeremia 1-25. Neukirchen-
Vluyn: Neukirchener Verlag, 1973 (WMANT); KESSLER, Martin. Reading the Book of Jeremiah: A Search for Coherence.
Winona Lake: Eisenbrauns, 2004; DIAMOND, A.R. Pete, et al. Troubling Jeremiah. London: Sheffield Academic Press,
1999 (Journal for the Study of the Old Testament, n.260). 203 O panorama histórico de Israel desde a divisão do reino, passando pelo império neobabilonico até a hegemonia persa, em
termos de datas e eventos correlacionados ao povo de Israel/Judá é didaticamente explicado por GUSSO, Antônio R.
Panorama Histórico de Israel para Estudantes da Bíblia. Curitiba: A.D. Santos Editora, 2003, p.103-170. 204 SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. 2a. edição ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.49.
154
reinados de Jeoacaz (c. 609 a.C.), Jeoiaquim (c. 609 a 597 a.C.), Joaquim (c. 597 a.C.),
Zedequias (c. 597 a 587 a.C.) e os anos que seguiram o exílio e a destruição de Jerusalém e do
templo205
.
Este é o mundo no qual Jeremias está imerso e do qual sua literatura abrange. Harrison
alega que ―em seu próprio país Jeremias presencia uma sucessão de crises políticas,
intercaladas de períodos muito curtos de esperança pela estabilidade social‖206
. Esses
acontecimentos influenciaram sua atividade no âmbito religioso de Judá e permitiram o
desenvolvimento da literatura jeremiânica.
Com esses dados gerais, podemos compreender melhor a atuação do profeta dentro de
seu contexto histórico e ambiente social. Torna-se mais palpável a identificação da
cosmovisão nacional na qual o profeta esta imbuído. Principalmente, a cosmovisão profética
peculiar ao livro de Jeremias devido aos acontecimentos que envolveram o desastre nacional
e, por certo, religioso, na época referente ao exílio com a: desurbanização da cidade, a
destruição do templo e a deportação de alguns judaítas para a Babilônia.
5.1.3 O exílio babilônico e sua teologia
A expressão ―exílio babilônico‖ se refere à conquista de Judá pelos babilônicos no
início do século VI a.C. A data oficial para o início deste evento foi o ano 597. quando os
babilônicos capturaram o rei Joaquim e fizeram a primeira deportação207
. Segundo Schwantes
foram deportadas cerca de 10.000 pessoas nesta primeira leva208
, sua base está em 2 Reis
24.14-16; mas não sabemos ao certo, pois as contagens bíblicas são contraditórias e inexatas –
por exemplo, não sabemos se neste numero incluem-se crianças e mulheres. A experiência do
exílio só acabaria em 539. quando os babilônicos foram dominados pelos persas.
Mas importa alguns esclarecimentos quando à nomenclatura do período. Esse tempo
entendido entre os estudiosos como o ―exílio‖, a saber, por volta de 586 a 538, é erroneamente
entendido como a ênfase do que houve no cativeiro babilônico. Muito da literatura produzida
entre os remanescentes receberam influencia dos que retornaram do cativeiro e reclamavam a
205 Para maiores detalhes consulte: CARSON, Donald A. et al. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009,
p.1014-1019. 206 HARRISON, Robert K. Jeremias e Lamentações: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1980, p.11,12. 207 KLEIN, Ralph W. Israel no Exílio: Uma Interpretação Teológica. São Paulo: Paulinas, 1990, p.11. 208 SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.28.
155
si a exclusividade da eleição divina. Portanto, é importante deixar claro que para os que
permaneceram na terra, a quem chamamos de remanescentes, não havia um ―exílio‖, mas uma
existência e subsistência colonial, cheia de dificuldades. O período de 597 a 586, que se dá
desde a primeira deportação passando pelo sítio de Jerusalém até sua queda, foi marcada pela
expansão da população de Judá ao redor da periferia da cidade e de outras regiões próximas a
Judá como Amon, Moab e Edom.
Em contraste, na Babilônia, a vida não foi tão severa209
. Ainda que os exilados
tivessem sido deportados de sua terra e perdido vários direitos que tinham como elite e
liderança de sua cidade, eles desfrutaram de certa liberdade. Acroyd é quem desenvolveu um
estudo aprofundado de referencia sobre o período210
: a categoria ―exílio‖ aplica-se àqueles
que foram deportados; quanto aos judaítas que ficaram em Judá, certamente, suas condições
de sobrevivência foram se tornando piores para os que iam se assentando em terras
estrangeiras e adequando suas vidas à nova cultura211
.
Aproximando-nos do nosso profeta, percebemos que os anos que compreendem a
atuação de Jeremias em Jerusalém foram seguidos de desastres porque se encontram dentro do
período denominado ―exílio‖212
. Vemos sua atuação entre aqueles que ficaram em Judá, isto
é, os remanescentes. A conquista babilônica afetou negativamente toda a população, mas
especialmente os moradores de Judá. A esta parcela histórica e vivencial que nos ateremos
mais enfaticamente na presente dissertação, nos direcionamos para a perspectiva destes que
permaneceram no território palestinense porque dela se origina a profecia de Jeremias e as
interpretações e redações posteriores à obra jeremiana.
Conquanto, após a conquista de Jerusalém e a desurbanização de Judá a população era
predominantemente campesina. Os líderes e pessoas mais abastadas do povo tinham sido 209 Sobre as condições do povo ―exilado‖, a partir de informações dos profetas Jeremias e Ezequiel, consulte: GABEL, John;
WHEELER, Charles. A Bíblia Como Literatura. 2ª.ed. São Paulo: Loyola, 2003, p.136. 210 O estudo histórico do exílio foi tratado com profundidade por: ACKROYD, Peter. Exile and Restoration: A Study of
Hebrew Thought of the Sixth Century. London: SCM, 1968 (Old Testament Library); BRIGHT, John. História de Israel. São
Paulo: Paulinas, 1978; DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos: da Época da Divisão do Reino até
Alexandre Magno. V.2. São Leopoldo: Sinodal, 1997. Para revisar as justificativas, consequências e perspectivas do exílio na
ótica jeremiana vale consultar o trabalho de: TRIGO, Alecssandra C. O Exílio na Babilônia: Um Novo Olhar Sobre Antigas
Tradições. 2007. 139fl. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). São Paulo, 2007, p.87-107. 211 O ―exílio‖, ao contrário do que se pensa, acarretou em uma série de oportunidades tanto para os exilados quanto para os
remanescentes, os que ficaram em Judá. Donner afirma que ―o exílio babilônico foi uma época de miséria e opressão, mas
também de mudança e reflexão‖ DONNER, Herbert. História de Israel e dos Povos Vizinhos: da Época da Divisão do Reino
até Alexandre Magno. V.2. São Leopoldo: Sinodal, 1997, p.442. Na opinião de Schwantes, ―o sofrimento [do povo] foi
transformado em êxito‖ SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no
Século VI a.C. São Paulo : Paulinas, 2007, p.17,18. 212 A atuação histórica de Jeremias na época do reinado de Jeoiaquim foi abordada de forma concentrada em:
BORTOLLETO FILHO, Fernando. Sofrimento e Luta Social em Jeremias 7-23. 1994. 206fl. Dissertação (Mestrado em
Ciências da Religião). Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, 1994, p.31-71; 108-139. O quadro da
destruição de Jerusalém é bem explicado no artigo de WANDERMUREN, Marli. ―A Destruição de Jerusalém e o Destino de
Sua População: Uma Leitura de Jeremias 38,28b-39,14‖. Disponível em: « http://www.fbb.br/downloads/marli_artigo2.pdf ».
Acesso em: 5 abr, 2010.
156
deportados. A maioria do povo ficou em Judá, cerca de 100.000 pessoas. Para estes, na
conjuntura em que se encontrava, a religião foi se enfraquecendo. Bright diz que a teologia
nacional entrou em crise: a população começou a duvidar da soberania e justiça de Yhwh213
.
Em outras palavras, a teologia nacional entrou em crise. A religião ―javista‖ se enfraqueceu.
Estas crises teológicas da população ao longo de todo o período desde a violência e
repressão de Jeoiaquim, passando pelo domínio neobabilônico até o domínio persa e retorno
dos exilados proporcionou uma nova reflexão no âmbito religioso. Era necessário que
houvesse respostas para os dilemas enfrentados. Por que Yhwh permitiu tal catástrofe? Onde
ele estava quando mais precisaram? Agora, sem templo, onde estaria Yhwh? Sem os principais
líderes da nação e oficiais da religião, quem poderia dar as respostas? Como seria a vida em
meio à extrema pobreza? ―O exílio trouxe inúmeros problemas físicos e socioeconômicos‖214
.
Os remanescentes procuraram a resignificar um novo momento de fé e teologia.
Primeiro, em relação à teologia do templo, isto é, do lugar de atuação de Yhwh. Em segundo
lugar, em relação ao fim da dinastia davídica. Em terceiro lugar, podemos compreender que
os sistemas de símbolos precisaram de novas utilidades e reinterpretações. A partir destas
indagações e novo momento derivam-se as produções literárias e releituras importantes para a
história da religião do antigo Israel.
Neste caso, o livro de Jeremias em seu estado atual é uma reação ao exílio, uma
releitura religiosa dos fatos, uma ressignificação dos símbolos da religião de Israel e uma
resposta teológica a partir do profeta que ganhara legitimidade profética após os desastres.
Os idos do exílio e pós-exílio foram épocas de intensa atividade literária entre os
palestinenses. Marca a literatura deste tempo: a obra deuteronomística e o livro de Jeremias:
literatura sob o ponto de vista campesino; a produção de vários salmos e do uso das
lamentações: liturgias e cânticos de sofrimento e esperança por indivíduos e pela comunidade
em culto215
. Para a compreensão mais ampla do livro de Jeremias, importa relacioná-lo com a
produção literária de âmbito palestinense.
O livro de Jeremias nos mostra que é em meio a estes acontecimentos que
encontramos o profeta e sua influência216
. Vemo-lo como um dos pobres em Jerusalém217
.
213 BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1978, p.447-450. 214 KLEIN, Ralph W. Israel no Exílio: Uma Interpretação Teológica. São Paulo: Paulinas, 1990, p.13. 215 SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.68; Cf. também KLEIN, Ralph W. Israel no Exílio: Uma Interpretação Teológica. São Paulo:
Paulinas, 1990, p.19-82. 216 Para a presente dissertação, não obstante, precisamos destas informações para situar nossa perícope na história. É no
período que vai da subida de Jeoiaquim ao trono de Judá sob domínio egípcio (c.608 a.C.), passando pela deportação de
Joaquim, desmilitarização de Judá (c. 597 a.C.) e pela nomeação de Zedequias como governador pela Babilônia (c. 597 a 587
a.C.), culminando na destruição do templo de Jerusalém e na desurbanização de Judá (587 a.C.) e na morte de Godolias (c.
a.C., cf. Jr 26.24; 2Rs 22.3), que vemos a atuação do profeta Jeremias entre os judaítas.
157
Primeiramente ele rompe com a elite josiânica quando percebe as limitações da reforma218
.
Torna-se um crítico ferrenho do governo de Jeoiaquim, sendo perseguido e maltratado (época
em que vários exegetas sugerem que se encontra as suas ―confissões‖ – ainda vamos discutir
melhor esta hipótese)219
. Enfrentou embates com círculos proféticos de oposição a sua
mensagem e que o ridicularizavam220
. Tornou-se um dos ícones dentre os portadores oficias
da mensagem de Yhwh ao povo necessitado.
Bright o chamou de ―demolidor da falsa esperança‖ por causa de sua mensagem221
.
Gottwald sugere que o tema central da mensagem de Jeremias confronta a política interna de
Judá porque ―era tão corrupta que seria destruída totalmente pela neobabilônia‖222
. Schwantes
o aproxima do camponês judaíta quando fala da possibilidade de relação com as ideologias do
campo: ―na oposição a Sião, na expectativa messiânico-davídica e na certeza de que o
[verdadeiro] povo de Deus são os remanescentes na terra de Javé‖223
, isto é, ao contrário dos
exilados que reclamavam a si a legitimidade da eleição divina para liderar Israel.
Com essas considerações podemos nos aproximar da perícope da pesquisa (no
próximo capítulo da dissertação) com alguns dados que perfazem o pano de fundo da vida e
obra de Jeremias e as dimensões da história de Israel que envolvem a produção literária
relativa ao livro em questão. Esses dados (panorâmicos), juntamente com a perspectiva
histórica-teológica da linguagem de lamentação na época do exílio podem auxiliar a
compreensão de que a prática de lamentação de Jeremias, certamente, foi um meio de reagir
às situações do período e, em termos literários, não foram deixados de lado na construção e
elaboração do complexo livro que temos acesso.
217 Cf. SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. 2a. edição ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.49-58. 218 Cf. SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C.
São Paulo : Paulinas, 2007, p.60. 219 Bright diz que o profeta ―foi odiado, escarnecido, relegado ao ostracismo‖ e ―continuamente atormentado e, mais de uma
vez, quase morto‖, Cf. BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1978, p.452,453. 220 A este debate verificamos os seguintes trabalhos: TORRES, Otávio J. Verdadeira e Falsa Profecias: Uma Nova Leitura
da Controvérsia entre Jeremias e os Profetas da Paz – Jeremias 23,9-14. 1999. 188fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1999. CAMPUSANO, Maria V. Opressão e
Resistência Revelados Pelos Corpos Peregrinos: Um Estudo de Gênero, Classe e Etnia a partir dos Salmos de Subida
(Salmos 120-134). 2003. 309fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2003; SILVA, Fernando C. Conflitos Proféticos: A Posição da Profecia no Campo Religioso Judaíta do
Século VIII a.C. 2006. 142fl. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual Paulista, Assis, 2006, p.14-25. Cf.
também o excelente artigo de: LONG, Burke O. ―Social Dimensions of Prophetic Conflit ‖. Semeia, n.21, 1981, p.31-53. 221 BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1978, p.458. 222 GOTTWALD, Norman. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 1988, p.374. 223 SCHWANTES, Milton. Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.61.
158
5.1.4 O livro de Jeremias
O livro que leva o nome do profeta Jeremias é um dos maiores da Bíblia Hebraica. Seu
título é simplesmente Jeremias. Porém, optamos diferenciar, por vezes, o livro que leva o
nome do profeta da pessoa do profeta. O livro não pretende ser autobiográfico. Apesar de ser
o livro profético que traz mais informações sobre um profeta veterotestamentário. Na Bíblia
Hebraica e também no cânon cristão, o livro de Jeremias se encontra entre os profetas
maiores, precisamente, entre o livro de Isaías e de Ezequiel.
Os estudiosos224
normalmente esquematizam o livro de Jeremias em:
a) Capítulos 1 a 25
b) Capítulos 26 a 45
c) Capítulos 30 e 31
d) Capítulos 46 a 51
e) Capitulo 52
As principais hipóteses da exegese histórico-crítica sobre a formação do livro de
Jeremias podem ser divididas em duas grandes correntes: as que aceitam a crítica literária e
crítica da história da redação, ou seja, que trabalham com a hipótese de diversas fontes unidas
e relidas por redatores, e as que desenvolvem modelos que dispensam este passo
metodológico. A partir do século 19 foram escritos vários comentários sobre o livro de
Jeremias que fazem uso do método histórico-crítico. Destacamos como as primeiras
referências os livros: de Duhm225
e o do Mowinckel226
.
Ao longo da história da pesquisa os estudiosos dividiram o livro de Jeremias em
―fontes‖ que compõe o livro. Tais fontes seriam:
a) Fonte A: oráculos do profeta Jeremias, em poesia, encontrados entre os capítulos 1
a 25;
b) Fonte B: narrativas sobre Jeremias, em prosa, encontrados nos capítulos 26 a 45;
224 Consulte: THIEL, Winfried. Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 1-25. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener
Verlag 1973 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament, Band 41); WANKE, Gunther. Jeremia 1,1-
25,14. Zurique: Theologischer Verlag, 1995 (Zürcher Bibelkommentar Altes Testament, 1); WEISER, Arthur. Das Buch des
Propheten Jeremia Kapitel 1-25,13. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1952 (Das Alte Testament Deutsch, 20).
WEISER, Arthur. Das Buche des Propheten Jeremia. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960; BRIGHT, John. Jeremiah:
A New Translation with Introduction and Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 1998; HOLLADAY, William L. Jeremiah
1: a comentary on the book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Edição de Paul D. Hanson. Philadelphia: Fortress Press,
1986 (Hermeneia Bible Commentaries - A Critical and Historical Commentary on the Bible). 225 DUHM, Bernhard. Das Buch Jeremia. Tübingen: Mohr, 1901. 226 MOWINCKEL, Sigmund. Zur Komposition des Buches Jeremia. Kristiania: Dybwad, 1914.
159
c) Fonte C: discursos deuteronomísticos, em prosa, espalhados por todo o livro,
chamados de fonte C por Wanke e fonte D por Thiel.
Este modelo foi amplamente aceito na pesquisa realizada ao longo do século 20, e
aperfeiçoado principalmente nos grandes comentários e demais obras de Rudolph, Hyatt e
Weiser. Bright e Schökel são relutantes quanto a teoria das fontes do livro de Jeremias.
Um passo significativo foi dado adiante quando a pesquisa avançou da questão da
crítica das fontes para a crítica da história da redação, analisando também o processo da
integração dos diversos materiais no livro. Destacam-se aqui as obras de Thiel que mostrou
para o corpo de Jeremias capítulo 1 que a intervenção deuteronomista não se limitou a
fornecer os materiais da chamada fonte C, senão que é também responsável pela própria
redação principal dos capítulos 1-45.
Thiel criou a sigla ―D‖ para identificar as intervenções deuteronomistas, substituindo e
ampliando assim a sigla C de Mowinckel. O material B, ou seja, das narrativas sobre Jeremias
em geral, caracterizadas como ―biografia‖ de Jeremias e geralmente atribuídas a Baruc.
Wanke aproveitou obras de Kremers e mostrou que este material provém de pelo menos dois
círculos diferentes de autores e ou redatores, que são responsáveis pelo material B contido,
por um lado, nos capítulos 27; 29; 32 e 34-36, e, por outro lado, no ciclo dos capítulos 37-45.
Depois destes, surgiram os comentários de Ernest Nicholson (que rejeita qualquer
interpretação baseada na crítica da história da redação e procura a solução na base da história
da tradição), Thompson e os excelentes comentários de Holladay, McKane e Carroll. Os
quatro últimos aceitam, em geral, a hipótese das três fontes e enfocam a pergunta pela
localização histórica dos textos, mas variam muito nas identificações concretas desta
localização nas hipóteses a respeito do processo redacional. Outra obra de referencia no
estudo do livro de Jeremias é a de Wanke. As considerações gerais que Wanke apresenta
neste comentário são basicamente as da sua pesquisa a respeito do ―Escrito de Baruc‖227
.
Brueggemann trabalha, em geral, com a hipótese da crítica da redação apresentada acima e
traz alguns aspectos e sensibilidades novas, especialmente em relação à leitura sócio-histórica
da Bíblia228
. Em diálogo com estas análises fundamentais surgiram nos últimos anos várias
obras – monografias e artigos – dedicadas à pesquisa do livro de Jeremias.
227 WANKE, Gunther. Untersuchungen zur sogenannten Baruchschrift. Berlim: de Gruyter, 1971; WANKE, Gunther.
Jeremia 1,1-25,14. Zurique: Theologischer Verlag, 1995. 228 BRUEGGMAN, Walter A. To Pluck Up, To Tear Down: A Commentary on the Book of Jeremiah 1-25. Grand Rapids:
Eerdmans, 1988; BRUEGGEMANN, Walter. To build, to plant: a commentary on Jeremiah 26-52. Grand Rapids: Eerdmans,
1991; BRUEGGEMANN, Walter. Exile and homecoming: A Commentary on Jeremiah. Grand Rapids: Eerdmans, 1998;
BRUEGGEMANN, Walter. A Commentary on Jeremiah: Exile and Homecoming. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.
160
A pesquisa moderna a respeito do livro de Jeremias é intensa. São vários os
comentários que se dedicam a estudar este livro, a vida e obra do profeta ligado a este livro.
Dentre os principais comentaristas destacam-se: William Holladay229
, John Bright230
, Jack
Lundbom231
, Walter Brueggemann232
, Robert Carroll233
, William Mackane234
, Philip Hyatt235
,
Ernest Nicholson236
, John A. Thompson237
e Arthur Weiser238
; e sendo obra importante na
pesquisa, apesar de ser o mais antigo comentário encontrado destaca-se a obra de Bernard
Duhm239
.
Para o estudo criterioso e técnico das confissões de Jeremias, os pesquisadores
concentram-se na exegese de cada uma das confissões, bem como a explicação delas em seu
contexto, e tratam das questões retóricas, literárias e poéticas destes trechos vinculados entre
os capítulos 1 a 20 de Jeremias240
. Walter Baumgartner, em poucas páginas, mas em excelente
conteúdo verifica as confissões de Jeremias do ponto de vista poético e estruturalista; é
referencia para os demais pesquisadores do assunto241
.
229 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986 (Hermeneia). HOLLADAY, William L. Jeremiah 2: A Commentary on the Book of the Prophet
Jeremiah, Chapters 26-52. Minneapolis: Fortress, 1989 (Hermeneia). HOLLADAY, William L. Jeremiah: A Fresh Reading.
New York: Pilgrim Press, 1990. 230 BRIGHT, John. Jeremiah: A New Translation with Introduction and Commentary. Garden City: Doubleday & Company,
1986. (The Anchor Bible, 21). 231 LUNDBOM. Jack. Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary. Garden City: Yale University
Press, 2004. (The Anchor Bible Commentaries). 232 BRUEGGEMANN, Walter. A Commentary on Jeremiah: exile and homecoming. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.
BRUEGGEMANN, Walter. Like a fire in the bones: listening for the prophetic word in Jeremiah. Philadelphia: Fortress
Press, 2006. BRUEGGEMANN, Walter. The Theology of the Book of Jeremiah. New York: Cambridge University Press,
2007. (Old Testament Theology). BRUEGGEMANN, Walter. To Build, To Plant: A Commentary on the Book of Jeremiah
26-52. Grand Rapids: Eerdmans, 1998. (International Theological Commentary). BRUEGGMAN, Walter A. To Pluck Up,
To Tear Down: A Commentary on the Book of Jeremiah 1-25. Grand Rapids: Eerdmans, 1988. 233 CARROLL, Robert P. From Chaos to Covenant. London: SCM Press, 1981. CARROLL, Robert. Jeremiah. New York:
Continuum International Publishing Group, 2004. (T&T Clark Studies Guides). CARROLL, Robert. P. Jeremiah: A
Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986. 234 MCKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996 (International Critical Commentary). 235 HYATT, Philip. Jeremiah: Prophet of Courage and Hope. New York: Abigdom Press, 1958. 236 NICHOLSON, Ernest Wilson. Preaching to the Exiles: A Study of the Book of Jeremiah. Oxford: Blackwell, 1970.
NICHOLSON, Ernest Wilson. The Book of the Prophet Jeremiah: 1-25. Cambridge: Cambridge University, 1973. ( The
Cambridge Bible Commentary). 237 THOMPSON, John A. The Book of Jeremiah. Grand Rapids: Eerdmans, 1980. 238 WEISER, Arthur. Das Buch des Propheten Jeremia Kapitel 1-25,13. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1952 (Das
Alte Testament Deutsch, 20). WEISER, Arthur. Das Buche des Propheten Jeremia. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1960. 239 DUHM, Bernhard. Das Buch Jeremia. Tubingen and Leipzig: Mohr, 1901. 240 Os livros de introdução ao Antigo Testamento, bem como de Teologia do Antigo Testamento tratam o assunto dos
lamentos de Jeremias apenas num nível introdutório, com informações gerais e sua plausível interpretação teológica na vida
do profeta Jeremias. No entanto, dentre as teologias do Antigo Testamento destacam-se os artigos de Von Rad sobre o tema.
RAD, Gerhard Von. Estudios Sobre El Antiguo Testamento. Salamanca: Ediciones Siegueme, 1982, 475p. RAD, Gerhard
Von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste/Targumim, vols. 1 e 2, 2006, 904p. RAD, Gerhard Von. "Die
Konfessionen Jeremias‖. Gesammelte Studien zum Alten Testament, II. München: Kaiser, 1973, p. 224-235. (English
translation In: CRENSHAW, James L. Theodicy in the Old Testament. Philadelphia: Fortress; London: SPCK, 1983, p. 88-
99. [Issues in Religion and Theology, 4]). RAD, Gerhard Von. ―Las Confessiones de Jeremias‖. Estudios Sobre El Antiguo
Testamento. Salamanca: Ediciones Siegueme, 1982, p. 461-471 241 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah's Poems of Lament: Historic Texts in Biblical Scholarship. Sheffield: Almond,
1988.
161
Na pesquisa moderna a respeito das confissões encontramos pesquisadores e
interpretes do Antigo Testamento que têm dispensado atenção especial no livro de Jeremias:
Pete Diamond242
e Kathleen O‘Connor243
. Outros autores merecem destaque na pesquisa:
Mark Biddle244
, os alemães Hannes Bezzel245
, Norbert Ittman246
e uma série de outros
estudiosos que publicaram suas monografias e dissertações sobre o tema, como o caso de
Timothy Polk247
, David Thiele248
e Mark Smith249
. Verificamos também a variedade de
artigos e ensaios acadêmicos publicados que tratam das confissões, sendo alguns deles de
referência na presente pesquisa250
.
5.2 ANÁLISE DA FORMA
As possibilidades de significados e interpretações do texto bíblico resultam do
reconhecimento de sua forma. Balthasar insiste na eficácia do estudo da forma dizendo que ―o
242 DIAMOND, A. R. Pete. Poetic and Compositional Technique in the Confession of Jeremiah: their function within the
prophet. Cambridge: University of Cambridge, 1983. E ainda: DIAMOND, A. R. Pete. The Confessions of Jeremiah in
Context: Scenes of Prophetic Drama. Sheffield: JSOT Press, 1987. 243 O‘CONNOR, Kathleen. The Confessions of Jeremiah: Their Interpretation and Role in Chapters 1-25. Atlanta: Scholars
Press, 1988. (Society of Biblical Literature Dissertations Series, v.94). 244 BIDDLE, Mark. Polyphony and symphony in prophetic literature: rereading Jeremiah 7-20. Georgia: Mercer University
Press, 1996. (Studies in Old Testament Interpretation, v.2). 245 BEZZEL, Hannes. Die Konfessionen Jeremiah: Eine Redaktionsgeschichtliche Studie. Berlin: Walter de Gruyter, 2007. 246 ITTMAN, Norbert. Die Konfessionen Jeremias: Ihre Bedeutung für die Verkündigung des Propheten. Neukircher-Vluyn:
Neukirchener Verlag, 1981 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament, 54). 247 POLK, Timothy. The Prophetic Persona: Jeremiah and the Language of the Self. Sheffield: JSOT Press, 1984. (Journal
for the Study to the Old Testament Supplement, n.32) 248 THIELE, David Herbert.. The Identity of the 'I' in the 'Confessions' of Jeremiah. Cooranbong: Avondale College, 1998. 249 SMITH, Mark. S. The laments of Jeremiah and their contexts: a literary and redactional study of Jeremiah 11-20.
Atlanta: Scholars Press, 1990, 92 p. (Society of Biblical Literature Monograph Series, no. 42) 250 BLANK, Samuel. H. "The Confessions of Jeremiah and the Meaning of Prayer‖. HUCA, Cincinnati: Hebrew Union
College, n. 21, 1948, p. 331-354. BRIGHT, John. "Jeremiah's Complaints: Liturgy or Expressions of Personal Distress?". In:
DURHAM, John L.; PORTER, Joshua Roy. Proclamation and Presence. London: SCM; Richmond: John Knox, 1970, p.
189-214. (Old Testament Essays in Honour of Gwynne Henton Davies). BULTMANN, Cristoph. "A Prophet in Desperation?
The Confessions of Jeremiah". In: DE MOOR, Johannes Cornelis. The Elusive Prophet: The Prophet as a Historical Person,
Literary Character and Anonymous Artist. Leiden: Brill, 2001, p. 83-93. (Papers Read at the Eleventh Joint Meeting of The
Society for Old Testament Study and Het Oudtestamentisch Werkgezelschap in Nederland en België, held at Soesterberg, 45,
2000). CALLAWAY, Mary Chilton. "The Lamenting Prophet and the Modern Self: On the Origins of Contemporary
Readings of Jeremiah". In: KALTNER, John.; STULMAN, Louis. Inspired Speech: Prophecy in the Ancient Near East.
Essays in Honor of Herbert B. Huffmon. London: T & T Clark International, 2004, p. 48-62. CARROL, Robert. "The
Confessions of Jeremiah: Toward an Image of the Prophet". In: CARROL, Robert. From Chaos to Covenant: Prophecy in
the Book of Jeremiah. New York: Croosroad, 1981, p. 107-135. CRENSHAW, James L. "Seduction and Rape: The
Confessions of Jeremiah". In: CRENSHAW, James. A Whirlpool of Torment. Israelite Traditions of God as an Oppressive
Presence. Philadelphia: Fortress, 1984, p. 31-56 (Overtures to Biblical Theology, 12). CULLEY, Robert C. "The Confessions
of Jeremiah and Traditional Discourse". In: CULLEY, Robert C. A Wise and Discerning Mind: Essays in Honor of Burke O.
Long. Providence: Brown Judaic Studies, 2000, p. 69-81. DIAMOND, A. Pete, "Jeremiah's Confessions in the LXX and MT:
A Witness to Developing Canonical Function?‖ Vetus Testamentum. Leiden, Brill, n. 40, 1990, p. 33-50. POLK, T. ―The
Prophetic Persona: Jeremiah and the Language of the Self‖. Journal for the Study of the Old Testament. London: Sheffield, n.
32, 1984, chapter 5, p. 127-162/p. 208-214. STULMAN, Louis. "Jeremiah as a Polyphonic Response to Suffering". In:
STULMAN, Louis (et. al.). Inspired Speech: Prophecy in the Ancient Near East. Essays in Honor of Herbert B. Huffmon.
London: T & T Clark International, 2004, p. 302-318.
162
conteúdo (Gehalt) não jaz atrás da forma (Gestalt), mas dentro dela. Aquele que não for capaz
de ver e ‗ler‘ a forma, pelo mesmo princípio, será incapaz de perceber o conteúdo. Todo
aquele que não é iluminado pela forma também não enxergará luz no conteúdo‖251
.
Zogbo e Wendland sugerem que a estrutura poética, isto é, a sua forma é chave
hermenêutica do texto, isto é, quando aprofundarmos a verificação da estrutura externa e
interna da perícope estaremos, então, nos aproximando de sua interpretação mais segura252
.
Quando nos dedicamos à análise da forma da perícope – e quando o fizermos em
qualquer outra porção da Bíblia Sagrada, descobrimos que a maneira como a Bíblia está
escrita é, em todos os aspectos, tão importante quanto aquilo que está escrito nela. O método
que utilizamos para reconhecimento da perícope em termos literários e formais verifica o
contexto literário (amplo e específico), sua forma propriamente dita, estrutura e aproximações
da dinâmica de redação do texto.
5.2.1 Delimitação e tradução da perícope
A análise exegética de nosso objeto de estudo começa na delimitação da passagem e
na tradução da mesma. Pretendemos identificar a avaliar os indícios a respeito do início e do
fim do texto. Isto é, onde ele começa e onde termina segundo a lógica e fluxo do próprio
texto. O trecho resultante dessa delimitação chama-se ―perícope‖. Em seguida, partimos para
a tradução literal do texto referente a esta perícope.
5.2.1.1 Delimitação da perícope
Antes de nos lançarmos na tradução literal e a subsequente análise literária devemos
ponderar sobre os limites do texto. Os critérios utilizados para a delimitação desta perícope
foram os sugeridos por Silva253
, Stuart254
e Osborne255
. Cada um deles aprecia que antes da
251 BALTHASAR, Hans Urs von. The Glory of the Lord: Seeing the Form. Vol 1. Edinburgh: T&T Clark, 2001, p.151. 252 ZOGBO, Lynell; WENDLAND, Ernst. La poesia del Antiguo Testamento: pautas para su traduccion. Miami: Saxedads
Biblicas Unidas, 1989, p.203-213. 253 SILVA, Cássio M. Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p.67-77.
163
tradução, bem como de toda a análise crítica do texto seja feita a confirmação destes limites.
Após esta tarefa nos dirigiremos à tradução literal de nossa passagem.
5.2.1.1.1 Indicadores de um novo começo
O texto que antecede a perícope a ser delimitada, 20.1-6, é claramente escrito em
prosa256
. Trata-se de uma das narrativas da vida e ministério do profeta Jeremias, em seu
encontro com o sacerdote (Pashhur).
Em termos literários trata-se de um evento narrativo, composto de: um sumário, isto é,
uma espécie de introdução simplificada que mostra o conteúdo essencial para localizar o leitor
no tempo e espaço narrativo; e, uma fala profética, em forma de discurso direto, que incluí a
fórmula do mensageiro contra o opositor daquele a quem o escritor quer atribuir a autoridade
profética, que é Jeremias257
.
Observamos nitidamente que este sumário corresponde os versículos 1 e 2 do capítulo
20: ―Quando o sacerdote Pasur, filho de Imer, o mais alto oficial do templo do Senhor, ouviu
Jeremias profetizando essas coisas, mandou espancar o profeta e prendê-lo no tronco que
havia junto à porta superior de Benjamim, no templo do Senhor‖258
. O início do versículo 3
do mesmo capítulo pode ser incluído como parte do sumário, ―na manhã seguinte, quando
Pasur mandou soltá-lo do tronco‖259
, bem como pode servir como elemento de transição do
sumário para o discurso profético que segue no v.4-6, o qual o narrador quer evidenciar.
Em seguida a transição do sumário, o narrador introduz a fala do profeta, por duas
vezes, semelhantes a ditos do mensageiro, sendo que a segunda fala contém a específica
254 STUART, Douglas; FEE, Gordon. Manual de Exegese Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Vida Nova, 2008,
p.31-55. 255 OSBORNE, Grant. A Espiral Hermenêutica: Uma Nova Abordagem à Interpretação Bíblica. São Paulo : Vida Nova,
202009, p.41-68. 256 Segundo Alter, a prosa é um recurso literário que permite ao escritor bíblico: usar uma série de recursos narrativos
próprios de sua cosmovisão; realizar a caracterização flexível dos personagens ficcionais; e explorar estes mesmos
personagens como agentes morais, racionais e emocionais que perfazem o evento narrativo. Este recurso tem a finalidade de
tornar clara a história sagrada que o escritor quer transmitir a seus leitores, de uma forma descritiva e ao mesmo tempo
sintética, cf. ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.48. 257 A chamada fórmula do mensageiro trata-se da expressão (kyi koh ‟amar yhwh), isto é, ―pois assim diz
Yhwh‖, cf. WESTERMANN, Claus. Basic Forms of Prophetic Speech. Cambridge / Louisville: The Lutterworth Press / John
Knox Press, 1991, p.90-128. 258 BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
20, vers. 1 e 2. 259 BÍBLIA, A.T. Jeremias. Português. In: Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004. Cap.
20, vers. 3.
164
fórmula do mensageiro: ―Jeremias lhe disse‖ (20.3b) e ―Pois assim diz o Senhor‖ (20.4a)260
.
Nota-se, com fins de delimitação do texto, que depois da fala profética não mais se fala de
Pashhur até o capítulo 21 versículo 1, que cita um personagem com o mesmo nome, mas ao
que veremos em seguida, não se trata do mesmo personagem.
Parece que o próprio editor da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) percebeu a
configuração deste sumário, diferenciando-o da fala profética: ele coloca ao fim do versículo
3 o sinal indicado pela letra , isto é, a petuhá, para salientar ao leitor o início de um novo
parágrafo. Nesta perspectiva o versículo 3 estaria incluso como parte do sumário. Esta mesma
indicação de um novo parágrafo pela petuhá reaparece ao final do versículo 6.
A narrativa é lacônica, o escritor prefere omitir certos aspectos e revelar outros. Ele é
guiado por seu interesse. Para tanto, a narrativa se dá em torno de dois personagens
caracterizados de modo simples, porém, direto. No sumário, se faz questão de caracterizar a
identidade de Pashhur: sacerdote261
, filho de (‟immer), administrador-chefe da casa de
Yhwh262
; este Pashhur é caracterizado também por verbos de ação: ele ouve263
(determinadas
palavras de Jeremias), manda bater264
(em Jeremias), colocar preso265
e manda soltar266
(a
Jeremias).
Quanto a Jeremias, parece que o escritor pressupõe que seus leitores estejam
familiarizados com ele, mesmo assim é possível observar suas características no texto: é
alguém que diz ―estas palavras‖267
; é chamado de ―Jeremias, o profeta‖268
; fala (por duas
260 Para um maior aprofundamento sobre os ditos de Jeremias, sendo um deles com a fórmula do mensageiro,
tradicionalmente reconhecida, consulte. RENDTORFF, Rolf. ―Fórmula do Mensageiro e Dito do Mensageiro‖. Em:
Profetismo: Coletânea de Estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p.95-18. Neste artigo, Rendtorff deixa clara a diferença
entre o dito do mensageiro e a fórmula do mensageiro. Segundo ele, é possível relacionar o dito profético como derivado do
dito do mensageiro, porém, não se pode categorizar isso, como fez Rost. O dito do mensageiro é a fala de um remente por
intemédio de uma voz. Esse foi um recurso adotado no mundo popular do Antigo Oriente, não só pelos profetas. Porém, os
profetas – que falavam em nome de Yhwh – puderam fazer uso da fórmula do mensageiro em seus ditos proféticos. No
entanto, ―a fórmula do mensageiro não pertence necessariamente à incumbência literal da mensagem, mas pode ser
livremente acrescentada pelo mensageiro‖. Isto é, não existe um vínculo ―indissolúvel‖ entre a fórmula e o dito do
mensageiro. Rendtorff chega a afirmar que existem ditos do mensageiro em que a fórmula do mensageiro não faz parte da
mensagem, conforme. RENDTORFF, Rolf. ―Fórmula do Mensageiro e Dito do Mensageiro‖. Em: Profetismo: Coletânea de
Estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p.9. Com isso, é possível entender a primeira fala de Jeremias a Pashhur (20.3) como
um dito profético, antes mesmo de ter enunciado a fórmula do mensageiro (20.4). 261 (kohen). 262 (faqiyd nagiyd beveyt yhwh). 263 (wayashma„). 264 (yakeh). 265 (wayiten ‟oto al-hamahpeket). 266 (waytse‟). 267 (hadevariym ha‟eleh). 268 (yiermeyahu hanaviy‟).
165
vezes)269
; sendo uma dessas vezes exatamente o que Yhwh lhe diz270
; e ele sofre as ações de
Pashhur: apanhou, foi preso num pelourinho e depois solto.
É assim que o narrador escolhe apresentar os personagens: pessoas de poderes e
valores antagônicos, num encontro não casual, entre representatividades religiosas, sociais e
políticas, num cenário que focaliza a relação entre eles, nada diplomática. Depois desta
apresentação vem o discurso profético de juízo a Pashhur.
O cenário narrativo deve ser comum ao leitor: fala-se que Pashhur era sacerdote do
templo de Yhwh; fala-se de um ―pelourinho‖271
no qual Jeremias ―apanhou‖, que
provavelmente ficava no templo ou em arredores próximos272
; este lugar onde Jeremias ficou
preso é detalhadamente situado pelo escritor como que ―fica na porta superior de Benjamim e
que dá para o templo de Yhwh‖273
. Toda a cena narrativa acontece em pelo menos dois dias,
ao que parece. Jeremias faz um pernoite neste ―pelourinho‖ e em seguida o texto indica sua
liberação ―no dia seguinte‖274
.
Todas essas caracterizações dos personagens, locais e tempo feitas pelo escritor
pretendem evocar sentimentos, atitudes, intenções, julgamentos éticos e morais da parte do
leitor; o texto não oferece caracterização física das pessoas envolvidas, gesticulação ou
trejeitos, ou qualquer outro detalhe a respeito, como por exemplo, se outras pessoas poderiam
estar presentes como expectadores ou se participaram ativamente do evento além de Jeremias
e Pashhur275
.
A narrativa é realizada por um narrador competente, claramente evidenciado em
terceira pessoa. Ele relata o que Jeremias falou: sua fala é da perspectiva do narrador. Quer
levar o leitor diretamente ao discurso profético depois da apresentação dos personagens,
dentro do tempo e cenário narrativos. O discurso de Jeremias trata-se de uma ampliação do
269 (way‟omer). 270 (kiy koh ‟amar yhwh). 271 (hamahpeket). 272 As versões divergem na interpretação. 273 (besha„r bineyamin ha„elyon ‟asher yhwh). 274 (mimaharat). 275 Alter defende a idéia que as caracterizações dos personagens na dinâmica das narrativas da Bíblia Hebraica são
intencionais e seletivas, conforme. ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo : Companhia das Letras, 2007,
p.174,175.
166
que houve logo após Jeremias ser solto por Pashhur276
. O sumário introduz o leitor ao
discurso profético277
.
O discurso profético é escrito a partir de uma preferência literária chamada de discurso
direto, que é claramente um monólogo278
. Esse recurso não limita a narrativa, mas amplia a
imaginação do leitor no ritmo da mesma. Para Alter, quando o escritor bíblico utiliza o
discurso direto constitui ―o momento crítico do evento narrativo‖. O discurso direto em forma
de oráculo profético dá ainda mais força a significância do personagem e sua fala – esta, que
se trata do anúncio profético da parte de Yhwh contra Pashhur e as possibilidades políticas,
religioso e sócio histórico ali representado279
.
O texto permite pensar na ironia do escritor bíblico denunciando o equívoco religioso
e os abusos de poder da liderança do templo. O mensageiro de Yhwh é coagido a não falar as
palavras sagradas por um representante religioso do templo de Yhwh; o templo que seria o
lugar do acolhimento e revelação do fiel a Yhwh torna-se o lugar onde o ―pobre‖280
é
maltratado; o oficial da religião do templo é quem tem poder para executar a maldade por
ouvir as palavras do profeta (as palavras de Yhwh). Trata-se de um relato ficcional da vida de
Jeremias, em prosa, que o escritor fez questão de informar ao leitor281
.
Ao passar para o versículo 7 nota-se a mudança da prosa para a predominância da
poesia, onde a linguagem muda, é elevada, mais que descritiva, cheia de palavras carregadas
de emoções; não há uma narração propriamente dita, isto é, alguém que conte: a partir do
versículo 7 o personagem não precisa que alguém fale por ele, o texto está em primeira pessoa
– ele fala por si mesmo. A narração de um evento e a linguagem descritiva presentes nos
versículos anteriores ao 7 dão espaço para a poesia, marcada por repetições, que caracterizam
276 É comum em narrativas da Bíblia Hebraica o uso de outros gêneros literários entrelaçados com a prosa, como a poesia e o
discurso profético, consulte: BAUMANN, Igor P. ―Narrativa, Poesia e Discurso Profético: Análise do Gênero Literário de
2Sm 12.1-15‖. Via Teológica, n.17, 2009, p.7-20. 277 Para Alter ―quanto às dimensões da narrativa, a narração em terceira pessoa geralmente é apenas uma transição entre
unidades mais extensas em discurso direto‖, ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo : Companhia das
Letras, 2007, p.105. 278 ―O discurso direto é o principal instrumento para a revelação das respostas, variadas e às vezes sutis, dos personagens às
ações em que estão envolvidos‖, ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007,
p.106. 279 ―A cena bíblica é quase inteiramente concebida como comunicação oral, a partir do pressuposto de que tudo que há de
significativo num personagem, pelo menos em certo momento crítico da narrativa, pode ser expresso quase exclusivamente
pela fala deste personagem‖, ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo : Companhia das Letras, 2007, p.112. 280 (‟avyon). 281 A narrativa ficcional é diferente da historiografia moderna, no entanto, não significa que é desprovida da modalidade
―histórica‖. Alter percebe as narrativas bíblicas como ―prosa de ficção historicizada‖. As narrativas hebraicas estimulam o
imaginário ficcional de seus interlocutores, para expressar suas tradições. A prosa ficcional permite o manejo da história à luz
das pressuposições religiosas, cósmicas e nacionais do narrador. Alter salienta que a ficção ―era o principal recurso à
disposição dos escritores bíblicos para compreender a história‖. Com isso, os escritores bíblicos puderam ―descrever a
realização dos propósitos divinos nos acontecimentos históricos‖. ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo :
Companhia das Letras, 2007, p.44-78.
167
outro tipo de linguagem da anterior, a qual vamos nos ater na presente dissertação, a
linguagem de lamentação.
5.2.1.1.2 Indicadores ao longo do texto
A linguagem a partir do versículo 7 é de ―intensidade pessoal‖, mais do que a mera
descrição de um evento narrativo. Essa tônica vai até o final do versículo 18. Os termos
usados não se enquadram em uma forma prosaica: são desconcertantes, com tons acusatórios
logo no versículo 7 e em repetições poéticas, que é a marca distintiva da poesia hebraica282
.
A partir do versículo 7, o texto muda de tom e ritmo em relação a 1-6: da descrição de
personagens, cenários e o discurso profético em textura prosaica para palavras proferidas com
acusações, irritação, aspereza, indignação, louvor e maldições. Não mais conta-se sobre, agora
expressa-se sobre o que se passa na relação entre um ―eu‖, um ―tu‖ e uns ―eles‖ ora explícitos
ora implícitos em 7-18.
As primeiras frases do versículo 7 são formadas por repetições, marca da poesia
hebraica: ―tu seduziste a mim Yhwh e eu fui seduzido / tu foste forte a mim e tu fizeste
prevalecer‖. Ou seja, as duas primeiras frases tratam-se de repetições poéticas do início de
uma provável estrofe. Assim como ao final da perícope, no versículo 18, podemos perceber
mais repetições poéticas: ―maldito o dia que eu fui gerado / maldito o homem que levou‖.
A título de outro simples exemplo, logo a primeira palavra do poema, que é o primeiro
verbo utilizado no texto pode ser interpretado como a atitude de uma pessoa que acusa outra
de ―abuso sexual‖283
. Isso reflete já na primeira palavra e frase do texto sequente a 1-6, a
discrepância com a linguagem narrativa anterior.
O grupo semântico refere-se a um ambiente de queixa, desgraças pessoais e
maldições: ―fui para riso‖ e ―ridicularizado‖ (v.7); ―violência e devastação‖ (v.8); ―censura e
escárnio‖ (v.8); ―não recordarei‖, ―não falarei‖ (v.9); refere-se à narração pessoal do que os
interlocutores falam-pensam do personagem bíblico: ―ele será seduzido‖, ―nós
prevaleceremos contra ele‖ e ―nós tomaremos vingança dele‖ (v.10); refere-se à indignação
282 SCHWANTES, Milton. Sentenças e Provérbios: Sugestões Para a Interpretação da Sabedoria. São Leopoldo: Oikos
Editora, 2009. 283 (pitiytaniy). O‘Connor argumenta contra essa opinião dizendo que o uso do verbo em si não permite essa
interpretação; o uso do verbo com conotação sexual em outros textos da BHS emergiria de seus contextos peculiares sem
poder ser usado de um modo mais generalizado, O‘CONNOR, Kathleen M. The Confessions of Jeremiah: Their
Interpretation and Role in Chapters 1-25. Atlanta: Scholars Press, 1988, p.70.
168
existencial de quem se expressa: ―maldito o dia‖ e ―maldito o homem‖ (v.14,15); ―Por que
isto?‖ (v.18); ―aflição e tristeza‖ (v.18).
Entre as queixas dos versículos 7-10 e as maldições dos versículos 14-18 há a inclusão
poética do mesmo grupo semântico, ainda poético, provavelmente lírico e cúltico, que traduz
o desejo de vingança do personagem que lamenta: por duas vezes o vocativo ―Ó Yhwh‖
(v.11,12); a expectativa de julgamento divino contra seus inimigos: ―para mim como
guerreiro violento‖ (v.11), ―serão levados à ruína‖ e ―não farão prevalecer‖ (v.11); descrições
antropológicas profundas para descrições de papéis sociais e religiosos: ―rins‖, ―coração‖ e
―alma‖ (v.12,13) e ―justo‖ (v.12) em oposição aos ―malfeitores‖ (v.13).
A textura que permeia os versículos 7-18 é a poesia. Esta delimitação inicial é
realizada devido à mudança de linguagem: da narração em prosa, para a poesia; do discurso
que explica, para a fala pessoal; da descrição narrativa do profeta injustiçado por falar as
palavras de Yhwh, para alguém que lamenta sua condição de porta-voz dele.
5.2.1.1.3 Indicadores de término
O texto hebraico da BHS informa uma delimitação própria de perícope através da
pequena letra (pê) alocada no final do versículo 18 do capítulo 20. Essa letra é uma forma
abreviada de petuhá e assinala o início do parágrafo seguinte; indica um parágrafo aberto na
BHS284
. Petuhá é um marcador de parágrafos285
. Isto é, ele serve para identificar o início de
um novo parágrafo, comum no livro de Jeremias; e a cada indicação de novo parágrafo temos
uma provável perícope definida na BHS.
No contexto literário da atual pesquisa, atestamos a petuhá alocada ao final do
versículo 18 indicando que o texto de Jeremias 20.7-18 encerra-se exatamente neste ponto, na
opinião do editor do Códice de Leningrado B19a(L)286
.
284 FRANCISCO, Edson F. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético: Guia Introdutório para a Bíblia
Hebraica Stuttgartensia. 3ª.ed. revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.20,152. 285 MERWE, Christo; NAUDÉ, Jackie; KROEZE, Jan. A Biblical Hebrew Reference Grammar. London: Sheffield Academic
Press, 1999, p.48. 286 A terminologia acadêmica para este tipo de sinal chama-se ―Index Siglorum at Abbreviationum Masorae Parvae‖ (lat.
Índice dos Sinais e das Abreviaturas da Masora Parva). Para maiores detalhes sobre estas sinalizações, cf. FRANCISCO,
Edson F. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético: Guia Introdutório para a Bíblia Hebraica
Stuttgartensia. 3ª.ed. revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.118-159.
169
Feita a indicação da petuhá no término do versículo 18 do capítulo 20 passamos para a
leitura o capítulo 21 e atestamos a ruptura com a linguagem poética anterior. Não há presença
de sumário conclusivo que pudesse indicar uma transição de linguagem e narrativa287
. A
narração volta à terceira pessoa. O narrador indica o que será tratado: ―‖. Há uma demarcação
temporal no versículo 1 da narrativa que segue: ―‖. Insere-se novos personagens, no caso, o
rei (Tsidqiyahu), um (Pashhur), indicado como filho de (Malkiyah) e
o sacerdote (Tsepanyah), indicado como filho de (Ma„aseyah).
A transição de 20.18 para 21.1 implica na demarcação temporal da narrativa,
vinculada à cronologia da vida de Jeremias. A preposição (be), que significa habitualmente
―em, por, com‖ pode ser traduzida neste contexto por ―quando‖288
, indicando o aspecto de
uma nova temporalidade da narrativa. Verificando esse e os demais fatores apontados
consideramos que a possível delimitação do texto começando no versículo 7 e encerrando-a
no fim do versículo 18, do capítulo 20.
Com relação à inserção dos personagens entrando no capítulo 21 preocupou-nos
aquele chamado Pashhur, pois poderia se tratar do mesmo Pashhur que acabamos de
descrever como o opositor do profeta Jeremias. Se essa verificação se confirmasse talvez
tivéssemos de argumentar mais sobre a delimitação da perícope. O próprio texto bíblico deixa
claro que o (Pashhur) do início do capítulo 21 não é o mesmo citado em Jeremias
20.1-6. As informações sobre eles diferem sobre de quem ele era filho. O escritor bíblico
omite se este Pashhur era sacerdote como o outro Pashhur (20.1) e Tsepanyah.
Talvez o escritor tenha pensado que era de conhecimento do leitor quem era este outro
personagem Pashhur; ou omitiu maiores detalhes – além da identificação de seu pai – para
que este personagem fosse meramente um coadjuvante na narrativa, uma espécie de
testemunha que deveria retornar ao rei com a mensagem de Yhwh, em conjunto com o outro
personagem.
A narrativa mostra que este rei Tsidqiyahu enviou289
Pashhur e Tsepanyah para
aparentemente consultar290
Yhwh por intermédio de Jeremias. A narrativa segue informando
que Jeremias mandou os enviados do rei voltarem a ele e dizerem a mensagem de Yhwh
287 SILVA, Cássio M.. Metodologia de Exegese Bíblica. 2ª.ed. São Paulo: Paulinas, 2000, p.73. 288 A preposição (be) pode ser traduzida como ―quando‖, em orações introduzidas por verbos no infinitivo, cf. KIRST,
Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002,
p.21. 289 (bishloah). Trata-se da preposição , ligada ao verbo (shlh) no grau Qal infinitivo, em estado construto, que
literalmente significa ―enviar‖. 290 (derash na‟).
170
(21.3): mais um dito do mensageiro, com conteúdo de julgamento, introduzida pela fórmula
do mensageiro291
. Uma estrutura muito parecida da narrativa dos versículos 1-6 que antecede
a poesia identificada nos versículos 7-18, do capítulo 20292
.
5.2.2 Tradução literal do texto
A tradução do texto hebraico de Jeremias 20.7-18 para o português foi realizada de
modo bastante literal tentando reproduzir o máximo possível do texto hebraico293
. Isso porque
algumas traduções priorizam certas qualidades de estilo e tendem a eliminar certos aspectos
literários do original, como a sintaxe expressiva, a ambiguidade deliberada, a repetição
proposital de palavras, entre outras características peculiares ao hebraico bíblico294
.
Essa e outras traduções ao longo da dissertação podem parecer ―caprichosamente
canhestras‖295
, mas pretendem destacar aspectos do original que são decisivos na leitura do
texto.
291 Würthwein discutiu a origem do discurso profético de julgamento em 1950 que trouxe mais luz às pesquisas que
pretendem verificar a atuação dos profetas no culto do Antigo Israel. Würthwein argumenta que em vários salmos – em sua
maioria ele escolheu salmos relacionados com o culto em Israel – ainda que metaforicamente, sabe-se do julgamento de
Yhwh. WÜRTHWEIN, Ernst. ―A Origem do Discurso Profético de Julgamento‖. Em: Profetismo: Coletânea de Estudos. São
Leopoldo: Sinodal, 1985, p.129-144. Hesse, porém, pretendeu ser mais específico ao perguntar se o discurso de julgamento
teve sua origem no culto israelita. Em seu trabalho, ele vincula a atuação de profetas cultuais que acusavam o povo em nome
de Yhwh. Em outras palavras, o discurso de julgamento teve parte na liturgia de Israel. O que não se pode confundir, nem
mesmo colocar em mesmo nível, os profetas clássicos com os profetas cultuais. Cada um teve sua singularidade na religião
de Israel. HESSE, Franz. ―Tem o Discurso Profético de Julgamento a Sua Origem no Culto Israelita?‖. Em: Profetismo:
Coletânea de Estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p.145-153. 292 Thiel e Wanke estão certos que há uma estrutura interna do livro de Jeremias dos chamados ciclos de narrativas. 293 Gusso sugere o termo ultra literal para este tipo de tradução, cf. GUSSO, Antônio. Gramática Instrumental do Hebraico.
São Paulo: Vida Nova, 2005, p.212. Esta idéia também é defendida por Stuart que fala sobre uma tradução ―modesta‖ e ―não-
interpretativa‖, cf. STUART, Douglas e FEE, Gordon. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.58-66. 294 O hebraico bíblico não se trata de uma linguagem monolítica, é complexa em sua formação histórica e estrutura
linguística. Rabin nos lembra que o hebraico bíblico passou por várias transformações ao longo da sua história, esta vinculada
com a tradição religiosa de Israel, cf. RABIN, Chaim. Pequena História da Língua Hebraica. São Paulo: Summus Editorial,
s.d., p.35-50; Gottwald, porém, situa melhor este desenvolvimento histórico da língua com o processo de formação da
literatura hebraica com fins religiosos em várias etapas até a formação do cânon, cf. GOTTWALD, Norman. Introdução
Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 1988, p.100-128; Sellin e Fohrer ainda acrescentam que neste
desenvolvimento a literatura hebraica recebeu influencias de outros povos semitas do Antigo Oriente, mas admitem que a
história da literatura sagrada de Israel trata-se de uma problemática complexa, cf. SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg.
Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo : Academia Cristã, 2007, v.1 e 2, p.33-71; 681-690; Meyer é mais convincente e
fala de um desenvolvimento lingüístico que perdurou uns 1000 anos até o hebraico bíblico ou ―antigo‖, cf. MEYER,
Rudolph. Gramática Del Hebreo Bíblico. Terrassa: Editorial CLIE, 1989, p.25-55. Para ver os detalhes e características do
hebraico bíblico, cf. GREENFIELD, Jonas. ―A Bíblia Hebraica e a Literatura Cananéia‖. Em: ALTER, Robert e KERMODE,
Frank (org.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editorial da UNESP, 1997, p.585-600. 295 ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo : Companhia das Letras, 2007, p.12.
171
7Tu seduziste a mim Yhwh
E eu fui seduzido
Tu foste forte a mim
E tu fizeste prevalecer
Eu fui para riso todo o dia
Todo ele ridiculariza a mim
8Porque cada vez que eu falarei
Eu gritarei violência
E devastação eu chamarei
Ah! Ela tornou-se a palavra de Yhwh para mim censura e
escárnio todo o dia
9E eu disse:
não recordarei dela
e não falarei novamente em seu nome
E ela será em meu coração como um fogo
que queima
que foi contido em meus ossos
eu fui esgotado
ela me agarrou
e não serei consumido
10Porque eu ouvi:
Muitas difamações
Terror por todos os lados
Denunciai (vós)
E nós fizemos denúncias dele
Toda a pessoa de minha paz (são)
aqueles que guardam
que eu manque
Talvez
Ele será seduzido
Nós seremos prevalecidos contra ele
E nós tomaremos vingança dele
172
11Ó Yhwh (és) para mim como um guerreiro violento
Portanto, aqueles que perseguem a mim
eles serão levados à ruína
e não farão prevalecer
eles passaram muita vergonha porque não fizeram ser
perspicazes
um insulto interminável não será esquecido
12Ó Yhwh dos exércitos,
aquele que prova o justo
aquele que vê os rins e o coração
Eu verei a tua vingança sobre eles
Porque para ti eu revelei a minha questão
[selah]
13Cantemos para Yhwh
Louvemos para Yhwh
Porque ele fez salvar a alma do pobre da mão dos
malfeitores
[selah]
14Maldito o dia que eu fui gerado
no dia em que minha mãe deu à luz a mim
ele não tornará a ser abençoado
173
15Maldito o homem que levou uma mensagem ao meu pai
para dizer foi nascido para ti um filho homem,
alegra!
ele regozijou-se dele
16e seja ele o homem
como as cidades que Yhwh subverteu e não se
arrependeu
ele ouvirá um grito pela manhã e um sinal de
alarme em pleno meio-dia
17porque
ele não me matou de uma vez por
todas do útero
e veio a ser para mim minha mãe
a minha sepultura
e grávida o útero dela para todos
os tempos
18Por que isto?
eu saí do útero para ver aflição e tristeza
e serem prevalecidos em profunda vergonha meus
dias
5.2.2 Problemática quanto à unidade da perícope
Os estudiosos nem sempre concordaram quando se trata da unidade da nossa perícope.
Fishbane296
e Hartman297
consideram somente como unidade literária autônoma os versículos
7-12. Concluem que 7-12 e 14-18 sejam duas peças poéticas distintas e devam ser tratadas
separadamente; e, ainda descartam a possibilidade de inclusão do versículo 13, pois
consideram-no um adendo posterior, que remota a épocas características do pós-exílio.
296 FISHBANE, Michael A. Text and texture: close readings of selected Biblical texts. New York: Schocken Books, 1979,
p.91. FISHBANE, Michael A. ―Wretched Thing of Shame, a Mere Belly: An Interpretation of Jeremiah 20.7-12‖. Em:
POLZIN, Robert M., ROTHMAN, Eugene. The Biblical Mosaic: Changing Perspectives. Philadelphia: Fortress Press, 1982,
p.169. 297 HARTMAN, Geoffrey. ―Jeremiah 20.7-12: A Literary Response‖. In: POLZIN, Robert M., ROTHMAN, Eugene. The
Biblical Mosaic: Changing Perspectives. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p.184.
174
Smith298
e Ittmann299
, diferentemente, consideram os versículos 7-13 como unidade
literária, tomando o versículo 13 como parte da textura poética e gênero do salmo. Mas
descartam a possibilidade de juntar a poesia de 7-13 com a dos versículos 14-18. Não veem
qualquer tipo de ligações entre essas duas unidades, atribuindo a conexão dela como provável
equivoco de redação posterior.
Há os estudiosos que desconsideram a originalidade do versículo 13, considerando-o
como uma inclusão posterior, tratando a unidade 7-13 somente dos versículos 7-12 e 14-18,
descartando totalmente a presença do versículo 13. Representam esta linha de pensamento
Smith300
, Pfeiffer301
e Skinner302
. Segundo esses autores, o versículo 13 não faria parte da
unidade 7-13, especialmente, se 7-18 fosse tomado como uma unidade literária completa. Não
acreditam que o mesmo salmista de 7-12 pudesse fazer uso de uma maldição em 14-18 depois
de ter cantado um hino de louvor no versículo 13.
Dentre os que estruturam a perícope em duas unidades originalmente independentes
constam: Sellin e Fohrer303
, Diamond304
, O‘Connor305
, Bright306
, Holladay307
, Westermann308
,
Keck309
, Weiser310
, Nicholson311
e Carroll312
. Têm dificuldades em perceber 7-18 como uma
única peça literária original, normalmente, fazendo diferença em duas unidades distintas.
Definem a perícope de 7-18 como sendo uma unidade composta, mas não como uma unidade
298 SMITH, Mark S. The Laments of Jeremiah and Their Contexts : A Literary and Redactional Study of Jeremiah 11-20.
Atlanta : Scholars Press, 1990, p.23. 299 ITTMAN, Norbert. Die Konfessionen Jeremias: Ihre Bedeutung für die Verkündigung des Propheten. Neukircher-Vluyn:
Neukirchener Verlag, 1981, p.53. 300 É difícil perceber a divisão oficial de Smith, porém, ele deixa claro o valor secundário do versículo 13, como não sendo
importante no salmo estudado. SMITH, George A. Jeremiah. London: Hodder & Stoughton, 1923, p.223,330,331. 301 PFEIFFER, Robert. Introduction to the Old Testament. New York: Harper & Brothers, 1948, p.407. 302 SKINNER, John. Jeremias: Profecia e Religião. São Paulo: Aste, 1966, p.194,195. 303 SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2007, vols.1-2, p.557. 304 DIAMOND, A.R. Pete. The Confessions of Jeremiah in Context : Scenes of Prophetic Drama. Sheffield: JSOT Press,
1987, p.101,114. 305 O‘CONNOR, Kathleen M. The Confessions of Jeremiah : Their Interpretation and Role in Chapters 1-25. Atlanta :
Scholars Press, 1988, p.61,62. 306 BRIGHT, John. Jeremiah: A New Translation With Introduction and Commentary. Garden City: Doubleday & Company,
1986, p.129,130. 307 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah Chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.547,548,560. 308 WESTERMANN, Claus. Comentario al Profeta Jeremias. Madrid: Ediciones Fax, 1972, p.69. 309 KECK, Leaner. ―Jeremiah‖. Em: KECK, Leaner (et al.). The New Interpreter‟s Bible: Introduction to Prophetic
Literature; Isaiah; Jeremiah; Baruch; Letter of Jeremiah; Lamentations; Ezekiel. Vol. 6. Nashville: Abingdom Press, 1994,
p.725,726. 310 WEISER, Arthur. Das Buch des Propheten Jeremia Kapitel 1-25,13. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1952,
p.173,174. 311 NICHOLSON, Ernest W. The Book of the Prophet Jeremiah: 1-25. Cambridge: Cambridge University Press, 1973,
p.168,170. 312 CARROLL, Robert P. Jeremiah : A Commentary. Philadelphia : The Westminster Press, 1986, p.395,402. Em From
Chaos to Covenant ele segue outro modelo de divisão, a saber, o de Baumgartner: 7-9; 10-13; 14-18. No entanto,
considerando que seu comentário é uma publicação mais recente, tomamos como se ele tivesse revisado suas pesquisas ou,
no mínimo, organizado diferente sua divisão da perícope, cf. CARROLL, Robert P. From Chaos to Covenant. London: SCM
Press, 1981, p.125-135.
175
original. Estes, porém, salientam as prováveis ligações entre as unidades como parte da
estratégia estilística de redação final.
Aparentemente, estes estudiosos entendem os versículos 11-13 como parte integrante e
continuação dos versículos 7-10. Conquanto, advogam que os versículos 11-13 atuam como
uma espécie de função transicional de 7-10 para 14-18, formando uma perícope, isto é, uma
unidade retórica ampliada. Os que consideram o versículo 13 como parte integrante do poema
salientam que este texto é o clímax do poema, não apenas sua conclusão.
Há os estudiosos que fogem a visão ―comum‖ da estrutura que entendemos ser uma
perícope. Wimmer a estuda em perspectiva sociológica e altera a ordem dos textos,
começando por 14-18 e 7-13, como se a experiência relatada nos versículos 14-18 viesse antes
de 7-13; elabora uma espécie de cronologia existencial da vida do salmista, que ele identifica
como o profeta Jeremias. Se tomássemos a ideia de Wimmer, a poesia começaria com a
provável auto-maldição em 14-18 até chegar à declaração de confiança e louvor a Yhwh em
11-13313
. Em outras palavras, para ele, a forma atual do texto está errada e deve ser
reorganizada para melhor compreensão social e existencial da vida do profeta314
.
Condamin vê os limites desta perícope como mais amplos do que vimos. Para ele, os
versículos 4-6 do capítulo 20 é uma antístrofe do poema de 7-18. Em sua visão as prováveis
estrofes ou estruturação interna seria 4-6+7-10+11-13+14-18315
. Holladay opina que esta
sequencia é impraticável316
.
Baumgartner – um dos precursores toda esta discussão – sugere uma tríplice
estruturação interna para a perícope: 10-13 como um poema de lamentação; e, 7-9 e 14-18
como poemas intimamente relacionados a canções317
. No primeiro caso, 10-13, ele entende
que o poema retrata um cenário poético diferente de 7-9, que foram redigidos anteriormente 313 WIMMER, Donald H., ―The Sociology of Knowledge and ‗The Confessions of Jeremiah‘‖. Em: ACHTEMEIER, Paul J.
Society of Biblical Literature. 1978 Seminar Papers. New Orleans: Scholars Press for The Society of Biblical Literature, vol.
1, 1978, p.405. 314 Há estudiosos que trabalham a perícope 7-18 como uma unidade literária original. Não a consideram como uma poesia
compósita. Trabalham apenas com hipóteses de estrofamentos. São eles: Sawyer, Hyatt, Dillard e Longman, Clements,
Peterson e Bak. Hopper é o único que divide o texto versículo por versículo para sua explanação, mas de modo geral o
considera uma peça literária unificada. Esses estudiosos entendem que o texto deve ser interpretado na forma como ele se
encontra, não tencionam reconstruir aspectos que a crítica da redação normalmente o faz. Porém, acabam chegando a
opiniões muito semelhantes a dos que a dividem, no mínimo, entre 7-13 e 14-18. Cf. SAWYER, John. ―Jeremiah 20.7-18‖.
Prophecy and the prophets of the Old Testament. Oxford: Oxford University Press, 1987, p.93; HYATT, Philip. Jeremiah:
Prophet of Courage and Hope. New York: Abigdom Press, 1958, p.63-74; DILLARD, Raymond B. & LONGMAN III,
Tremper. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.275; CLEMENTS, Ronald. E. Jeremiah. Atlanta:
John Knox Press, 1988, p.120; PETERSON, Eugene. Ânimo: o Antídoto Bíblico Contra o Tédio e a Mediocridade. São
Paulo: Mundo Cristão, 2008, p.89; BAK, Dong Hyun. Klagender Gott – Klagende Menschen : Studien zur Klage im
Jeremiahbuch. Berlim / New York : de Gruyter, 1990, p.188,215; BUTTRICK, George Arthur. The Interpreter‟s Bible:
Introduction and Exegesis by James Philip Hyatt and Exposition by Stanley Romaine Hopper. V.5. New York: Abingdom
Press Nashville, 1957, p.971. 315 CONDAMIM, Albert. Le Livré de Jérémie. 3a.ed. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1936, p.164. 316 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.549. 317 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.59,73.
176
da subunidade 10-13. Para ele, 10-13 condensa uma determinação pessoal à luta contra os
opositores do salmista.
No segundo e terceiro casos, 7-9 e 14-18, Baumgartner vê uma relação poética cheia
de significado próprio. Ele vê duas unidades literárias distintas. Em 7-9 ele percebe a
amargura de quem fala através de uma metáfora. Em 14-18 salienta o intenso desespero do
profeta através da auto-maldição. Para ele, esta forma de maldição não participa diretamente
em conjunto com os versículos 10-13318
. Rudolph319
, McKane320
, Bentzen321
e Harrison322
seguem a organização interna da perícope conforme Baumgartner.
Schökel propõe uma divisão tríplice, mas difere do modelo de Baumgartner na ordem
de apresentação, pois sugere 7-10+14-18+11-13. Schökel prefere considerar que o poema de
confissão de fé e louvor de 11-13 seja colocado ao final da lamentação e maldição.
Argumenta que, literariamente, os poemas de expressão de lamento e maldição formariam
uma moldura para a confissão de louvor e hino, sendo, portanto, 11-13 o centro da
interpretação323
.
Von Rad é quem trata a perícope de um modo ainda mais enxuto, sua divisão é: 7-9 e
14-18, eliminando os versículos 10-13 de suas análises das chamadas ―confissões‖,
considerando 10-13 como um poema de lamentação autônomo324
.
Neste ponto do estudo que irá identificar a forma do texto devemos considerar se 7-9 e
10-13 foram unidades originalmente independentes. Baumgartner argumenta que sim, os
versículos 7-9 se tratam de uma unidade independente de 10-13. Inclusive, ele não encontra
indícios de que os 7-9 sejam parte de uma poesia de lamentação. Ou seja, para ele, estes
versículos não são característicos do que se requeria de um salmo de lamentação completo325
.
Discordando dele, Clines e Gunn confrontam essa argumentação alegando que
Baumgartner não percebeu as repetições temáticas entre 7-9 e 10-13, que fariam o elo entre
essas duas unidades. Eles argumentam que as conexões dos termos (pth) e (ykl) são
fundamentais na estrutura do poema, conferindo-lhe coesão e unidade; que os versículos 7-9
possuem imagens típicas dos poemas de lamentação e paralelos com outros elementos
318 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.74-77. 319 RUDOLPH, Wilhelm. Jeremia. Tübingen : J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1968, p.130. 320 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.467,475,482. 321 BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento. v.2. São Paulo: Aste, 1968, p.136. 322 HARRISON, Robert K. Jeremias e Lamentações : Introdução e Comentário. São Paulo : Edições Vida Nova, 1980,
p.90,91. 323 SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I: Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988, p.527. 324 RAD, Gerhard Von. Estudios Sobre El Antiguo Testamento. Salamanca: Ediciones Siegueme, 1982, p.466,467. 325 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament: Historic Texts in Biblical Scholarship. Sheffield: Almond
Press, 1988, p.38-40.
177
tradicionais deste tipo de linguagem; mesmo que 10-13 seja tipicamente uma lamentação
individual, mesmo se lida desprovida de 7-9, não é motivo para desmembrar as partes.
Consideremos também se os versículos 14-18 eram de fato uma unidade independente
de 7-13 e devam ser trabalhados separadamente. Rudolph é um dos que negam que os
versículos 14-18 sejam originalmente parte dos versículos anteriores: alguém não poderia
encerrar um salmo com uma explosão de desespero após ter feito uma declaração de
confiança e louvor326
.
Os que consideram que 14-18 faz parte de 7-13 apelam para a provável hipótese da
personalidade de Jeremias como sendo oscilante e melancólica. Alegam que em sua
personalidade ele poderia oscilar entre confiança e desespero; sendo possível sair de um
cântico de confiança de 11-13 para uma auto-maldição e desespero de 14-18.
Porém, Clines e Gunn acertadamente afirmam que esse tipo de leitura psicológica é
inadequado para avaliações a respeito de unidade literária; entendem que é preferível a leitura
formal e linguística327
. Nesta visão, 14-18 não cumpre os requisitos necessários de uma
lamentação, trata-se de uma maldição – apenas. O que tomamos a liberdade de discordar e
argumentaremos no desenvolvimento da pesquisa328
.
Portanto, nossa perícope 7-18 possuí duas unidades claras e distintas, 7-13 e 14-18,
que podem ter sido unidades literárias originalmente independentes, mas que na forma atual
configuram uma composição. Esta é a interpretação preferível para o presente trabalho.
Convém, mais adiante, realçar as ligações entre essas unidades presentes na redação da
perícope e em seu contexto literário no livro de Jeremias. Agora vamos destacar a forma das
subunidades de nossa perícope, isto é, de suas estrofes.
326 RUDOLPH, Wilhelm. Jeremia. Tübingen : J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1968, p.133. 327 Esta argumentação derruba a proposta de Wimmer que prevê uma alteração da ordem das unidades e subunidades da
nossa perícope através das lentes da psicologia em seu artigo, WIMMER, Donald H., ―The Sociology of Knowledge and
‗The Confessions of Jeremiah‘‖. Em: ACHTEMEIER, Paul J. Society of Biblical Literature. 1978 Seminar Papers. New
Orleans: Scholars Press for The Society of Biblical Literature, vol. 1, 1978, p.405. Cf. CLINES, David J.; GUNN, David M.
―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de
Gruyter, p.390-409. 328 Mais adiante iremos apresentar a possibilidade de uma ―maldição‖ ser parte de um salmo como um todo, especialmente,
nos salmos de lamentação.
178
5.2.3 Forma e estrutura das unidades literárias de Jeremias 20.7-18
A leitura da forma-estrutura e redação da nossa perícope é decisiva para sua
interpretação. Estamos diante de uma perícope instigante para qualquer estudioso do livro de
Jeremias. Ela tem recebido variado tratamento ao longo da história de sua interpretação.
A textura desta perícope é a linguagem poética. É ela que lhe dá coesão. Vimos no
estudo da delimitação da perícope que o texto antecedente 1-6 conta a respeito de uma
situação em particular do ministério do profeta, isto é, narra uma de suas atividades. Mas a
partir do versículo 7 do capítulo 20 a linguagem narrativa dá lugar à linguagem poética.
O problema que reside nesta perícope é de ordem estrutural, quanto a sua unidade.
Estamos lidando com uma composição redacional. O que de imediato percebemos é a
dissonância entre os versículos 7-13 e 14-18329
. A perícope agrupa duas unidades literárias.
No entanto, ainda deveremos estudar a respeito da função desta compilação, afinal, os
redatores e compiladores foram os primeiros interpretes destes textos e tiveram seus motivos
para compilá-los e agrupá-los na forma e local literário presente.
A disjunção entre as unidades de 7-13 e 14-18 não chega a ser completa. Há elementos
que as ligam. Convém ressaltar que não são muitas as ligações, mas essenciais para
argumentação da ideia da composição redacional.
Patentes são os vínculos desta perícope em suas unidades e subunidades. Essas
interligações internas das unidades não chegam a ser preponderantes ou de muito peso para
considerarmos a perícope delimitada uma unidade original completa, mas suficientes para que
a consideremos uma composição redacional intencional.
Ainda caberia num estudo posterior a verificação destes vínculos nas outras passagens
poéticas de Jeremias, ditas ―confissões‖, a fim de descobrir se essas confissões foram
incluídas no livro aleatoriamente ou compiladas ao que seria um ―primeiro ou segundo livro
de Jeremias‖ a partir de alguma coletânea de poemas que circulavam na época de redação do
329
Mesmo que Baumgartner insista que somente 10-13 seja um lamento individual e veja 7-9 ligado ao gênero narrativo,
Holladay, Clines e Gunn argumentam que ―conexões narrativas [ou próximas a elas] relacionadas às dificuldades sofridas são
partes do gênero de lamentações pessoais‖329. Holladay não divide os versículos 9 e 10, percebe maior contraste na transição
entre os versículos 10 e 11-12; porém, entende que em questões retóricas existe uma quebra entre os versículos 7-9 e 10, mas
admite que elas estão ligadas sutilmente pelas palavras (pth) e (ykl). Cf. HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A
Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.549; CLINES, David
J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die Alttestamentliche Wissenschaft,
n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.394.
179
livro. Mas a isso não nos deteremos aqui, bastou-nos a compreensão relatada na verificação
do contexto literário da passagem.
Tratemos da forma e estrutura da nossa perícope a partir das unidades de 7-13 e 14-18.
Dentro destas duas unidades, optamos por uma divisão das subunidades mais extensa que
normalmente os estudiosos fazem, como poderá ser observado na sequência. Estamos lidando
com uma composição. Em seguida, trataremos sobre os aspectos redacionais decorrentes do
estudo da forma.
5.2.3.1 Forma de Jeremias 20.7-13
A primeira unidade literária de nossa perícope é normalmente esquematizada nas
seguintes subunidades: 7-10 e 11-13. Ainda assim, consideramos essas subunidades grandes
demais para uma análise mais pormenorizada. Preferimos a seguinte subdivisão:
7+8,9+10+11,12+13.
5.2.3.1.1 Primeira estrofe, v.7
A ―primeira estrofe‖ (v.7) é composta de três linhas poéticas em seis frases. Para cada
frase há a presença de um verbo principal que coordena a ação da frase, interligado ao sujeito.
Esta primeira estrofe introduz a poesia, serve como uma espécie de cabeçalho poético.
A primeira linha da estrofe (v.7a ) começa com verbo (pth) no piel completo,
isto é, em forma intensiva. A frase é clara ao indicar o responsável pela ação do verbo
traduzido como ―seduzir‖, neste caso, o sujeito é descrito de modo pessoal, através de seu
nome Yhwh. Este Yhwh seduz alguém que se auto identifica no poema como ―mim‖. Isto é, a
pessoa que fala no poema é a vítima desta sedução.
A primeira linha continua (v.7a ) apresentando o resultado da ação anterior. Yhwh
seduziu e sua vítima foi seduzida. A efetividade da ação ligada a este personagem é segura:
Yhwh age, a ação acontece; neste caso a ação é ―seduzir‖. O verbo (pth) é usado
novamente na segunda frase e está no nifal incompleto. O que muda da primeira para a
180
segunda frase é o sujeito: Yhwh seduz, em seguida, a sua ―vítima‖ é – efetivamente –
seduzida. O sujeito da segunda frase é a ―vitíma‖ da sedução.
Com relação ao verbo (pth) ligado a Yhwh entendemos como uma metáfora
usada pelo poeta para enfatizar sua mensagem. Seria a metáfora relacionada à figura de
alguém que seduz uma donzela. Não se trata de um oximoro, isto é, ideias contraditórias com
uma finalidade específica, pois tanto para o ―tu‖ quanto para o ―eu‖ o verbo é o mesmo,
conquanto, os verbos seguintes enfatizam a mesma ideia.
Estudiosos alegam que a utilização deste verbo pelo poeta, relacionado à Yhwh, pode
remeter a uma hipérbole – exagero para efeitos dramáticos – o que é condizente com a
linguagem de lamentação, onde o lamentador dramatiza seu dilema e sofrimento com a
finalidade de ser ouvido pelo seu Deus330
. A análise dos conteúdos mostrará qual a direção a
seguir.
Perguntamos também se esta forma coincide com um quiasmo ou uma paranomásia?
O quiasmo é uma variante do paralelismo que trata os elementos das linhas poéticas ao
inverso331
. Neste caso, o texto apenas inverte as pessoas ligadas ao verbo (pth);
primeiro, é Yhwh que seduz alguém: ―tu seduziste a mim Yhwh‖; depois, este alguém é
seduzido: ―e eu fui seduzido‖. No entanto, a primeira linha poética coincide com uma
paranomásia, que se trata de um jogo de palavras que produzem o som e sentido semelhantes
num determinado contexto332
.
A segunda linha da estrofe (v.7b ) insere um verbo diferente da primeira, agora o
verbo é (hzq), traduzido como ―foste forte‖, que se encontra no qal completo. Novamente
o verbo está ligado à pessoa ―tu‖. Quem recebe a ação do verbo se identifica pessoalmente
como ―mim‖: ―tu foste forte a mim‖ (assim como em v.7a ).
A segunda linha (v.7b ) não segue o mesmo molde da primeira linha (v.7a). Era de se
esperar que o mesmo verbo da frase anterior (v.7b ), isto é, que (hzq) fosse repetido, tal
como as repetições da linha anterior que repete por duas vezes o mesmo verbo e talvez no
mesmo grau, o nifal incompleto. Não é o que acontece. Além de aparecer outro verbo, agora o
(ykl), ele encontra-se na segunda pessoa. O verbo ―fizeste prevalecer‖ está no hofal
330 SCHÖKEL, Luiz A. Manual de Poetica Hebrea. Madrid: Ediciones Cristandad, 1987, p.193-196. 331 ZOGBO, Lynell; WENDLAND, Ernst. La Poesia del Antiguo Testamento: Pautas Para Su Traduccion. Miami: Saxedads
Biblicas Unidas, 1989, p.37,38. 332 ZOGBO, Lynell; WENDLAND, Ernst. La Poesia del Antiguo Testamento: Pautas Para Su Traduccion. Miami: Saxedads
Biblicas Unidas, 1989, p.52,53; BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.28.
181
incompleto. Isso torna a estrofe com ritmo poético mais intenso. É a linha mais forte da
estrofe, com o verbo mais intenso, ligado à pessoa implícita da linha anterior, o ―tu‖.
Na primeira linha temos dois verbos iguais, o (pth), uma vez ligado a Yhwh, e
outra ligado a sua vítima; em seguida, na segunda linha, temos dois outros verbos, o
(hzq) e o (ykl), ambos ligado ao personagem Yhwh, pois é ele quem age. O ritmo poético
é crescente. Primeiro repete o verbo alternando as pessoas, em seguida, repete a temática,
muda-se os verbos, mas os verbos na mesma pessoa.
Em nossas quatro primeiras frases poéticas a forma se parece com mais um quiasmo,
isto é, a inversão da sequência de conteúdos. O quiasmo conduz o pensamento a sua forma
mais ―densa‖ levando o leitor ao ápice do seu conteúdo333
. Aqui, o ápice da poesia é realizado
pelo verbo (watukal) que indica que o ―tu‖ poético ―fez prevalecer‖, isto é,
―prevaleceu‖ contra sua ―vítima‖, o ―eu‖ poético334
.
Ou poderia ser uma paranomásia, isto é, um jogo de palavras repetidas para imprimir
uma máxima335
. Deixamos claro, porém, que só há uma repetição de palavras na primeira
linha poética (v.7a) com o verbo (pth); mas os quatro verbos destas duas linhas poéticas
possuem o tema repetido, sendo o mesmo sujeito por três vezes.
Portanto, entendemos que essas quatro primeiras frases coincidem com este jogo de
palavras proposital que o poeta/escritor teriam dado para enfatizar a crescente ―usurpação‖ do
personagem Yhwh sobre sua ―vítima‖.
A terceira linha (v.7c) servem de conclusão desta primeira estrofe. Difere das linhas
anteriores, pois aparentemente surge uma nova pessoa; alguém é descrito em terceira pessoa
por quem fala, ou seja, o poeta não fala com, mas fala sobre alguém. O que indicaria ainda
mais o crescente poético em termos de pessoas nas frases do poema. Começando com o ―tu‖,
o ―eu‖, ―tu‖, ―eu‖, ―tu‖, ―eu‖ e agora um ―ele‖. A quem se refere este ―ele‖ e os outros
sujeitos do salmo será tratado na análise dos conteúdos do presente capítulo da pesquisa.
A terceira linha, em sua primeira frase (v.7c ), começa com verbo ―ser‖, (hyh),
no qal completo e em primeira pessoa do singular. Isto significa que alguém ―foi‖, no caso,
ele foi ―para riso‖. Mas a frase é pessoal: ―eu fui para riso todo o dia‖. A expressão ―todo o
333 Se considerarmos v.7a como um quiasmo, Lundbom ressalta que esse tipo de artificio poético é próprio do livro de
Deuteronômio e da literatura deuteronomística, cf. LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed.
Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.82. 334 Segundo a explicação de Lundbom, o quiasmo típico do livro de Jeremias é diferente da simples inversão de palavras ou
frases, em paralelos. Trata-se de uma ampliação do paralelismo básico, chegando próximo de uma inclusio, cf. LUNDBOM,
Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.83-146. 335 BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.28.
182
dia‖ nos remete a uma figura de linguagem que indica tempo que vai ser novamente utilizada
no poema no versículo 11 como ―interminável‖. Essa figura pode ser tratada como uma
hipérbole. Ainda, notamos que a expressão ―todo o dia‖ se repete em v.8b e em v.18a se
repete pela terceira vez a palavra ―dia‖: mais um reforço na argumentação de delimitação e
unidade compósita do poema de 7-18.
A última frase da estrofe (v.7c ) lança uma pessoa diferente das cinco linhas
anteriores, o ―ele‖. O verbo (l„g) é um particípio ativo do verbo ―ridicularizar‖ ou
―escarnecer‖, indicando alguém que é ―aquele que ridiculariza‖ ou ―escarnecedor‖.
Novamente, a pessoa que é ―escarnecida‖ parece ser a mesma das frases anteriores,
identificada pessoalmente como ―mim‖, ou seja, o ―eu‖. Se se trata da mesma pessoa, esta foi
seduzida por um ―tu‖ identificado como Yhwh, foi vítima de ―força‖ e ―prevalecida‖ por este
mesmo ―tu‖ e motivo de riso contínuo de alguém, este ―ele‖ que é o ―ridicularizador‖ na
última frase.
As pessoas desta primeira estrofe se alternam: tu, eu e tu; o tu surge novamente na
repetição, voltamos para o eu e é inserida uma nova pessoa, o ele. As ações verbais se
alternam entre completo, incompleto, completo, incompleto, completo e culmina no
particípio. Este particípio nos indica o fim da estrofe, com novo personagem – ou uma nova
maneira de se dirigir a alguém. Resta-nos responder mais adiante de quem se tratam estes
personagens que surge na última frase, enriquecendo ainda mais o drama poético.
Consideramos que a primeira estrofe trata-se de um cabeçalho para a primeira unidade
e provavelmente da perícope como um todo. Nela, os verbos principais de toda perícope estão
presentes. Esta primeira estrofe, o v.7 anuncia a temática de toda poesia subsequente.
Especialmente, ao referir o possível endereço da lamentação. Em outras palavras, a poesia é
primeiramente dirigida a Yhwh por aquele que lamenta. Depois, a nível secundário servirá
para outras funções, além da pessoal ou individual-comunitária que provavelmente lhe deu
origem.
183
5.2.3.1.2 Segunda estrofe, v.8,9
A ―segunda estrofe‖ é composta de sete linhas (v.8,9). Mais que o dobro de linhas da
―primeira estrofe‖. Nesta estrofe há frases complementares nas linhas principais; frases que
possuem mais de um verbo e objetos.
A primeira linha (v.8a) começa com a conjunção (kiy). Essa mesma conjunção
reaparecerá na segunda linha desta estrofe, formando linhas com início repetido, em forma de
explicação. Esta partícula faz a função de um link redacional da primeira com a segunda
estrofe.
Na primeira linha há duas frases complementares, totalizando três frases: ―Porque cada
vez que eu falarei‖ (v.8a ), ―eu gritarei violência‖ (v.8a ) e ―e devastação eu chamarei‖
(v.8a ). Todas assumindo caráter poético. A introdução ―porque cada vez que eu falarei‖
possuí um tom irônico, ou pelo menos hiperbólico com relação ao ―cada vez‖. Perguntamos
se realmente o poeta em cada vez que falava, ipsis literis, referia-se a violência e devastação;
o que não é provável, por se tratar de uma forma de linguagem comum a poesia de
lamentação.
Os três verbos que seguem a introdução da linha estão na ação incompleta e se
relacionam entre si: (dbr), (z„q) e (qr‟), isto é, ―falar‖, ―gritar‖ e ―chamar‖.
Verbos que se relacionam com a ―palavra‖. O primeiro verbo, ―falar‖, encontra-se no piel
(intensivo), enquanto os dois seguintes no qal, em ação incompleta. Por isso, a primeira frase
torna-se a mais forte e expressa uma certa agressividade no falar, uma espécie de clamor da
parte que quem exerce a ação.
Nas frases que chamamos de complementares à primeira, os substantivos ligados ao
verbo são repetições de linguagem poética. Os substantivos (hamas) ―violência‖ e
(shod) ―devastação‖ estão ligados aos verbos ―gritar‖ e ―chamar‖, ambos em primeira pessoa.
Podemos dizer que os substantivos estão em repetição sinonímica, mas não podemos
confundir isso com paralelismo, pois a linha poética se trata de mais de duas frases. Sendo a
primeira uma introdução para as duas que seguem.
A segunda linha (v.8b) começa igual à primeira, com a mesma conjunção (kiy).
Esta repetição da conjunção deixa claro que ela é um elemento importante no texto, até
184
mesmo com fins poéticos336
. É possível que neste caso, a conjunção (kiy) sirva como uma
onomatopéia. Neste caso, o (kiy) expressaria uma espécie de gemido interior do poeta,
quem sabe através de um grito ou momento de catarse emocional. Pode-se traduzir esta
expressão como: ―ai!‖ ou ―ah!‖ e até mesmo como ―eis!‖337
. Optamos por introduzir a
segunda linha da estrofe por ―Ah!‖, considerando a partícula como uma espécie de gemido ou
desabafo do poeta.
O verbo principal desta frase é (hyh) e está no grau qal em ação completa, por
isso optamos traduzir por ―tornar-se‖. Estamos observando uma frase triástica com sujeito,
verbo e objetos. O sujeito da frase é ―a palavra de Yhwh‖. O objeto direto da frase, isto é, que
está ligado ao sujeito é ―censura e escarnio todo o dia‖. O objeto indireto é ―para mim‖.
Nota-se que, mais uma vez, a raiz (dbr) reincide no texto, agora como substantivo.
Da mesma forma a expressão hiperbólica ―todo o dia‖ é repetida com a do v.7c. É
válida a ideia que a expressão ―todo o dia‖ presentes em v.7c ―eu fui para riso todo o dia‖ e
8b ―Ah! Ela tornou-se a palavra de Yhwh para mim censura e escárnio todo o dia‖ esteja
dentro da compreensão de uma inclusio, com a finalidade de dar coerência interna na unidade
que estamos trabalhando. Neste caso, seria uma inclusio, dentro de outra inclusio – a
correspondente ao v.7ab e v.18c.
Provavelmente a expressão (hayom) ―o dia‖ observada até agora em 7c e 8b
seja uma estratégia redacional que dá coesão desta unidade 7-13 com a outra unidade 14-18
de nossa perícope, através da mesma expressão (hayom) observada em 14a e 18c.
A terceira linha (v.9a) das sete identificadas nesta estrofe começa em primeira pessoa,
com o verbo (‟mr) ―dizer‖, no qal completo, ―eu disse‖. Trata-se de um verbo comum
nas narrativas hebraicas. Porém, neste caso, faz parte da textura poética onde o salmista
pretende ―explicar‖, quase em termos narrativos, seus sentimentos interiores. Quer dizer, o
verbo ―dizer‖ neste caso, assume mais a função de significado de ―pensar‖ (para si) do que
336 Esta posição é discordante da de Baumgartner, que não vê valor nas conjunções (kiy) do poema, sugerindo que sejam
deletadas para uma leitura mais próxima da original, cf. BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield:
The Almond Press, 1988, p.59. 337 Wolff interpreta desta maneira a expressão (kiy) no contexto do livro profético de Amós, que também recebeu ajustes
de redação deuteronomística assim como o livro de Jeremias, cf. WOLFF, Hans W. Joel and Amos: A Commentary on the
Books of the Prophets Joel and Amos. 3a.ed. Philadelphia: Fortress Press, 1989, 392p. (Hermeneia). Schwantes em seus
estudos exegéticos sobre Isaías também traduz e interpreta o (kiy) de forma semelhante, cf. SCHWANTES, Milton. Da
Vocação à Provocação: Estudos e Interpretações em Isaías 6-9 no Contexto Literário de Isaías 1-12. 2ª.ed. ampliada. São
Leopoldo: Oikos Editora, 2008, 208p.
185
propriamente ―dizer‖ algo (para outro). O contexto nos permite verificar que se trata mais de
um monologo interior, do que um diálogo propriamente dito338
.
Em seguida, há frases complementares da ideia do primeiro verbo. Os próximos dois
verbos estão na ação incompleta, porém, em graus distintos, qal e piel, respectivamente. O
verbo ―dizer‖ da primeira frase no qal completo imita o grau e ação do outro verbo que o
antecedeu na linha anterior (v.8b). Trata-se de mais uma repetição nesta estrofe que lhe dá
coesão: o verbo (‟mr) traduzido por ―eu disse‖ neste contexto tem proximidade com os
verbos destacados nas linhas anteriores, (dbr) ―dizer‖, (z„q) ―gritar‖ e (qr‟)
―chamar‖.
Segundo especialistas, o verbo equivalente a ―dizer‖ é encontrado ―preferencialmente
nas introduções dos pequenos ditos‖339
. Quer dizer, estamos diante de linguagem poética, mas
também profética. Na qual aprofundaremos no decorrer da dissertação.
Os verbos seguintes mostram uma progressão de intensidade, isto é, o segundo verbo é
qal, (zkr), mas o terceiro que fecha a linha é piel, (dbr), ambos incompletos, como
já observados. Nota-se que estes dois últimos verbos estão precedidos do adverbio de negação
(lo‟), ―não‖. Ou seja, as ações de ―recordar‖ e ―falar‖, na verdade, não eram para serem
realizadas. Quem utiliza os verbos não quer recordar e nem mesmo falar (ou ainda, berrar,
clamar ou gritar, pois o último verbo encontra-se no intensivo).
Nos chama a atenção o uso por três vezes da raiz (dbr) ao longo da estrofe. Em
8a como verbo no intensivo (―eu clamo‖), no final de 8b como substantivo, ligado ao nome
próprio Yhwh (―a palavra‖ de Yhwh) e em 9a também como verbo no intensivo, só que desta
vez precedido por um advérbio de negação (não ―clamarei‖ novamente em seu nome). Isso
pode indicar a temática na qual a poesia está envolvida, que é a (dbr), isto é, a palavra.
Com isso, as duas conjunções iniciais perfazem a introdução do tema da segunda estrofe.
Essa repetição tríplice da raiz (dbr) nos remeteria a uma assonância. Os exegetas
comentaristas não verificam sobre isso340
. Porém, é inequívoco que a repetição tríplice da
expressão tenha haver com uma repetição deliberada do som da raiz em questão. Essa
provável assonância estaria nos indicando o tema preponderante da estrofe.
338 ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.108,109. 339 SCHWANTES, Milton. Ageu. São Paulo: Edições Loyola, 2008, p.33. 340 MCKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah: Commentary on Jeremiah I-XXV. Vol.1. T & T
Clark Publishers, 1996, p.472.
186
A quarta linha da estrofe (v.9b) retoma a terceira pessoa novamente, ―ela‖.
Retomando: a segunda estrofe inicia com os verbos na primeira pessoa (―eu berrarei‖, ―eu
gritarei‖ e ―eu chamarei‖), na segunda linha o verbo principal é na terceira pessoa ([ela]
―tornou-se‖), torna a primeira pessoa na terceira linha (―eu disse‖, ―não recordarei‖ e ―não
falarei‖). Agora, na quarta linha, os verbos referem-se a ―outra‖ pessoa ou coisa, a um ―ela‖.
O primeiro verbo é (hyh) ―ser‖, no grau qal em ação incompleta. É retomado o mesmo
verbo da segunda linha (v.8b), que agora ocupa a quarta linha (v.9b ), de sete, da estrofe
estudada. Isto significa mais um verbo que dá coesão interna à subunidade.
Os demais verbos desta linha são particípios: (b„r) ―aquele que queima‖ (v.9b ) e
(„tsr) ―aquele que foi contido‖ (v.9b ), um ativo, outro passivo. Ambos os modos (ativo
e passivo) destes particípios influenciam na tradução deles. Este particípio de 9b também
possui função de objeto direto que encerra a quarta linha. Estes dois verbos estão relacionados
com o verbo (b„r), traduzido por ―aquele que queima‖. São ações relativas ao ―ela‖ que
surge neste momento poético. Segundo o texto este ―ela‖ foi ―contida‖ („tsr) ―nos ossos‖
(be„atsmotay) de quem fala, literalmente ―em meus ossos‖.
Estas frases tratam da metáfora do fogo. A metáfora consiste de três componentes: o
objeto de comparação – ―a palavra de Yhwh‖, a imagem a que se compara: ―como um fogo‖ e
a base da comparação: ―que queima; que foi contida em meus ossos‖. Contamos com outra
metáfora ou, mais especificamente, uma sinédoque referente à expressão ―meus ossos‖. A
sinédoque refere-se a uma metáfora correspondente a partes do corpo que aludem a toda a
pessoa, principalmente em estados psicológicos. Neste caso, o poeta faz a sua própria maneira
alusão ao seu estado psicológico afetado pela palavra de Yhwh.
As últimas três linhas se tratam de três verbos. Elas estão relacionadas com a pessoa
da frase anterior, este ―ela‖ e sua influencia no ―eu‖. Poderíamos incluí-las em uma frase só,
uma frase tríplice. Se assim o fizéssemos teríamos uma estrofe com cinco linhas, ao invés de
sete. Ainda estamos estudando o ritmo da poesia como um todo para definir se há ou não um
número progressivo e crescente de linhas nas estrofes do poema. Por enquanto, ficamos com a
ideia de sete linhas na segunda estrofe.
Os dois primeiros verbos, da quinta (v.9c) e sexta (v.9d) linhas respectivamente estão
em ação completas: (l‟h) ―eu fui esgotado‖ e (kwl) ―ele(a) me agarrou‖. O terceiro e
último verbo em ação incompleta é diferenciado dos demais por estar precedido de um
adverbio de negação (v.9e): (‟kl) ―eu [não] serei consumido‖. A estrofe totaliza
187
exatamente três vezes o advérbio de negação, precedendo verbos ligados a primeira pessoa
(―não recordarei‖ em 9a , ―não falarei‖ em 9a , ―não serei consumido‖ em 9e). Os graus
destes três últimos verbos da estrofe são diferentes entre si: nifal, pilpel e hofal. Os verbos em
nifal e hofal indicam o mesmo modo, o passivo, isto é, alguém sofre a ação do verbo. Mas o
verbo entre eles está num grau pouco utilizado na Bíblia Hebraica, o pilpel341
.
A última linha em negativa demonstra o encerramento da segunda estrofe. As quatro
primeiras linhas da segunda estrofe são grandes, com frases compostas, algumas vezes com
vários verbos. Mas as três últimas linhas contaram com apenas um verbo cada. Mas sempre
alternando claramente os sujeitos das frases: eu, ela, eu, ela, eu, ela e eu. Tudo isso demonstra
uma mente que articulou cautelosamente a forma destes versos.
Nota-se a beleza poética desta estrofe: três verbos, os três no incompleto, sendo o
primeiro no piel (―falo‖); seguido estes três verbos (―falo, grito, chamo‖) surge o verbo ―ser‖;
esta estrutura é seguida por mais três verbos (―disse, [não] recordarei, [não] falarei‖), um em
ação completa e outros dois em ação incompleta, sendo o último no piel, este último,
notoriamente, no grau intensivo, assim como seu predecessor (v.8a): mais ainda, o primeiro e
último verbo são piel incompleto de (dbr); a crise de quem fala na poesia é também
demarcada por três advérbios de negação relativos a mesma temática: não falar a palavra de
Yhwh, e não conseguir não falar nela. A ênfase da estrofe recai sobre o conceito de ―palavra‖.
Isso fica claro pela mudança de pessoas ou personagens do poema como um todo. Na
primeira estrofe ―tu‖ se refere a Yhwh, ―eu-mim‖ se refere ao lamentador, e ―ele‖ se refere a
alguém opressor que identificaremos melhor na sequencia, apenas adiantando-nos, este
―inimigo‖ provavelmente seja o ―dia‖ ou ―todo o dia‖ em que o salmista é ridicularizado342
.
Agora, na segunda estrofe o ―ele‖ ou ―ela‖, mais precisamente, recai sobre ―a palavra‖. Há
uma relação próxima (definida metaforicamente) entre o ―eu‖ – sofredor – e esta ―palavra‖ de
Yhwh.
341 Segundo Gusso, o Pilpel faz parte de graus dos verbos hebraicos com menor frequência e possuí como correspondente
aproximado o Piel. Cf. GUSSO, Antônio. Gramática Instrumental do Hebraico Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.192. 342 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.553.
188
5.2.3.1.3 Terceira estrofe, v.10
Chegamos à ―terceira estrofe‖ (v.10) que possuí três linhas. Ela começa com uma
conjunção (kiy), à moda da segunda estrofe (v.8a ). Isso nos indica um elemento
unificador entre a segunda e terceira estrofes.
Para os que defendem a separação dos versículos 7-9 de 10-13, a conjunção seria um
acréscimo redacional posterior para fazer um link do versículo 10 com o versículo 9343
. Mas
não se trata de um argumento contundente, uma vez que a conjunção (kiy) já aparece nos
versículos 8 e 9 e perdura até o versículo 10. Totalizando até o momento três vezes a
partícula. Sendo este (kiy) o promotor de uma linguagem explicativa, altamente
característica das lamentações individuais344
. O que nos é suficiente para argumentar em prol
da coesão entre 7-9 e 10-13.
A primeira frase (v.10a ) desta terceira estrofe trata-se de uma explicação entrelaçada
com as questões da estrofe anterior. O verbo da primeira linha é (shm„) ―ouvir‖, em
primeira pessoa, e para nós o principal verbo da linha poética (v.10a). Os demais verbos que
aparecem nesta linha do poema são subordinados a este primeiro.
A primeira linha desta estrofe explica o que esta pessoa ouviu em primeira pessoa:
―muitas difamações‖ em 10a , ―terror-por-todos-os-lados‖ em 10a , ―denunciai‖ em 10a e
―e nós fizemos denúncias dele‖ em 10a . Se não houvesse explicação do que fora ouvido
(10a ), a frase ficaria sem sentido.
Dentre as palavras que o salmista ouviu, a primeira refere-se ao substantivo
(dibat) ―difamações‖ em ligação com o adjetivo (rabiym) ―muitas‖. Em seguida, surge
uma expressão idiomática característica do livro de Jeremias, como uma espécie de
identificação de alguém não bem quisto por outrem: (magor misabiyb) ―terror-
por-todos-os-lados‖345
. Para Holladay346
e Lundbom347
(magor misabiyb) seria a
343 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.59. 344 CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409. 345 Para Clines e Gunn a expressão ―terror-por-todos-os-lados‖ pode servir como uma ligação sobre as unidades de 1-6 e 7-
13, cf. CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409. 346 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.546-559. 347 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.xlii.
189
―deixa‖ redacional que faz a ligação entre o poema de 7-18 com a narrativa de 1-6, uma vez
que em 20.3 a expressão se encontra de modo idêntico.
Surge o primeiro imperativo do poema, no plural: (ngd) ―denunciai (vós)‖. Por
fim, um verbo no hifil incompleto com sufixo da terceira pessoa do singular encerra esta
primeira linha da terceira estrofe, o verbo (ngd) ―denunciar‖.
O que torna mais claro de notar no encerramento desta linha é a seguida repetição do
verbo (ngd), no final da frase. No caso, o verbo ―denunciar‖, colocado no imperativo e
depois em primeira pessoa do plural, o que, somado ao sufixo procedente, encerra a linha
poética indicando de quem estavam fazendo o ato de denunciar: ―dele‖. Isto é, alguém fez
denuncias de outra pessoa; esta outra pessoa é o ―eu‖ poético da estrofe.
A segunda linha (v.10b) insere novo sujeito. Ela começa com o pronome indefinido
(kol) ―todo(a), todos(as)‖ para ele: ―todo‖ ser humano. Podemos perceber a necessidade
de acrescentar o verbo ―ser‖, que está implícito antes dos dois verbos seguintes. Os dois
verbos seguintes que ocupam lugar preponderante na linha poética estão no particípio ativo,
sendo um no plural e outro singular.
Este sujeito identificado pelo vocábulo (‟enosh) ―humanidade, homens, homem
(como individuo)‖348
, que se encontra no singular, está em função de absoluto diante do
adjetivo em construto (shelomiy), que quer dizer ―de minha paz‖. Portanto, a frase
começa da seguinte maneira: ―todo homem de minha paz [são]‖.
Esta expressão ―todo homem de minha paz‖ refere-se a pessoas contrárias ao salmista?
São pessoas configuradas em 7-13 como seus inimigos? As respostas a estas perguntas serão
desenvolvidas na análise do lugar e dos conteúdos. Mas se, desde já, assumíssemos a posição
afirmativa as perguntas acima, neste caso específico de 10b , não estaríamos tratando de uma
ironia na trama poética da nossa unidade? No uso da ironia se diz algo de uma forma, mas
que em seu sentido se quer dizer outra349
. Este estilo irônico é bastante comum no livro de
Jeremias350
. Portanto, neste caso, estaria o poeta referindo-se a seus inimigos ironicamente
como ―homens de sua paz‖ ou ―amigos‖?
348 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.14. 349 SCHÖKEL, Luiz A. Manual de Poetica Hebrea. Madrid: Ediciones Cristandad, 1987, p.183-192. 350 HOLLADAY, Willian L. "Style, Irony and Authenticity in Jeremiah". Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of
Biblical Literature and Exegesis, n. 81, 1962, p. 44-54.
190
Em seguida ao sujeito da frase surgem dois verbos: um verbo no particípio ativo plural
(10b ) e outro particípio ativo, só que no singular (10b ) – com a função de complementar o
que quer ser dito sobre este outro particípio. Trata-se de uma frase completa em hebraico. A
inserção do verbo ―ser‖ implícito serve para facilitar o entendimento para a língua portuguesa.
A terceira linha começa com um advérbio, (‟ulay) ―talvez‖. Mas logo em seguida
inserem-se na frase quatro verbos, sendo um deles, ou melhor, o último dos quatro (10c ) o
verbo subordinado na frase. O primeiro verbo (pth) ―ele será seduzido‖, está no pual
incompleto (10c ). Trata-se do mesmo verbo utilizado na abertura do poema, na primeira
estrofe, nas duas primeiras linhas (v.7a). O segundo verbo da terceira linha da terceira estrofe
é (ykl) no grau hofal em ação incompleta (10c ): ―nós seremos prevalecidos‖, ou melhor,
―nós prevaleceremos‖. É o mesmo verbo usado da quarta linha da primeira estrofe em grau e
ação, como sendo a linha principal entre três, da primeira estrofe (v.7b ). Somente difere na
pessoa, sendo aqui na terceira estrofe a primeira do plural (―eles‖), quando na primeira estrofe
se referia a segunda pessoa do singular (―tu‖). Nesta frase ―nós seremos prevalecidos‖ é
indicado um objeto direto formado por uma preposição e um sufixo pronominal da terceira
pessoa do singular (lo): ―contra ele‖.
Aqui, conforme já nos referimos anteriormente, trata-se de uma inclusio. Inclusio é ―o
retorno da forma inicial ao concluir-se um trecho‖351
e ―consiste em uma palavra ou frase que
se repetem no início e fim de uma unidade literária‖352
. A inclusio pode ser uma indicação de
divisão estrófica e de delimitação do texto. Lundbom atesta esta percepção retórica de nossa
unidade e perícope353
.
O terceiro e quarto verbos estão interligados na última frase da terceira linha (10c ).
(lqh) ―nós tomaremos‖ no qal incompleto e (nqm) ―eu me vinguei‖ no nifal
completo. Podem ser traduzidos em conjunto por ―nós tomaremos vingança‖. Mas é bom
deixar claro que no hebraico trata-se de dois verbos. Isto é, a última frase da terceira estrofe
encerra com estes dois verbos, formando uma expressão só.
Há nesta última frase ainda a descrição de alguém de quem será tomado esta vingança.
Trata-se do referido como ―dele‖. Em nosso entendimento sintático estas ―pessoas de paz‖ do
―eu‖ poético pretendem tomar vingança ―dele‖. Considerando: o poeta narra o que ele ouvir
as pessoas de paz dizer sobre ele.
351 BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.32. 352 ZOGBO, Lynell; WENDLAND, Ernst. La Poesia del Antiguo Testamento: Pautas Para Su Traduccion. Miami: Saxedads
Biblicas Unidas, 1989, p.42. 353 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.63-65.
191
Importa salientar que as três linhas da terceira estrofe não começam diretamente com
um verbo ou uma pessoa (implícita ou explicita no texto). Elas iniciam com uma conjunção
―porque‖ em 10a , um pronome indefinido ―todo‖ em 10b e um advérbio ―talvez‖ em 10c .
Diferentemente da estrofe anterior que tem suas duas primeiras linhas iniciando com
conjunção ―porque‖ (cf. 8a e 8b) e as cinco linhas sequentes com verbos e pessoas verbais:
―(eu) disse‖, ―(eu) não recordarei‖, ―(eu) não falarei‖, ―(ela) foi‖ e ―(eu) fui esgotado‖ (cf. Jr
20.9). Atestamos ainda que a próxima estrofe (v.11,12) segue de modo diferente desta e das
demais iniciando com um vocativo.
Com relação às pessoas envolvidas na textura da poesia, identificamos que na terceira
estrofe permanece o personagem ―eu‖, o poeta, isto é, aquele que fala no texto de forma
pessoal. O verbo ligado a ele no início da estrofe é (shm„) ―ouvir‖. O poeta ―ouve‖. O
contrário do que ele faz no início da segunda estrofe que é ―falar‖ (cf. v.8a , mesmo que ele
não quisesse mais falar (v.9a ), ambos identificados por (dbr)). A diferença das pessoas
para com as estrofes anteriores fica por conta do surgimento dos personagens ―nós‖. Mais
adiante perguntaremos se este ―nós‖ está relacionado de alguma maneira com o ―ele‖ na
perspectiva do poeta que fala nas estrofes anteriores.
Com isso, percebemos nesta estrofe que o poeta ouve o que os ―outros‖ dizem sobre
ele – nada agradável: ―muitas difamações, terror-por-todos-os-lados, denunciai, nós fizemos
denúncias dele‖. Inserem-se, inclusive, alguns coadjuvantes: aqueles que foram ordenados a
denunciar o poeta (o ―vós‖ de 10a ). Quando o poeta fala o que os ―outros‖ dizem, ele se
torna ―ele‖ na fala dos ―outros‖. Isto é, na perspectiva do ―outro‖ o ―eu‖ se torna ―ele‖.
Provavelmente a direção que o salmo quer apontar aos conflitos que haviam entre
essas pessoas assumidas por estes personagens. Essas indicações nos ajudarão em momento
apropriado no estudo da reconstrução do ambiente vivencial da perícope.
5.2.3.1.4 Quarta estrofe, v.11,12
A ―quarta estrofe‖ (v.11,12) do poema possuí cinco linhas. Sendo possível de
considerar a última linha (v.12b) como um fecho da estrofe, uma conclusão para a trama do
v.10 e o link para a próxima estrofe (v.13) que se trata de um hino, bem ao estilo dos salmos
de agradecimento.
192
A primeira linha (11a) introduz um vocativo, isto é, um chamamento. Definimos a
expressão inicial da estrofe - - como um vocativo através da observação do vocativo do
v.12 como paralelos354
. Logo em seguida surge outra pessoa acompanhada de uma
preposição: ―a mim‖. Esta pessoa compara aquele que foi chamado nominalmente por Yhwh
com um ―guerreiro violento‖: ―Ó Yhwh, [és] para mim como um guerreiro violento‖. O verbo
―ser‖ é implícito na tradução. Na frase hebraica não há a presença deste verbo. Entende-se que
Yhwh é para o poeta, que designa a si mesmo (para ―mim‖), comparado a um
(kegibor „ariyts) ―[como] guerreiro violento‖. Trata-se de uma símile metafórica, também
encontrada em outros salmos de lamentação.
A segunda linha (v.11b) aparentemente tem início com uma preposição ligada a um
advérbio, („al-ken). Seria uma expressão só como ―portanto‖, ―entretanto‖ ou ―por
isso‖355
? Ou se trata de uma expressão composta literalmente traduzida como ―corretamente
sobre‖, ―justamente sobre‖ ou ainda ―sobre eles‖356
? Por exemplo:
Em primeiro lugar, assumindo a expressão („al-ken) como ―portanto‖ teríamos
o seguinte texto: ―Ó Yhwh (és) para mim como um guerreiro violento (11a). Portanto
(), aqueles que perseguem a mim (11b ) serão levados à ruína (11b ) e não farão
prevalecer (11b )‖. Dessa forma o texto dá a entender que pelo fato de Yhwh ser para o poeta
como um guerreiro violento, consequentemente, seus inimigos serão derrotados. Isto é, nesta
ordem o texto evoca um entendimento em causa e efeito: como Yhwh é guerreiro violento, por
isso, os inimigos cairão. Assim, haveríamos de ter duas linhas dignas de serem diferenciadas
na estruturação da estrofe, uma começando com um vocativo (11a) e outra começando com a
conjunção (11b ). Holladay segue esta opção357
.
Em segundo lugar, assumindo a expressão („al-ken) como ―sobre‖ teríamos a
seguinte configuração: ―Ó Yhwh, (és) para mim como um guerreiro violento sobre ()
aqueles que perseguem a mim‖ (11a). Se assumíssemos esta suposição a segunda linha seria
354 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.549,550. 355 : ―por isso‖, cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São
Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002, p.180. 356 : ―sobre, acima de, em cima de‖, cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português.
14ª.ed. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002, p.179; : ―corretamente, justamente, habilidosamente, reto,
honesto‖, cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.102; : ―sobre ele, por essa razão, isso‖, cf. HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e
Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.389. 357 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.549.
193
iniciada de modo abrupto, quase como que uma conclusão logica da afirmativa anterior (11a):
―Eles serão levados à ruína e não farão prevalecer (11b )‖358
. Assim, alteraríamos o provável
entendimento do texto em comparação com o exemplo anterior, pois o texto indicaria que
Yhwh é somente guerreiro violento quando age sobre aqueles que perseguem o sofredor.
Para resolver este dilema definimos seguir a primeira opção sugerida por três razões:
a) percebemos que o uso recorrente da expressão em textos paralelos, especialmente os
de proximidade poética, refere-se a ―por isso‖ e ―portanto‖ nos contextos literários
examinados; b) os linguistas são enfáticos ao sugerir que se traduza essa expressão por
―portanto‖, ―por isso‖ e ―por isso é que‖, a menos que o contexto indique claramente o
contrário; c) grande parte das versões vernáculas optam por traduzirem por ―portanto‖, ―por
isso‖ e/ou ―por isso é que‖.
Seguindo a expressão („al-ken) aparece o primeiro verbo do texto, um
particípio ativo de (rdf) ―aqueles que perseguem‖ ou ―perseguidores‖ (11b ) e logo em
seguida outros dois verbos, (kshl) ―eles serão levados à ruína‖ (11b ) e (ykl) ―eles
farão prevalecer‖ (11b ). Eles estão no grau nifal e hofal, respectivamente, mas ambos estão
em ação incompletas. Para (rdf) há um objeto claro e um sufixo, o ―mim‖, formando a
frase ―aqueles que perseguem a mim‖; enquanto (ykl) é precedido de advérbio de
negação, ―e não farão prevalecer‖. As pessoas envolvidas são descritas pessoalmente: Yhwh,
personagem designado pelo nome; ―a mim‖, referindo-se a quem fala no poema.
Nota-se que é a terceira vez que o verbo (ykl) aparece no poema (v.7,10 e 11) e
ainda aparecerá mais uma vez (v.18). Trata-se de um verbo-chave na estrutura da perícope
como um todo.
A terceira linha (v.11c) é aberta com o verbo no qal completo, isto é, indicando uma
ação já realizada. O verbo é (bwsh) ―passar vergonha‖. Neste momento passamos de
verbos no incompleto como da linha anterior (v.11b), para verbos de ação completa. O verbo
está na terceira pessoa do plural e é adjetivado pela expressão (me‟od), ―muito‖. O
358 Baumgartner sugere que a expressão é um acréscimo e deve ser desconsiderada na tradução. Holladay entende
(„al-ken) como expressão normalmente ligada a uma terceira pessoa, e no caso de um salmo de lamentações vinculada aos
―inimigos‖ d salmista. Holladay traduz a expressão hebraica para o inglês por ―that is why‖, que quer dizer, em português ―é
por isso que‖, cf. HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25.
Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.549,550.
194
sujeito da frase trata daqueles que foram identificados nas linhas anteriores: ―eles passaram
muita vergonha‖ (11c ).
Em seguida, o próprio texto explica a razão desta grande vergonha, utilizando uma
conjunção e um advérbio de negação (kiy-lo‟) ―porque não‖. Quer dizer, por algo que
os referidos não fizeram eles passaram tal vergonha. Com isso, a explicação da razão desta
vergonha é realizada através de outro verbo de ação completa, só que desta vez no hifil,
(skl) ―fazer ser perspicaz‖, algo que ―eles‖ não o fizeram.
A próxima frase é completa (11c ). A frase tem início com um substantivo adjetivado:
(kelimat „olam) ―um insulto interminável‖. Podemos dizer que ―insulto
interminável‖ é paralelo com ―muita vergonha‖, pois ambos se tratam de substantivos
adjetivados e de conteúdo semelhante. Em seguida o advérbio de negação precedente ao
verbo – que aparece pela segunda vez nesta linha – dá o tom de mais uma frase negativa. Ela
é encerrada com um verbo no grau nifal ação incompleta da seguinte maneira: (lo‟
tishakeh) ―[um insulto interminável] não será esquecido‖. Parece um encerramento abrupto.
Entendemos que ela faz parte da licença poética do texto.
A segunda subdivisão da quarta estrofe possuí duas linhas. A estrofe parece levar o
poema de lamentação a uma espécie de declaração de confiança na divindade identificada no
texto como Yhwh.
A quarta linha (v.12a) começa da mesma forma que a primeira linha da subdivisão
anterior (v.11a), com um vocativo. Isso indica a repetição da tonalidade da estrofe anterior:
estamos diante de um chamamento (formal?) da divindade (12a ). Diferentemente da
primeira linha da estrofe anterior, este personagem que é invocado não aparece comparado a
alguém ou alguma qualidade especial ―como um guerreiro violento‖ daquele caso. É
claramente definido como sendo (wayhwah tseba„ot) ―Yhwh dos exércitos‖.
A ênfase da estrofe recai sobre Yhwh, isto é, Yhwh dos exércitos. Trata-se de um
epíteto difícil de estabelecer seu sentido exato. Há um motivo pelo qual o escritor privilegia
este título neste momento da poesia. Do qual trataremos melhor na analise dos conteúdos da
perícope. Ainda que a maneira de apresentar este personagem do poema seja diferente, ora é
―como guerreiro violento‖ (11a) e ora como ―dos exércitos‖ (12a ), a temática que envolve a
descrição de Yhwh nestas duas estrofes é a mesma: guerra, guerreiro. A diferença fica por
195
conta de que anteriormente ele é como um guerreiro dito violento359
; agora, como sendo ―dos
exércitos‖, significado complexo que veremos mais adiante. Portanto, o centro desta estrofe
é, sem duvidas, a pessoa de Yhwh em seus feitos em sua relação com o salmista.
Entretanto, a quarta linha não fica apenas na atribuição adjetiva deste personagem
duplamente invocado. Ele é caracterizado logo em seguida com mais dois verbos no particípio
em duas frases completas que complementam a introdução da estrofe. Este ―Yhwh dos
exércitos‖, invocado pelo poeta, era (verbo ―ser‖ não presente no texto, mas implícito pelo
contexto) (bhn) ―aquele que prova‖ (12a ) e (r‟h) ―aquele que vê‖ (12a ).
Segundo o texto, Yhwh é considerado aquele que prova o (tsadiyq) ―o justo‖ e
que vê (kelayot waleb) ―uns rins e o coração‖. Trata-se de expressões
antropológicas, que veremos mais tarde. Cabe a nós perguntar mais adiante se essas
expressões podem ser interpretadas metafórica ou literalmente? Ou ambos? Somente podemos
identificar uma espécie de paralelismo sintético entre essas descrições participiais deste Yhwh
dos exércitos.
A quinta linha (12b ) da estrofe é uma frase completa que começa com o verbo no
grau qal e ação incompleta, (r‟h) ―eu verei‖. É o mesmo verbo que o da linha anterior
(12a ). Yhwh ―vê‖, ele vê os rins e o coração. Esta outra pessoa poética também tem
capacidade de ver, ele ―verá‖. O sujeito é oculto, mas claramente perceptível: trata-se de um
―eu‖. Este ―eu‖ é quem verá a vingança da parte de alguém, descrito como (niqmat-
ha) ―a tua vingança‖ sobre umas terceiras pessoas, indicados como ―eles‖, (mehem).
A próxima frase (12b ), última da estrofe é encerrada com um verbo no piel em ação
completa. O mesmo grau com o qual o poema é iniciado, no versículo 7. É uma linha que
começa explicando a anterior através da conjunção (kiy). Logo em seguida, mais uma vez
nota-se a relação do ―tu‖ com o ―eu‖. Trata-se de uma relação de proximidade. Especialmente
do que parece ser um protegido para com seu protetor.
A razão pela qual o personagem poético ―eu‖ está confiante que ―verá‖ a vingança de
―tu‖ sobre ―eles‖ é porque ele (nlh) ―descobrir‖ ou ―revelar‖ (intensivo) a sua (ryb)
―processo jurídico, questão legal, causa judicial, contenda, pleito, demanda, litígio, 359 A palavra („ariyts) pode ser traduzida por ―déspota, tirano, violento, prepotente‖; e ainda a expressão conjunta
(gibor „ariyts) pode ser traduzida como ―homem poderoso‖ ou ―poderoso guerreiro‖, preferimos a tradução ―guerreiro
violento‖ pelo fato da expressão ―violência‖ ser uma repetição na perícope indicando o tipo de ação no qual o poeta recebe de
seus inimigos: ―eu gritarei violência‖ (v.8); e que, segundo a poesia, ele mesmo tinha nascido para ver: ―eu saí do útero para
ver aflição e tristeza‖ (v.18). Portanto, a expressão ―guerreiro violento‖ do versículo 11 combina com o desejo de vingança
contra os seus inimigos ―violentos‖ e ―prevalecedores‖.
196
querela‖360
, isto é, sua ―queixa‖ à divindade guerreira e poderosa. Definidamente mais
poderosa que seus inimigos.
O que nos chama a atenção ao abordar a forma desta estrofe, especialmente na sua
segunda subdivisão interna (v.12) é a sua similaridade com o texto de Jeremias 11.20.
Holladay, como a maioria dos estudiosos, acredita que os textos são iguais; ou pelo menos,
dependentes um do outro em termos de cópia361
. Para ele é mais provável que 20.12 seja
cópia de 11.20. Baumgartner entende que 20.12 trata-se de uma cópia inadequada de 11.20362
.
Se bem que 11.20 acrescenta uma expressão que em 20.12 não há (shopet tsedeq):
―aquele que julga o justo‖. O que indicaria ser o mais antigo.
Nota-se, na realidade, pequenas diferenças entre os textos (em destaque):
11.20 20.12
―Ó Yhwh dos exércitos,
aquele que o justo363
aquele que os rins e o coração
Eu verei a tua vingança sobre eles
Porque para ti eu revelei a minha questão
[selah]‖
―Ó Yhwh dos exércitos,
aquele que o justo364
aquele que os rins e o coração
Eu verei a tua vingança sobre eles
Porque para ti eu revelei a minha questão
[selah]‖
360 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.227. 361 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.551. 362 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.60. 363 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & : o que é correto, justo, normal, justiça, sucesso, graça, cf.
Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002, p.203; Holladay acrescenta o sentido de ―aquilo
que é justo, normal‖ e de ―integridade‖, cf. HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 2010, p.431. 364 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-: certo, correto, inocente, não culpado, cf.
Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002, p.203; Holladay acrescenta o sentido de ―algo que se
examinou e foi considerado estar em ordem‖ e o sentido de ―piedoso‖, cf. HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e
Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.430.
197
Para Baumgartner, o versículo 12 do capítulo 20 não se encaixa bem como sequência
do versículo 11: seria uma adição posterior do redator365
. Discordamos. Preferimos a
argumentação que vê 20.12 sendo originalmente parte de 7-13366
. A despeito da influencia de
11.20 em 20.12, ou vice-versa367
, entendemos que o texto que estamos analisando foi gerado
originalmente dentro da unidade 7-13368
.
Consideramos que tanto 11.20 quanto 20.12 têm seu próprio contexto369
. Holladay
apoia esta ideia, afirmando que a leitura atenta e a comparação do contexto literário de 11.20
com 20.12 mostra que 20.12 foi intencionalmente colocado como a conclusão de fechamento
de 7-11. Em outras palavras, embora 11.20 e 20.12 sejam quase idênticos, o v.12 é parte
integrante da unidade 7-13.
Finalmente, salientamos que as pessoas ligadas à quarta estrofe retomam os lugares
que outrora ocupavam no início do poema. O poeta volta a falar sobre si, suas crenças e
dilemas em primeira pessoa. Yhwh é a pessoa a quem o poeta dirige sua fala, primariamente.
Os inimigos do poeta são tratados como ―eles‖, novamente. As pessoas são reordenadas na
redação da quarta estrofe.
5.2.3.1.5 Quinta estrofe, v.13
Chegamos a ―quinta estrofe‖. Ela possuí três linhas apenas. As duas primeiras linhas
se assemelham por iniciarem com um imperativo plural (shyr) e (hll). Sendo que os
365 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.60. 366 O problema crítico deste caso é se devemos considerar o versículo 12 como parte original de 7-13 ou se é uma adição
posterior. Hyatt considera o versículo 12 como uma adição posterior, ou seja, ele não seria originalmente parte de 7-13, cf.
HYATT, James P. ―Jeremiah‖. Em: BUTTRICK, George Arthur. The Interpreter‟s Bible: Introduction and Exegesis by
James Philip Hyatt and Exposition by Stanley Romaine Hopper. V.5. New York: Abingdom Press Nashville, 1957,
p.972,973. Clines e Gunn argumentam que não se tratam do mesmo texto: a) 11.20 não é exatamente igual à 20.12; b) 20.12
está diretamente ligado à temática de 20.10,11; c) considerando a unidade de 7-13 uma lamentação individual, o versículo 12
necessariamente é parte do todo. Em outras palavras, tanto 11.20 quanto 20.12 teriam seu contexto próprio para afirmações
semelhantes, cf. CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409. Holladay compartilha desta mesma visão e
explica com pormenores, cf. HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah
chapters 1-25. Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.551,552. Para o debate sobre cópias e frases recorrentes no livro de
Jeremias, cf. PARKE-TAYLOR, Geoffrey H. The Formation of the Book of Jeremiah: Doublets and Recurring Phrases.
Atlanta: Society of Biblical Literature, 2000, 327p. (Society of Biblical Literature Monograph Series, 51). 367 Tanto 11.20 quanto 20.12 podem ter sido redigidos a partir de uma fonte litúrgica comum, mas em sua redação final cada
um tomou a forma de acordo com seu próprio contexto quando realizada a confecção do texto. 368 Cf. HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25.
Philadelphia: Fortress Press, 1986, p.362-382; 547-566. 369 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.550.
198
verbos são praticamente paralelos na estrutura da estrofe. Ambas as ordens são dirigidas a
pessoas, pois se encontram na primeira pessoa do plural, isto é, essas ordens são para um
―nós‖ implícito.
Este ―nós‖ deveriam ―cantar‖ e ―louvar‖ a Yhwh. Por duas vezes Yhwh é o objeto
direto das frases. Ou seja, o nome de Yhwh é ressaltado por duas vezes seguidas como o alvo
do cumprimento das ordens. Yhwh o herói da frase a quem se deve dirigir canto e louvor. A
trama poética de nossa unidade é encerrada na ordem a ―cantar‖ e ―louvar‖ a Yhwh.
Nos chama a atenção o duplo uso do imperativo. A sentença no imperativo é a mais
curta em sua forma verbal. É provável que seja a forma verbal mais antiga. Tem uso
específico para ordens. Aqui, neste caso, a ordem de que se ―cante‖ e ―louve‖ Yhwh. Para
Rosenstock-Huessy o imperativo expressa três fatos: que alguém recebe um convite à ação;
que o ato (a ser realizado) está no futuro; que o ato é de natureza específica370
.
A tese de Rosenstock-Huessy sobre a lógica do ―imperativo‖ compreende que pessoas
começam a se mover rumo à alteração do tempo mediante a sinalização de um imperativo.
Em nosso caso dizer ―cantemos para Yhwh‖ dá início aos processos em que: um ser humano
pede que se obedeça a uma ordem; há um ato que é pedido; percebe-se um espaço de tempo
que é reservado para a obediência e para o ato em resposta ao cumprimento da ordem: o
tempo entre a ordem e seu cumprimento371
.
Os imperativos ―cantemos‖ e ―louvemos‖ transformam as pessoas a quem se dirige em
participantes de um processo sócio religioso, voltados precisamente ao culto a Yhwh. A partir
dessas ordens, o conhecimento torna-se subordinado à responsabilidade de executar um ato. O
imperativo evoca mais que um pensamento, mas pede uma atitude no terreno da história372
.
Finalmente, vale ressaltar que são os imperativos que movem as pessoas. A isso nosso
texto é duplamente enfático, cumula ao específico: as pessoas que recebem os imperativos
―cantemos‖ e ―louvemos‖ são direcionadas a cumprir estes atos especificamente em direção a
Yhwh. Ressaltamos que quem ordena também se incluí neste processo, pois esses imperativos
hebraicos encontram-se na primeira pessoa do plural. ―Nós‖ devemos obrigatoriamente
―cantar‖ e ―louvar‖ Yhwh.
Chegando à terceira linha (13c) da quinta estrofe mais uma vez a conjunção (kiy)
aparece no texto. Trata-se da explicação pela qual o personagem Yhwh, isto é, ―ele‖, deve
receber cantos e louvores dos ―nós‖. Para esta explicação, usa-se o verbo principal da oração,
370 ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002, p.128. 371 ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002, p.128. 372 ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002, p.126-136.
199
(ntsl) ―salvar‖, encontra-se no grau hifil em ação completa, isto é, ―ele fez salvar‖.
Surgem nesta linha duas caracterizações de personagens no objeto direto da frase: o
(‟ebeyon) ―pobre‖ e os (mere„iym) ―que praticam o mal‖, isto é, ―malfeitores‖.
Tanto o ―pobre‖ quanto os ―malfeitores‖ estão em oposição poética. São personagens
antagônicos. Estes, provavelmente relativos às pessoas na qual o poeta descreve nas estrofes
anteriores, reclamando a vingança de Yhwh. Não obstante, nota-se o antagonismo desses
―malfeitores‖ com a ação realizada por Yhwh. A caracterização desses ―malfeitores‖ não é
realizada por um adjetivo, mas sim por um verbo no hifil particípio plural. O verbo que
caracteriza a ação de Yhwh também está no hifil, porém, em ação completa. De um lado,
Yhwh ―faz salvar‖, de outro, alguém (implícito) ―faz maldade‖.
Esse antagonismo é deveras importante para caracterizar os personagens no drama
poético e as respectivas atitudes que lhe são próprias. Yhwh e o (‟ebeyon) ―pobre‖ estão
em oposição poética contra os (mere„iym) ―que praticam o mal‖. Yhwh ―faz salvar‖ o
pobre destes que ―praticam maldade‖.
Não obstante, no versículo 13 a fala não é pessoal. Assemelha-se a um cântico ou hino
corporativo. Se tratado isoladamente dos versículos que o precedem poderia ser considerado
um salmo de gratidão. O ―eu‖ poético é apenas implícito: seria ele que faz a convocação para
cantar e o louvar? O ―eu‖ incluso em ―nós‖? A pessoa de Yhwh se torna ―ele‖, agora se fala
sobre este personagem: não se fala com ele, mas sobre ele.
Há outras pessoas importantes no texto: o ―pobre‖ e uns ―malfeitores‖. Mas a ênfase
recai sobre o ―nós‖. É como se alguém estivesse convocando sua corporação ou grupo para
cantar e louvar. Alguém inserido entre o ―nós‖ lidera a ordem do culto. Sim, culto, pois os
verbos ―cantar‖ e ―louvar‖ estão intimamente relacionados ao culto de Israel, principalmente
na linguagem dos salmos373
. Exatamente por esta forma hínica que nos remete a um cenário
litúrgico trataremos o ambiente vivencial desta estrofe como sendo diferente do ambiente
relativo a 7-12.
373 GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros dos Salmos no Antigo Testamento. São Leopoldo: Faculdade de
Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, 1984, 2vols.
200
5.2.3.2 Forma de Jeremias 20.14-18
A segunda unidade literária de nossa perícope é normalmente esquematizada de várias
maneiras a partir de estudos retóricos374
. Lundbom, por exemplo, entende que esta unidade
pode ser divida em cinco estrofes de duas linhas cada375
. A expressão (‟asher), que
aparece por cinco vezes no poema, coordenaria o início da segunda linha da estrofe dando
certa estrutura a unidade376
. Nesta ótica, duas linhas originais teriam sido perdidas ou omitidas
pelo redator377
. Essa percepção nos ajuda a entender o início abrupto do v.17, mas deixa em
aberto sobre as supostas partes perdidas ou omitidas do texto. Vejamos como ficaria o
esquema do texto nesta perspectiva:
374 LUNBDON, Jack R. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of
Biblical Literature and Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p. 589-600. 375 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.65. 376 ITTMAN, Norbert. Die Konfessionen Jeremias: Ihre Bedeutung für die Verkündigung des Propheten. Neukircher-Vluyn:
Neukirchener Verlag, 1981, p.16. 377 Diante desta perspectiva de estudo nos perguntando quanto à simetria do poema, isto é, uma vez que a proposta de
Ittmann e Lundbom é de que cada segunda linha da estrofe comece com (‟asher) por que o texto a apresenta na terceira
linha da primeira estrofe? Também por que não ha sequer a presença de (‟asher) na última estrofe, que seria o
encerramento do poema? Talvez seja para dar a enfase de que o (‟asher) seja um elemento estruturador no primeiro
caso? Seria por que o encerramento do poema exibe a versatilidade e liberdade poética, enfatizando (lamah) ao inves do
(‟asher)? Ainda não encontramos uma pesquisa que aborde satisfatoriamente este assunto.
201
14Maldito o dia
que () eu fui gerado
no dia em que () minha mãe deu à luz a mim
ele não tornará a ser abençoado
15Maldito o homem
que () levou uma mensagem ao meu pai
para dizer foi nascido para ti um filho homem, alegra!
ele regozijou-se dele
16e seja ele o homem como as cidades
que () Yhwh subverteu e não se arrependeu
ele ouvirá um grito pela manhã
e um sinal de alarme em pleno meio-dia
17[ .............................................................. ]
porque () ele não me matou de uma vez por todas do útero
e veio a ser para mim minha mãe a minha sepultura
e grávida o útero dela para todos os tempos
18Por que isto? eu saí do útero
[ .............................................................. ]
para ver aflição e tristeza
e serem prevalecidos em profunda vergonha meus dias
Mckane, por sua vez, critica o excessivo intelectualismo na leitura deste poema.
Segundo ele, esta unidade deve ser lida através da ótica da mais alta poesia, além da crítica
literária. Em outras palavras, a reconstrução hipotética da forma original do texto deve levar
em conta além dos recursos literários o contexto da linguagem de lamentação como um todo.
Para ele, a riquíssima apresentação literária do poema não pode ser distanciada da provável
convenção literária que lhe deu forma378
.
Diante destas duas visões opostas de estruturação do texto, a leitura da unidade 14-18
em três estrofes nos parece mais adequada: 14+15-17+18.
378 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.482,483.
202
5.2.3.2.1 Primeira estrofe, v.14
Conforme a hipótese que seguimos de estrofamento da nossa perícope, a ―primeira
estrofe‖ (v.14) da unidade 14-18 possuí três linhas poéticas. Essa estrofe é coordenada pela
primeira expressão que encontramos: ―maldito‖. Trata-se do verbo (‟rr), que indica
alguém que ―opera uma maldição‖379
ou a ―lança sobre outro‖380
. Este verbo se encontra no
grau qal particípio passivo e pode ser traduzido como: ―aquele que foi amaldiçoado‖, ou seja,
―maldito‖.
Na continuação da frase (14a ) ficamos sabendo quem foi ou o que está sendo
amaldiçoado. É o dia em que o poeta nasceu: (hayom ‟asher yuladtiy). A
expressão (hayom) ―o dia‖ trata-se de uma inclusio juntamente com (yamay) ―meus
dias‖ do v.18381
.
A frase é formada pelo substantivo (hayom) ―o dia‖, pelo pronome relativo
(‟asher) ―que‖ e pelo verbo (yld) ―nascer‖ ou ―ser gerado‖ no grau pual em ação
completa, apocopado de um sufixo pronominal da primeira pessoa. Com este sufixo o poeta
faz sua identificação: ―eu‖.
O poema explicita ainda mais sobre este ―dia amaldiçoado‖ em que alguém nasceu, ao
passar para a próxima linha (14b). Trata-se do dia em que sua mãe deu à luz (14b ). É uma
repetição temática do dia de nascimento de quem fala. É a mudança de linha poética da
estrofe. Os verbos utilizados para ―eu fui gerado‖ e ―ela deu à luz‖ são os mesmos. Trata-se
do verbo (yld). Há várias possibilidades de tradução deste verbo: ―estar em trabalho de
parto‖382
, ―dar à luz‖383
, ―ser pai de alguém‖384
ou ainda ―ter a descendência reconhecida‖385
,
isso como algumas amostras da variação do uso deste verbo. É o contexto envolto ao uso do
379 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.18,19. 380 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.38. 381 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.65,66. 382 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.618. 383 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.1008. 384 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.190,191. 385 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.89.
203
verbo que vai determinar qual interpretação é a melhor. Alguns tradutores preferem traduzir o
termo por ―nascer‖: ―maldito o dia que eu nasci‖.
Argumentando, os verbos (yld) ―nascer‖ fazem um paralelo sinonímico entre as
linhas da estrofe (14a e 14b). Entendemos, porém, que o poeta não fazia grande distinção
entre sua geração e o dia de seu nascimento, tanto é que utiliza o mesmo verbo para ambas as
frases. Fica por conta da interpretação do tradutor escolher qual a melhor forma de traduzir
segundo o contexto.
O texto segue literalmente: (boy yom ‟asher yeladatny ‟imiy)
―em o dia que ela deu à luz a mim minha mãe‖ (14b ). A preposição (be) faz a quebra desta
linha com a anterior. Tem função de indicar temporalidade na poesia e completar o sentido da
primeira frase através da repetição poética. Isto é, que dia é este que fora amaldiçoado? A
primeira resposta: ―o dia que eu fui gerado‖. Segunda resposta: ―no dia em que ela deu à luz a
mim minha mãe‖. Trata-se de uma dupla resposta para a pergunta oculta a este dia maldito.
Além de ser especificado em termos temporais o objeto que recebe maldição, o poeta
bíblico indica claramente uma pessoa coparticipante neste dia, indicada de modo pessoal em
sua relação: trata-se de sua mãe, ou melhor, ―minha mãe‖, como o texto informa.
Na próxima linha – a que fecha a primeira estrofe – ainda se fala deste dia maldito na
perspectiva de quem fala o poema. Este dia não é explicito diretamente na frase. Sabemos que
se trata deste ―dia‖ da linha anterior (v.14a) pelo contexto poético. (hyh) nos insere na
última linha (14c) no grau qal em ação incompleta, precedido do advérbio de negação
(‟al) ―não‖: ―ele [não tornará a ser] abençoado‖.
A primeira estrofe é encerrada com o verbo (brk) ―abençoar‖ ou ―ser
abençoado‖. Trata-se do verbo antônimo de (‟rr) ―maldito‖ ou ―ser amaldiçoado‖. Este
―abençoar‖ está no particípio passivo, igual àquele primeiro verbo da estrofe. Cabe-nos
acreditar que este contraste de palavras fora intencionalmente realizado pelo escritor ou
redator do poema. Isso nos parece ainda mais intencional ao adentrarmos na próxima estrofe,
que abre novamente com o mesmo verbo que abriu a estrofe anterior.
Importa lembrar que a expressão ―abençoado‖ que fecha a estrofe é coordenada pelas
palavras imediatamente anteriores que a utiliza em negativa: ―não tornará a ser abençoado‖.
Trata-se de uma negação da ―bênção‖ daquele dia mencionado, que fora considerado nas
linhas anteriores como maldito. No entanto, o poeta optou usar o verbo ―abençoar‖,
204
contrastando com ―amaldiçoar‖, só que em uso negativo386
. Para logo em seguida, na próxima
linha, voltar a usar o verbo ―amaldiçoar‖. Este também pode ter sido o recurso de repetição
usado na confecção do texto, caracterizando-o como uma meticulosa poesia387
.
Indaga-se também se esta frase poética trata-se de uma clausula afirmativa ou de um
jussivo. O jussivo ―é usado para expressar vontade‖388
e até mesmo uma ordem de quem fala
(mesmo existindo o imperativo no hebraico). Kelley nos informa que ocasionalmente a
partícula (na‟) é usada após um jussivo389
. Mas não a encontramos em nosso texto. Gusso
demonstra que ―nos verbos fortes, menos no hifil que tem forma própria, o jussivo e o
incompleto são idênticos, apenas o contexto determina se a utilização é de um do outro‖390
.
Em nosso caso o verbo está no particípio.
É comum o uso do jussivo em maldiçoes na literatura poética do Antigo Testamento,
especialmente dos salmos que contém imprecações. Porém, ao definir se se trata de um
jussivo ou não, na maioria dos casos, ficamos dependendo do contexto como um todo.
Neste caso, se lêssemos a frase como um jussivo ela ficaria da seguinte maneira: ―que
ele não torne a ser abençoado‖. O poeta estaria expressando um desejo, especialmente de algo
que pode acontecer. Na tradução do texto na presente dissertação preferimos o entendimento
desta frase de modo afirmativo, onde o poeta entende que não se pode voltar atrás no passado.
Explicaremos os maiores detalhes deste ponto de vista no estudo dos conteúdos.
A ―primeira estrofe‖ é aberta com o verbo no particípio passivo e fechada no mesmo
modo, através de verbos antônimos. Primeiro, (‟rr) ―aquele que é maldito‖ e depois
(brk) ―aquele que é bendito‖, porém, este último em sentido negativo ―aquele que [não] é
abençoado‖. Ao longo da estrofe o verbo (yld) é usado por duas vezes. Mais uma
repetição poética. Ainda que possivelmente, os sentidos do uso de ―dar à luz‖ sejam
diferentes, pelo menos complementares, nas frases em que eles aparecem. Optamos por
traduzir como [o dia que] ―eu fui gerado‖ e ―ela deu à luz‖.
O verbo ―ser‖ da última frase, somado ao advérbio de negação que o precede, serve de
recurso para introduzir o verbo ―abençoar‖ em sentido negativo. O escritor bíblico utiliza
verbos que normalmente são positivos na Bíblia Hebraica, como ―haver, ter, acontecer,
386 Lundbom desenvolve a hipotese deste contraste poético proposital ser uma ironia do escritor, cf. LUNBDON, Jack R.
―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of Biblical Literature and
Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p. 591. 387 Mckane vê um quiasmo entre (‟rr) e (brk) no v.14, cf. McKANE, William. A Critical and Exegetical
Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T Clark Publishers, 1996, p.486. 388 GUSSO, Antônio. Gramática Instrumental do Hebraico Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.186. 389 KELLEY, Page. Hebraico Bíblico: Uma Gramática Introdutória. 3a. ed. São Leopoldo : Sinodal, 2002, p.165. 390 GUSSO, Antônio. Gramática Instrumental do Hebraico Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.186.
205
tornar-se‖391
e ―abençoar‖392
; porém, o faz em sentido negativo, reafirmando sua colocação
sobre o dia maldito. É uma estrofe com três linhas.
O tema que perpassa as linhas desta primeira estrofe é ―o dia‖. Mais precisamente, o
dia que o poeta nasceu. A primeira estrofe termina deixando margem para a introdução da
próxima estrofe. Passemos, pois, para ela.
5.2.3.2.2 Segunda estrofe, v.15-17
Chegamos à ―segunda estrofe‖ (v.15-17) da unidade 14-18 de nossa perícope. Ela tem
início da mesma maneira que a ―primeira estrofe‖. Com o verbo (‟rr) no grau qal
particípio passivo: ―aquele que foi amaldiçoado‖, ou seja, ―maldito‖. Novamente, o verbo
indica alguém que ―opera uma maldição‖393
ou a ―lança sobre outro‖394
. Mas que no grau qal
parcípio passivo indica alguém que recebe esta maldição, no caso, aquela pessoa ou coisa que
foi amaldiçoada, o ―maldito‖. Na continuação da frase ficamos sabendo que foi ou está sendo
amaldiçoado nesta ―segunda estrofe‖.
Observamos no início do v.14 e do v.15 a repetição de (‟arur) ―maldito‖ o que
nos remete a uma anáfora. Lundbom apoia essa ideia395
. Trata-se de uma repetição de uma
palavra ou de um conjunto no início de mais versos da poesia396
. A anáfora é um recurso
retórico da poesia hebraica que ajuda a enfatizar o esquema e o conteúdo de um poema.
Vemos no texto o uso da retórica hebraica clássica bem desenvolvida na unidade e elaboração
do texto397
.
Se a estrofe seguir a mesma estrutura inicial da que a antecedeu, provavelmente o
texto indicará quem o ou o que está sendo alvo da maldição. Essa repetição estrutural
acontece. O poema indica que é ―o homem‖, (ha‟iysh), este amaldiçoado. A expressão
391 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p. 53. 392 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.33,34. Cf. HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2010, p.66,67. 393 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.18,19. 394 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.38. 395 LUNBDON, Jack R. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of
Biblical Literature and Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p. 591. 396 BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.28. 397 SMITH, George A. The Early Poetry of Israel and Its Physical ans Social Origins. Londres: British Academy and Oxford
University Press, 1912, p.11.
206
―homem‖ está vinculada ao artigo definido. Isto é, não se trata de qualquer homem. O poema
quer definir que homem é esse. O mesmo acontece na primeira estrofe. Lá, não se trata de
qualquer dia, mas de ―o dia‖, que verificamos como o do nascimento de alguém.
Este homem trata-se de alguém que (bshr) ―levou uma mensagem‖. Mais uma
vez a mesma estrutura rítmica desta primeira frase da segunda estrofe, com a primeira frase da
primeira estrofe que verificamos. O grau dos verbos também são semelhantes. Na primeira
linha da ―primeira estrofe‖ o grau é pual (intensivo passivo); na primeira linha da ―segunda
estrofe‖ o grau do verbo é piel (intensivo ativo). Isto é, ambos os verbos estão em ação
intensiva.
A frase começa com: verbo coordenador + substantivo definido (o que recebe a ação
do verbo) + pronome relativo + verbo + explicações pormenorizadas deste substantivo
definido em duas linhas, sendo a ultima linha o fechamento do assunto.
Estrutura básica de
repetição
1ª. Estrofe de 14-18,
v.14
2ª. Estrofe de 14-18,
parte “I”, v.15
Verbo coordenativo Maldito Maldito
Sujeito definido o dia o homem
Pronome relativo que que
Verbo eu fui gerado levou uma mensagem ao meu
pai
Explicação no dia em que minha mãe deu à
luz a mim
para dizer foi nascido para ti
um filho homem, alegra!
Explicação e Fechamento ele não tornará a ser abençoado ele regozijou-se dele
São duas diferenças notáveis em termos de estrutura para o início das estrofes. A
primeira é relativa ao verbo: no segundo caso ele possuí um complemento, ―levou uma
mensagem ao meu pai‖. A segunda diferença é em relação à continuidade da estrofe. Logo em
seguida ao que esperaríamos o encerramento da ―segunda estrofe‖, à moda da primeira, a
estrofe não termina, continua a poesia. Há a presença de uma quarta linha poética que abre
uma subdivisão na estrofe, entre v.15 e v.16,17. Isto é, a parte ―II‖ da ―segunda estrofe‖ é
estruturalmente repetida de toda a ―primeira estrofe‖.
A segunda linha desta estrofe (15b) inicia com o verbo (‟mr) ―dizer‖, no
infinitivo. Precedido da preposição (le) ―para‖. Ela indica qual a mensagem que aquele
homem estava levando ao personagem que funciona como pai do poeta, daquele que fala no
207
texto. A fala deste homem é expressa no texto da seguinte maneira: ―para dizer foi nascido
para ti um filho homem, alegra!‖. A frase encerra com um imperativo, desta vez, o verbo
(smh) ―alegrar-se‖.
A terceira linha poética (15c) existe num a partir de um único verbo. Trata-se do
mesmo verbo que o antecede, (smh) ―alegrar-se‖. Ele encontra-se no grau piel em ação
completa vinculado a um sufixo pronominal que indica uma terceira pessoa masculina, no
singular. Traduzimos por ―ele regozijou-se dele‖. Tratemos de saber mais adiante na presente
dissertação, quem é este ―dele‖ no qual o ―ele‖ deveria alegrar-se muito e as possíveis
variantes quanto às possíveis traduções desta linha poética. Dependendo da definição da
tradução do v.15c perguntaremos se se trata de uma ironia poética do escritor do texto398
.
As expressões ―para dizer foi nascido para ti um filho homem, alegra-se; ele
regozijou-se dele‖. Essa repetição proposital da palavra (smh) ―alegrar‖ se trata de uma
aliteração, isto é, a insistência sobre uma ou mais letras399
? Ou estaria mais próxima de ser
uma paranomásia: jogo de palavras repetidas para imprimir ênfase400
? Ficamos com a
segunda opção: o poeta quer ser enfático em demonstrar a atitude do mensageiro e do pai da
criança que havia nascido.
A terceira linha (15c) é vinculada numa quarta pela conjunção (waw). Agora,
acrescenta-se às três primeiras linhas mais sete, totalizando nove linhas poéticas na ―segunda
estrofe‖. Provavelmente, o poeta entendeu que deveria dar maiores explicações a respeito da
maldição que acometeria aquele homem ou até a outra pessoa que ele amaldiçoaria. Ou ainda,
a forma do poema queira indicar que o peso desta segunda maldição para ―o homem‖ ou
quem quer que seja: uma maldição maior do que a lançada para ―o dia‖. Quem sabe ainda se
se trata da continuidade da maldição da segunda estrofe, ou de uma nova maldição para outra
pessoa envolvida401
.
Na quarta linha da estrofe, que abra a parte ―II‖ o texto faz especificações relativas à
―qualidade‖ ou ―tipo‖ da maldição proferida (v.16). Mais uma vez em três linhas poéticas.
Esta parte ―II‖ da segunda estrofe começa literalmente indicando alguém de modo bem
398 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.591. 399 Cf., BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.28 e ZOGBO, Lynell;
WENDLAND, Ernst. La poesia del Antiguo Testamento: pautas para su traduccion. Miami: Saxedads Biblicas Unidas,
1989, p.46. 400 BALLARINI, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis: Vozes, 1985, p.28. 401 Alguns estudiosos determinam as possiveis estrofes de 14-18 como sendo 14+15+16,17+18 dependendo da interpretação
que seguem para ―o homem‖ relativo ao nosso v.16a. Ainda vamos debater sobre as provaveis interpretaçoes desta expressao
no tópico dedicado aos conteúdos da perícope.
208
especifico, mas não diz claramente de quem se trata. Faz isso com o uso de repetições de
palavras e de estrutura, novamente.
O verbo (hyh) encontra-se no grau qal em ação completa, indicando a terceira
pessoa do singular masculino. Isto é, o verbo define um ―ele‖ como sujeito oculto. Logo em
seguida é definido quem deveria ―ser‖, surge com artigo definido o substantivo ―homem‖ ou
―macho‖, seguramente indicando alguém do sexo masculino: (ha‟iysh). Logo em
seguida, mais uma repetição com a expressão (hahu‟) que traduzimos literalmente por
―o ele‖. Quer dizer, temos no texto três referencias a um ―ele‖. Resta-nos saber quem de fato é
este ―ele‖.
Esta frase literalmente traduzida por ―e ele foi, o homem, o ele‖, bem que poderia ser
traduzida como um jussivo: ―e seja ele o homem‖ ou ainda ―e que seja ele o homem!‖. O
contexto permitiria esta adaptação. Ficamos no mesmo impasse de interpretação se o escritor
do texto se referia a algo no passado ou na expressão de um desejo para o futuro. Mais adiante
verificaremos com mais cautela.
Depois de definido o alvo da maldição o poema faz uma comparação. Esta pessoa é
comparada ―as cidades que Yhwh subverteu e não se arrependeram‖ (16b). O termo usado
para ―cidades‖ se encontra no plural e é („ar). O termo ―cidades‖ é precedido da
preposição (ke), que indica a comparação do sujeito da frase com o que se seguirá.
A frase indica que Yhwh ―subverteu‖ (em ação completa, isto é, no passado) algumas
cidades. O verbo utilizado é (hfk) ―ele subverteu‖. O verbo está precedido em conexão
direta pelo pronome relativo (‟asher) ―que‖: ―conforme as cidades que ele [Yhwh]
subverteu‖. Já se trata do segundo verbo no grau qal em ação completa no versículo 16, a
parte ―II‖ da segunda estrofe. Seria uma repetição proposital? A isso somente conjecturamos.
Os graus e ações dos verbos da parte ―II‖ não têm paralelos diretos na parte ―I‖ da segunda
estrofe. A repetição fica por conta do tema que ambas tratam: maldição daquele personagem
definido como ―o homem‖.
Em seguida a estas ―cidades que Yhwh subverteu‖ nos é dito que alguém ―não se
arrependeu‖. Este verbo necessita de interpretação cuidadosa. A raiz (nhm) possuí uma
variedade de sentidos: ―arrepender-se, ter pena de, ter compaixão, encontrar consolo, observar
209
tempo ou rituais de luto402
; lamentar, sentir pesar, (permitir-se) estar arrependido, ter pena,
confortar-se, consolar-se, confortar, planejar vingança, ser confortado403
‖.
A forma do verbo no texto, (niham), permite duas possibilidades de tradução: a
primeira, como um nifal particípio; a segunda, como piel completo; ambos no gênero
masculino e número singular, isto é, trata-se de um ―ele‖. O verbo é precedido por um
advérbio de negação (lo„) ―não‖. Admitimos que o verbo esteja piel completo.
Observamos quatro possibilidades de sentido da palavra para traduzi-la. Então escolhemos a
que melhor se encaixa no contexto404
.
A frase deixa a certeza que quem não se arrependeu foi Yhwh. Pois se trata de um
verbo na terceira pessoa do singular masculino. Yhwh é a pessoa diretamente ligada a este
verbo na frase e é ele que executa a ação de ―subverter‖ (no texto, qal completo singular
masculino) e ―não se arrepender‖ (no texto piel completo singular masculino).
Quer dizer, Yhwh não se arrependeu de ―destruir cabalmente‖ as referidas ―cidades‖,
que se comparam àquele homem amaldiçoado do início da frase. A frase ―Yhwh subverteu‖ é
vinculada diretamente a ―(ele) não se arrependeu‖ pela conjunção (waw) ―e‖.
A linha seguinte (16c) inicia com o verbo (shm„) ―ouvir‖, em qal completo, mas
como waw consecutivo, devendo ser traduzido em ação incompleta, no futuro do presente do
indicativo ativo, no caso do português. Perguntamos se esta frase é coordenada pelo desejo de
maldição da quarta linha, isto é, a primeira da parte ―b‖ da segunda estrofe? Seria ―ele ouvirá‖
ou ―que ele ouça!‖? O texto prossegue dizendo o que será ouvido por este ―ele‖. Este ―ele‖
ouvirá duas coisas semelhantes em sentido e em tempos diferentes. Ouvirá um
(ze„aqah) ―grito‖ (baboqer) ―pela manhã‖ e um (teru„ah) ―e sinal de alarme‖
(be„et tsaharayim) ―em tempo de pleno meio-dia‖. Assim encerra-se a parte ―b‖
402 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.154. 403 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.114,115. 404 Eis as razões de nossas opções: em primeiro lugar, porque ao traduzir como piel, a versão é mais adequada ao contexto,
quer dizer, enquadra-se muito melhor se admitirmos ―conforme as cidades que Yhwh subverteu e não se [consolou]‖, ou
―conforme as cidades que Yhwh subverteu e não se [compadeceu]‖, e ainda, ―conforme as cidades que Yhwh subverteu e não
se [lamentou]‖, do que se admitíssemos o nifal particípio; em segundo lugar, porque a possibilidade de traduzir o termo no
nifal particípio não se adequou ao contexto da frase, por exemplo, ―conforme as cidades que Yhwh subverteu e foi aquele que
se arrependeu/consolou/compadeceu/lamentou‖; por fim, traduzirmos pelo verbo ―arrepender-se‖ por considerar essas
possibilidades, como ―consolar‖, ―ter compaixão‖ e ―lamentar‖ ligadas ao advérbio de negação no piel, que é o grau
intensivo no hebraico.
210
da ―segunda estrofe‖, abrindo espaço para mais uma série de três linhas poéticas, que
chamamos de parte ―c‖.
A terceira parte da ―segunda estrofe‖ (v.17) é peculiar, pois possui somente dois
verbos em três linhas poéticas. Verifica-se nela a presença de cinco substantivos mais um
adjetivo. Quer dizer, o pouco número de verbos não influencia na estruturação da frase. Ao
contrário, certamente indica a arte peculiar do compositor do texto.
A primeira linha de três, começa com um pronome relativo. Porém, algumas versões
interpretam esse pronome relativo (‟asher) como um pronome interrogativo que
coordena as demais frases da estrofe. É provável que o motivo desta interpretação seja o fato
de considerarem essas linhas uma estrofe diferenciada dos versículos 15 e 16. Aqui
preferimos vincular o versículo 17 como parte da estrofe de 15 a 17, uma vez que entendemos
este pronome relativo como tal, cuja função é explicar o conteúdo do texto antecedente.
Portanto, este (‟asher) faz um vínculo entre os versículos 15 e 16 com o versículo 17,
formando uma só estrofe.
Comparando, a primeira estrofe contava com cinco verbos; a segunda estrofe até agora
(parte ―I‖ e ―II‖) com dez; agora, soma-se a esta terceira parte mais dois verbos. Adiantando-
nos, verificamos que a terceira e última estrofe possuí quatro verbos. Poderíamos relacionar
estruturalmente a primeira e segunda estrofes em números de verbos que dobram em escala
crescente?
Em outras palavras, o número de verbos da primeira para a segunda estrofe até parte
―II‖ dobrou, de cinco para dez verbos; da parte ―II‖ da segunda estrofe para a ―terceira
estrofe‖ (v.18) também dobrou, de dois para quatro verbos. Totalizam 20 verbos na unidade
14-18. Podemos comparar essa observação com algum ritmo da poesia hebraica? Com isso,
queremos argumentar em prol de uma qualidade de organização estrutural meticulosa de
quem produziu ou redigiu a unidade 14-18.
Além desta peculiaridade em termos numéricos dos verbos, percebemos que é nesta
última parte da segunda estrofe (17a) aparece o verbo (mwt) ―matar‖ num grau raro na
Bíblia Hebraica. O verbo encontra-se no pilel, que também pode ser chamado de polel. Gusso
recomenda que este grau seja traduzido pelo piel, como uma espécie de correspondente
aproximado405
. No caso do verbo (mwt), na terceira pessoa do singular masculino, em
405 GUSSO, Antônio. Gramática Instrumental do Hebraico Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.192.
211
ação completa, Holladay recomenda que se traduza por ―matar de uma vez por todas, dar o
golpe mortal‖406
. Sugestão que nos pareceu apropriada.
O verbo ―matar‖ é precedido do advérbio de negação mais usado nesta perícope 7-18,
o (lo‟) ―não‖. Desta vez, ligado diretamente ao verbo ―matar‖: ―ele não matou‖. A frase
até a presente análise ficaria: ―porque ele não me matou de uma vez por todas‖. Trata-se de
uma frase explicativa. Por isso, consideramos o versículo 17 como parte dos versículos 15 e
16, que iniciam e desenvolvem nossa hipótese de uma ―segunda estrofe‖ para a unidade 14-
18.
Discordamos dos tradutores que compreendem o versículo 17 como uma estrofe; não
por enumerá-lo como tal, mas por considerarem o pronome relativo (‟asher) ―que,
porque, pois‖ como um pronome interrogativo ―por que?‖. Inclusive, pudemos traduzir este
pronome relativo por ―porque‖ tomando a estrutura sequente como parte do que seria nossa
―segunda estrofe‖ porque ao adentrarmos na ―terceira estrofe‖ pudemos atestar a presença de
um pronome interrogativo típico da BHS e dos Escritos, (lamah): ―o que, tudo que,
como, quão, por que, por quê?‖407
; ―que? com que? como? para que? por quê? até
quando?‖408
.
Com isso, supomos que o escritor-redator poderia ter usado no versículo 17 a forma
(lamah) ao invés de (‟asher) se quisesse ter introduzido no poema uma nova
estrofe caracterizada por aquela indagação tão comum na literatura de lamentação (cf. Sl
22.1). Conquanto, verificamos que as três últimas linhas da ―segunda estrofe‖ são explicações
complementares do que fora estruturado nas dez linhas anteriores. Resultado: a maldição da
parte ―II‖ é uma ampliação da maldição declarada da parte ―I‖ e ainda explicitada com a razão
da mesma na parte ―III‖: ―porque ele não me matou de uma vez por todas [...]‖.
O texto nos informa que o lugar onde indaga que deveria ser ―assassinado‖: no útero
de sua mãe. Em hebraico, (rahem) significa ―útero‖. Esta palavra esta presente por duas
vezes em 14-18. As duas interligadas na parte ―III‖ da segunda estrofe (v.17). Sendo que é
possível identificar uma possível referencia símile entre útero e sepultura na linha do meio
desta parte ―III‖. Temos, portanto, três referências a uma vida que não nasceu, ainda em
formação, preparando-se para nascer, no útero da mãe.
406 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.226,227 407 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.260,261. 408 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.116.
212
A tipo da morte, quase um recurso de temporalidade da morte que deveria ser efetuada
é direcionada pelo próprio verbo (mwt) ―matar‖ no grau pilel em ação completa em 17a:
uma morte de uma vez por todas, ou seja, uma morte cabal, fatídica, inequívoca. Mas em 17c
o recurso da temporalidade é mais evidente, muito próximo de um tipo de morte, através do
substantivo adverbial („olam) ―para todos os tempos, para sempre, tempo / época
passada, tempos remotos, passado, antiguidade‖409
.
Nossa segunda estrofe trata-se de uma forma ampliada da primeira. Inicia com três
linhas de estrutura gramatical e sintática semelhante as da primeira estrofe (com três linhas
somente), mas avança em mais três linhas poéticas que aprofundam o assunto ou tema da
estrofe. Essas primeiras três linhas fazem o cabeçalho da segunda parte da unidade 14-18.
Teríamos dois cabeçalhos então? Ou uma dupla maldição410
?
Ao final desta parte ―II‖ da segunda estrofe abrem-se mais três linhas. Temos aqui um
total de nove linhas poéticas. Possuí doze verbos no total. Sendo os dois verbos repetidos, a
saber, o verbo (shmh) ―alegrar‖ – eles abrem a metade de uma série de doze verbos na
composição.
Podemos indagar como fez Lundbom a partir de seu pressuposto estrutural de 14-18
onde concluiu que faltam duas linhas que foram removidas ou omitidas pelo redator. Estaria
faltando um complemento em duas partes de três linhas cada para a primeira estrofe? Ou essas
seis linhas complementares ao v.15 que formam ao todo nossa segunda estrofe teriam sido
acréscimos posteriores no processo redacional que não respeito uma convenção de linguagem
de maldição do dia do aniversário – não sendo originais de nosso poema? Preferimos
considerar que a despeito destas indagações difíceis de serem respondidas, o redator está
ciente do que e de como deveria estruturar o poema.
Assim definimos os versículos 15-17 da unidade 14-18 como segunda estrofe com três
possíveis subdivisões internas. Resta-nos avaliar a forma e estrutura da última estrofe.
409 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.175. 410 LUNBDON, Jack R. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of
Biblical Literature and Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p. 598.
213
5.2.3.2.3 Terceira estrofe, v.18
A ―terceira estrofe‖ tem início gramaticalmente marcante e até agora inédito em toda
nossa unidade. Ela insere a pronome interrogativo (lamah) ―O que, tudo que, como,
quão, por que, por quê ?411
; que ? com que ? como ? para que ? por quê ? até quando ?412
‖,
resumidamente, ―por que?‖. Essa expressão coordena toda a estrofe? Ou somente a primeira
linha dela? A este pronome interrogativo é adicionado um pronome demonstrativo, (zeh)
―este, esse, isto, isso, esta, aquele, aqui, lá, agora413
; tal, aquele de, etc.414
‖, resumindo o
sentido do termo, ―isto‖.
A primeira frase inicia com a questão: ―por que isto?‖ (18a). Não obstante, a pergunta
que abre a ―terceira estrofe‖ nos remete a outra pergunta agora implícita: ―isto‖ o que? O
poeta nos informa na sequencia do poema a resposta à pergunta que encabeça a estrofe. As
próximas duas linhas tratam delas.
A linha seguinte possuí dois verbos: (yts‟) ―sair‖ e (r‟h) ―ver‖. Sendo cada
um desses verbos carregados de sentido teológico. Esta pessoa ―eu‖ que saiu do
(merehem) ―útero‖ define que a finalidade deste ―sair‖ é (lire‟ot) ―para ver‖. É a
terceira vez que a palavra ―útero‖ é utilizada na unidade. O versículo 17 apresenta a mesma
palavra duas vezes e por uma vez faz uma comparação entre ―útero‖ e ―sepultura‖. Estas três
repetições diretas, bem como uma indireta, referentes a ―útero‖ nos aproxima do assunto de
toda unidade: um nascimento. A terceira estrofe pretende concluir o poema como um
encerramento do assunto central da unidade.
Dois substantivos são indicados como aquilo que o ―eu‖ saiu para ver, ligados pela
conjunção waw: („amal weyagon) ―aflição e tristeza‖. Em seguida, na terceira linha,
mais um waw aparece, desta vez trata-se de um waw consecutivo, isto é, apocopado ao verbo
ele converte a ação na qual o verbo está.
O verbo vinculado a este waw é o (ykl) ―prevalecer‖. Este verbo já foi utilizado na
perícope 7-18, por duas vezes na unidade 7-13, nos versículos 7, 10 e 11. Importa dizer que a
411 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.260,261. 412KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.116. 413KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.57. 414 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.260,261.
214
presença deste verbo nesta unidade da perícope argumenta em favor de uma composição
intencional na perícope 7-18 do capítulo 20 do livro de Jeremias. Como se trata de um verbo
consecutivo, da ação incompleta ele passa a ação completa, ―eles foram prevalecidos‖. A
repetição intencional do verbo o (ykl) pode também indicar a temática da perícope, a qual
nos deteremos em pormenores adiante.
A palavra que segue ao verbo (ykl) ―e serem prevalecidos‖ tem início com a
preposição (be) ―em, por e/ou com‖. Esta preposição tem função modal, isto é, de indicar o
tipo, a qualidade ou modo a qual ―[eles] foram prevalecidos‖. O sujeito da frase é plural,
ainda que a expressão (yamay) ―dia meu‖ esteja no singular; podemos traduzi-la por
―meus dias‖. Estes ―dias‖ é que foram ―prevalecidos‖ em (boshet) ―profunda vergonha‖.
Assim encerra a terceira estrofe, a unidade 14-18 e a perícope 7-18.
Duas considerações mais sobre o encerramento da unidade. Em primeiro lugar, a frase
―eu saí do útero‖ perfaz uma inclusio com 1.5: ―‖415
– a primeira poesia após o início do livro,
poesia que característica o início do bloco 1-20 do livro de Jeremias. Dizemos que a inclusio
de18b bem como toda unidade trata-se de uma indicação formal da conclusão do bloco416
.
A Bíblia Hebraica coloca logo em seguida perto à margem do texto a letra (pê). Esta
letra pê, quer dizer literalmente em hebraico petuhá; ela tem a função de indicar um parágrafo
aberto417
ou servir como marcador de parágrafo418
. Isto é, a indicação da letra pê serve para
abrir e/ou fechar um parágrafo na BHS. É assim que fecha nossa perícope, com a indicação da
abertura de um novo parágrafo a partir do versículo 1 do capítulo 21.
5.3.4 A estrutura de Jeremias 20.7-18
A perícope de Jeremias 20.7-18 possuí um padrão complexo de unificação através de
repetições linguísticas e temáticas. Em termos de métrica, este salmo não segue um padrão
definidamente rígido. A discussão sobre a demarcação dos limites do nosso texto não é
415 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997. 416 Cf., LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.xl. 417 FRANCISCO, Edson F. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético: Guia Introdutório para a Bíblia
Hebraica Stuttgartensia. 3ª.ed. revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.152. 418 MERWE, Christo; NAUDÉ, Jackie; KROEZE, Jan. A Biblical Hebrew Reference Grammar. London: Sheffield Academic
Press, 1999, p.48.
215
marcado por qualquer unanimidade419
. Analisado como um todo, o poema não segue uma
forma convencional com o gênero das lamentações individuais420
. Mesmo assim, as duas
partes do poema compartilham tema de angústia e lamentação. Consideramos as unidades
como uma composição.
Destarte, alguns estudiosos percebem neste salmo uma estrutura característica dos
salmos de lamentação, em sua própria maneira. Diamond segue Gunn (para 7-13) e defende a
seguinte estruturação:
A – v.7a: endereço do lamento
B – v.7-10: lamento
C – v.11a1: confissão de fé
D – v.11a2: certeza de ser ouvido
E – v.12a: confissão de fé
F – v.12b1: petição
G – v.12b2: confissão de fé
H – v.13: adoração
I – v.14-15: formula de dupla maldição
J – v.16: desenvolvimento da maldição
K – v.17-18: indagações típicas das lamentações
Diamond apresenta uma lógica estrutural e temática nas partes constituintes do poema.
Essa lógica estrutural interna foi bem demonstrada da seguinte maneira para os v.7-13421
:
419 CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409. 420 O‘Connor aponta que a perícope carece de três elementos do que seria a forma ideal de um salmo de lamentação e
apresenta uma variação de outro elemento. Na opinião de O‘Connor, o voto de confiança que é comum nos salmos de
lamentação individual foi substituído pela ordem para louvar Contrapartida, Westermann demonstra que vários grupos de
salmos individuais omitem o voto de louvor, enquanto outros salmos mudam o voto de louvor por uma declaração de louvor. 421 DIAMOND, A.R. Pete. The Confessions of Jeremiah in Context: Scenes of Prophetic Drama. Sheffield: JSOT Press,
1987, p.103; cf. também CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖.
Zeitschriftfür Die Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409.
216
Segundo Diamond, os v.7-13 seguem uma lógica que parte da lamentação para o
louvor. Toda unidade possuí interligações de palavras e subtemas. Distinguem-se três
momentos na vida do salmista: passado – onde ele teria sido ―seduzido‖ e tomado à força por
Yhwh para ser profeta (v.7-9); presente – quando os conflitos com seus oponentes e
perseguidores se intensificam (v.10); e, futuro – no momento em que ele confia em Yhwh que
executará a vingança sobre os que querem o seu mal (v.11-13).
Com este quadro, Diamond percebe na forma e estrutura do texto uma integração entre
7-13 com padrões de unidade entre os verbos, temáticas e níveis lógicos desta unidade em
particular. Para ele trata-se de um texto esquematizado e conscientemente delineado como
uma unidade temática422
.
É o que acontece também com os v.14-18 através de palavras-chaves e
desenvolvimento de ideias que tornam a unidade coesa423
:
Aparentemente, os v.14-18 não teriam qualquer significado próprio fora da unidade
dos v.7-13, este, por sua vez, vinculado à narrativa mais dramática do profeta Jeremias. O
motivo pelo qual os v.14-18 devem ter sido inseridos imediatamente aos v.7-13 pode ter um
422 DIAMOND, A.R. Pete. The Confessions of Jeremiah in Context: Scenes of Prophetic Drama. Sheffield: JSOT Press,
1987, p.103. 423 DIAMOND, A.R. Pete. The Confessions of Jeremiah in Context: Scenes of Prophetic Drama. Sheffield: JSOT Press,
1987, p.115.
217
significado simbólico incipiente, dentro do universo simbólico inerente aos salmos de
lamentações. Como pode ter sido basicamente um recurso de coerência formal e indicação
temática da poesia.
Observamos na estrutura do poema, articulado por Diamond, uma ideia matriz que
deva ser procurada na poesia. Seja de natureza literária, moral, psicológica ou até mesmo
teológica. No caso da perícope em análise, existe uma sequencia de imagens poéticas, de
administração dos personagens e de sequencia de ações no gênero da lamentação (que foge ao
padrão estilizado a partir do v.13) que localiza os v.14-18 como um clímax em inversão.
É razoável pensar que a série de repetições na organização interna das unidades de
nossa perícope cumprisse alguma função estrutural. A passagem inteira, 7-18, pressupõe que
tanto escritor quando leitores compreendiam a vinculação de uma na outra. É na estruturação
das unidades que verificamos um padrão de linguagem. A própria alteração do tom do hino
que ordena ao louvor do v.13 para a poesia dramática dos v.14-18 serviriam como efeito de
insinuação e intensidade dramática424
.
Buber e Rosenzweig reconheceram esse tipo de repetição proposital na Bíblia
Hebraica, possível de identificação somente através do texto hebraico. Nossas traduções não
permitem que as vejamos claramente. Eles denominaram esse fenômeno literário típico de
Leitwort:
Uma Leitwort é uma palavra ou raiz lexical recorrente num texto, numa série
de textos ou numa configuração de textos: seguindo-se esses repetições,
podemos decifrar e aprender um significado do texto ou, pelo menos, vê-lo
com mais nitidez. A repetição, como dissemos, pode ser tanto da própria
palavra como apenas da raiz lexical; de fato, a variação morfológica pode
muitas vezes intensificar a ação dinâmica da repetição. Considero-a
‗dinâmica‘ porque essa forma de combinação de sons cria uma espécie de
movimento: se imaginarmos o texto inteiro diante de nós, podemos perceber
ondas movendo-se entre as palavras, de um lado para outro. A repetição
cadenciada que se harmoniza com o ritmo interno do texto ou, melhor, que
surge dele é um dos meios mais poderosos para se criar um sentido sem
declará-lo.
A reiteração de palavras-chaves, como pode ter sido parte de uma convenção literária
comum do gênero dos salmos de lamentações. Principalmente, porque o hebraico possuí uma
força inerente a língua através do sistema de raízes de três letras que torna transparente o
núcleo etimológico dos verbos e substantivos aproximando-os numa estrutura comum. Em
424 Os livros bíblicos eram costumeiramente lidos em voz alta a partir de rolos de papiro para algum tipo para as pessoas.
Provavelmente a maioria delas era analfabeta. Os rolos não circulavam de mão em mão para serem lidas individualmente. As
Escrituras eram lidas em e para a comunidade reunida. Destarte, podemos imaginar que as variações literárias, linguísticas e
temáticas, até mesmo estruturais, serviriam ao objetivo de fixação da história do povo.
218
nossa perícope as palavras reincidentes são o verbo (ykl) ―prevalecer‖ (v.7, 10 e 18), as
raizes (bsht) ―vergonha‖ (v.11 e 18) e (z„q) ―grito‖ (v.8 e 16) e o substantivo
(yom), ou seja, ―dia‖ (v.7, 8, 14 e 18), além de outros contrastes poéticos, comuns em toda
a composição.
Lundbom já mencionara adequadamente toda a estrutura de inclusios que envolve esta
perícope em si, e a perícope com o todo contextual do livro de Jeremias nos capítulos 1 a 20.
As estrofes de ambas as unidades se harmonizam como um todo através da repetição
de palavras-chaves – característica da poesia hebraica – e, principalmente, da linguagem de
lamentação, isto é, seu gênero literário. É como se tivéssemos dois ciclos de lamentação no
poema. O primeiro, v.7-13, típico das lamentações individuais. O segundo ciclo, v.14-18,
apresentando uma estrutura e força dramática bem elaborada. Sem qualquer enquadramento
simétrico. Tal inclusão parece até desordenada em contraste irônico com os versos anteriores
de cântico de gratidão.
Essa técnica de repetição peculiar e a reiteração dramática intensificada entre as
unidades ―refletem uma técnica elaborada de composição‖ e assinalam as ligações entre as
unidades poéticas criando uma estrutura formal. Apesar dos estudiosos não terem certeza
quanto aos limites subjacentes que traçamos aqui, nosso exame verifica que o texto apesar de
ser múltiplo e fragmentário demarca um caráter de composição redacional.
A organização atual das unidades também nos leva a compreensão de que elas foram
adequadamente colocadas onde estão. Schökel é quem faz a proposta. Ele supõe que a prece
original do salmista abrangia primeiramente os v. 7-10 e 14-18 e somente depois os v. 11-13.
Este argumento favorece a ideia de dissonância da transição dos v.11-13 para 14-18 – parece
inadmissível que depois de declarar a confiança em Yhwh e cantar um hino de gratidão possa
ser expresso um poema tão amargo e desesperançoso. Em todo caso, para vincular sua ideia
com a ordem em que a perícope se encontra no livro de Jeremias, Schökel propõe que
vejamos uma declaração de confiança e hino de gratidão emoldurado por cânticos de
lamentação425
. Esta proposta nos remeteria a um segundo nível de recepção da perícope, a que
remete a esperança.
425 Esta percepção explicaria a razão dos v.11-13 estarem no centro do poema. Para Schökel o v.13 se torna o eixo articulador
do poema. Esta observação nos leva a pensar nas diversas possibilidades de entendimento e adequação desta perícope. Num
determinado momento, o clímax do poema indica a desesperança frente as atrocidades da situação. Em outro momento, a
moldura literária de lamentação cujo centro é um hino de gratidão, aponta os receptores do texto a esperança própria da
mensagem dos profetas.
219
Portanto, a estrutura básica da perícope analisada é a seguinte426
:
7a
7a
7b
7b
7c
7c
1ª. Estrofe (três linhas)
7Tu seduziste a mim Yhwh
E eu fui seduzido
Tu foste forte a mim
E tu fizeste prevalecer
Eu fui para riso todo o dia
Todo ele ridiculariza a mim
8a
8a
8a
8b
9a
9a
9a
9b
9b
9b
9c
9c
9c
2ª. Estrofe (sete linhas)
8Porque cada vez que eu falarei
Eu gritarei violência
E devastação eu chamarei
Ah! Ela tornou-se a palavra de Yhwh para mim censura e escárnio todo o dia
9E eu disse:
não recordarei dela
e não falarei novamente em seu nome
E ela será em meu coração como um fogo
que queima
que foi contido em meus ossos
eu fui esgotado
ela me agarrou
e não serei consumido
10a
10a
10a
10a
10a
10b
10b
3ª. Estrofe (três linhas)
10Porque eu ouvi:
Muitas difamações
Terror por todos os lados
Denunciai (vós)
E nós fizemos denúncias dele
Toda a pessoa de minha paz (são)
aqueles que guardam
426 Resumindo: nossa proposta de composição entre as unidades 7-13 e 14-18 de Jeremias 20 se dá pelas seguintes marcas:
linguagem de lamentação em suas imagens e símbolos; lógica estrutural e temática; palavras-chaves, isto é, as leitworts –
especialmente marcas da poesias hebraica; localização imediata entre um e outro e na organização narrativa do bloco 1 a 20
como um todo; reiteração dramática do poema no uso litúrgico da perícope – remetendo a identificação do povo com a
narrativa ficcional do profeta: modelo de piedade no sofrimento.
220
10b
10c
10c
10c
10c
que eu manque
Talvez
Ele será seduzido
Nós seremos prevalecidos contra ele
E nós tomaremos vingança dele
11a
11a
11a
11a
11b
11c
12a
12a
12a
12b
12c
4ª. Estrofe (sete linhas)
11Ó Yhwh (és) para mim como um guerreiro violento
Portanto, aqueles que perseguem a mim
eles serão levados à ruína
e não farão prevalecer
eles passaram muita vergonha porque não fizeram ser perspicazes
um insulto interminável não será esquecido
12Ó Yhwh dos exércitos,
aquele que prova o justo
aquele que vê os rins e o coração
Eu verei a tua vingança sobre eles
Porque para ti eu revelei a minha questão
[selah]
13a
13b
13c
5ª. Estrofe (três linhas)
13Cantemos para Yhwh
Louvemos para Yhwh
Porque ele fez salvar a alma do pobre da mão dos malfeitores
[selah]
14a
14a
14a
6ª. Estrofe (uma linha)
14Maldito o dia que eu fui gerado
no dia em que minha mãe deu à luz a mim
ele não tornará a ser abençoado
15a
15a
15a
16a
7ª. Estrofe (três linhas)
15Maldito o homem que levou uma mensagem ao meu pai
para dizer foi nascido para ti um filho homem, alegra!
ele regozijou-se dele
16e seja ele o homem
221
16b
16c
17a
17a
17b
17c
como as cidades que Yhwh subverteu e não se arrependeu
ele ouvirá um grito pela manhã e um sinal de alarme em pleno meio-dia
17porque
ele não me matou de uma vez por todas do útero
e veio a ser para mim minha mãe a minha sepultura
e grávida o útero dela para todos os tempos
18a
18b
18c
8ª. Estrofe (uma linha)
18Por que isto?
eu saí do útero para ver aflição e tristeza
e serem prevalecidos em profunda vergonha meus dias
Podemos, portanto, resumir tais estrofes no seguinte esboço:
a) Do seduzido ao sedutor, v.7;
b) Queixas do sofredor, v.8,9;
c) Ameaças, v.10;
d) Do lamento ao louvor, v.11-12;
e) Hino de louvor a Yhwh, v.13;
f) Maldito o dia, v.14;
g) Maldito o homem, v.15-17;
h) Por que isto?, v.18
5.3 ANÁLISE DO CONTEXTO VIVENCIAL
A análise do contexto vivencial da nossa perícope é um dos instrumentos utilizados
para compreensão do Sitz im Leben da passagem. O uso desta análise não é somente com fins
historiográficos, mas identificar o mundo onde o texto foi gerado e a finalidade que ele
ocupou no seu campo religioso.
Esta perícope poética – que se trata de um salmo – e sua linguagem típica (de
lamentação) não surgiu ―do nada‖: estão imersas dentro de um contexto vivencial e histórico
222
definidos. A poesia hebraica surge como resultado das circunstancias sociais, geográficas,
politicas e históricas de alguém e de sua comunidade.
Esta análise vivencial visa perscrutar os ―porquês‖ subjacentes ao texto. Queremos
avançar além do contexto bíblico em termos da forma literária, mas alcançar – baseados nos
indícios do texto bíblico e sua redação – o contexto não redacional. Com este instrumento,
que não é um fim em si mesmo, devemos ampliar a possibilidade de significados da perícope,
recriando a dinâmica social que conduziu a sua produção e subsequente composição427
.
Nosso objetivo maior é dialogar texto e contexto, antepondo às realidades sociais
àquelas ditas teológicas. No ponto a que nos dirigimos é o Sitz im Leben da poesia que
estamos analisando, para melhor compreender o significado da perícope.
5.3.1 Problemática quanto ao lugar vivencial da perícope
Para a análise do lugar propriamente dito da perícope em questão, faremos uso de
nossas observações a partir da análise literária e pano de fundo histórico do livro de Jeremias.
Nossa perspectiva até o momento nos encaminha para a tradição ligada à memória do profeta
Jeremias. Porém, a partir da análise literária da passagem os estudiosos divergem quanto ao
lugar histórico do nosso texto. Por isso, temos de ir com cautela aos resultados.
É comum encontrar os pesquisadores que ligam Jeremias 20.7-18 e as demais ditas
―confissões‖ de Jeremias à época do reinado de Jeoiaquim por volta de 609 até sua captura
pelos Babilônicos em 597428
. Esta hipótese está vinculada a leitura destes poemas de
lamentação como a biografia íntima do profeta. Bright e Hyatt defendem esta visão e situam
nossa perícope nesta época, da metade para o final do reinado de Jeoiaquim429
.
Como consequência direta desta hipótese de datação da perícope, esses estudiosos
normalmente vinculam o poema em questão como a expressão profética subsequente a
427 OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: Uma Nova Abordagem à Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova,
2009, p.217-219. 428 Bortolleto faz exatamente esta aproximação do capítulo 20 de Jeremias com a época de Jeoiaquim, tanto é que dedica em
sua dissertação todo um capítulo com uma densa descrição deste período, retratando Jeoiaquim como um tirano,
irresponsavel e corrupto rei de Judá, cf. BORTOLLETO FILHO, Fernando. Sofrimento e Luta Social em Jeremias 7-23.
1994. 206fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do
Campo, 1994, p.108-139. 429 BRIGHT, John., p.131-133. HYATT, Philip. Jeremiah: A Prophet of Courage and Hope. New York: Abingdom Press,
1958, p.61.
223
ocasião em que Jeremias fora maltratado por Pashhur – onde o profeta teria tido sua pior crise
interior430
.
Wiseman sugere que pela falta de menção dos utensílios do templo em 1-6, isto é,
antes de 7-18, nossa perícope se refere-se a época anterior da ida destes utensílios ao cativeiro
Babilônico entre 597 e 594. Argumenta também que em Jeremias 29.25, Pashhur
aparentemente perdeu seu posto de sacerdote e esta passagem pode ser firmemente datada em
594431
. Para vincular este período com as confissões, ele afirma que Jeremias se tornou um
objeto de perseguição e encarceramento da parte dos oficiais políticos e religiosos.
McConville segue a mesma opinião432
.
Holladay propõe um lugar bem específico para nossa perícope: verão de 594.
Primeiro, ele separa as unidades da composição para suas considerações. Em 7-13, ele
começa sua busca através do v.13 que, em sua opinião, se trata da mesma época de Jeremias
15.21, texto relativo a morte de Ananias, relatado também em Jeremias 28.17, meados de
setembro e/ou outubro de 594. Holladay liga a crise profética descrita na poesia no embate de
Jeremias com os profetas da paz e viabiliza a plausibilidade de que o texto se ambiente logo
após o incidente com Pashhur.
Ao tratar de 14-18, Holladay concluí que se trata do mesmo período, porém, um pouco
mais tarde que 7-13 por ser uma reflexão de uma nova dificuldade a partir da morte de
Ananias. Ora, se a morte de Ananias deu legitimidade à sua vocação é provável que ainda sim
sua família não o fizesse433
.
Diferente de Holladay, Lundbom é categórico ao datar a unidade 14-18 em 605/604
quando Jeremias sofreu hostilidades do rei Jeoiaquim434
. Talvez ele tivesse acessado o
comentário de Nicholson, que faz o mesmo, só que para toda a perícope, concluindo que
Jeremias 20.7-18 pertence aos primeiros anos do ministério do profeta, antes da problemática
do exílio435
. Estes resultados, porém, carecem de melhores argumentações.
430 COUTURIER, Guy. ―Jeremias‖. Em: Comentário São Jerônimo, p.543. O‘Connor interpreta o poema de 7-18 à luz da
vida de Jeremias em sua tristeza e situação lamentável como profeta, mas não define uma data específica para este texto, cf.
O‘CONNOR, Kathleen M. The Confessions of Jeremiah : Their Interpretation and Role in Chapters 1-25. Atlanta : Scholars
Press, 1988, p.76. A posição de Trigo aponta para esta direção também, pois ela aproxima o incidente de Jeremias 20.1-6
com a época de Jeoiaquim, cf. TRIGO, Alecssandra C. O Exílio na Babilônia: Um Novo Olhar Sobre Antigas Tradições.
2007. 139fl. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (FFLCH/USP). São Paulo, 2007, p.79,80. 431 WISEMAN, Donald. ―Jeremias‖. Em: NVI, p.1061. 432 MCCONVILLE, Gordon. ―Jeremias‖. Em: Comentário Bíblico Vida Nova, p.1015. 433 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah Chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.551,552,564. 434 LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns, 1997, p.66;
LUNBDON, Jack R. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of Biblical
Literature and Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p. 589. 435 NICHOLSON, Ernest W. The Book of the Prophet Jeremiah: 1-25. Cambridge: Cambridge University Press, 1973, p.168-
171.
224
Schökel, ao procurar a situação mais plausível para o lugar da perícope em análise
supõe ―ter Jeremias pronunciado esta oração quando, entregue à vingança dos ministros,
afundava no lodo do poço, fato antecipado da sua morte (38,1-13)‖436
. Nesta hipótese,
Jeremias teria sido prevalecido por seus opositores, sentindo-se enganado e abandonado por
Yhwh, considerando sua missão um insucesso. Conquanto, logo em seguida da narrativa do
capítulo 38, Yhwh lhe proporcionara salvação através da intervenção de Ebed-Melec. Daí sua
declaração de confiança e cântico de libertação.
McKane coloca o texto na época de Jeoiaquim, porém, não atribui relações entre o
poema 7-18 com a narrativa de 1-6. Segundo ele, a ideia de conexão entre o incidente com
Pashhur e a lamentação parte do trabalho editorial do livro e não da análise do texto em si437
.
Para McKane, o texto trata-se de um lamento profético, mas admite a dificuldade de
determinar as ―vozes‖, ou personagens que atuam no poema. Porém, por se tratar de um
gênero especifico, ele percebe no retrato do dilema profético de 7-12 a presença de círculos
proféticos opostos438
. Weiser é mais categórico ao afirmar que 7-12 se trata do choque entre
Jeremias com as autoridades do templo antes da destruição439
.
Clines e Gunn discordam das opiniões indicadas anteriormente, tanto a que liga a
perícope a uma expressão pessoal de Jeremias logo após o incidente com Pashhur, quanto a
que aproxima com a época de Jeoiaquim. Eles se aproximam de Gerstenberger, Gunneweg e
Thiel para definir sua hipótese quanto ao lugar da passagem. Suas hipóteses estão baseadas
sobremaneira na localização do ambiente vivencial das peças literárias cujo gênero é de
salmos de lamentações. Definem que o ambiente vivencial da perícope deva ser encontrada no
ministério público de Jeremias. Segundo eles, o ambiente vivencial onde o poema fora
originalmente proferido fazia parte de uma coleção jeremiana sem data específica440
.
Gerstenberger, em sua tese, relaciona os salmos de lamentação como peças literárias
compostas e estruturadas sobre padrões de culto da comunidade judaíta por redatores
deuteronomistas. Neste caso, o lugar do texto depende da verificação do possível culto que
lhe deu origem, seja de origem sacerdotal (neste caso pouco provável para 7-12 e 14-18) ou
de origem popular, vinculada aos pequenos grupos e famílias de Judá441
.
436 SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I: Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988, p.527. 437 MCKANE, p.470. 438 MCKANE, p.476. 439 WEISER, p.174. 440 CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409. 441 GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros dos Salmos no Antigo Testamento. Vol.1. São Leopoldo: Faculdade de
Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, 1984, p.13-31; 42-45.
225
Gunneweg desenvolve uma tese semelhante à de Gerstenberger. Afirma que todas as
―confissões‖ não oferecem qualquer informação biográfica sobre o profeta Jeremias. Nem
mesmo algum insight sobre a psicologia ou personalidade do profeta. Para ele, esses salmos
de lamentação foram aplicados e interpretados como sendo de Jeremias, pois a tradição do
testemunho do profeta retrata-o como um justo sofredor, que é um exemplo para a
comunidade no período em que essas lamentações foram incorporados no material que
conhecemos como livro de Jeremias442
. Segundo Gunneweg, Jeremias 20.7-18 trata-se de um
lamento cúltico onde o devoto acreditava ter sido enganado por Yhwh, por uma promessa não
cumprida443
.
Thiel tem a perspectiva de lugar baseando-se na sua pesquisa sobre a redação
deuteronomística de Jeremias. Ele afirma que o editor deuteronomista moldou uma narrativa
de uma situação única (incidente com Pashhur em 20.1-6) com uma cena poética estilizada444
.
Com isso, o efeito da justaposição entre narrativa e poesia aumentaria a especificidade do
poema, proporcionando uma intensidade narrativa maior sobre a vida e ministério do profeta,
acrescentando à narrativa lacônica que estava a sua disposição um pouco de subjetividade e
interioridade poética, provavelmente peculiar ao profeta histórico445
. Para ele, mesmo que a
poesia de 7-18 não tenha sido proferida originalmente após o incidente com Pashhur,
indicado pela narrativa anterior, o lugar literário atual recupera uma situação peculiar de
Jeremias; essa condição do profeta épico o remete ao modelo de sofredor e testemunho de
como o povo judaíta deveria suportar o sofrimento.
Carroll é o exegeta que caminha noutro extremo quanto à perspectiva de lugar da
nossa perícope. Para ele, 7-13 verifica as condições de um poema pós-exílico. Em sua ótica, o
v.13 foi composto depois de 7-12, mas ambos estão atrelados ao mesmo período. Sendo um
poema pós-exílico, utiliza a imagem de Jeremias como ―porta-voz da representação piedosa
442 GUNNEWEG, Antonius. ―Konfession oder Interpretarion im Jeremiabuch‖. ZTK, n.67, v.4, 1970, p.395-416. 443 Na opinião de Gunneweg, a palavra profética que trouxe perseguição e ultraje ao personagem do texto não se refere à
palavra profética proclamada, mas a palavra que o devoto recebera no culto. Com isso, no uso original do poema, antes de ser
aplicado a Jeremias, o salmista resolve que não mais falará com seu Deus, mas confessa que se sente incapaz de conter a
compulsão de apelar a Deus nos momentos difíceis, cf. GUNNEWEG, Antonius. ―Konfession oder Interpretarion im
Jeremiabuch‖. ZTK, n.67, v.4, 1970, p.395-416. 444 Thiel ainda sim, reconheceu que a estrutura dos capítulos 19 e 20 eram idênticas a do capítulo 18. Iniciando com um ato
simbólico, em seguida surge um comentário cênico, perpassando pelo relato de perseguição do profeta e culminando num
lamento. Ele verificou três aspectos diferentes e complementares: narrativa da significação do ―eu‖, a narrativa da
significação do ―ele‖ e, por fim, o lamento. Nessa perspectiva, Thiel argumenta que a lamentação logo em seguida da
narrativa pode ter sido deliberadamente inserida pelo editor, segundo um modelo que ele próprio estava criando para
apresentar a imagem típica que os deuteronomistas proporcionaram a Jeremias (pois entendemos que para os redatores
deuteronomistas Jeremias é o modelo de herói e vida piedosa em meio ao sofrimento e injustiças). THIEL, Winfried. Die
Deuteronomistische Redaktion von Jeremia 1-25. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1973. 445 A esta questão Clines e Gunn comentam que ―para ler a perícope do vv.1-6 com vv.7-13 em mente, como o redator nos
pretende, obviamente, oferece uma outra dimensão à história e fornece um elemento emocional que a narrativa biográfica
claramente evoca‖. CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409.
226
da comunidade pós-exílica‖446
. Já 14-18 não proporciona condições claras quanto aos
possíveis lugares vivenciais, senão somente datado dos idos do pós-exílio; sendo ―um poema
resposta ao desastre que abateu a cidade e o povo‖447
.
Porém, Carroll e McKane chegam a conclusões parecidas em relação à verificação do
lugar de 14-18. Ambos veem mais uma linguagem retórica usada por pessoas que são vítimas
da ―escuridão‖ e ―repulsa absoluta‖ da vida. Para eles a linguagem extremada remete a casos
típicos dentro da tradição de Israel e de Judá a pessoas piedosas que experimentaram
injustiças e o cúmulo do sofrimento, tal como Jó e Jeremias. Jó e Jeremias teriam sido
rotulados pela comunidade judaíta que recebiam os egressos do exílio com o enfoque de
serem exemplos para todo o Israel448
.
Todas essas hipóteses quanto ao lugar vivencial da perícope estudada são possíveis,
segundo uma perspectiva, uma vez que o editor do livro de Jeremias organizou a estrutura do
livro sem qualquer critério cronológico. Dessa forma, não se pode definir a problemática do
lugar vivencial da nossa poesia a partir de uma probabilidade cronológica editorial. Resta-nos
encontrar uma situação plausível na qual a peça literária possa ser encaixada449
.
5.3.2 Lugar e situação vivencial de Jeremias 20.7-13
A unidade de 7-13 não nos deixa nenhuma pista explícita do seu Sitz im Leben, para
que possamos nos aproximar das razões deste material. É o que acontece no caso dos salmos,
diferentemente das narrativas.
Averiguamos que a linguagem da nossa primeira unidade provém dos salmos de
lamentação. Trata-se de uma oração. Clines e Gunn argumentam que uma oração de ―petição‖
seria a categoria mais própria do que uma oração de protesto contra sofrimento injusto ou um
discurso de aflição. Não obstante, identificamos essas e outras categorias de orações
levantados por Clines e Gunn como possíveis de encontrar num salmo de lamentação.
446 CARROLL, Robert. , p.397. 447 CARROLL, Robert. , p.403. 448 CARROLL, p.403. Aparentemente McKane discorda de Carroll com relação ao v.16, que para ele é uma glossa ou
anotação deslocada do contexto de 14-18, pois aponta para a calamidade que Judá experimentou quando foi destruída até
pouco depois do retorno dos exilados, cf. MCKANE, p.482-485. Diamond segue McKane quanto a plausibilidade de lugar da
unidade 14-18, cf. DIAMOND, A.R. Pete. The Confessions of Jeremiah in Context : Scenes of Prophetic Drama. Sheffield :
JSOT Press, 1987, p.118,119. 449 Para definir nossa hipótese de leitura, além de avaliar a coerência dos argumentos apontados acima pelos pesquisadores à
luz da análise literária e vivencial da perícope, iremos verificar na própria perícope os indicadores de lugar e com isso
estabelecer um momento histórico e uma situação vivencial adequada às indicativas do próprio poema.
227
Para o v.13 é mais fácil identificar seu ambiente específico por se tratar de um hino –
normalmente os hinos estão vinculados a algum tipo de liturgia. Já para 7-12 não há pistas
claras que indiquem a época referente ao poema. Isto é, quando nos aproximamos da perícope
em busca do contexto vivencial temos mais perguntas do que respostas. Algumas delas, ainda,
de complexas interpretações e induções.
Na leitura do poema identificamos uma fala pessoal. A dificuldade consiste em
identificar quem é esta pessoa. Dentre as conjecturas, em primeiro plano, ela é identificada
com Jeremias, o profeta histórico. Quer dizer, a maioria dos intérpretes relaciona o ―eu‖
poético do texto com a voz de Jeremias. Seguindo este ponto de vista seria mais fácil
identificar a época da qual o poema se refere. Pois, no mínimo, estaria vinculada a carreira de
nosso profeta histórico.
Há, porém, outros pontos de vista para definição do ―eu‖ poético da perícope, bem
como o ―eu‖ das ―confissões‖ de Jeremias ou salmos de lamentação do livro de Jeremias; que
abordaremos na análise de conteúdos do texto. Esses ―eus‖ e ―eles‖ poéticos serão mais bem
definidos quando pudermos vincular nossa peça literária a uma situação vivencial própria.
O endereço primário desta lamentação segundo o próprio texto é Yhwh. Claramente
definido no v.7a : ―Tu seduziste a mim Yhwh‖ e pelo uso formal de todo v.7 como o
cabeçalho do poema. O salmista se dirige a Yhwh em situação de revolta. Percebe-se uma
situação peculiar de conflitos interiores, a que os estudiosos identificam como as crises do
profeta Jeremias. Esta possível agitação emocional estaria vinculada a hipótese do lugar
vivencial da perícope se referir diretamente à noite em que Jeremias ficara preso, segundo a
narrativa imediatamente acima do poema, no ocorrido com Pashhur.
Ainda assim, teríamos dificuldades de estabelecer alguma data própria para o poema.
Pois, quando a narrativa de 1-6 anuncia que Jeremias fora preso no templo ou em
proximidades do mesmo, não temos certeza se se refere ao templo antes ou depois da
destruição. Ou ainda, se o poema se trata da expressão profética ligada ao incidente com
Pashhur. Os estudiosos divergem neste posicionamento. Holladay é contundente ao localizar
a passagem em meados de 594, tendo o templo já sido destruído e a cidade arrasada.
A localização do texto em meados de 594 tem alguns aspectos positivos. Primeiro,
trata o poema como peça literária redigida em época posterior, ou no mínimo, próxima do fim
da carreira de Jeremias. Ou seja, considera que a forma do texto é importante para sua
interpretação. Segundo, ao ligar a situação à vida e carreira do profeta Jeremias, pretende ser
sensível a intenção do editor do livro que aproximou o poema à narrativa de um dos piores
momentos que o profeta deveria ter experimentado – dentro da trama redacional dos
228
deuteronomistas que identificam o profeta como um herói nacional. Terceiro, percebe no
drama poético o conflito entre círculos proféticos de oposição teológica e política.
Sendo assim, ao situar a situação vivencial que originou ou motivou a escrita do
poema, nos limites da época entre 594 e 581 pretendemos avaliar alguns indicadores
peculiares do próprio texto, dentro deste contexto. Pertinentes a este momento da carreira do
profeta e da experiência dolorosa que a comunidade judaíta experimentou.
A unidade 7-12 mantém viva a memória do profeta histórico. Mas não descarta as
memórias do povo. Estamos diante de uma autoria coletiva. A memória do povo, colocada
como palavras do profeta herói, em forma de lamentação podem ser consideradas um recurso
literário e de transmissão da tradição profética e deuteronomística no mínimo perspicaz. Além
da própria autoria coletiva deparamo-nos com um redator meticuloso.
Os versículos 7-9 retratam uma acusação do salmista diretamente a Yhwh, como sendo
Yhwh o responsável por suas aflições. Essa acusação combina com o gênero dos salmos de
lamentação que preveem Yhwh como o responsável por toda e qualquer circunstancia da vida.
Uma vez que não tinham poderes para ―prevalecer‖ contra elas, dirigem-se a Yhwh como o
causador dos malefícios. Em outras palavras, como Yhwh não livrou o povo do ataque
babilônico, ele se torna responsável por este feito. Mesmo que mais tarde, segundo os v.11,12,
ele os livre do mal. Portanto, especialmente na primeira e segunda ―estrofes‖ temos alguns
indicares do que fazia o povo desejar não ter nascido (v.14-18).
A primeira ―estrofe‖, v.7, utiliza uma terminologia adequada ao que se investiga dos
indícios pós-destruição do templo e da cidade. O poema traz a tona horrores das esquinas da
vida, da violência que aconteciam em quartos escondidos. O verbo (pth) ―seduzir‖
denuncia atitudes contra as mulheres de Judá. Conquanto, a interpretação deva ficar para mais
adiante, sabe-se que o verbo refere-se à persuasão de uma jovem donzela para relações
sexuais. Mais precisamente, pode se referir à violência sexual. Ou seja, ―estupro‖. É
pertinente averiguar que nos tempos de Jeremias, a que nos referimos, as mulheres e crianças
tenham sido abusadas sexualmente após a cidade ter sido arrasada pelos soldados babilônicos.
O verbo (hzq) ―ser forte‖, da mesma forma que (pth) pode ter conotações
sexuais450
. A estrofe retrata alguém que, além de seduzida fora levada ao sexo forçadamente.
O verbo aumenta a intensidade do abuso. Indica o domínio de alguém mais forte sobre
outrem. É provável que isto se relacione aos soldados babilônicos, como já nos referimos.
450 Ressaltamos a título de datação da redação do texto, que o verbo (hzq) é uma palavra documentada na literatura
deuteronomística. Portanto, a redação do texto não ficaria por conta de Jeremias nem mesmo de Baruc.
229
Porém, devido às circunstâncias caóticas que o povo enfrentava, não seria de admirar que
mesmo homens judaítas estivessem forçando as mulheres e porque não crianças a satisfazê-
los sexualmente. O verbo (ykl) ―prevalecer‖ no hofal consecutivo, na segunda pessoa,
(watukal) ―tu fizeste prevalecer‖, indica ainda mais a eficácia deste abuso sofrido pelos
judaítas.
A segunda ―estrofe‖, v.8-9, possuí a expressão (kol-hayom) ―todo o dia‖, a
mesma que encerrou o v.7c . Isto é, a percepção nacional era de contínua ridicularização por
parte dos soldados (v.7c , 8a ). É claro a indicação o que o salmista gritava, logicamente,
porque essa era sua percepção da realidade que o circundava: (hamas) ―ato violento,
violência, injustiça e mal‖451
e (shod) ―violência, opressão, destruição, devastação e
estrago‖452
. Alguém estava sendo tratado injustamente por outro que exerce o (hamas),
isto é, violência. Trata-se de um tipo de violência realizada com extrema impiedade453
.
Alguém estava fazendo grande estrago na comunidade judaíta; a (shod) ―devastação‖
refere-se a consequências de atos bárbaros454
.
A referência à (‟esh) ―fogo‖, que se trata no poema de uma símile para a relação
do salmista com a ―palavra de Yhwh‖ (v.8b, 9b), lança-nos uma imagem própria do cenário de
guerra e pós-catástrofe: o templo incendiado. Aqui nesta estrofe os estudiosos ouvem a voz do
profeta Jeremias, segundo Gerleman a utilização do raíz (dbr) que remontaria a uma
característica do próprio Jeremias455
. Temos aqui provavelmente um testemunho da destruição
do templo, saqueado e incendiado pelos babilônicos. Se esta hipótese for assertiva estamos
diante de um texto-relato da destruição a partir da experiência humano-poética, não só
narrativa, em terceira pessoa, como no livro dos Reis e das Crônicas.
Na terceira e quarta ―estrofes‖, v.10,11-12, deduzimos um Sitz im Lebem peculiar aos
conflitos proféticos daqueles dias. A expressão (kol ‟enosh shelomiy) ―todo
451 Cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p. 71 e HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p. 485. 452 Cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p. 245 e HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p. 1528. 453 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.485,486. 454 Inclusive, (shod) é um termo tardio na literatura hebraica, relacionado com literatura apocalíptica e o ―dia do Senhor‖,
cf. HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1528. 455 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.617,618.
230
ser humano de minha paz‖ (v.10b ) indica um grupo profético cuja teologia e, por
conseguinte, seu posicionamento político era contrário aos do profeta Jeremias e sua
representatividade profética.
A verificação histórica deste grupo ―profetas da paz‖ é realizada através da
representatividade do seu provável líder, o profeta Ananias (cf., Jr 28)456
. Algumas
características deste grupo são apontadas por Torres (cf. Jr 23.9-40)457
. Trata-se de um grupo
de profetas opostos ao de Jeremias, ainda que ambos falassem em nome de Yhwh458
. Na
perspectiva de reconstrução da mensagem deste grupo, eles são ―proclamadores de uma paz
política e hegemônica para Israel; ligados ao culto de Israel e ao templo de Jerusalém; ligados
à tradição profética da eleição divina e à teologia de Sião; reconhecidos pelo povo como
profetas oficiais de Yhwh, ligados ao culto em Jerusalém; numa época de transição do
profetismo, eles representam o estilo pré-literário de profetas através da oralidade‖459
. Em
outras palavras, são profetas que recebiam autenticidade do povo, de um modo geral.
Com esses dados do conflito vivencial experimentado por Jeremias e seu grupo,
podemos reconhecer que o circulo jeremiânico era considerado pelo povo e pelos profetas
ditos oficiais como detentor de ―falsa profecia‖ na ocasião.
A situação é clara de rejeição à mensagem jeremiânica. Para tanto, os ―profetas da
paz‖ são caracterizados em Jeremias 23.9-40 – na perspectiva deuteronomística – como sendo
―falsos‖460
. Em outras palavras, estamos diante de um ambiente onde se busca a legitimidade
profética, a saber, o reconhecimento de quem fala a verossímil ―palavra de Yhwh‖ 461
.
Conquanto, a unidade em questão é um retrato poético destes conflitos.
O salmo em questão, entretanto, torna-se um testemunho pessoal do que estes
―profetas da paz‖ diziam a respeito do salmista. O salmista testemunha quase em estilo 456 TORRES, Otávio J. Verdadeira e Falsa Profecias: Uma Nova Leitura da Controvérsia entre Jeremias e os Profetas da
Paz – Jeremias 23,9-14. 1999. 188fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo,
São Bernardo do Campo, 1999, p.44-51; 122. 457 Cf., TORRES, Otávio J. Verdadeira e Falsa Profecias: Uma Nova Leitura da Controvérsia entre Jeremias e os Profetas
da Paz – Jeremias 23,9-14. 1999. 188fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 1999, p.51-54. 458 Torres apenas faz menções dos v.8 e 9 em relação a nossa perícope e, portanto, especificamente quando nossa perspectiva
de localização do ambiente retratado a partir do v.10 fica devedor. Porém, seu trabalho é de grande valia para localizarmos os
―profetas da paz‖ no contexto global do período de ministério do profeta Jeremias, cf. TORRES, Otávio J. Verdadeira e
Falsa Profecias: Uma Nova Leitura da Controvérsia entre Jeremias e os Profetas da Paz – Jeremias 23,9-14. 1999. 188fl.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1999,
p.38,39,59,76,77,109,151. 459 TORRES, p.153-162; 168. 460 Torres admite que esta caracterização é unilateral, pertinente apenas na literatura jeremiana. Segundo Torres, estes
―profetas da paz‖ não são citados em quaisquer outras literaturas correspondentes ao período, cf. TORRES, Otávio J.
Verdadeira e Falsa Profecias: Uma Nova Leitura da Controvérsia entre Jeremias e os Profetas da Paz – Jeremias 23,9-14.
1999. 188fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 1999. 461 Schwantes reconhece essa ―polêmica‖ profética como preponderante para ―harmonizar‖ as tradições e religião dos
judaítas, cf. SCHWANTES, Milton. ―Profecia e Estado: Uma Proposta para a Hermenêutica Profética‖. Estudos Teológicos.
n.2. São Leopoldo: Faculdade de Teologia, 1982, p.106-145.
231
narrativo retrata que ouviu deste grupo: ―muitas difamações‖ (v.10a ), ―terror por todos os
lados‖ (v.10a ) como um apelido que Jeremias recebeu da parte deles, ―denunciai (vós)‖
(v.10a ) que verifica a influência que esse grupo tinha sobre o povo, levando a população
contra a palavra profética de Jeremias e ―nós fizemos denúncias dele‖ (v.10a ).
O grupo almejava que Jeremias fosse desmoralizado: ―aqueles que guardam que eu
manque‖ (v.10b). Indagavam (v.10c ) que ele seria seduzido, ludibriado, abusado – como
retribuição às suas ―falsas‖ profecias, pois fora caracterizado como ―falso‖ pelo círculo que
apregoava a paz (v.10c ). Na palavra deles, naturalmente, segundo retratado pelo salmista é
afirmado que eles irão prevalecer contra ele (v.10c ) e que receberiam ―vingança‖ (v.10c ).
Ao se referir diretamente da ―palavra de Yhwh‖, o salmista estaria descrevendo que
Jeremias e seu círculo de profetas – definidamente menor do que o círculo de ―profetas da
paz‖ – sentia-se continuamente ―censurados‖ e ―escarnecidos‖ por sua pregação em oposição
àqueles (v.8b)? Para McComiskey, o substantivo (herpah) ―censura‖ significa ―culpar
ou desdenhar alguém‖462
. A expressão (qeles) ―escárnio‖ ―denota a fala de desprezo e
escárnio, fruto de uma atitude que considera como sem valor algum aquilo que tem valor de
verdade‖ 463
. Teria este grupo pressionado o profeta Jeremias a tal ponto que ele mesmo
duvidou da ―palavra de Yhwh‖ concluindo que tinha sido ―seduzido‖ e feito um profeta
derrotado?
É certo que estes ―profetas da paz‖ ao serem confrontados por Jeremias tiveram seu
posto de autenticidade profética ameaçadas. Restava a eles, portanto, recorrer à mesma
―palavra de Yhwh‖ a que Jeremias recebera. Somente mais tarde, segundo a narrativa do livro,
Jeremias foi comprovadamente tido como ―verdadeiro‖ quando Ananias morreu. Neste ponto,
Holladay assume a ideia de que a declaração de confiança deste salmo (v.11,12) tem seu lugar
na autenticidade da mensagem de Jeremias quando Ananias morreu.
A situação vivencial da quarta ―estrofe‖ é peculiar (v.12,13). É uma declaração de
confiança do salmista em Yhwh. Aborda um tema clássico das lamentações individuais: o
inimigo perseguidor. Não obstante, retrata Yhwh como Deus vingador do seu justo. Nos
salmos, o inimigo ―não é visto simplesmente como adversário da nação, mas, especialmente,
462 A palavra ainda pode ter o sentido de ―difamar‖, ou seja, de imputar culpa ou dano a alguém com a finalidade de manchar
sua reputação, causando dano em sua vida. Também, em vários outros casos, a palavra tem o sentido de ―escarnecer‖ ou de
―zombar‖. Sobretudo, a palavra é uma espécie de antítese de ―honra‖ (kabed), podendo ser entendida como ―vergonha » ou
―desonra‖. Em outras palavras, o verbo é usado quando alguém quer ―escarnecer » alguém, ou está sendo motivo de
―zombaria‖, cf. HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento.
São Paulo : Vida Nova, 1998, p. 536. 463 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 1347.
232
como alguém que agride seu semelhante e, com isso, provoca instabilidade perigosa na
comunidade e no mundo‖464
.
Em nosso texto, o inimigo perseguidor é definido pelo verbo particípio plural
(rodfay) ―aqueles que perseguem a mim‖. Isto é, são as pessoas que exercem (rdf) ―ir
atrás de, seguir, ir ao encalço de, perseguir, correr atrás de, buscar‖465
. Esta é a descrição feita
pelo lamentador que se sentia oprimido. A oração do salmista é um desejo retributivo do que
os próprios inimigos desejaram a ele: ―não farão prevalecer‖ (v.11a ) e ―eu verei a tua
vingança sobre eles‖ (v.12b).
Até o momento, percebemos que em oração, o salmista dedica parte de sua energia
lidando com seus inimigos. Ele faz uma oração angustiada, e pede vingança porque odeia seus
inimigos. As lamentações normalmente são orações em ódio a seus inimigos. É realizada,
porém, através de fórmulas e liturgias para que Yhwh julgue e execute a questão. Essa
transferência do ódio do salmista é percebida na sua relação com Yhwh nos v.11,12.
Tomando por base o pressuposto de que as lamentações aconteciam num determinado
espaço do culto, como espécies de denúncias pelos oprimidos, nossa estrofe encontra-se em
solo litúrgico466
. Após o v.12c a BHS imprime a letra , indicando a expressão selah, à
margem do texto, e o que está além das várias hipóteses de seu significado é que existe nela
uma intrigante evidencia de liturgia. Isto é, se seu significado é misterioso, seu uso prático é
cristalino.
Em outras palavras, estamos num ambiente de perseguição. A pessoa que sofre recorre
a Yhwh no culto para expressar seus sentimentos de angústia e, com isso, recobrar sua
confiança na fidelidade divina. Em nossa unidade, o culto recebe proeminência sobre as
devoções pessoais. O salmista está reunido em comunidade. É moldado por essa comunidade
litúrgica. Resta-nos indagar que tipo de culto era este. Se oficial mediado por sacerdotes e
oficiais litúrgicos mesmo que nos escombros e ruinas do templo destruído, ou se realizado
entre os clãs ou tribos por um mediador itinerante467
.
464 SIQUEIRA, Tércio M. ―Os Inimigos do Povo‖. Em: KAEFER, José; JARSCHEL, Haidi (org.). Dimensões Sociais da Fé
do Antigo Israel: Uma Homenagem à Milton Schwantes. São Paulo: Paulinas, 2007, p.174. 465 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.223. 466 SIQUEIRA, Tércio M. ―Os Inimigos do Povo‖. Em: KAEFER, José; JARSCHEL, Haidi (org.). Dimensões Sociais da Fé
do Antigo Israel: Uma Homenagem à Milton Schwantes. São Paulo: Paulinas, 2007, p.173. 467 Cf. GERSTENBERGER, Erhard. Psalms: Part 1: With An Introduction to Cultic Poetry. Michigan: Eardmans Publishing,
1991; e GERSTENBERGER, Erhard. Salmos: os Gêneros dos Salmos no Antigo Testamento. São Leopoldo: Faculdade de
Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, 1984, 2vols.
233
Na liturgia, o participante não toma a iniciativa, nem se precipita na oração. Alguém
lhe convida para a oração. Portanto, entendemos que neste culto a que o salmista lamentava
lhe foi propiciado o momento exato para declarar sua queixa, bem como sua confiança no
livramento de Yhwh. A diferença litúrgica encontra-se na transição dos v.11,12 para o v.13.
Ora, nos v.11,12 alguém convida o salmista a orar, mas no v.13 é o salmista que se coloca
ante a congregação e a convida a ―cantar‖ e ―louvar‖. É certo que, no fluxo da unidade 7-13
ele tivesse recebido a tão aguardada vingança dos inimigos.
Averiguarmos, dessa forma, a linguagem que permeia o v.13 – nossa quinta estrofe – e
de que se trata de um hino. Essa linguagem hínica indica que o autor deste texto provém de
tradições cúlticas. Por conseguinte, seu ambiente é cultico. Porém, a linguagem hínica não
permeia todo o texto, somente uma parte dele. Talvez estivesse exercendo a função de algum
tipo de protocolo ou convenção da linguagem de lamentação.
Weiser observa que o salmo em questão como sendo de Jeremias, porém, utilizado no
culto comunitário. O v.13 seria um convite para afirmar, como uma espécie de voto, a
capacidade de Yhwh e confiança do povo na libertação almejada. Trata-se de uma erupção de
louvor do salmista. O v.13 é a evidência de que o mais puro lamento fora respondido. É como
se o lamento sofresse uma metamorfose e se transformasse num hino de gratidão à divindade
pela bênção recebida.
O v.13 é um hino de louvor exuberante que o salmista convoca a comunidade, porém,
nos coloca diante do retrato social do grupo que louvava em antagonismo com seus inimigos.
(‟ebeyon) ―pobre‖ é o termo utilizado para descrever o grupo que recebera a bênção de
Yhwh468
. Por contraste, (mere„iym) ―aqueles que praticam maldade‖, ou seja, os
malfeitores, são ―pseudo-vencedores‖469
, segundo a literatura de sabedoria, aqueles que
ameaçam a ordem com seus poderes caóticos. A comunidade vinculada à redação do v.13
passava por perseguição. Seria a perseguição promovida pelos círculos proféticos contrários a
de nosso salmista-profeta? Se assim o for, Holladay estaria correto ao localizar o texto no
verão de 594 – na perspectiva da vida de Jeremias – logo após a morte de Ananias. Ou ao
468 O adjetivo refere-se à pessoa ―em estado de privação, um pobre ou necessitado‖, cf. HARRIS, R. ; ARCHER, G. ;
WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.3,4.
Gerstenberger trabalha pouco o sentido do substantivo-adjetivo, prefere aprofundar-se mais no verbo derivado ‟bh, isto é,
―querer‖, cf. JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid:
Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.102. Refere-se a alguém que ―quer‖. Coppes afirma que ‟ebyon enfatiza a ―necessidade‖,
o que o distingue de outros termos sinônimos como ‟onî (aflito), dal (pobre), rash (fraco), cf. HARRIS, R. ; ARCHER, G. ;
WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.4. Para ele o
substantivo-adjetivo quer dizer pobre no sentido material do termo. Tem haver com as pessoas que precisam de proteção
legal e social. Em outras palavras, é evidente que este ―necessitado‖ precisa do auxílio de Yhwh, e por ele clama. 469 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.102.
234
menos – segundo a perspectiva vinculada ao grupo escritor do texto, à época de legitimidade
que o grupo adquiriu após anos de tentativas de autenticidade à mensagem de Yhwh que
assumiam.
Para os estudiosos, o fim da oração de lamentação é o louvor. Por isso, aparentemente
os v.14-18 não se encaixam como sendo possíveis de conexões com 7-13. A este impasse é
que tratamos na análise literária e aprofundaremos na análise dos conteúdos. Importa no
momento verificar nossa hipótese quanto ao lugar provável que nossa unidade ocupa.
Primeiro, estamos nos anos entre 594 e 581, junto à memória do profeta: cidade e templo
arrasados, época de Zedequias, chegando a Godolias. Segundo, temos uma situação de crise
profética diante dos embates por legitimidade da mensagem javista. Terceiro, verificamos na
dinâmica do uso dos verbos e frases situações particulares e correlatas ao sofrimento da
população após a destruição do templo e vitória dos babilônios. Quarto, o culto ainda é
proeminente neste contexto: lá os fieis poderiam expressar suas queixas e recobrar sua
confiança a Yhwh.
Assumimos, pois, que até mesmo por causa das rupturas literárias observadas, a
unidade 7-13 exerce papel de retrospecto diante de uma situação particular que levou cerca de
20 anos para ser solucionada.
5.3.3 Lugar e situação vivencial de Jeremias 20.14-18
Assim como na unidade anterior, 14-18 não nos deixa pistas claras sobre seu Sitz im
Leben. Nela, o autor faz uma dupla maldição (v.14a, 15a). A primeira encabeça a unidade e é
mais curta que a outra (v.14). A segunda maldição possuí uma ampliação redacional,
diferentemente da primeira (v.15-17). A unidade encerra com uma pergunta retórica típica das
lamentações (v.18), abruptamente. Temos, porém, alguns indícios daquela situação
vivencial/experiência que lhe deu origem a unidade literária de interesse.
Nesta unidade podemos observar claramente a presença de um grupo familiar. Eles
estavam em torno de um dia próprio para o nascimento de um filho. O texto fala de uma mãe.
Interessante não citar qualquer ―parteira‖, mas apenas um mensageiro que levou a notícia do
nascimento ao pai. Por que não seria uma parteira? Seria um indicador de classe social?
235
No antigo Oriente, o tipo de família mais comum era o matriarcado470
. Não significava
que era a mãe quem detinha a autoridade da casa, mas indica que a prole era vinculada ao
grupo social da mãe. Com isso, os direitos à herança e a descendência são outorgados pela
descendência materna. Porém, é mais comum os estudiosos atribuírem o tipo familiar de
Israel o patriarcado471
.
O conceito de família para os israelitas deriva do conceito de uma casa. Protegida por
um chefe de família. Às vezes, trata-se de um grupo numeroso de várias espécies de
parentescos. Tratam-se como ―irmãos‖. Em certo sentido, a família israelita se confunde com
o sentido de clã472
. Esta poderia ser a unidade social que constitui a família que percebemos
no transfundo do nosso texto.
Verificamos que a ―mãe‖ é citada diretamente duas vezes: ―no dia em que minha mãe
me deu à luz‖ (v.14a ) e ―e veio a ser para mim minha mãe a minha sepultura‖ (v.17b),
enquanto o pai é citado diretamente somente uma vez (v.15a). Se tomarmos as indicações
indiretas quanto ao papel da mãe, da identificação do feminino e do papel social da mulher
que fazia parte do drama do dia amaldiçoado teremos pelo menos mais quatro indicações
claras: o verbo (yld) em primeira pessoa do singular, no pual completo, quer dizer ―eu fui
gerado‖ – possivelmente indica a potencialidade de geração de filhos no ventre da mãe473
; e,
outras três vezes se faz referência direta ao útero, sendo a segunda delas em conjunto com o
adjetivo (harat) ―grávida‖: ―porque ele não me matou de uma vez por todos do útero‖
(v.17a), ―e grávida o útero dela para todos os tempos‖ (v.17c) e ―eu saí do útero para ver
aflição e tristeza‖ (v.18b).
O útero materno desempenha, portanto, um papel social junto com a mãe, a mulher,
que o possuí: é dele que procede a vida, a sociedade. É a figura do feminino que exerce a
função de (yld) ―gerar‖ (v.14a) e ―dar à luz‖ (v.14b) e desempenha o papel de matriz da
vida. O que diferencia o salmista envolvido é o desejo de que esta matriz da vida seja um
sepulcro, isto é, a matriz da morte – por causa de todo seu desencanto com a vida.
O pai é apresentado no texto como um sujeito passivo que recebe a mensagem (v.15a)
e, ainda por cima, a ordem para alegrar-se (v.15b). Ele recebe o filho para ele, a frase
470 VAUX, Roland de. As Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004, p.41. 471 VAUX, Roland de. As Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004, p.42. 472 Schwantes corrobora a idéia deste modo de vida familiar-clânico, cf. SCHWANTES, Milton. A Terra Não Pode Suportar
Suas Palavras: Reflexão e Estudo Sobre Amós. São Paulo: Paulinas, 2004, p.18. 473 Gilchrist considera a possibilidade do verbo (yld) indicar: ―todo processo que envolve gerar uma criança‖, cf.
HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.618.
236
(yulad-leka), literalmente reza ―ele foi nascido para ti‖. Os estudiosos que vinculam
o poema à vida de Jeremias, naturalmente supõe que este pai seja Hilquias, o sacerdote (cf., Jr
1.1). Portanto, depreendem a ideia que Jeremias seguiria a linhagem sacerdotal da família.
O mensageiro anuncia ao pai que se tratava de um filho homem, macho, era um
(ben zakar) ―um filho macho‖. Daqui podemos inferir mais duas situações quanto ao
lugar vivencial. Primeira, que este pai aguardava num local separado de sua esposa, a mãe do
menino, que dava à luz; afinal necessitou-se de um mensageiro que levasse a mensagem a ele.
Se se tratasse de Hilquias, por exemplo, ele poderia estar em Jerusalém e seria necessário um
mensageiro vindo de Anatote noticiar o nascimento do filho. Segunda, que pelo fato do texto
mostrar claramente que se tratava de um ―filho macho‖, infere-se se seria motivo de alegria
para este pai o nascimento de uma ―menina‖474
. Estamos numa sociedade em que,
aparentemente o pai não participava diretamente do parto de seu filho, tão pouco receberia
como alegria intensa a noticia de uma filha.
As tradições familiares, certamente, naquela sociedade eram passadas de pai para
filho. É provável que algumas delas, inclusive, tivessem sido feitas através de fórmulas rituais
que relembrasse as tradições mais significativas da casa, como o nascimento de alguém. O
salmista estava bem inteirado do que acontecera no dia de seu nascimento, como o detalhe do
mensageiro que participou dele. Vemos aqui, portanto, um ritual ―popular‖ (isto é, não ligado
ao templo) que era exercido pelos pais, a fim de legar ao filho a memória tradicional do clã.
Prosseguindo, averiguamos que além da família havia um contexto mais amplo de
comunidade. O salmista fala de seu pai, de sua mãe e de certo homem que atuou como um
mensageiro do nascimento a seu pai. O mensageiro, ligado à raiz do verbo (bsr) naquela
sociedade tinha papel preponderante em tempos de guerra. Personagens sociais relevantes na
comunidade da qual o salmista fazia parte. Um nascimento é privilégio e responsabilidade de
toda a comunidade em questão.
Para Holladay chega a ser perturbador a ideia de um mensageiro, claramente do sexo
masculino – (‟iysh) – levar a notícia. Espera-se uma parteira, no mínimo, uma servente da
família realizar esta tarefa. Conforme já indagamos, talvez não fosse qualquer família capaz
de ter uma servente e/ou uma parteira. Ou ainda, podemos indagar que se o texto for
localizado depois da destruição de Jerusalém, a função de parteira – tão essencial no antigo
474 McKane chega a sugerir a possibilidade de reações opostas do pai quanto à enunciação do sexo do recém-nascido: o pai se
alegra num menino, mas se entristece se for menina, cf. MCKANE, p.486. Também poderia ser que o ritual pedia uma
resposta de dupla alegria quando menino, e somente uma alegria simples quando menina. Daí depreende a ideia do duplo uso
da raiz (smh) ―alegrar‖ no texto.
237
Israel475
– pudesse ter sido suprimida: após a destruição ninguém queria ter filhos, ou no
mínimo, nenhuma parteira queria fazer alguém nascer pois saberia que seu destino era a
desesperança476
. Neste caso, um mensageiro poderia ser um substituto oficial na ausência de
alguém.
Tamanha estranheza levou McKane salientar que este mensageiro é figurativo no
drama poético: um ―bode-expiatório‖ poético para levar a má-notícia. McKane deduz a
possibilidade desta sociedade ter desenvolvido uma fórmula oral que se tornou uma
convenção literária de saudação do dia de nascimento ou do aniversário de alguém. Assim, o
representante do que deveria ser uma felicitação torna-se o mensageiro de uma ―saudação
negra‖, isto é, de um dia amaldiçoado477
.
Naturalmente, com estes recursos literários, a unidade retrata este dia (de
nascimento/aniversário) de modo depreciado, ainda mais o mensageiro que parece ser alguém
incomum no que seria um dia como aquele. A passionalidade expressa através da poesia nos
aproxima de alguém frustrado com sua vida. Porém, o uso depreciativo que o salmista faz de
seu dia de nascimento nos induz a averiguar se o dia de nascimento naquele lugar em especial
seria um dia de alegrar-se intensamente – o verbo (smh) está no piel (v.15bc), uma vez
que o salmista intencionalmente tenciona inverter o propósito do que seria aquele dia. O
nascimento de um filho(a) deveria ser esperado com alegria. Assim conhecemos um pouco
mais desta sociedade: qualquer nascimento deveria remeter aos pais esperança de
continuidade de sua geração. Não foi este o caso.
Os exegetas também procuram definir quem é a pessoa retratada no início do v.17a :
―porque ele não me matou de uma vez por todas do útero‖. Detalhar esta questão aqui seria
adiantar estudos subsequentes. Temos quatro possíveis hipóteses. A primeira defende que este
―ele‖ seria o próprio mensageiro do qual tratamos. A segunda defende que poderia se tratar de
Yhwh. A terceira hipótese assume que se trata de um médico. A quarta hipótese é de que seria
um soldado que veio da batalha.
É a terceira hipótese que nos interessa avaliar no momento. É a hipótese de Duhm.
Porém, ela traria para mais perto do texto mais um personagem da dinâmica social daqueles
dias. Em sua pesquisa, Duhm descobriu que no Egito – através do Eber Papyrus, c.1550 a.C. –
475 Veja correlação da tradição da função significativa que as parteiras realizavam no antigo Israel em Êxodo 1.15-22. 476 Bright sinaliza que na época do certo, bem como após toda a destruição do templo e de Jerusalém, as mães comiam seus
filhos. Algo terrivelmente observado com dupla função : saciar a fome e privar o futuro sofrimento do rebento. 477 O que McKane quer dizer, em outras palavras, é que existia uma fórmula ou convenção de uma espécie de ―parabéns para
você‖, mas que fora invertida – segundo o estilo literário de perplexidade e tristeza da época (ao nosso ver, de lamentação) –
por causa de uma situação particular.
238
haviam médicos que prescreviam abortivos478
. Mas a presença destes abortivos no antigo
Israel é desconhecida. Também não há evidencias seguras de que no antigo Israel houvesse a
presença de médicos indígenas, espécies de xamãs. A teologia javista é peremptória ao
afirmar que Yhwh é seu médico479
.
Outra indicação de lugar que percebemos no texto provém do uso de um cenário de
guerra (v.16)480
. Entretanto, o versículo clarifica ainda mais nossa busca pelo lugar histórico
da perícope: nele o salmista usa a imagem da subversão de cidades que sofreram o juízo de
Yhwh. Tal como foi interpretado pelo profeta Jeremias a ocasião do exílio: julgamento de
Yhwh sobre Judá, após Israel já ter recebido sua sentença anos antes. Possivelmente estamos
no território judaíta após o ano de 597.
O verbo (hpk) ―subverter‖ é utilizado principalmente para descrever a ira e o
furor de Yhwh contra cidades que se rebelaram contra ele (v.16b)481
. As expressões
(ze„aqah) ―grito‖ e (teru„ah) ―sinal de alarme‖ sinalizam o cenário da queda de
Jerusalém. Respectivamente indicam os gritos de socorro de vítimas de guerra e os gritos dos
soldados inimigos embriagados que espalham terror entre os vencidos. Seria uma referência
poética que remete ao dia do ataque Babilônico contra Judá. Retrata um dia de grande
desastre militar. A forma poética nos indica que em pouco tempo (literal ou figurado), das seis
horas da manhã até o meio dia, a cidade e o povo estavam assolados. Essa era a impressão das
pessoas que presenciaram tamanha catástrofe.
Ao perguntarmos por essas cidades que sofreram árduo julgamento (teologicamente
falando) e sofreram intercurso militar (perspectiva histórica e social) devemos aprofundar
melhor a resposta na análise dos conteúdos. Porém, ressaltamos que até o momento é possível
que devido à memória das atrocidades sofridas por Judá a referência em questão se enquadre
nas cidades de Judá e arredores482
.
478 BRYAN, C.P. The Papyrus Ebers. New York: D. Appleton, 1931, p.83. 479 Cf., Êxodo 15.26; 2Reis 20.5; Sl 103.3; 147.3; Deuteronômio 32.39; Sirácida 38.1-15. 480 Este versículo é considerado por Duhm e outros como uma glosa, isto é, um acréscimo posterior. O debate sobre a
autenticidade dos versículos 16 e 17 é alto. 481 Cf., HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São
Paulo : Vida Nova, 1998, p.364 e CARROLL, Robert. , p.403. 482 As informações gerais sobre este período foram bem desenvolvidas por Harrison, principalmente ao indicar as condições
de Judá após o levante da Babilônia. Zedequias começou a negociar com o Egito e, tendo esse ato sido considerado por
Nabucodonossor como rebeldia ao seu poderio, partir em direção à Judá e não teve piedade, inclusive, sabe-se que as cidades
fortificadas de Judá foram destruidas uma a uma, como Laquis e Azeca, cf. HARRISON, Robert K. Jeremias e
Lamentações : Introdução e Comentário. São Paulo : Edições Vida Nova, 1980, p.11-20.
239
Localizamos, portanto, o Sitz im Lebem desta unidade em território judaíta, após
597483
. Jeremias foi levado ao Egito por volta de 581. Este é o solo mais provável onde o
texto se encaixa. Provavelmente a memória que levou à redação da unidade, posterior
formulação da perícope e do livro de Jeremias como um todo tivesse ouvido a voz do próprio
profeta por trás destes versículos.
Aprofundando ainda mais a questão observamos que a ideia das cidades receberem
juízo de Yhwh provém da perspectiva do campesinato, isto é, das pessoas que viviam ao redor
da cidade. Ou seja, as pessoas do campo perceberam que as cidades receberam maior juízo.
Porém, os prejuízos foram generalizados. Principalmente os derivados das investidas militares
inimigas contra as cidades fortificadas de Judá.
Cidade e campo eram realidades antagônicas na época da monarquia de Israel. Na
cidade484
vivam poucas pessoas, especificamente, aquelas que detinham o controle do
―conjunto social‖485
. Já no campo vivia a maioria das pessoas sob regime de produção
agrícola para seu próprio sustento e constantemente estavam em conflitos com os da realidade
urbana486
.
Essa relação é condizente com a nossa descrição do profeta histórico e as pessoas com
as quais ele se identificava: o povo camponês. Primeiro, a origem de Jeremias vindo de
Anatote (aldeia campesina) indica sua familiarização com estes grupos, inclusive, pela
hipótese levantada por Kilpp que Jeremias desenvolveu certo tipo de atuação pastoral entre os
habitantes de Anatote, provavelmente descendentes de refugiados do ―antigo reino do norte‖,
antes da morte do rei Josias, entre 627 e 609487
. Segundo pela crítica profética ao chamado
―povo da terra‖488
, cuja hipótese desenvolvida por Siqueira sugere que ―o povo da terra deixa
de ser um grupo de ação que atuava heroica e corajosamente em momentos de crise para fazer
483 Neste ano, os babilonicos com seus exércitos reequipados marcharam contra Jerusalém que caiu. Harrison destaca que
Nabucodonossor não destruiu a cidade quando ela caiu por volta de 15 ou 16 de março de 597. O exército saqueou o templo e
levou consigo o rei Joaquim e outros representantes da corte. Zedequias é posto no governo de Judá a partir deste momento,
cf. HARRISON, Robert K. Jeremias e Lamentações : Introdução e Comentário. São Paulo : Edições Vida Nova, 1980, p.16. 484 Schwantes prefere identificar a cidade como burgos ampliados, cf. SCHWANTES, Milton. A Terra Não Pode Suportar
Suas Palavras: Reflexão e Estudo Sobre Amós. São Paulo: Paulinas, 2004, p.18. 485 Segundo Schwantes, as cidades abrigavam a corte e seu funcionalismo, os oficiais religiosos do templo, os comerciantes e
o exército, que era ―a parte mais considerável das cidades‖ e ―seus soldades e suas armas (carros de combate)‖; ainda,
abrigavam ―escravos e gente empobrecida (viúvas e órfãos) que prestavam serviço ao senhorio‖. A cidade era o centro de
controle sobre seus moradores e sobre os camponeses que viviam nos arredores, cf. SCHWANTES, Milton. A Terra Não
Pode Suportar Suas Palavras: Reflexão e Estudo Sobre Amós. São Paulo: Paulinas, 2004, p.18,19. 486 Cf. SCHWANTES, Milton. A Terra Não Pode Suportar Suas Palavras: Reflexão e Estudo Sobre Amós. São Paulo:
Paulinas, 2004, p.18,19. 487 KILPP, Nelson. ―Um Profeta que Nasce da Atuação Pastoral‖. Revista Teológica Londrinense (RTL). Londrina:
Seminário Teológico Rev. Antônio de Godoy Sobrinho, n.2, 2001, p.99-111. 488 Cf. Jeremias 1.8; 34.19; 37.2; 44.21.
240
política sob a orientação e proteção dos sacerdotes, príncipes e eunucos de Jerusalém‖489
, o
que os levou a explorarem os camponeses490
. Terceiro, pela narração bíblica apontando o
profeta como um crítico ferrenho do sistema político e religioso do reinado de Jeoiaquim.
Quarto, porque após a destruição de Jerusalém e a desurbanização de Judá a população era
predominantemente campesina e, portanto, Jeremias teria sido um dos pobres em Jerusalém e
sua atuação realizada em coligação com o povo camponês: isto lhe daria certas afinidades
entre os judaítas que ficaram491
. Quinto, o grupo ligado à produção literária de Jeremias re-
significaram a teologia neste tempo a partir das experiências de violência e repressão de
Jeoiaquim e do andamento da situação calamitosa que os judaítas experimentavam até os idos
do pós-exílio.
Em outras palavras, Jeremias estava a par dos acontecimentos sociais no período de
sua atuação em Jerusalém. A época a que nossa unidade remete pode ser identificada como
posterior a destruição de Jerusalém e a desurbanização de Judá, ainda mais: o caos resultado
da investida babilônica que destruiu as cidades fortificadas de Judá, como Laquis e Azeca. De
modo geral, as cidades foram pilhadas e o exército caldaico ocupou Jerusalém – em 587 os
babilônicos puseram fim a Judá e ela foi anexada como uma província junto a Samaria492
.
O texto apresenta no v.16c o verbo (shm„) ―ouvir‖, ainda no contexto de guerra.
Este verbo é comum na literatura deuteronômica-deuteronomística e característicos de
narrativas. Os estudiosos vinculam-no como palavra-chave na compressão dessas escolas493
.
Exatamente por se tratar de um verbo chave destes círculos podemos muito bem aproximar a
unidade 14-18 do período posterior a estas escolas.
489 SIQUEIRA, Tércio M. O Povo da Terra no Período Monárquico. 1997. 195fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião).
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). São Bernardo do Campo,
1997, p.167. Cf. também: PIXLEY, Jorge. A História de Israel a partir dos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1989, p.59-62; 75-79. 490 Siqueira avalia em sua tese que ―essa menção negativa do profeta foi feita em meio a um conflito entre os partidários da
política anti-Egito e pró-Babilônia. O que se percebe, na crítica do profeta, é a consolidação de uma opinião de Miquéias, um
século antes‖, portanto, nessa perspectiva, ―o povo da terra deixou de ser, parcialmente, um grupo de trabalhadores do campo
para assumir, também, a condição de latifundiários da terra, vivendo dela e da exploração de seus irmãos camponeses‖.
Porém, não assume ingenuamente a complexidade da questão. Siqueira entende que estes grupos opostos eram encabeçados
por Ananias e Jeremias, cada qual a seu posto. O povo da terra seria uma denominação de opositores populares de Jeremias e
seus ideais pró-Babilônia (baseado em sua experiência profética), cf. SIQUEIRA, Tércio M. O Povo da Terra no Período
Monárquico. 1997. 195fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). São Bernardo do Campo, 1997, p.167-171. 491 SCHWANTES, Milton. . Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do Povo de Deus no Século VI a.C. São
Paulo : Paulinas, 2007, p.55. 492 A perspectiva babilônica da destruição do reino de Judá é relatada nas tabuas de barro das ―Crônicas Babilônicas‖ no
museu Britânico, cf. as obras: WISEMAN, Donald. Nebuchadrezzar and Babilon: The Schweich Lectures. 4a.ed. The British
Academy: Oxford University Press, 1995.168p. GLASSNER, Jean-Jacques. Mesopotamian Chronicles. Atlanta: Society of
Biblical Literature, 2004. 386p., cf. esp. 126-133; 226-237. MITCHELL, T.C. The Bible in the British Museum: Interpreting
the Evidence. New York: Paulist Press, 2004. 493 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.1222.
241
Outro aspecto que pode nos levar ao lugar vivencial do texto é o uso da expressão
(lamah) ―por quê?‖. Trata-se de um pronome interrogativo, normalmente usado no
gênero das lamentações. A expressão dá ênfase à urgência da questão. Indica que estamos em
solo das lamentações. São reações de desesperança e da miséria subsequente às destruições
ocasionadas no período exílico. Posteriormente é que será definida como um gênero
literário494
.
Uma entre outras hipóteses advoga que os poemas sejam precedentes às liturgias
precedentes no templo, usuais nas famílias/clãs e por pessoas que sofriam. Posteriormente,
teriam sido utilizados em cerimônias públicas e daí partiu-se para o processo de edição
literária, em épocas próximas do pós-exílo e no pós-exílio.
Portanto, a presença de (lamah) – indicador claro do gênero de lamentação que
procedeu a prática de lamentar da experiência que deu origem ao texto – na última estrofe da
unidade 14-18 é um indicador importante de nosso Sitz im Lebem: toda guerra, destruição,
violência, desolação, miséria, etc. faziam o profeta (herói do povo na narrativa do livro de
Jeremias) expressar sua tristeza e desesperança. Como veremos no próximo capítulo, o uso
deste texto nas cerimônias rituais estaria ligado com a experiência da morte, ou de quase-
morte. Total desilusão quanto à vida.
Queremos destacar também, que apesar das maldições serem usadas por órgãos
legítimos da sociedade contra pessoas que violam as leis eram amplamente usadas por classes
populares495
. A época que engloba a situação histórica e a edição do livro de Jeremias é
apropriada para isso. As pessoas que se sentiam ameaçadas usavam a maldição como uma
espécie de arma contra seus inimigos. Afinal, devido a tantas injustiças e mazelas, eles
deveriam de alguma forma procurar se defender. A maldição era uma fórmula de apelar a
Yhwh que agisse contra os opositores496
. Fossem esses opositores forças inimigas ou até
mesmo ―inimigos‖ naturais, como a morte497
.
A unidade 14-18 trata da situação calamitosa que Judá experimentou quando a cidade
e seus arredores foram destruídos pelos babilônicos. Nos situa diante dos efeitos da destruição
494 SIQUEIRA, Tércio M. El Lamento. , p.23. 495 GUSSO, Antônio R. As Imprecações no Livro de Salmos: O Uso de Imprecações no Livro de Salmos Como Armas
Contras os Inimigos. 1996. 114fl. Dissertação (Mestrado em Teologia). Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rio de
Janeiro, 1996, p.18-20. 496 GUSSO, Antônio R. As Maldições do Salmo 137: O Princípio da Reciprocidade na Justiça do Antigo Testamento Como
Chave Bíblica para Interpretação. 2007. 288fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2007, p.131-137. 497 GUSSO, Antônio R. As Maldições do Salmo 137: O Princípio da Reciprocidade na Justiça do Antigo Testamento Como
Chave Bíblica para Interpretação. 2007. 288fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2007, p.170-200.
242
na vida do povo; temos na memória do profeta a desgraça que os judaítas sofreram até
meados do retorno dos exilados, ou até mesmo tempos depois do retorno daqueles que
voltavam da Babilônia. Portanto, a situação vivencial que determinou a origem do poema
pode ser definida como entre 597 e 581, partindo da memória e atuação do profeta Jeremias.
A influência do profeta histórico deu-se principalmente às pessoas assoladas por toda
calamidade – que fora registrada (não sabemos por quem) em forma poética, em primeira
pessoa, em forma de lamentação (em coleções aleatórias e compiladas junto às narrativas) –
que remonta até os idos do pós-exílio quando da edição do livro de Jeremias.
Finalmente, era de se esperar nesta unidade, tal como a anterior, que ela fosse
endereçada a Yhwh. Não é o que acontece. O endereço da passagem é o próprio salmista,
sujeito emocionalmente tumultuado devido às dores causadas pelas atrocidades da violência
militar contra sua cidade e sua experiência pessoal. Devemos, portanto, observar que é
possível interpretar a situação vivencial da unidade 14-18 em perspectivas, ora distintas, ora
complementares: a perspectiva psicológica e antropológica: observamos a visão interna de
alguém angustiado pelas circunstâncias que envolvem sua vida; em perspectiva do lugar
histórico: estamos em solo correspondente aos da destruição da cidade, do templo e abuso por
parte dos exércitos babilônicos que incorporavam Judá como província, 597-581; em
perspectiva social: a construção de um texto na perspectiva do campesinato, que via a ira
divina atraída pelas cidades.
5.3.4 Autoria, composição e compilação da perícope
Agora passamos a discutir sobre a autoria da passagem juntamente com as prováveis
compilações da passagem que fazem parte da complexidade do processo editorial do livro de
Jeremias.
243
5.3.4.1 Autoria da passagem
Continuando a observar o lugar vivencial de nossa passagem, importa perguntar pela
autoria de Jeremias 20.7-18. O texto hebraico silencia absolutamente quanto à autoria do
mesmo. Sequer há a presença de títulos, como acontece com alguns salmos de lamentação do
saltério. Na história traditiva do livro de Jeremias, especialmente no bloco referente aos
capítulos 1 a 25 do livro – no qual se encontra a maior parte das passagens poéticas – a autoria
é atribuída a Jeremias.
As hipóteses que os exegetas advogam circulam entre os que defendem a autoria
jeremiânica e os que questionam esta autoria defendendo uma autoria não-múltipla498
e os que
defendem a hipótese de uma autoria coletiva. O estudo da autoria da presente passagem nos
leva a indagar se Jeremias é o autor do texto, se a perícope pode ser atribuída a um só autor ou
mais e como isso nos impele na descoberta da situação ou situações vivencial envolvidas.
É notório que grande parte dos pesquisadores defende a autoria jeremiânica dos
poemas do primeiro bloco do livro499
. Inevitavelmente, nossa perícope encontra-se nesta
hipótese. Sendo o salmo um poema em primeira pessoa, estes pesquisadores identificam este
―eu‖ poético com o próprio Jeremias500
. Vinculam a experiência que o levou a escrever este
poema com alguma situação peculiar de sofrimento do profeta. Entre os que defendem este
ponto de vista, há poucas divergências.
Há os que compreendem que, apesar deste possível salmo de Jeremias não ter um
título especifico, a narrativa imediatamente anterior situa o lugar que deu origem ao poema,
no caso, a situação com Pashhur de Jeremias 20.1-6501
. Outros, mais influenciados pela crítica
da redação do livro de Jeremias que informa que o ―autor‖ do livro não seguiu critérios
cronológicos, apresentam a hipótese de lugar relativa a quando Jeremias afundava no lodo do
poço, isto é, seus adversários tinham prevalecidos contra ele na narrativa de Jeremias 38.1-13.
O hino de louvor de Jeremias 20.13 seria resposta à intervenção de Ebed-Melek que o
libertou502
. Westermann atribuí a autoria do poema a Jeremias, porém, entende que o profeta
ditou ao secretario Baruk503
. Para McConville neste poema são palavras autênticas de
498 Esta hipotese descarta Jeremias como autor, mas defende-se a ideia de que uma só pessoa realizou a compilação. Rudolph
é dessa linha. Segundo ele somente a hipótese de uma autoria única poderia explicar as inumeras coerências e afinidades – no
caso, entre as ―confissões‖, cf. RUDOLPH, W. 499 Wiseman, p.1059-1063; Thompson; Tov; House, p.380-383; Brueggemann; Hyatt; 500 Holladay, p.547-566 v1 + p.25,26 v.2 501 Bright, p.129-134 502 SCHÖKEL, p.527. 503 WESTERMANN, p.24-27.
244
Jeremias, porém, eles foram registrados à luz de sua própria reflexão posterior, madura, de
profeta sobre o modo de agir de Deus com Judá504
.
Em oposição à hipótese de autoria jeremiana, críticos salientam que há uma diferença
entre o homem chamado Jeremias e o livro que leva este nome. Carroll tanto não apoia a
hipótese de autoria jeremiana que data a origem da perícope em questão no pós-exílio. Em um
ensaio, ele negou que o livro de Jeremias tenha qualquer possibilidade de reconstruir a
história do profeta histórico. O extremo deste ponto de vista é a afirmativa de que Jeremias
seria uma criação dos editores, não uma figura histórica505
. Os proponentes dessa
diferenciação pretendem reconstruir as várias fases de redação do livro, na história de sua
composição para daí então, concentrar-se no exame da situação vivencial atrelado a cada
texto.
Essa hipótese de uma autoria não-jeremiana começou com o trabalho de Duhm que
distinguiu os diferentes blocos do livro de Jeremias e atribuiu somente os oráculos poéticos ao
profeta histórico. Dentre esses oráculos poéticos encontra-se nosso texto. Mowinckel
aprimorou a pesquisa de Duhm e distinguiu três tipos de material no livro: oráculos
proféticos, narrativas biográficas e sermões em prosa (advindos de fonte
deuteronomísticas)506
. Mais tarde ele falou de três extratos de tradição, em vez de três fontes
literárias507
.
Gerstenberger atualiza a pesquisa propondo que os salmos de lamentação não
surgiram como poemas privados, dos desabafos de indivíduos sofredores e introvertidos.
Segundo ele, um texto com indícios litúrgicos não surge dessa forma. Para ele, as orações em
prol dos indivíduos surgem a partir de uma necessidade comunitária ante os dilemas da vida
realizados através de atividades cultuais e litúrgicas. Gerstenberger atribuí a compilação do
livro de Salmos no pós-exílio, porém, reconhece que vários salmos do gênero de lamentações
foram escritos na época do exílio, embora não tenham sido anexados no livro de Salmos508
.
Esse debate dos dois métodos contrastantes, por exemplo, podem ser bem
exemplificado na abordagem do estudo das chamadas ―confissões‖. Para aqueles que
advogam estreita relação entre o profeta histórico e o livro, essas confissões seriam relatos de
504 MCCONVILLE, p.1014. 505 Discordamos deste ponto de vista por acha-lo extremado. É notório que o livro de Jeremias passou por várias redações e
um processo de composição e edição complexo e minucioso. É possível discordar de uma autoria plena de Jeremias. Mas daí
afirmar que o profeta não existiu é uma postura advinda de análises sem fundamentos. 506 MOWINCKEL, Sigmund. Zur komposition Des Buches Jeremia. Kristiana: Jacob Dybwad, 1914. 507 MOWINCKEL, Sigmund. Prophecy and Tradition. [s.l.]. Oslo, 1946, p.61-63. 508 A partir desta hipótese, verifica-se a probabilidade de vários outros salmos que não foram colocados no saltário tenham
sido inclusos nos livros proféticos. A questão que gira em torno dos salmos de lamentação encontrados no livro de Jeremias
fica por conta da data de edição final do livro. Em outras palavras, os salmos de lamentação do livro de Jeremias
provavelmente já tinham sido compilados antes da edição do livro dos Salmos.
245
auto-expressão de Jeremias. Para os que advogam pouca ou nenhuma relação entre o profeta
histórico e o livro, essas mesmas ―confissões‖ seriam de autoria anônima de editores
posteriores, ―semelhantes aos lamentos comunais e anônimos dos salmos‖509
.
Já explanamos a respeito da autoria destes salmos de lamentos invariavelmente
chamados de ―confissões‖ de Jeremias no item 2.3.5 da presente dissertação. O que devemos
articular é até que ponto essa hipótese de autoria jeremiana está vinculada ao texto que
delimitamos para esta pesquisa, juntamente com as prováveis hipóteses de etapas e situações
vivenciais relativas à redação do mesmo.
Nosso pressuposto nos leva a autoridade de Jeremias neste salmo de lamentação. Não
escritor, literalmente falando, mas a pessoa, em sentido abrangente, literário e de inspiração
que articula a voz do poema no texto. Entretanto, verificamos a hipótese da complexidade e
pluralidade de auxílios redacionais que esta autoridade e sua tradição imediata tiveram
através das diferentes camadas redacionais da perícope.
Essas diferentes camadas redacionais de nosso texto são perceptíveis através das
rupturas literárias presentes na perícope. A maior disjunção fica por conta de 7-13 e 14-18.
Por isso, tratamos essas unidades separadamente na analise literária e vivencial. Porém, ambas
as unidades possuem rupturas literárias em suas subunidades, algumas mais drásticas que
outras. Em 7-13 averiguamos a possibilidade de que os v.7-9, v.10-12 e o v.13 tenham sido
obra de escritores diferentes e compiladas a partir de uma convenção comum. Em 14-18
averiguamos que a estrutura natural presente na unidade indica que algumas partes possam ter
sido perdidas do poema original, ou no mínimo, omitidas (no caso, da supressão intencional
de algumas partes).
Uma vez que temos rupturas literárias na perícope, dificilmente podemos atribuir à
forma final a uma só pessoa e em uma só etapa. Mesmo que tais etapas tenham sido bem
próximas umas às outras. Em cada etapa houveram diferentes e intercambiáveis influencias do
ambiente que lhe deu origem. Dessa forma, compreendemos que o processo de redação de
nossa perícope passou por, pelo menos, sete influências até que ele chegasse às mãos de um
compositor anônimo (talvez até mesmo do círculo profético de Jeremias) e, finalmente, do
editor final do livro (normalmente atribuído aos deuteronomistas). Dentre essas influências na
redação do texto inferimos:
A proximidade com círculos proféticos510
; a proximidade com o culto em Jerusalém,
porém, com o templo destruído511
; a proximidade com o ideário religioso do reino do norte512
;
509 LONGMAN III, p.276.
246
a proximidade com o ideário popular; a expressão de sobreviventes da tragédia; a
proximidade de círculos de sabedoria; a influência deuteronomística na edição do poema em
varias expressões correspondentes a este círculo pedagógico-literário e pastoral que
movimenta a história da literatura judaíta do exílio e pós-exílio513
.
Portanto, a hipótese de uma autoria coletiva vinculada à autoridade do profeta
Jeremias e posteriormente redigida, compilada e editada nos leva aos seguintes indícios
apontados acima entremeados na perícope. Trata-se de indícios internos, não evidencias, de
uma identidade e lugar social correspondente ao do profeta histórico514
.
A poesia emerge, seguramente, a poesia ligada às narrativas proféticas, até mesmo em
termos literários, do coletivo, isto é, da comunidade circundante a toda produção do material.
Produção tal, ligada especialmente à pessoa e memória, isto é, autoridade do profeta Jeremias.
A própria linguagem jeremianica, isto é, aquilo que teria sido dito ou experimentado
pelo profeta histórico é definido por uma complexidade de relações. Sendo, talvez, a maior
delas a própria experiência comunitária de Jeremias. Pertinente ao que observamos, nosso
profeta acumula uma serie de experiências vinculadas a historia, a influencias e à comunidade
a qual fez parte515
.
Ligamos a autoria do texto à pessoa histórica do profeta Jeremias. Sua escrita e
redação, pois, a um ou mais redatores contemporâneos mais para o fim da carreira do
profeta516
; e, por fim, o texto chegou aos compiladores finais do livro, estes posteriores a
carreira do profeta. Convém, portanto, ter em mente que Jeremias 20.7-18 não é fruto de uma
pessoa, mas de um grupo. Não obstante, esse grupo se consolidou ao redor e partir do profeta
Jeremias. Falar de autoria jeremiana, portanto, refere-se a um conjunto comunitário profético
e poético articulado na autoridade desta pessoa.
510 Poetas que pertenciam a mesmas escolas que Jeremias. Inferimos que através da voz profética do texto há uma
personificação profética. Alguns críticos sugerem que escritos proféticos tiveram espaço em cerimonias de lamentações pela
destruição da cidade e do templo. Expressão de jeremias de acordo com a visao do profeta, a influencia dele 511 Poetas próximos ao culto que havia nas ruinas do templo e ligados as tradições escritas do povo. Círculos levíticos –
devido o conhecimento da poesia dos salmos porem com a teologia deuteronomística. Tradição hínica de lamentações. 512 Influencia do reino do norte, etc – expressões teologicas 513 Fruto da injustiça que os deuteronomistas sentem pelo abandono de Deus 514 Essas ações, naturalmente, foram coordenadas por um grupo, ou vários deles. O que é central, porém, é a linguagem de
lamentação. 515 Ligado às tradições religiosas e proféticas do reino do norte, cuja carreira inicia-se junto aos seus, em Anatote;
provavelmente um defensor da reforma josiânica e deuteronomista atuando essencialmente contra a idolatria; posteriormente,
concentrando as atividades no centro urbano, mostra-se um crítico ferrenho do sistema opressor político-religioso realizado
sobre as camadas menos favorecidas; um profeta em conflito com a oposição de círculos proféticos pró-Egito; um dos pobres
sofredores em Jerusalém que viveu e reconheceu toda avassaladora investida militar dos babilônicos; só para identificar
algumas, cf. HOUSE, Paul. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 381-415; Holladay gosta de ver Jeremias como
um teológo bíblico, mas ativamente envolvido na vida das pessoas, cf. HOLLADAY, William Lee. , Vol.2., p.35-70.
247
5.3.4.2 Redação e compilação da passagem
O livro de Jeremias, em certo sentido, é um ―livro de livros‖517
. Isto é, um livro
construído e constituído a partir da reunião de várias coleções e peças literárias ligadas ao
profeta Jeremias ou a escritores posteriores ligados ao círculo jeremiânico. No livro de
Jeremias atestamos a presença de variados segmentos, algumas vezes, independentes uns dos
outros, inseridos neste livro.
Sobre a redação do livro de Jeremias já muito se escreveu518
. Trata-se de um livro
bastante complexo em sua organização redacional. Múltiplo e segmentário. Sua organização
não é cronológica e ainda é bastante estranha aos estudiosos atuais. O mais certo é que a
atuação e fala profética de Jeremias foi transformada em letra, isto é, em literatura. A
produção do texto é profundamente ligada à pregação jeremiânica na tradição profética,
vinculada à tradição sacerdotal e levita dos cânticos fúnebres e de lamentações e aos círculos
deuteronomísticos.
A perícope a qual detemos nossa atenção é uma notável composição. Trata-se de um
todo complexo modelado não por um só ―autor‖ ou escritor, nem mesmo num só momento
histórico. As noções de unidade que foram trabalhadas em Jeremias 20.7-18 ainda nos
parecem estranhas. Não se trata de negligencia. Verificáveis, mas é provável que não
cheguemos a compreender na plenitude a intenção do seu compilador. É mais que uma
miscelania de textos. É uma estrutura completa dentro da capacidade de produção literária e
finalidade teológica que nos foram transmitidas.
A forma como o compilador redigiu a perícope mostra que ele teria preferido que seus
interlocutores entendessem as várias facetas do drama profético da época do exílio. Bem
como a amplitude da tragédia nacional que fazia com que o povo se detivesse em
lamentações. As duas principais unidades que compõe nossa perícope são entrelaçadas como
que em dois atos de expressão da lamentação individual e/ou comunitária.
Há um eixo literário e teológico na perícope que perpassam as unidades que a compõe.
Atestamos que esse eixo literário é a linguagem de lamentação. O eixo teológico, por sua vez,
é provável que esteja vinculado à autoridade profética de Jeremias. Mesmo não tendo sido ele
517 LOGMAN III, Tremper; DILLARD, Raymond. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005, p.280. 518 Bright escreveu em seu comentário um material excelente e centrado sobre a história da produção do livro de Jeremias.
Além de partir das hipóteses mais antigas, como as de Duhm e Mowinckel, Bright propõe uma perspectiva de redação e
edição do livro próprias à história correspondente à formulação deste livro.
248
o redator ou editor do mesmo. Talvez tenha sido por isso que este editor do livro incluiu o
poema em questão junto à narrativa que relata grande sofrimento do profeta histórico519
. É
como se o compilador quisesse obter efeitos multifacetados, isto é, dimensões distintas da
mesma poesia520
.
A transição do v.13 para o v.14 é como se fosse um hiato estratégico na trama do
redator. Neste ponto, talvez o mais crítico, em termos literários da perícope, o redator deixa
pairar uma tensão na complexidade do poema. O editor o coloca num lugar literário que pode
ou não vincular a poesia ao profeta Jeremias, trazendo indagações ao leitor perspicaz. O leitor
moderno observa o profeta Jeremias publico e privado. A comunidade de Jeremias e por trás
dele e o indivíduo sofredor.
Rendtorff afirma que vários livros proféticos receberam sua forma final apenas no
período pós-exílico. Alguns deles, como o de Isaías, receberam elementos apocalípticos na
sua linguagem e maneira de repassar a tradição da fé em Yhwh521
. Portanto, grosso modo, as
convenções de todo um corpus literário refletem os contextos do mundo e sociedade da
literatura que o modelaram. Em nosso caso, o ambiente de redação é variado, mas dentro dos
limites palestinenses (até mesmo judaítas e jerusalimitanos) na época da destruição da cidade
e do templo.
Se de um lado, na ótica do redator do texto, o panorama histórico trata-se de um
retrospecto522
, o drama poético é linguagem que permanece viva na memória tradicional do
povo. É a forma que envolve a história retrospectiva na memória e sentimento do povo –
ligado à experiência. Envolve o ―eu‖ antigo com o ―eu‖ atual. Naturalmente, em forma de
culto, ritos e orações, seja nos grupos primários da sociedade, seja nas celebrações nacionais.
519 Segundo Alter, a técnica deliberada da composição torna-se ainda mais evidente quando o objetivo principal é a
caracterização de personagens. Por isso, mesmo, o editor do livro de Jeremias tenha aproximado os salmos de lamentações
que viemos a conhecer como ―confissões‖ junto às narrativas que explicitam a vida do profeta, tal como os editores o deram a
conhecer. Cf. ALTER, p.220. 520 Assim também acontece com outros salmos de lamentação. Apresentam tanto uma dimensão comunitária de produção e
uso do texto, como uma dimensão individual na devoção de grupos menores, não oficiais ou vinculados à liturgia formal
nacional. É como se esse(s) editor(es) desejassem criar uma forma literária que acolhesse a complexidade de seus temas. É
como se na ―condensação estilística do poema ele fosse as duas coisas ao mesmo tempo ou alguém que constantemente
ameaça ser uma coisa quando parece ser outra‖, cf. ALTER, p.229. Essa é a riqueza poética do texto hebraico. 521 RENDTORFF, Rolf. O Antigo Testamento: Uma Introdução. , p.105. 522 ―O que torna necessário um enfoque histórico é o retrospecto. Quando o momento atual está distante do momento de
acontecimento, então no relembrar e recontar se torna necessário situar o ouvinte e a leitora. A localização é uma necessidade
da narrativa histórica. O momento atual não precisa de uma localização expressa, pois a situação histórica está implícita no
próprio acontecimento‖. SCHWANTES, Milton. Da Vocação à Provocação: Estudos e Interpretações em Isaías 6-9 no
Contexto Literário de Isaías 1-12. 2ª.ed. ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.85.
249
5.3.4.3 A mensagem profética de Jeremias 20.7-18
A perícope de estudo não deixa de ter uma função profética. A profecia bíblica possuí
múltiplas direções. Podemos identificá-las em sua direção à Deus, à sociedade e ao próprio
profeta. Em direção a Deus, a profecia bíblica é parte de um fenômeno comum do antigo
Oriente. Em direção à sociedade, possuí a função de acusar a liderança injusta e a apostasia
do povo. E, finamente, em direção ao profeta, a profecia faz parte de algo além dele mesmo,
porém, nele e a partir dele. O profeta do antigo Israel é a encarna a própria mensagem que
Yhwh quer transmitir ao povo.
Os profetas de Israel utilizaram em sua forma de discurso tanto a prosa quanto a
poesia. Infelizmente em várias versões modernas não existe uma disposição dos versos que a
poesia hebraica contempla. Isso ocorre tanto pela dificuldade de versificação da poesia,
quanto pela observação de um mero procedimento tipográfico que funde os textos em coluas
densas. Esse mesmo procedimento é encontrado nos manuscritos hebraicos antigos que, com
pouquíssimas exceções, funde os textos em colunas que sequer são pontuadas. Somente após
o trabalho de Lowth no século XVIII que os pesquisadores começaram a perceber o status de
poesia nos livros proféticos.
Não obstante, os profetas de Israel lançam mão da poesia para através dele comunicar
sua mensagem. É comum nos livros proféticos, mormente dispostos em narrativas, haver a
inserção de versos. Essas inserções são introduzidas em articulações dramáticas, nem sempre
justificadas (pelo menos para os leitores modernos algumas inserções são de difíceis
compreensões), mas profundamente significativas. Em outras palavras, os livros proféticos
detêm linguagem poética atrelada às narrativas para encorajar ou reforçar as orientações
teológicas.
Westermann, em seu Basic Forms of Prophetic Speech, define os tipos de linguagens
utilizadas pelos profetas, como o dito do mensageiro, por exemplo, mas não menciona
nenhum veículo poético usado pelos profetas523
. Entretanto, os profetas fizeram amplo uso da
linguagem poética para expressar sua mensagem, como é o caso de Habacuque, Jeremias,
Ezequiel e do Deutêro-Isaías. Isso só para citar alguns relacionados ao período do exílio, que
desencadeou uma série de literaturas de cunho poético de lamentação. Mas antes do exílio, os
livros categorizados na Bíblia Hebraica como ―profetas anteriores‖ também testemunham o
uso da poesia.
523
WESTERMANN, Claus. Basic Forms of Prophetic Speech. Philadelphia: Westminster Press, 1967.
250
5.4 IMAGENS DE YHWH NA LAMENTAÇÃO DE JEREMIAS 20.7-18
O salmo do livro de Jeremias que focamos no presente capítulo, por certo, se trata de
uma lamentação. Portanto, tanto a linguagem quanto a estrutura desta lamentação se adequa
aos mesmos padrões de linguagem e estrutura da tradição e do gênero de lamentação na Bíblia
Hebraica. Contudo, qualquer poesia na Bíblia Hebraica possuí certa liberdade ou fluidez
poética ao se apresentar aos seus interlocutores. Não é diferente neste caso.
Este salmo possuí imagens e sujeitos comuns aos salmos de lamentação. A perícope
bíblica de nossa escolha utilizou linguagens figuradas como parte do gênero. O livro de
Jeremias emprega imagens comuns aos seus interlocutores, ainda que com as peculiaridades e
complexidades próprias, com uso de sua licença poética. Trata-se do gênero de lamentação
em perspectiva da linguagem de lamentação que instiga certa linguagem visual imaginária.
Salli e McFague citados por Wiesbe afirmam que ―as imagens alimentam conceitos;
conceitos disciplinam as imagens. As imagens sem conceitos ficam cegas; os conceitos sem
imagens são estéreis‖524
. Os estudos a respeito da imaginação religiosa têm sido considerados
por Green que afirma que a imaginação é uma habilidade humana que se torna o ponto
antropológico de contato com a revelação de Deus525
.
O estudo das ―imagens‖ bíblicas à respeito de Deus pode ser percebida à luz das
ciências da religião; e, envolve a logica do imaginário a partir dos textos religiosos (que
devem ser analisados dentro de seu contexto e gênero peculiares). A imaginação religiosa está
interligada à linguagem da representatividade simbólica. Segundo Green, ela possuí as
mesmas estruturas antropológicas imaginação, porém, sua matriz é a experiência religiosa526
.
Por conseguinte, entender o fenômeno religioso nos termos paradigmáticos da imaginação
oferece um caminho de identificação da essência teológica de determinado grupo ou
religião527
.
524 WIERSBE, Waren. Preaching and Teaching with Imagination. Grand Rapids: Baker Books, 1997, p.6 525 GREEN, Garrett. Imagining God: Theology and the Religious Imagination. Michigan: Eardmans Publishing Co., 1989,
p.9-27. 526 A função da imaginação religiosa em nossa perícope é nos contar ―que o mundo é como‖ em seu mais profundo sentido.
A imaginação é uma habilidade humana para perceber e representar como a religião emprega as imagens a seu serviço. Em
nosso estudo, averiguamos que a linguagem de lamentação possuí imagens próprias para representar o mundo em conflito
cósmico entre o ser humano aflito e o caos representado pelos inimigos e a possibilidade de salvação em Yhwh, sua
divindade. 527 GREEN, Garrett. Imagining God: Theology and the Religious Imagination. Michigan: Eardmans Publishing Co., 1989,
p.77-80.
251
As imagens do salmo de Jeremias 20.7-18 podem ser percebidas atraves da analise dos
sujeitos que permeiam a poesia: Yhwh, do lamentador ou ser humano por trás da lamentação,
da aflição ou sofrimento em si e dos inimigos que espreitam e causam sofrimento. As imagens
de Yhwh é que são de interesse especial para a presente dissertação.
Podemos alistar sete imagens claras que remetem ao sujeito-divindade da lamentação
em questão, que é Yhwh: a imagem de Yhwh como sedutor irresistível nos versículos 7a e 10c;
a imagem de Yhwh como Deus violento nos versículos 7b e 10c; a imagem de Yhwh como
fogo consumidor no versículo 9; a imagem de Yhwh como salvador vingativo no versículo 11;
a imagem de Yhwh como Senhor dos exércitos no versículo 12; a imagem de Yhwh como
libertador do pobre no versículo 13; a imagem de Yhwh como subversor de cidades
impenitentes no versículo 16.
O sujeito que assume o papel de divindade nos salmos de lamentação é muito
importante. É a ele que se dirigem os lamentos. Nos lamentos Deus é chamado pelo nome
pelo qual se revelou a Moisés no monte Sinai, na tradição do Êxodo. Seu nome próprio é
acompanhado de epítetos ou adjetivos que demonstrem seu caráter ou, certamente, a
perspectiva que o aflito tinha de Yhwh ao cantar tal lamentação. Em geral, o nome de Deus
invocado é Yhwh, mas pode haver variações, dependendo do salmo e do contexto da
lamentação. Mas o princípio é o mesmo: invocação. É comum este tipo de formulação
vocativa ao se referir a Deus na linguagem de lamentação, pois o aflito pretende ter certeza da
proximidade com Yhwh e, consequentemente, receber a sua misericórdia.
As lamentações relacionam com o nome de Yhwh seus atos salvíficos. Trata-se do
reconhecimento das obras do Senhor. Obviamente, no período do exílio e, mais precisamente,
no âmbito da nossa perícope, a situação levava o salmista a perceber o Senhor de forma
bastante negativa e agressiva, porque se sentia aviltado pela própria divindade em que
confiava. A lamentação é o último recurso do sofredor (salmista): dar voz ao seu sofrimento.
Yhwh é o ―tu‖ a quem o aflito dirige o lamento e a quem são atribuídas imagens de terror,
salvação e juízo.
252
5.4.1 A imagem do sedutor irresistível
A imagem do sedutor irresistível se encontra nos versículos 7a e 10c. A primeira
estrofe da nossa perícope é composta de três linhas poéticas. A imagem do sedutor irresistível
se encontra na primeira linha, caracterizado pelo verbo (pth): o eu poético se dirige ao tu
afirmando que foi ―seduzido‖, literalmente, ―eu fui seduzido‖. A idéia básica do verbo
é ―ser aberto‖, e refere-se a uma pessoa imatura, ―aberta a todos os tipos de enganos por não
ter criado são juizo discriminador‖528
. Neste caso, enganar transmite a mesma idéia de
seduzir. O verbo (pth) pode referir-se a uma persuasão sedutora em termos sexuais e
servir como uma metáfora da persuasão irrestível de Deus529
.
O substantivo ligado ao verbo (pth) descreve uma pessoa ―ingênua‖530
e pode se
aplicar a uma pessoa ―jovem, irreflexiva e precipitada, e por isso influenciavel e néscia, mas
que também necessita aprender e está em condições de realizá-lo‖531
. Jenni e Westermann
sugerem que este vocábulo pode ter cunho sapiencial. Desta forma, reconhecem que o uso da
mesma intensifica o tom de acusação no lamento532
. O lamento se torna ainda mais passional
quando aceito como proferido diretamente pela boca do profeta Jeremias. A terminologia vai
se repetir no versículo 10, mas desta vez colocada na boca dos inimigos do salmista que
desejam que ele seja seduzido.
Esta primeira linha da lamentação se trata da invocação ou introdução da lamentação.
Abre o lamento de forma vociferante contra o próprio Yhwh, sua divindade. A vítima
reconhece que fora seduzida, isto é, a ação intensiva de Yhwh fora concretizada: ―e eu
fui seduzido‖. Em outras palavras, Yhwh age e a ação acontece; Yhwh seduz e a vitima é
inescapavelmente seduzida. A primeira frase, isto é, a invocação da lamentação já ocorre em
termos de acusação. Temos dois sujeitos nesta frase: o sedutor irresistível e o seduzido. O
sedutor é chamado pelo seu nome próprio, Yhwh. O segundo acusa o primeiro. O poema ainda
não revela mais sobre a vítima.
528 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1249,1250. 529 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.624-627. 530 HARRIS, R.; ARCHER, G.; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1249. 531 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.625. 532 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.625,626.
253
A possibilidade de relacionar uma imagem de cunho sexual com Yhwh é estranha a
alguns intérpretes. Vários deles procuram atenuar a expressão e interpretar de diversas
formas. Em termos teológicos, Deus seria capaz de seduzir alguém com a finalidade de abusar
da inenuídade, assim como um malfeitor poderia abusar da ingenuidade sexual de uma
donzela, ou pior ainda, de uma criança? Calvino chega a afirmar que a linguagem usada no
texto é irônica e não pode ser interpretada ao pé da letra533
. Porém, as considerações sobre o
sentido da raiz (pth) depende muito de como o intérprete constrói o Sitz im Leben da
perícope.
Heschel e McKane são da opinião que a imagem da frase é predominantemente sexual,
entendem que Jeremias fora ―enfeitiçado‖ por Yhwh para a missão profética e forçado
(estuprado) a cumpri-la. Seriam termos hiperbólicos para descrever a eleição de Jeremias,
porém, num momento de angústia pessoal e ministerial534
. Por conseguinte, Jeremias estaria
protestando de forma agressiva a vida da qual foi privado sendo um profeta, especialmente,
dado os acontecimentos principais de sua época535
. Para Schökel, era como ―se o Senhor
tivesse namorado o profeta até o ponto de o seduzir‖, isto é, contrair núpcias com o profeta.
Schökel ainda relembra que Deus havia proibido o profeta Jeremias de se casar, no contexto
da narrativa do livro. Suas núpcias seriam somente para Yhwh, que tirou proveito de sua
ingenuidade536
. Estas são imagens que suscitam no leitor a passionalidade com a qual a
lamentação podia chegar.
Clines e Gunn rejeitam a hipótese de tradução e interpretação de ―tu seduziste‖, ―tu
foste forte‖ e ―tu prevaleceste‖537
. Argumentam que a imagem que (pth) denota é a de
decepção. O profeta estaria desapontado com Yhwh. Acreditam que o texto seja uma oração
dos lábios do profeta538
. Os mesmo estudiosos são peremptórios em afirmar que o texto se
refere a decepção que Jeremias teve com Deus e, portanto, o profeta estaria utilizando uma
533 MCKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. V.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.470. 534 STULMAN, Louis. Jeremiah. Nashville: Abingdon Press, 2005, p.198,199. 535 Lewin faz relação entre o poema de abertura do livro de Jeremias e este último lamento da série desde o capítulo 11.
Segundo ela, os capítulos 1 a 20 compreendem um bloco interelacionado por estas lamentações de Jeremias. Consulte:
LEWIN, Ellen Davis. Arguing for Authority: A Rhetorial Study of Jeremiah 1.4-19 and 20.7-18. Journal for the Study of the
Old Testament. London: Sheffield, n. 32, 1985, p. 105-119. Lundbom concorda com esta ideia. Para ele, a perícope de
Jeremias 1.4-19 e 20.7-18 formariam uma inclusio que daria sentido neste ―primeiro‖ livro, segundo o plano de redação dos
editores. Consulte: LUNDBOM. Jack. Jeremiah 1-20: A New Translation with Introduction and Commentary. Garden City:
Yale University Press, 2004, p.851-854. 536 SCHÖKEL, Luiz Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. ―Jeremias‖. In: SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. In: Profetas I:
Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 527,528. 537 CLINES, David J. A. & GUNN, David M. ―You Tried to Persuade Me‖ and Violence! Outrage! in Jeremiah XX 7-8.
Vetus Testamentum. Leiden, Brill, v. 28, f. 1, Jan 1978, p 20-27. 538 CLINES, David J.A. & GUNN, David M. F. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür die
Alttestamentliche Wissenschaft. Berlin: Walter de Gruyter, n. 88, 1976, p.390-409.
254
linguagem irônica para se achegar a ele em momento de fraqueza e desespero. Para eles,
(pth) e (ykl) seriam verbos em posição de paralelismo, onde um complementaria o outro;
reforçam este argumento porque no versículo 10c os mesmo verbos reaparecem539
. Jeremias
estaria dizendo a Yhwh: ―tu tentaste me convencer‖ e ―eu fui convencido‖.
Segundo as hipóteses quanto aos lugares vivenciais da nossa perícope o aflito pode
estar, de forma intensiva, reconhecendo-se como vitima de uma sedução podemos pensar
também na representatividade ou mediação que o ―personagem‖ representa na lamentação. O
personagem estaria realizando o papel do Servo do Senhor dos cânticos do Segundo-Isaías,
representando a nação e servindo-a diante de Deus por meio do sofrimento; sofrimento e
dores ao extremo: destruição e desesperança totais ocasionados pela destruição do templo e a
queda da cidade. Desse modo, Yhwh teria seduzido o povo desde os primórdios, como a uma
donzela. Porém, a acusação é de que tal ―sedução‖ não passou de um jogo de interesses da
parte do mais forte.
Também não é estranho à Bíblia Hebraica a imagens de Yhwh ou do povo de Israel
relacionadas a erotismo ou sexo540
. Essas imagens são metáforas que amplificam a ideia do
relacionamento de Deus com seu povo. Algumas são positivas, como o noivo que ama sua
noiva; outras de cunho negativo, quando compara o povo à esposa que se prostituí, etc. A
combinação dos verbos ―seduzir‖, ―ser forte‖ e ―prevalecer‖ leva alguns estudiosos a
correlacionarem a primeira estrofe de nossa perícope com a de um estupro541
. A imagem de
um estrupro serve também para ilustrar a imagem de violência que permeia o poema.
A linguagem de lamentação, no entanto, permite essa liberdade retórica, da parte do
lamentador para com Yhwh, uma vez que precisa convencê-lo de agir em prol de suas
misérias542
. A acusação que permeia a primeira estrofe da nossa perícope é uma denúncia de
sedução e abandono, na perspectiva de uma lamentação profética. Esta é a tonalidade da
continuidade da introdução da lamentação em questão.
539 Lundbom relaciona (pth) e (ykl) nos versículos 7 e 10 como mais uma inclusio no livro de Jeremias e esta
delimitaria a perícope. LUNDBOM, Jack. Jeremiah: A Study in Ancient Hebrew Rethoric. 2a.ed. Winona Lake: Eisenbrauns,
1997, 212 p. 540 MOUGHTIN-MUMBY, Sharon. Sexual and Marital Metaphor in Hosea, Jeremiah, Isaiah and Ezequiel. New York:
Oxford University Press, 2008 (Oxford Theological Monographs). 541 CARROLL, Robert P. Jeremiah: A Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986, p.398. 542 TRIBLE, Phyllis. God and the Rhetoric of Sexuality. Philadelphia: Fortress, 1978.
255
5.4.2 A imagem do Deus violento
A segunda linha da estrofe não atenua a relação entre a divindade recorrida por aquele
que suplica em relação à primeira linha da estrofe. Ao contrário, a acusação da parte do
sofredor aumenta. Podemos falar em repetição poética. O tempo verbal do piel, na segunda
pessoa do singular com um sufixo de primeira pessoa, ―tu seduziste a mim‖ é mediado
pelo verbo ―eu fui seduzido‖ parra chegar a outros dois verbos que indicam as ações de
Yhwh. O verbo que se apresenta na segunda linha é ―tu foste forte a mim‖, em
segunda pessoa do singular no qal com um sufixo em primeira pessoa do singular. Até aqui se
pensarmos em repetição poética poderíamos chegar à seguinte conclusão semântica obvia:
Tu seduziste a mim e eu fui seduzido
Tu foste forte a mim [e eu fui prevalecido]
Mas não é isso que acontece. Nossa perícope tem suas características próprias. O
quarto verbo que aparece é (ykl) ―prevalecer‖ e se encontra no hofal incompleto, sem
sufixos: ―tu fizeste prevalecer‖. Em outras palavras, o sujeito ―eu‖ dá espaço para mais
duas ações do sujeito ―tu‖ que o texto, como lamentação que é, faz questão de nomear, Yhwh.
Temos na segunda linha da primeira estrofe mais uma imagem bastante forte a respeito da
divindade a quem se suplica no salmo. Tal jogo de palavras nos insere na imagem do Deus
violento. Ou seja, Yhwh seduz, mas também é forte e prevalece contra sua vítima. Essa leitura
torna nossa lamentação ainda mais expressiva.
O versículo 8 também nos remete a à imagem da violência:
porque cada vez que eu falarei
eu gritarei violência
e devastação eu chamarei
256
O lamentador afirma que seus clamores (o verbo (dbr) está no piel, intensivo) são
(z„q) para gritar543
e (qr‟) para chamar544
, respectivamente violência e devastação.
Estes verbos possuem várias matizes ligadas à linguagem de lamentação; eles podem ser
usados tanto em direção a Deus quanto em direção a outras pessoas. A perícope quer ressaltar
com estes verbos que o cenário desenhado pelo salmo era miserável.
Se considerarmos a hipótese que os estudiosos normalmente relutam em considerar – a
figura de um estupro (simbólico) na lamentação – temos mais pontos de conexão com a
violência sofrida que o lamentador quer expressar. A palavra hebraica para ―violência‖
(hamas) literalmente quer dizer ―ato violento, violência, injustiça545
e mal546
‖ e significa de
um modo geral ―injustiçar, ser violento com, tratar violentamente‖. Pode ser interpretado
como ―ilegalidade‖, um sinonimo de extrema impiedade547
. A outra palavra que denota a
circunstância de violência é (shod). Para Hamilton, este substantivo normalmente aparece
em paralelo com um sinônimo. Segundo o autor, o substantivo é de suma relevância, pois está
relacionado à calamitosa situação da humanidade antes do dilúvio, na narrativa do Gênesis.
Designa não somente a causa de destruição, mas a própria destruição. Parece que em textos
mais tardios, em especial, os de literatura apocaliptica, o termo está relacionado com ―o dia do
Senhor‖548
.
543 ―O sentido básico desta raíz é ‗gritar por socorro em tempo de aflição‘‖. Conforme: HARRIS, R. ; ARCHER, G. ;
WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p. 401. Este
grito é uma expressão de necessidade humana, mais do que um chamamento em voz alta por alguém. Pode ser bem traduzido
por ―clamor‖. Jenni e Westermann remetem ao vocábulo qr‟ e o traduzem como ―gritar‖ e ―chamar‖ (Jr 20.8). Este é um
verbo de muitas matizes. A reação do chamado é expressa através do ―raciocínio‖ ou da ―escuta‖. Na literatura profética é um
termo técnico que pode significar ―anunciar‖, em especial, quando Yhwh é o sujeito. Conforme: 543 JENNI, Ernest e
WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2,
p.839-849. 544 Esta é a palavra habraica usual para ―chamar‖. É corriqueiro seu uso em Gênesis, Isaías, Jeremias e em Salmos. Como
reação a este ―chamamento‖ espera-se que o interlocutor ―reflita‖ e ―ouça‖. É uma palavra com multiplos sentidos,
dependendo de seus contextos. Mas aqui importa o sentido de qr‟ como ―gritar‖ ou ―chamar‖ a Deus. Trata-se de uma
invocação. Expressa uma intensa relação entre quem invoca e quem é invocado. Pode ter o sentido de ―pedido de ajuda‖, isto
é, ―clamor‖. Conforme: JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento.
Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.839-849. Coopes nos informa que qr‟ é um verbo que ―denota basicamente a
enunciação de um vocábulo ou mensagem específica. No caso deste último uso, a enunciação é dirigida geralmente a um
receptor específico com o objetivo de obter uma resposta específica‖. Em outras palavras, como o uso deste verbo está
atrelado a Deus e a pessoas, o verbo qr‟ é usado por Deus para ―chamar‖ pessoas e, da mesma forma, pode ser usado por
pessoas para ―chamar‖ a Yhwh. É a primeira impressão no uso desta palavra no texto. Até porque ela está imediatamente
ligada ao receptor do chamado, Ywhw. Conforme: 544 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário
Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p. 1528. 545 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p. 71. 546 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 485. 547 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 485,486. 548 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 1528.
257
Mais uma vez dependemos de uma hipótese de Sitz im Leben para definir o sentido, ou
sentidos destes termos. Em primeiro lugar, se assumimos a hipótese que esta lamentação é
uma oração privada de Jeremias, por conseguinte, o profeta Jeremias per si é quem estaria
proferindo estas palavras: ele estaria se referindo à mensagem de condenação e juízo que
Yhwh obrigou-o a profetizar. Certamente, a mensagem profética seria rejeitada, pois Yhwh já
o alertara disso desde seu chamado. A mensagem de ―derribar‖ de Jeremias era oposta à
mensagem positivista dos outros profetas ao seu redor, como Ananias. Neste caso, a perícope
poderia ser localizada na época do reinado de Jeoiaquim onde o profeta sofreu perseguições e
chegou a ser preso pelo sacerdote Passhur, segundo a narrativa imediata a esta lamentação.
Em segundo lugar, o lamentador pode estar fazendo uma crítica à situação de
―violência‖ e ―devastação‖ ao seu redor; ou seja, palavras que cabem muito bem a ocasião da
destruição do templo de Jerusalém e da desurbanização da cidade pelos babilônicos. O texto
seria localizado, então, a um período posterior a Jeoiaquim, estaríamos no ano de 586 bem
perto da catástrofe. Se delimitarmos essa hipótese, certo é que não haveria outra visão ao
redor do profeta e de qualquer outra pessoa viva que não ―violência‖ e ―devastação‖.
Certamente, mesmo nesta segunda hipótese, Jeremias poderia ter dito estas palavras. O
período em que viveu Jeremias foi um dos mais violentos da história de Israel. Armstrong
chega a correlacionar o período com outras religiões e em outras regiões do mundo e encontra
como ponto comum entre elas que é a violência549
. Os judaítas estariam se sentindo
―estuprados‖ por Yhwh, tamanha agressão (literal e simbólica-religiosa) que sofreram com a
catástrofe de 587.
Na concepção hebraica dos tempos de Jeremias, principalmente a escola
deuteronomística entendeu a invasão babilônica como juízo divino. Ou seja, Yhwh estaria
realizando um ato de disciplina porcausa da infidelidade do povo. Essa foi a interpretação
corrente dos judaítas, especialmente nos primeiros anos que seguiram a destruição do templo.
Como já verificamos, a linguagem de lamentação se torna a única possibilidade de relação
com Deus no contexto da devastação. Os deportados, por sua vez, ressiginificaram sua
teologia quanto à presença de Deus no templo: concluíram que Deus os acompanhou no
trajeto até a Babilônia.
Segundo esta interpretação, a pergunta que os judaítas possivelmente levantavam era:
por que este povo injusto prevaleceu a nós, o povo escolhido? Por que tamanha desgraça para
disciplinar o povo? Essas perguntas encontram ecos na pregação de Habacuque e registradas
549 ARMSTRONG, Karen. A Grande Transformação: o Mundo na Época de Buda, Sócrates, Confúcio e Jeremias. São
Paulo: Compahia das Letras, 2008.
258
no seu livro. O livro de Jeremias se torna, segundo Simundson, uma oportunidade de
pastorear e resignificar a teologia nacional no tempo da crise. Neste caso, os lamentos de
Jeremias são recursos de relação com Yhwh para o povo desolado e desesperançado. Chorar a
dor da perda e da destruição serviria como parte do processo de reconstrução da identidade do
povo após a calamidade550
. O livro de Lamentações também pode ser consultado nesta
perspectiva551
.
Todavia, a imagem de um deus agressivo e violento é incomum às religiões. A
descrição de um deus passional que varia de humor entre paixão e ódio é estranha para o leitor
moderno552
. O salmo em questão estaria protestando contra toda esta violência. Para explicar
estas imagens, Simundson fala de uma ―projeção‖ humana em Deus, na interpretação dos
fatos553
. Hawk fala de uma característica comum à literatura deuteronomística: desde os livros
de Samuel apresenta imagens de violência como parte de sua retórica554
. Madsen relaciona o
tema com cautela, pois entende que uma coisa é a linguagem metafórica da lamentação e
outra a construção de uma teologia a partir de tal imagem555
. As imagens de violência e de
Yhwh com ações violentas não são exceções na literatura bíblica556
.
As tradições religiosas discutem muito a respeito dessa imagem, pois está intimamente
ligada ao que devem crer ou não a respeito de Deus. O ápice das considerações a respeito da
violência divina fica por conta de Weaver que relembra que o sacrifício de Jesus foi algo
cruento e sanguinolento: Jesus mesmo recitou um lamento antes de expirar, segundo a
narração dos evangelistas – a linguagem de lamentação está envolvida com ocasiões de
sofrimento intenso557
. Moser chega a relacionar outras imagens de violência na teologia cristã,
por exemplo, a representatividade do corpo e sangue de Jesus na instituição da ceia do
Senhor558
. Ainda em questões teológicas mais acaloradas, Middleton discute a se imagem
550 SIMUNDSON, Daniel J. Preaching from Jeremiah: Challenges and Opportunities. Word & World. Saint Paul, v.22, n.4,
p.423-432, 2002. 551 GOTTWALD, Norman K. Studies in the Book of Lamentations. London: SCM Press, 1954. 552 Consulte: PFAU, Julie S.; BLUMENTHAL, David. The Violence of God: Dialogic Fragments. Cross Currents. New
York, [s.n.], Summer 2001. 553 SIMUNDSON, Daniel J. Preaching from Jeremiah: Challenges and Opportunities. Word & World. Saint Paul, v.22, n.4,
p.423-432, 2002. 554 HAWK, L. Daniel. Violent Grace: Tragedy and Transformation in the Oresteia and the Deuteronomistic History. Journal
for the Study of Old Testment. London, v.28, n.1, p.73-88, 2003. 555 MADSEN, Catherine. Notes on God‘s Violence. Cross Currents. New York, [s.n.], Summer 2001. 556 O artigo de Fretheim é bastante equilibrado em relacionar as imagens bíblicas de um Deus violento, por vezes poéticas,
com o desconforto que as tradições religiosas ficam à respeito destes textos, principalmente de tradição judaico-cristã. Ao
final do artigo o autor afirma que Deus se angustia diante da violência, mas utiliza instrumentos para conduzir a história a um
propósito. Confira: FRETHEIM, Terence E. I Was Only a Little Angry: Divine Violence in the Prophets. Interpretation.
Richmond, v.58, n.4, p.365-375, 2004. 557 WEAVER, J. Denny. Violence in Christian Theology. Cross Currents. New York, [s.n.], Summer 2001. 558 MOSER, Barry. Blood & Stone: Violence in the Bible & the Eye of the Ilustrator. Cross Currents. New York, [s.n.],
Summer 2001.
259
bíblica de um possível deus violento faz com que as pessoas criadas à imagem e semelhança
deste deus sejam também violentas559
.
No entanto, tais imagens fazem parte da construção dramática e hiperbólica da
linguagem de lamentação do antigo Israel. O lamentador não se restringia a ritos ou aparatos
da religião para buscar uma resposta direta de Deus para suas necessidades.
5.4.3 A imagem do fogo consumidor
A imagem do fogo consumidor está na segunda estrofe de nossa perícope, na segunda
linha. Ela começa igual à primeira, com a conjunção (kiy). Como já verificamos, essa
conjunção também pode ter a função de onomatopeia. Seria um grito ou expressão de
exaustão conforme o contexto da perícope. O lamentador, se não bastasse o aviltamento
sofrido, ainda possuí algo mais que o atormenta e causa sofrer. A palavra de Yhwh tornou-se
para o salmista ―censura‖ e ―escárnio‖.
O salmista, agora muito próximo de um profeta que é possuído pela ―palavra divina‖
reage a mais este aviltamento procurando esconder ou negar essa ―palavra‖ dentro de si. Mas
isto não é possível. Pois, a palavra de Yhwh está ―aprisionada‖ em seus ossos, isto é, faz parte
do corpo do salmista. Desta vez, o aviltamento é comparado a um fogo consumidor, mais
precisamente, na redundância natural do hebraico bíblico, a um fogo ―que queima‖ e ―que foi
contido nos ossos‖ do salmista.
A raiz do verbo ―queimar‖ é (b‟r), literalmente quer dizer ―queimar, acender-se,
chamuscar, acender, pôr fogo a, alimentar fogo, incendiar, incinerar560
; consumir561
‖. A
figura que a raiz (b„r) denota é usada normalmente de modo figurado na Bíblia Hebraica
e também na literatura cristã primitiva. O hebraico utiliza-se de outras palavras para designar
―queimar‖ quando no sentido literal562
. ―Assim ba‗ar é usado juntamente com ‗fogo‘ quando
559 MIDDLETON, J. Richard. Created in the Image of a Violent God? The Ethical Problem of the Conquest of Chaos in
Biblical Creation Texts. Interpretation. Richmond, v.58, n.4, p.341-355, 2004. 560 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p. 30. 561 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 201,202. 562 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p. 201,202.
260
é um instrumento de Deus para consumir o ímpio‖ [...] ―a palavra também é usada para
descrever emoções intensas‖563
.
A figura do fogo é bastante ampla na Bíblia, mas também se trata de um símbolo
universal das religiões. O fogo é uma figura do cotidiano do mundo antigo. Mas em termos
transcendentes é mais do que aquilo que causa fumaça ou queima a pele; o fogo tem um trans-
significado no poema hebraico: trata-se de um símbolo de sensações. O símbolo é relacional,
isto é, faz a conexão entre o ser humano profano e a divindade que representa o sagrado. Por
isso, não nos parece estranha a imagem do fogo consumindo os ―ossos‖ do lamentador, trata-
se de um recurso paranomásico usado na lamentação.
O fogo ainda pode ter outros significados, tanto positivos quanto negativos. O texto,
em princípio, parece dar uma conotação negativa à experiência da palavra de Yhwh como fogo
para o salmista. Afinal, ele se propõe a não recordar dela (pois estava em sua memória) e em
não falar mais dela (pois estava em seus lábios). A experiência do salmista é negativa: a
palavra de Yhwh foi motivo de censura e escárnio. O salmista diz ter sido ―agarrado‖,
―esgotado‖ e estar sendo ―consumido‖ por esta palavra-fogo.
Normalmente, os estudiosos reconhecem essa ―palavra de Yhwh‖ como a palavra
profética564
. Nesses termos, o salmista estaria bem próximo da experiência profética, isto é, de
ser um profeta do Senhor. A leitura do livro de Jeremias como um todo literário organizado
nos leva a compreender dessa forma. O profeta lamenta e sofre por causa da sua profecia
aparentemente sem sucesso; ele sofre porque ao falar a palavra de Yhwh é aviltado pelos que
deveriam ser os representantes de Yhwh. Teríamos intensos contrastes proféticos na
arquitetura do livro.
Outra corrente de interpretação afirma que esta imagem do fogo consumindo o
salmista representa os anos de silencio do profeta Jeremias, desde o reinado de Josias até o de
Jeoiaquim565
. A partir desta corrente a palavra de Yhwh da perícope é reconhecida como a
palavra de Deus566
. Carroll, porém, discorda que o lamento trate da palavra profética.
Segundo ele, o lamento se localiza em idos pós-exílicos e tem haver com a queixa e
penitência de alguma pessoa piedosa que se encontra enferma ou perseguida567
. Sua hipótese
563 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.202. 564 WESTERMANN, Claus. Comentario al Profeta Jeremias. Madrid: Ediciones Fax, 1972. Consulte também: HARRISON,
Robert K. Jeremias e Lamentações: Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1980. 565 BRIGHT, John. Jeremiah: A New Translation with Introduction and Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 1998. 566 BRUEGGEMANN, Walter. Like a Fire in the Bones: Listening for the Prophetic Word in Jeremiah. Philadelphia:
Fortress Press, 2006. 567 CARROLL, Robert. P. Jeremiah: A Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986, p.399.
261
é possível, mas trata do lamento isoladamente do contexto aonde fora incluído pelos
compiladores.
Esta imagem da palavra de Yhwh como fogo pode ser correlacionada com o momento
da apresentação das queixas do aflito segundo a estrutura de um salmo de lamentação. A
linguagem dos versículos 8 e 9 é de queixa, reclamação e pode ser extendida até o versículo
10. Segue os versículos 8 a 10 um novo momento dentro da estrutura do salmo: a confissão de
fé nos versículos 11 e 12 que vai culminar em um hino de louvor no versículo 13.
5.4.4 A imagem do salvador vingativo
A imagem do guerreiro violento e vingativo se encontra no versículo 11 e ao final do
versículo 12, mais precisamente. Reconhecemos os versículos 11 e 12 como a quarta estrofe
de nossa perícope. Portanto, o versículo 11 representa as quatro primeiras linhas da estrofe. A
primeira linha, ou ainda, a estrofe propriamente dita, começa com um vocativo, isto é, um
chamamento. É Yhwh quem é chamado: ―Ó Yhwh‖. Logo em seguida o chamamento nos é
indicado a outra pessoa da estrofe: ―a mim‖, isto é, o ―eu‖ poético relativo a nossa perícope. É
este ―eu‖ que compara a ação de Yhwh como a de um guerreiro violento.
Os versículos 11 e 12 nos inserem em mais duas imagens de Yhwh e, ao contrário das
três primeiras, agora elas parecem estar em favor do salmista. Não obstante, as imagens do
guerreiro violento e vingativo e do Senhor dos exércitos se encontram no momento do salmo
de lamentação relativo à confissão de fé ou declaração de confiança. Seguindo os elementos
constituintes da estrutura do gênero, a presente estrofe abre as linhas em que o poema
pretende elevar a fé dos interlocutores (possivelmente a sua própria) à confiança em Yhwh a
despeito das circunstancias. Isto é, após a invocação e a queixa surge a súplica e confiança.
A frase completa que nos insere a imagem do guerreiro violento é: ―Ó Yhwh, tu és
para mim como um guerreiro violento‖. No versículo 12, mais precisamente na quinta linha
da estrofe incluímos junto à imagem do guerreiro outra atribuição que o salmista lhe faz, a de
vingador. O lamentador tem a clara consciência que Yhwh ouvirá sua oração. Quanto mais
dramático e enfático fosse o clamor do lamentador, maior seria a probabilidade dele ser
atendido. É possível que tamanha confiança que surge após terríveis acusações e desespero
seja possível por causa da terrível calamidade narrada anteriormente pelo salmista; bem como,
262
a maneira pela qual Yhwh é invocado – afinal, como ele não ouviria sendo chamado naqueles
termos ao menos incomuns?
Outros salmos inserem a imagem de Yhwh como guerreiro, (gibor), literalmente:
―forte, viril, guerreiro, valente, herói, violento, déspota, influente568
; homem poderoso569
‖.
Como o exílio marcou a memória e a teologia do antigo Israel até a confecção dos salmos,
não é de estranhar que a imagem de Yhwh como guerreiro seja apreciada pelos redatores,
compiladores e escribas do saltério. A divindade age em favor de sua nação escolhida e
extermina seus inimigos. Sobretudo, ainda iremos procurar identificar quem são os inimigos
nesta lamentação. Porém, se identificamos o salmo como individual, os inimigos serão
individuais; se o identificamos como nacional ou coletivo, mais fácil será identificar inimigos
coletivos da nação. A ele(s) é a quem Yhwh se torna protetor.
As qualificações deste guerreiro nesta estrofe são duas: violento e vingativo.
(‟ariyts) é a palavra que desina ―violento‖. Literalmente: ―déspota, tirano, violento,
prepotente‖ 570
. A imagem que o salmo nos coloca é a militar. A motivação que leva este
soldado a agir em batalha é a vingança. É possível que a imagem do exército babilônico
cercando a cidade Jerusalém e dos soldados e guerrilheiros do inimigo estivessem presentes
na mente dos que passaram por este tempo. Por certo, esses soldados passaram a agredir
pessoas, destruir instituições, saquear casas, estuprar mulheres e, inclusive, abusar de
crianças571
.
Jeremias seria a pessoa mais evidente para representar os sofredores deste período. Ele
passou por todas essas crises até ser levado à força para o Egito. É provável que alguns de
seus discípulos tenham permanecido entre os remanescentes em Judá e tenham dado
continuidade na sua literatura. Entretanto, é possível abordar a violência do período
jeremiânico em multiplas perspectivas: a violência era o que o salmista gritava, segundo a
palavra de Yhwh o orientava; era o que ele sentia de seus oponentes pessoais e políticos; era o
que ele testemunhava sobre o povo em Jerusalém, principalmente depois da destruição do
templo e devastação da cidade.
568 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.36. 569 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.242,243. 570 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.187. 571 O vocabulário com conotações sexuais do versículo 7 pode servir como referencia para a relação que o salmista tinha com
Yhwh a partir das imagens que ele próprio presenciou de violência ao seu redor.
263
A humilhação dos inimigos do salmista é sua felicidade. O desejo de vingança
pertence ao salmista, mas a execução fica por conta de Yhwh. O intenção que o salmista tem
em vingar-se de seus inimigos é próxima a do Salmo 137, talvez o que demonstra o pedido de
vingança mais destoante da Bíblia Hebraica para os leitores modernos: esmagar os filhos dos
inimigos nas pedras. Contudo, a expectativa do salmista é que seus inimigos, literalmente,
―aqueles que perseguem572
a mim‖, sofram aquilo que ele mesmo sofreu por causa deles. Essa
reciprocidade que o salmista desejava que Yhwh realizasse contra seus inimigos é atestada na
segunda linha da estrofe, em sua segunda divisão: ―e não farão prevalecer‖. Pois se trata do
mesmo verbo (ykl), usado anteriormente nos versículos 7 e 10. No versículo 7 é Yhwh
quem (ykl) sobre o salmista; no versículo 10, (ykl) é o desejo dos oponentes contra o
salmista. Como parte da linguagem de lamentação e do gênero dos salmos, nossa perícope
atesta o sentimento de justiça diante dos infortúnios ocorridos.
5.4.5 A imagem do Senhor dos exércitos
(wayhwah tseba‟ot) é a expressão hebraica do texto bíblico para
designar ―Senhor dos exércitos‖, literalmente, é Yhwh dos exércitos. Trata-se de um epíteto
cuja ênfase recai no poder de Deus. A expressão (tseba‟ot) tomada isoladamente pode
significar: ―serviço militar, exército, tropa, serviço no culto, serviço compulsório‖ 573
. Por
vários textos afirma-se que Yhwh está em guerra, o que torna esta imagem de Yhwh bem
próxima da que verificamos no versículo 11.
Porém, sobre o epíteto destacado aqui existem algumas discussões realidas pelos
estudiosos em torno de duas perguntas: o epíteto trata-se de uma expressão contruta, ou seja,
sendo (tseba‟ot) um genitivo? Neste caso, teríamos ―Yhwh dos exércitos‖ ou deve-se
entender o epíteto como um predicado do nome próprio? Neste caso teríamos ―Ywhw é
572 Não necessariamente uma perseguição física, mas uma vingança, um desejo de ver o oponente em desgraça. Conforme:
HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1403,1404. 573 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.202.
264
poderoso, rei, capitão, etc.‖574
. Os estudiosos que debatem esta questão, em sua maioria,
preferem não encerrar o assunto575
.
(tseba‟ot, plural) ou (tsaba‟, singular) é normalmente traduzido no
singular por ―exército‖ e no plural ―exércitos‖. O termo pode se referir a: a) exército
arregimentado para a guerra; b) aos moradores dos céus (anjos, seres espirituais); c) aos
corpos celestes (estrelas, luas, etc.)576
. Contudo, ―Yhwh dos exércitos‖ é um nome reservado
para Deus no Antigo Testamento. Tanto Yhwh (o nome de Deus) quanto ‟elohiym ocorrem
junto com (tseba‟ot). São várias também as elaborações dos nomes divinos que
contém tseba‟ot577
. ―Alguns propuseram que ôt é uma terminação abstrata plural; nesse caso
tseba‟ôt é um substantivo que é aposto de Yhwh: ‗Iavé, o mais podesoro Guerreiro‘ ou ‗Iavé,
o Rei todo-poderoso‘. Por essa razão, Yahweh Tseba‟ôt tornou-se um termo técnico‖578
. A
Septuaginta (LXX) esclareceu bem o significado do termo utilizando a expressão kyrios
pantokrator, isto é, ―senhor dos poderes‖579
.
O maior uso deste epíteto é pelos profetas, mais precisamente Isaías por sessenta e seis
vezes e Jeremias por setenta e sete vezes (teria algo de simbólico com relação ao numero de
vezes que estes dois importantes profetas fazem do epíteto?)580
, quer dizer, eles estão no topo
do ranking de uso da expressão comparado a outro livro bíblico581
. Nos Salmos o termo é
usado predominantemente naqueles que se referem a Sião, que tiveram sua origem no reino
do Norte582
.
trata-se de um título cuja a perspectiva teológica é ampla e importante no
contexto do Antigo Testamento, pois exalta a soberania de Yhwh. Os estudiosos
compreendem a expressão de duas formas: a) à luz das guerras de Yhwh e; b) a designição
574 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.634,635. 575 Cf. argumentos em JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento.
Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.635-638. 576 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1257. 577 Cf. essas diversas possibilidades em: HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de
Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.1257,1258 ; e em : JENNI, Ernest e WESTERMANN,
Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.628-630. 578 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1257. 579 Essa tradução da Septuaginta (LXX) ajuda a interpretar o termo hebraico tseba‟ot como um genitivo de yhwh. Cf.
HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1257. 580 No dicionário de Jenni e Westermann, é anunciado que o termo em questão aparece 82 vezes no livro de Jeremias, Cf. :
JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.629. 581 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1257. 582 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.629.
265
Yhwh dos exércitos como o poderoso defensor de Israel. Contudo, os especialistas não sabem
ao certo definir qual o sentido exato do termo. Porém, há um motivo pelo qual o salmista
privilegia esta imagem: a soberania de Yhwh.
O lamento nasce na crise em pensar se Yhwh perdeu sua soberania diante dos outros
deuses. No lamento, o salmista descobre que Yhwh continua sendo todo-poderoso e seus
planos são misteriosos. Portanto, ele confia no caráter e nas ações do Senhor em seu favor.
Por certo, na concepção hebraica, em oração, chamar Yhwh de ―guerreiro‖ e ―dos exércitos‖
quem sabe ainda de ―o poderoso‖ se tratam de elogios que reconhecem a Deus e permitem
que o elemento de queixa e desesperança da lamentação seja trocada por uma atitude de
confiança no agir do Senhor.
Assim como a quarta estrofe é bastante interligada entre as frases, as imagens que a
estrofe nos remete também são bastante interligadas. Na presente dissertação fizemos as
distinções para melhor explanação das diferenças, mas compreendemos que há certa
justaposição das imagens de guerreiro e Yhwh dos exércitos. Ainda que a primeira pareça
pessoal e a segunda mais coletiva. Ou seja, na imagem de Yhwh como guerreiro se destaca seu
poder individual comparado a um soldado especialista e eficiente em sua missão; enquanto a
imagem do Yhwh dos exércitos sugere o poder que ele tem sobre algum tipo de ―exército‖,
seja ele qual for.
A imagem de Yhwh dos exércitos está relacionada com a justiça de Deus no contexto
da lamentação. O salmista aguardava pela manifestação desta justiça. E tinha certo que teria
sua vingança, pois a Yhwh ele revelou sua questão. As expressões que denotam o tema da
justiça de Yhwh no contexto são: que Yhwh ―prova o justo‖ e ―vê os rins e o coração‖.
A raiz (bhn) e seus derivados aparecem cerca de 32 vezes na Bíblia Hebraica,
principalmente em Jó, Salmos e Jeremias. (bhn) possuí termos sinônimos, porém, com
algumas diferenças de sentido583
: ―enquanto bahan sempre tem Deus por seu sujeito, nasâ
ocorre quase de igual modo tendo o homem por sujeito. tsarap, quando usado no sentido
religioso, tem apenas Deus por sujeito e o homem por objeto. Todavia, bahan, em contraste
com os outros dois, é usado quase exclusivamente no sentido espiritual ou religioso. Além
disso, enquanto tsarap e nasâ denotam conhecimento alcançado mediante teste, bahan parece
denotar conhecimento intelectual ou intuitivo. Por isso, o termo parece ter as conotações mais
583 Os termos sinônimos para (bhn, provar) são : (nsh, pôr à prova) e (tsrf, fundir ou refinar). Cf. HARRIS, R. ;
ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998,
p.166 ; e JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid:
Ediciones Cristandad, 1978, v.1, p.404,405.
266
espirituais destes três sinônimos‖584
. Os objetos das provas, relativas a (bhn), são em sua
grande maioria pessoais, isto é, ligado às pessoas585
. Outra característica deste verbo, digno de
nota, é sua relação com o gênero de lamentação. ―Na maioria dos casos se trata da relação de
Yhwh com pessoas individuais. Na linguagem dos salmos, que também foi refletida nas
confissões de Jeremias e na sabedoria, se reconhece Yhwh como o reto juíz que examina o
coração e os rins (Jr 11.20; 12.3; 17.10; 20.12; Sl 7.10; 17.3; 26.2; Pv 17.3; 1Cr 29.17) e apela
a responsabilidade de cada um (Sl 11.4,5; 139.23; Jó 7.18; 23.10)‖586
. Portanto, Yhwh dos
exercítos prova o justo. Quem é o justo? A expressão (tsadiyq) será explanada no
momento adequado quando tratamos das imagens relativas àquele que lamenta no gênero da
lamentação aplicada a Jeremias 20.7-18.
Yhwh dos exércitos também ―vê‖. A raiz hebraica para o verbo ―ver‖ aqui nesta frase é
(r‟h). O sentido mais literal do termo é simples: ―ver‖. Essa percepção de visão sensorial
é precedente aos outros tipos de significados587
. Porém, o sentido metafórico deste verbo
(r‟h) é mais amplo porque incluí: ―considerar, perceber, sentir, entender, aprender, desfrutar,
ser visto, revelar-se, mostrar, olhar-se um ao outro, etc.‖588
.
A ação de ver, a figura dos olhos e aquilo que se vê pode ser uma figura de linguagem
metafórica na Bíblia Hebraica. Dentre seus sentidos metafóricos mais importantes destaca-se:
ver no sentido ouvir, entender; ver no sentido de aceitar o outro; ver como uma provisão
divina; ver indicando ―ter respeito por‖; ver no sentido profético, isto é, o profeta recebe os
oráculos divinos589
.
Em seu uso teológico, (r‟h) aponta para as seguintes direções: Deus vê as
pessoas; as pessoas vêem a Deus; as pessoas vêem a atuação de Deus; ver visões (espirituais);
(r‟h) nifal como termo específico para revelação590
. Portanto, em nossa perícope, Yhwh
vê ―os rins e o coração‖. Deixamos para abordar essas expressões para a ocasião apropriada
584 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.166. 585 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.629. 586 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.406. 587 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.872. 588 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1383. 589 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1383,1384. 590 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.875-883.
267
da mesma forma que ―justo‖. Aliados à expressão ―pobre‖ tais terminologias seguirão na
análise da perícope porque têm conteúdo antropológico significativo, pois denotam aquele
que lamenta e preferimos separá-las deste tópico dedicado às imagens de Yhwh.
Podemos considerar a frase final desta estrofe, ―porque para ti eu revelei a minha
questão‖, marcando a transição do lamento para o louvor, seguindo o binômio temático de
Westermann591
. Westermann mesmo atesta como significativa a transição da lamentação para
o louvor. O verbo preponderante desta frase de transição é (glh). O sentido básico do
termo é ―revelar‖592
. Porém, (glh) pode ter outras possibilidades de interpretação.
Optamos por traduzir por ―revelar‖, porém, poderíamos ter traduzido como ―sacar para fora‖
ou ―expulsar‖. Se seguíssemos essa possível tradução e interpretação, poderíamos admitir que
o verbo faria uma correlação com o próprio evento do ―exílio‖593
.
Seguindo o fluxo da nossa perícope conforme a linguagem de lamentação, começamos
com a invocação, passamos pela queixa e chegamos no momento de confiança do salmista. O
versículo 13 se trata claramente de um hino de louvor pelas bênçãos recebidas. Por isso, do
lamento ao louvor.
5.4.6 A imagem do libertador do pobre
591 WESTERMANN, Claus. Praise and Lament in the Psalms. Edinburgh: T. & T. Clark LTD., 1965. 592
(glh): despir, revelar, abrir, publicar, (ter que) partir, desaparecer, ir para o cativeiro, exílio; quando no piel:
descobrir, revelar, desvelar, euf. : descobrir a nudez do pai = coabitar com a mulher do pai. Conforme: KIRST, Nelson et al.
Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2002, p.41,42.
Pode significar tirar. Conforme: HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.263. 593
O sentido transitivo de (glh) entende-se por ―revelar‖. Seu sentido intransitivo entende-se por ―tirar‖ ou até mesmo
―ir para o exílio‖. Nas formas do piel, qal, nifal, pual e hitpael seu sentido básico é ―descobrir‖, HARRIS, R. ; ARCHER, G. ;
WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.264,265.
Waltke faz a analise de ambas possibilidades de sentido do verbo (glh): a) como revelar: ele sugere que é este o uso do
verbo em Jr 11.20 e 20.12 e indica seu possível sentido: ―‗tornar conhecido, revelado, manifesto‘: referindo-se a Jeremias em
sua queixa ao Senhor‖, HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.265; b) como tirar, ir para o exílio: aqui Waltke indica que Deus é o sujeito mais
utilizado como quem realiza (glh) e que este é o termo mais usado para indicar a ―expulsão de uma terra‖, HARRIS, R. ;
ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998,
p.265,266.. Westermann e Albertz ampliam um pouco mais o conceito teológico do termo: (glh) designa a
automanifestação de Deus que pode ser experimentada, isto é, ―descoberta‖, pelas pessoas de fé, JENNI, Ernest e
WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.1,
p.596-606.
268
O verbo principal que atesta a imagem de Yhwh como salvador ou libertador é
(ntsl). O sentido do verbo no hifil completo é mais do simplesmente ―salvar‖, significa ―fazer
salvar‖. Destaca ainda mais a ação de outra pessoa em direção àquele que se considera
―pobre‖, o lamentador do nosso poema de estudo. (ntsl) literalmente quer dizer ―ser
salvo, ser socorrido, salvar-se, escapar594
; livrar, resgatar, salvar595
‖.
O verbo (ntsl) quando encontrado no grau nifal, na Bíblia Hebraica, tem o
significado básico de: ―ser libertado, ser salvo, escapar ou libertar-se a si próprio, arrancar-se
para fora de‖596
. Mas invariavelmente é usado no piel, com o sentido de ―tirar‖ ou no hifil que
interpreta como ―tornar separado‖597
. Quando (ntsl) se encontra no grau hifil e no modo
imperativo é utilizado nas petições dos salmos : ―livra (tu) a mim de todas as minhas
iniquidades‖ (Sl 51.14)598
. Bergmann trabalha a riqueza dos significados deste verbo: a) no
hifil: liberar de toda forma de retenção, arrebatar, em alguns casos quer dizer perdoar; b) no
nifal: ser salvo, ser arrebatado, apoderar-se, saquear; c) Deus como sujeito do verbo: quando a
divindade está ligada ao uso deste verbo, torna-se motivo de esperança a Israel aguardar seu
salvador599
. É um verbo muito importante no âmbito da soteriologia do Antigo Testamento.
É a imagem mais vinculada ao caráter amoroso e misericordioso de Yhwh nesta
lamentação. Se trabalharmos os possíveis sentidos do verbo ―libertar‖ ou ―salvar‖ em direção
àquele que usufruiu desta ação divina poderíamos ter uma diversidade de interpretações e
possibilidades de leituras: a) ―porque ele fez liberar o pobre de toda forma de retenção‖; b)
―porque ele fez ser salvo o pobre, apoderando-se dele‖; c) ―porque Deus tem o caráter de
salvar, o pobre pode ter certo a sua esperança‖.
O pobre neste texto é um adjetivo, literalmente: ―pobre, carente, necessitado,
oprimido600
; mendigo601
‖. Ele é o (‟ebeyon) liberto por Yhwh das mãos dos malfeitores.
594 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.160. 595 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.991. 596 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.991. 597 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.991,992. 598 Para perceber as prováveis diferenças entre o verbo ntsl e seus sinônimos na Bíblia Hebraica e teologia do Antigo
Testamento, cf. HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento.
São Paulo : Vida Nova, 1998, p.992 ; e : JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del
Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.134,135. 599 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.133-137. 600 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.2.
269
O adjetivo (‟ebyon) dirige-se à pessoa ―em estado de privação, um pobre ou
necessitado‖602
. Gerstenberger trabalha pouco o sentido do substantivo-adjetivo, prefere
aprofundar-se mais no verbo derivado ‟bh, isto é, ―querer‖603
. Enquanto Coppes afirma que
‟ebyon enfatiza ―necessidade‖, o que o distingue de outros termos sinônimos como ‟onî
(aflito), dal (pobre), rash (fraco)604
. Para ele o substantivo-adjetivo quer dizer pobre no
sentido material do termo. Tem haver com as pessoas que precisam de proteção legal e social.
Coppes ainda coloca que, geralmente, em Jeremias, Ezequiel e Amós o termo é colocado
como ―oprimido‖ pelos ímpios ou inimigos. Em alguns Salmos o termo é traduzido como
―justo‖. Este ―necessitado‖ precisa do auxílio de Yhwh, e por ele clama605
.
Chama mais atenção ainda, o fato de que a expressão ―pobre‖ está em genitivo, ou
seja, posse, com a palavra (nepesh). O texto literalmente diz que Yhwh livrou ―a alma do
pobre‖. (nepesh) se trata de um termo antropológico devidamente abordado por Wolff,
em Antroplogia do Antigo Testamento. Alma606
: vida, alma, criatura, pessoa, apetite,
mente607
; garganta, respiração, fôlego, ser (pessoa), personalidade, individualidade, desejo,
estado de ânimo, sentimento, vontade, pessoa morta, cadáver608
. Wolff também trabalha
alguns dos sentidos citados, porém, os reúne com o significado básico de ―o ser humano
necessitado‖609
. Com esse conceito, ele integra todas as dimensões do ser humano na
terminologia (nepesh), o que nos parece mais correto, pois denota o ser humano de forma
integral e holística.
Clamar a Deus por causa da opressão de malfeitores, em hebraico , é
característico da linguagem de lamentação. Os inimigos do salmista que são descritos por ele
como quem o caluniavam e espreitavam contra ele, agora são caracterizados como
malfeitores. A palavra que se encontra no texto que traduzimos para ―malfeitores‖ é um
601 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.62,63. 602 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.3,4. 603 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.102. 604 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.4. 605 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.4. 606 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.102. 607 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.981. 608 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.159. 609 WOLFF, Hans W. Antropologia do Antigo Testamento. 1ª ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Hagnos, 2007, p.33.
270
verbo. Stoebe afirma que este verbo no hifil particípio plural aparece com certa frequência,
em especial, nos Salmos610
. Estes ―malfeitores‖ são considerados na literatura de sabedoria
como pseudo-vencedores, isto é, falam da eferemidade de sua vida. Já na literatura de
lamentação são considerados como aqueles que ameaçam a ordem com seus poderes caóticos.
Aqui em Jeremias 20.13 fala-se de ―sua mão‖ de modo mais concreto, tornarndo este
―malfeitor‖ real, na visão de Stoebe, não apenas simbólico. Ainda que os salmos de
lamentação possuam esta característica de aguçar a imaginação de seus interlocutores com
imagens vividas, no caso, seria ―a mão‖ do malfeitor. As mãos que representariam a injustiça
daqules que perseguem o justo do Senhor.
Tal libertação que Yhwh realizou na alma do pobre, isto é, na ―vida‖ dele foi o motivo
para a congregação reunida louvar a Yhwh. Por duas vezes se repetem o imperativo, com
verbos parecidos e que destacam a pessoa a receber cânticos e louvor. Os verbos no
imperativo são (shyr) e (hll). Ou seja, alguém dá duas ordens seguidas e de valor
equivalente a um grupo de pessoas com ele, afinal, quem ordena é um ―nós‖. Este sujeito se
incluí junto a comunidade que canta e louva a Yhwh por seu poder libertador. É um hino.
Podemos imaginar que se tratava de uma festa. Mais precisamente, uma liturgia. Havia um
comandante neste culto. Parece ser próprio aquele que recebeu o livramento conduzir a
liturgia de louvor.
A raiz (shyr) é um termo comum em cerca de trinta salmos, sendo que em todos
os casos se emprega a forma masculina611
. Por várias vezes se vê a expressão conjunta
mizmor shyr: ―um cântico, salmo‖. Sobre a relação entre as duas palavras, o Midrash explica
que mizmor era um salmo acompanhado por instrumentos e shyr mizmor era o salmo cantado
―à capela‖, somente por vozes612
. Outra interpretação diz que mizmor era o cântico
exclusivamente religioso, enquanto shyr era o canto popular, desprovido de cunho religioso –
ainda que acertivamente não se possa provar esta distinção entre os israelitas613
. Hamilton
observa que cântico de louvor e lamento são as principais composições do saltério, cada qual
ilustrando maneiras de orar a Deus e expressar o sentimento religioso do individuo e/ou da
comunidade. Por isso, normalmente o lamento contém em sua forma o cântico. Segundo ele, o
610 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.102. 611 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1552,1553. 612 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1553. 613 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1553. Este outro argumento é levantado e defendido por Ficker em : JENNI, Ernest e WESTERMANN,
Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.2, p.1124.
271
cântico que surge em meio a lamentação não seria uma espécie de louvor antecipado, mas sim
parte de algo já experimentado pelo salmista ou orante614
. Nota-se também que existe no
gênero de cânticos dos salmos, várias formas de canções, por exemplo: cântico de ação de
graças, de louvor, de confissão de fé, etc. Uma série de salmos iniciam com o chamado ao
louvor a Deus, convidando o povo a cantar a Yhwh615
. Em outras palavras, tanto o verbo
quanto o substantivo derivado são relativos ao culto israelita. É o que parece mais provável no
salmo que tratamos.
O verbo (hll) é reconhecido por Westermann como ―onomatopeico‖, isto é, uma
palavra cujo som imita aproximadamete o som do que significa, pois possuí características de
onomatopeia616
. Segundo este autor, (hll) faz parte de um gênero de salmos, chamados
hinos ou cânticos de louvor617
. ―Esta raiz conota as idéias de estar sincera e profundamente
agradecido e de estar satisfeito em elogiar alguma(s) qualidade(s) superior(es) ou grande(s)
feito(s) do objeto da ação‖618
. Coppes concluí que cerca de um terço do uso do verbo
(hll) encontra-se nos salmos619
. Sendo o grau mais usado o Piel no modo imperativo620
. Sendo
(hll) piel imperativo o grau e modo mais usado para indicar o convite à comunidade ao
louvor (ainda que se tenha outros graus e modos do verbo). Tal convocação deveria ser
realizada com entusiasmo. A convocação para o louvor é contínua : nunca será suficiente e
deve ser notoriamente vital na vida e culto ao Senhor.
Três características nos chamam a atenção no uso do verbo (hll)621
: a) seu modo
de realizar a ação : com alegria – essa convocação ao louvor é notoriamente realizada numa
esfera de alegria ; segundo os estudiosos do verbo a convocação ao louvor é uma expressão de
alegria e gratidão; b) a quem se destina tal convocação : à comunidade – o louvor é um
614 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.1553,1554. 615 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.1125-1127. 616 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.692. 617 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.696. 618 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.357. 619 Claus Westermann sugere outro número : cerca de dois terços do uso do verbo hll estaria vinculado aos salmos ; outra
parte da frequêcia do uso do termo estaria na obra cronista e em alguns discursos proféticos. Quanto a obra dos cronistas,
estas são caracterizadas pelo amplo uso de hll, onde se comunica algo de Deus a ser louvado. Sendo que hll piel aparece em
momentos decisivos na obra cronísta (2Cr 5.13 ; 7.6 ; 29.30 ; Ed 3.10). hll na obra cronista trata-se de uma orientação cúltica
« louvar » a Deus, orientação precisa executada em mínimos detalhes. Cf. : JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus.
Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.1, p.693,700-702. 620 Cf. : JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid:
Ediciones Cristandad, 1978, v.1, p.692,696. 621 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.2, p.693-696.
272
elemento necessário na comunidade religiosa, porque ele reconhece, afirma e reafirma suas
convicções sobre o caráter e as ações da divindade ; c) seu alcance : toda a criação – não
somente as pessoas religiosas estão convocadas a este louvor a Yhwh, como também todas as
pessoas e criaturas. O uso deste verbo, portanto, realiza-se no âmbito religioso – de certa
forma cultico de Israel622
– e profano.
No âmbito religioso as pessoas são convocadas a elogiar as qualidades e os feitos de
Deus. No âmbito profano o verbo pode ser usado para declarar as virtudes de determinada
pessoa623
. A pergunta que este salmo suscita é: por que convocar um louvor a Deus em meio
ao lamento? Tal resposta encontra sentido na linguagem de lamentação que pede o elemento
de louvor e agradecimento. O lamento pode ter sido confeccionado, inclusive, depois de ter
recebido a benção e ter passado por todo o processo de perda, danos, lamento, queixas até a
retomada de confiança e resposta positiva de oração. Ele estaria contando a história de
libertação daquele sofredor, que agora louva a Yhwh e convida outros a fazerem o mesmo.
Ele se torna um proclamador dos feitos do Senhor no meio da comunidade de fé.
No entanto, mesmo nos salmos de lamentação, lamento e louvor aparecem juntos.
Duas realidades diferentes, mas que podem coexistir no mundo literário e no viver religioso
do antigo Israel. Jeremias 20.13 é um salmo acompanhado por outros tantos que incluem um
hino – convitativo ao louvor a Yhwh – em meio à lamentação, como por exemplo no Salmo
22. Em outras chamadas ―confissões‖ de Jeremias, isto é, seus salmos de lamentação, são
incluídos cânticos de louvor a Yhwh.
Daí depreendem as ideias de que este salmo fora agregado como um elemento de
transição entre os versículos 7 a 12 e 14 a 18 originalmente, para designar a centralidade desta
lamentação, o louvor ao Senhor. É uma boa hipótese. Ela explica a diferença de tonalidade
poética do versículo 13, de louvor, para uma auto-maldição tão desesperadora, dos versículos
14 a 18.
A pergunta que se faz neste ponto do lamento é: como pode alguém que louva o
Senhor e reconhece seus feitos se auto-amaldiçoar assim? A situação que o levou a esta
expressividade era caótica. Aliados a hipótese de Gerstenberger, poderíamos considerar que
se tratava de uma fórmula ou parte de uma fórmula de lamentação por um doente terminal, ou
a maldição recitada por aquele a quem sobreveio toda sorte de males, como Jó capítulo 3.
622 Cf. sobre uso de hll pelo cronista : JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad, 1978, v.1, p.700-702. 623 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.357-359.
273
Carroll sugere uma convenção de uma benção de aniversário que fora alterada em Jó 3 e em
Jeremias 20 para fazer esta auto-maldição.
Outra possibilidade é estabelecer datas diferentes para 7-13 e 14-18. Esta hipótese,
porém, não nos agrada porque tornaria o elemento de maldição do salmo um gênero
particular. Alguém teria produzido apenas este texto e anexado junto a um salmo de
lamentação já completo? Lundbom advoga que sim, pois 14-18 seria um elemento
transicional entre as divisões naturais do livro de Jeremias, a saber, 1-20 e 21-46. Os que
advogam um caráter de instabilidade psicológica no salmista não reconhecem que o estudo do
gênero precede os estudos psicológicos.
A tônica da imagem de Yhwh como libertador da alma do pobre nos mostra na
dimensão teológica o potencial salvador de Yhwh; na dimensão antropológica a necessidade
do ser humano ser salvo. A salvação que englobaria o ser humano ―necessitado‖ pode ser
considerada ―integral‖ por causa do sentido mais provavel da palavra (nepesh), palavra
de caráter mais generalista na Bíblia Hebraica para designar o ser humano.
5.4.7 A imagem do subversor das cidades impenitentes
A imagem de Yhwh como subversor das cidades impenitentes encontra-se na parte
mais dramática da nossa perícope, dentro do elemento de maldição do salmo. A situação
vivencial por trás destas palavras, por certo, fora algo terrível na vida da comunidade que
louvava anteriormente. Se tormarmos a lamentação como uma narrativa poética da
comunidade de fé que tinha Yhwh como libertador, agora a poesia nos conta que algo teria
acontecido para que ela não desejasse ter nascido.
Os versículos 14 a 18 são uma auto-maldição. (‟rr) é repetido por duas vezes. Os
dicionários estabelecem o termo como: ―amaldiçoar, operar uma maldição, ser
amaldiçoado624
; lançar uma maldição, ser atingido por uma maldição625
‖. Existem várias
palavras na Bíblia Hebraica que são geralmente traduzidas por ―amaldiçoar‖. Essa lista foi
624 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.18,19. 625 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.38.
274
bem trabalhada na monografia de Brichto626
e, em português, nos trabalhos de Gusso627
.
Seguindo a orientação desses autores, traduzir esses vários vocábulos simplesmente por
―amaldiçoar‖ seria algo superficial e até mesmo equivocado. Cabe uma verificação mais
detalhada e sucinta do termo que se encontra no texto bíblico do presente estudo.
O verbo (‟rr) tem o sentido básico de amaldiçoar628
. Por exemplo, o mesmo
termo é utilizado no livro de Gênesis quando Deus ―amaldiçoa‖ a serpente (Gn 3.14). É o
termo usado por 12 vezes como antônimo de ―abençoar‖: é praticamente impossível um ‟arur
ser declarado um baruk629
. Na maioria das vezes em que aparece, o vocábulo encontra no Qal
o seu grau mais comum, na forma do participio passivo (, ‟arur), que é o caso deste
texto630
. Para Hamilton, o verbo tem seu uso no sentido de ―prender‖ alguém ou alguma coisa
com maldição, isto é, impedir este alguém ou alguma coisa de usufruir de seu fim natural
(geralmente benéfico) a que foi destinado, recebendo através da ―maldição‖ um novo destino.
É Hamilton que encaixa (‟rr) em categorias, sendo que todas elas observam uma
espécie de quebra no relacionamento com Deus: a) declaração de punição (Gn 3.14,17) ; b)
proferir ameaças (Jr 11.3 ; 17.5) ; c) proclamação de leis (Dt 27.15-26)631
. Keller indica que
‟arur precisamente indica ―fazer maldito, declarar maldito, designar alguém como maldito‖632
e exemplifica o uso da palavra no texto de Jeremias : ―‟arur se assemelha, segundo Jeremias
17.5s., ao arbusto miserável que leva uma vida miserável e triste, lutando para sobreviver no
estepe ; e, segundo Jeremias 20.14-16, [o maldito] é como uma cidade inevitavelmente
desolada‖633
.
(‟arur) designa : a) uma determinada pessoa que é declarada maldita por
alguém, através do uso de ‟arur como uma fórmula de maldição, sendo que no contexto do
626 BRICHTO, Herbert C. The Problem of Curse in the Hebrew Bible. [s.l.]: Society of Biblical Literature, 2006, 244p.
(Society of Biblical Literature Monograph Series). 627 GUSSO, Antônio R. As Maldições do Salmo 137 : O Princípio da Reciprocidade na Justiça do Antigo Testamento Como
Chave Bíblica para Interpretação. 2007. 288fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2007 ; GUSSO, Antônio R. As Imprecações no Livro de Salmos: O Uso de Imprecações no
Livro de Salmos Como Armas Contras os Inimigos. 1996. 114fl. Dissertação (Mestrado em Teologia). Seminário Teológico
Batista do Sul do Brasil, Rio de Janeiro, 1996. 628 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.38. Cf.
KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.18,19. 629 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.355,357 630 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.355. 631 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.126,127. 632 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.356. 633 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.357.
275
uso do verbo se descreve com mais detalhes o tipo de desgraça com que é carregada a vítima ;
b) se pode declarar ‟arur alguma coisa ou animal : Jeremias, ainda, em Jr 20.14, amaldiçoa
um ―dia‖, no caso, o de seu próprio nascimento ; c) uma maldição eventual que utiliza esta
fórmula a fim de criar uma potencial desgraça, ou uma zona de desgraças na vida alheia.
Teologicamente falando, Deus é soberano sobre qualquer maldição e amaldiçoado. Ele
mesmo pode converter pessoas ou animais em malditos. Também pode transformar o maldito
em abençoado634
. Tudo isso é realizado por meio da palavra falada, e até escrita (como no
caso de Números 5.23). No entanto, quando uma pessoa utiliza-se da fórmula ‟arur, ainda sim
é Ywhw que define o efeito da desgraça proferida. Porém, é designado fatalmente como ‟arur
aquela pessoa que negligencia ou põe entraves na obra do Senhor635
. Finalmente, Gusso
salienta que esta fórmula pode ser usada com caráter abusivo, com fins mágicos, por qualquer
pessoa ; mas, também poderia ser empregado por órgãos legítimos da sociedade israelita
contra aqueles que violam as leis636
.
Voltamos à pergunta a respeito do sujeito poético que lamenta. Quem é este que se
autoamaldiçoa? E por quê? Quer dizer, mais uma vez, identificar o ―eu‖ poético aqui pode ser
uma tarefa sem definições peremptórias. Podemos identifica-lo com Jeremias, após ter sido
espancado e colocado no tronco, segundo a narrativa imediatamente acima da perícope de
estudo. Schökel inverte a ordem dos versículos e aponta que os versículos 11 a 13 como
posteriores a 14 a 18 originalmente e localiza Jeremias no momento em que foi lançado ao
poço; seu louvor seria para reconhecer o livramento que Ebed-Melek fizera. O ―eu‖ poético
pode ser uma fórmula de benção de aniversário, mas invertida, para cumprir os propósitos
literários. Holladay identifica o ―eu‖ poético como Jeremias, mas delimita duas datas
diferentes em 7-18: 7-13 estaria vinculado à época de Jeoiaquim e 14-18 imediatamente à
destruição da cidade de Jerusalém. As hipóteses são todas boas. Talvez até várias delas
possíveis, uma vez que a compilação posterior do livro de Jeremias sob perspectiva da
linguagem de lamentação possibilitaria uma multifaceta interpretação: a experiência de
Jeremias como símbolo profético do povo; a experiência de Jeremias e do povo como
inspiração e memoria para os que voltavam do exílio e reestabeleciam o culto. Na presente
634 Keller afirma que na teologia pós- ‟arur) de por Ywhw é uma declaração contra aqueles que
desobedecem seus mandamentos, em especial, aqueles que não desempenham corretamente seu cargo sagrado, cf. JENNI,
Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristandad,
1978, v.1, p.359. 635 JENNI, Ernest e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones
Cristandad, 1978, v.1, p.358-360. 636 GUSSO, Antônio R. As Imprecações no Livro de Salmos: O Uso de Imprecações no Livro de Salmos Como Armas
Contras os Inimigos. 1996. 114fl. Dissertação (Mestrado em Teologia). Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rio de
Janeiro, 1996, p.18-20.
276
pesquisa, assumimos que a data é imediatamente a seguir da catástrofe que chegou à cidade,
nos idos de 586.
O texto fala de cidades que Yhwh subverteu. O verbo (hpk) significa ―virar,
derrubar, destruir, voltar, transformar, mudar, volver637
; subverter, voltar-se contra, passar
para, virar de um lado para outro638
‖. O verbo denota a ira e juízo de Yhwh.
Que cidades seriam essas? Os estudiosos costumam relacioná-las com Sodoma e
Gomorra. Hamilton liga o uso do verbo (hpk) a três temas principais : a) associado a
expressão de ira e furor de Deus contra Sodoma e Gomorra639
; b) associado aos milagres
relativos ao êxodo de Israel; c) pode se referir aos sintomas de lepra. Hamilton ainda comenta
que o verbo tem sentido neutro, isto é, (hpk) pode ―mudar, subverter, transformar‖ tanto
para o bem como para o mal. Seu sinônimo é o verbo shuv, e ambos, podem ter em algumas
passagens o sentido de ―conversão‖640
.
Mas não poderiam ser as capitais do reino do Norte e do reino do Sul? Poderiam ser as
cidades de Judá? Uma vez que a teologia do exílio gerou a resposta que Yhwh estava julgando
o povo por sua impiedade e infidelidade e não arrependimento é cabível no contexto sejam as
cidades de Judá que foram ―subvertidas‖, pelo Senhor.
Essas cidades estão sendo utilizadas como figuras de juízo contra o homem que levou
a mensagem de nascimento ao pai do lamentador (ou da nação). Este homem poderia ser um
médico parteiro. Simplesmente um mensageiro, pois o pai da criança estava longe de casa
(isso reforça a ideia de que seja Hilquias, o sacerdote, pai de Jeremias, em atuação no templo
quando seu filho nasceu). Ou até mesmo alguém da família que estivesse por perto na hora do
parto e levou a mensagem ao pai.
Outra imagem de automaldição é do feto no útero. Obviamente, o salmista não utiliza
estes termos. Mas a imagem e símbolo do útero materno, da gestação e de dar à luz é
maculada pelo salmista como um fato terrível em sua vida. O verbo (yld) repete três
637 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 14ª.ed.São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2002, p.55. 638 HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.114,115. 639 Hamilton relaciona essas « cidades que o Senhor destruiu » relatados no poema de Jeremias 20.16 com Sodoma e
Gomorra ; ele alude que o uso do verbo hpk deva esclarecer a natureza desta catástrofe. Segundo ele « parece pouco provável
que tenha-se tratado de uma erupção vulcânica. Por outro lado, traduzir hapak em tais circunstâncias por ‗aniquilar‘ ou
‗subverter‘ sugereria os efeitos desastrosos de um terremoto, acompanhado de raios que incendiaram os gases naturais da
área do vale do Jordão, produzindo um terrível incêndio generalizado ». HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B.
Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1998, p.364. 640 HARRIS, R. ; ARCHER, G. ; WALTKE, B. Dicionário Internarnacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo :
Vida Nova, 1998, p.364,365.
277
vezes entre os versículos 14 a 18 e é bastante significativo para detalhar a figura de um aborto
ou natimorto.
Toda razão da automaldição é apontada no versículo 18: o salmista via aflição e
tristeza e seus dias eram prevalecidos em profunda vergonha. É o desfecho de nossa
lamentação. Diferente das lamentações que encerram com o hino, esta encerra com a
maldição. A época de sua composição era drástica. As pessoas necessitavam de recursos
drásticos para se relacionar com Yhwh. Segundo o texto, melhor era morrer. Uma imagem de
desolação, abandono e profunda tristeza. Tal seria a imagem de Jerusalém depois da
destruição: mulheres estrupradas, canibalismo, fome, pestes, desrespeito, desesperança, caos.
Sim, por tras destas palavras existe um profundo e violento caos. Porém, ocupa uma função
importante no processo terapêutico do luto: chorar a dor tal como ela é. A linguagem de
lamentação em nossa perícope nos deixa atônitos. Será que tudo acabou? A lamentação não
permite que tudo tenha acabado, pois Yhwh é quem escuta e livra.
É cabível a ideia que os versículos 14 a 18 sirvam bem de transição para um novo
bloco de profecias no livro de Jeremias. O versículo 18 inicia com a pergunta típica das
lamentações ―por que?‖, isto é, (lamah). Em termos de estrutura, o versículo 18
apresenta a mesma expressão que o versículo 7, que inicia a perícope: ―todo o dia‖. Para
Lundbom, tal expressão perfaz uma inclusio, que não só delimita, mas também dá unidade
temática quanto ao gênero para a presente perícope. Para Clines e Gunn, a repetição do verbo
(ykl) ―prevalecer‖ dá a tonalidade temática da perícope: Yhwh prevaleceu sobre as
cidades. A imagem é catastrófica: ele tornara-se o inimigo.
278
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro de Jeremias nos insere na análise da religião de Israel na época do exílio. As
qualidades e características do livro torna-se consistentemente uma literatura representativa
deste período. A aproximação entre texto e história nos permitirá ver nitidamente a linguagem
de lamentação presente neste livro. A lamentação é característica peculiar e chave de
interpretação do livro do profeta.
A linguagem de lamentação tão presente em Israel, necessariamente, passa pela
trajetória dos profetas. Certamente, passou pela trajetória do profeta Jeremias. É o que seu
livro atesta. Ele foi influenciado por tal linguagem, e, seguramente influenciou seus
conterrâneos e a literatura formulada em sua volta e a partir de sua atuação profética e,
criativamente, poética.
Em nosso estudo, pudemos perceber que a linguagem de lamentação esteve a serviço
de Israel para fundamentar a experiência de dor e sofrimento do povo. Assim o reconheceu o
profeta Jeremias e os compiladores posteriores de seu livro. Para tanto, reconhecemos a
presença de lamentações em seu livro. Atestamos a presença do gênero das lamentações ali.
Precisamente, a primeira parte do livro de Jeremias concetra a presença destas lamentações.
Com relação ao estudo do gênero, que realizamos no capítulo quatro, destacamos que
o erro da crítica das formas é a ideia que o salmo possuí um gênero fixo. É mais provável que
os escritores hebreus tendessem ao improviso. Porém, em Jeremias 20.7-18 estamos diante de
uma poesia de lamentação intensa e, ao mesmo tempo que partilha da linguagem de
lamentação comum em Israel, é particular.
Consideramos, portanto, que a delimitação do texto intencionado para pesquisa é
efetivamente a do capítulo 20, versículos 7 a 18, pelas seguintes razões já demonstradas ao
longo da apresentação dos resultados de nossa pesquisa, não restando dúvidas de que seja esta
a perícope da qual analisaremos com maiores detalhes como objeto da dissertação. Essa
delimitação também nos indicou o contexto literário imediato, isto é, o entorno literário da
perícope a qual nos aprofundamos.
A perícope da presente pesquisa tem recebido variado tratamento pelos exegetas.
Estamos lidando com uma composição. Sua principal ruptura, de imediato, fica por conta dos
v.14-18. Pergunta-se se 14-18 faz parte de 7-13, mas nem sempre temos afirmações
279
conclusivas para ela. Há claramente uma dissonância entre 7-13 e 14-18. Mas a disjunção
entre as unidades, ou subunidades não é completa, observamos elementos que as unem641
.
As duas porções estão ligadas principalmente pela linguagem de lamentação presente
em ambas unidades formando um único poema de lamentaão. A inclusio (hayom) ―dia‖
(v.7c , 8b e 18c) e pelo verbo (ykl) ―prevalecer‖ presente por três vezes ao longo da
composição (v.7b , 10c e 18c) também nos mostram a possibilidade da unidade formar um
único poema. Elas nos mostram a opção do redator em aproximar as duas unidades devido sua
proximidade quanto a linguagem, a autoria e ocasião, dando-lhe a devida localização literária.
Em 7-13 discernimos as porções vinculadas a sua estrutura. Entre os versículo 9 e 10
existe a maior quebra retórica da unidade. É visível que em 7-9 existe uma denúncia a Yhwh e
em 10-11, por contraste, uma denuncia contra os oponentes do lamentador. Porém, as duas
porções, 7-9 e 10-11, estão unidas por dois verbos principais: (pth) e (ykl)642
.
A primeira ―estrofe‖ introduz o texto. Serve como cabeçalho e torna claro o endereço
da passagem (v.7). O ritmo poético é crescente na dinâmica dos verbos (pth), (hzq)
e (ykl). Os personagens envolvidos são o ―eu‖ (salmista/lamentador), o ―tu‖ (Yhwh a
quem se dirige o poema) , o ―ele‖ (pretendemos analisar na sequência) e o misterioso ―nós‖
implícito no v.13. É provável que o autor-redator intencionou caracterizar a temática de toda
perícope nesta primeira ―estrofe‖ através dos verbos – que se repetem ao longo da perícope –
e dar o senso de unidade na porção através da inclusio ―dia‖.
A segunda ―estrofe‖ é aberta com uma conjunção. Baumgartner sugere que ela seja
deletada, porém, devemos discordar da postura dele. A conjunção (kiy) aparece nesta
estrofe por duas vezes e na perícope como um todo por cinco vezes. É típico da linguagem da
lamentação. Especialmente para explicar as razões vinculadas ao lamentador. Nesta estrofe há
a presença da raíz (dbr) por três vezes, indicando a temática em forma de assonância. O
uso do verbo (‟mr), comum em pequenos ditos, nos indica uma linguagem profética
dentro da linguagem de lamentação. A metáfora do fogo aparece nesta segunda ―estrofe‖.
Schökel sugere que ampliemos esta metáfora para a imagem de um vulcão em erupção. É uma
bela poesia, com estilos próprios, como no uso da sinédoque.
641 Para Lundbom, a composição de 7-18 foi realizada da mesma maneira que a criação do livro de Lamentações, cf.
LUNDBOM, Jack. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖., p.591. 642 CLINES, David J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die
Alttestamentliche Wissenschaft, n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409; McKANE, William. A Critical and Exegetical
Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T Clark Publishers, 1996, p.468.
280
Chegando à terceira ―estrofe‖ verificamos que a conjunção (kiy) realiza a função de
link redacional, isto é, o elemento unificador entre as estrofes, uma vez que, elas parecem
destoantes uma da outra. A conjunção pode até ser uma espécie de acréscimo redacional,
como advogam alguns exegetas, porém, o redator assim o fez para atestar o sentido de coesão
na perícope. Da mesma forma, como os exegetas entendem a expressão (magor
misabiyb) como uma deixa redacional para realizar a conexão entre a narrativa de 1-6643
com
a poesia de 7-18. Lundbom vê o fechamento da estrofe através do verbo (ykl) como uma
inclusio da unidade. Esta estrofe faz o contraste do conflito do salmista com Yhwh das duas
primeiras vezes que o verbo aparece e o conflito com seus inimigos perseguidores.
A quarta ―estrofe‖ propõe uma dupla invocação de Yhwh. Serve como conclusão para
a trama de conflitos do salmista, bem como a transição poética para o hino de gratidão que
virá a seguir, bem ao estilo dos salmos. O fechamento dela é abrupto, como parte da licença
poética do texto e a deixa para a entrada do hino. Este estrofe leva o poema de lamentação
como um todo à declaração do lamentador na fidelidade Yhwh. A ênfase desta estrofe é ação
Yhwh, através da comparação e do epíteto que ele recebe, ambas relacionadas a imagem de
guerra.
Os v.11,12 podem ser classificados como ―hinos de invocação‖, pois afirmam a
confiança do salmista em Yhwh. Este é o correspondente à declaração de confiança à Yhwh
dos salmos de lamentação. O v.12 em si, esquenta o debate literário do texto. Pergunta-se se
20.12 é dependente de 11.20 ou vice e versa devido suas semelhanças. Mckane pensa que
20.12 é cópia de 11.20644
. Weiser vê tanto 11.20 quanto 20.12 como textos originais, cada
qual em seu contexto específico645
.
O v.13 é um hino ou uma canção de gratidão. Carroll o percebe como uma conclusão
editorial adequada para um salmo de lamentação646
. Para Duhm é um fragmento de um salmo
que fora alocado à margem do texto, originalmente647
. Mckane entende o v.13 como
643 Há evidencias de conexão entre 1-6 e 7-18? Certamente. Para verificar esta questão deve ser consultado CLINES, David
J.; GUNN, David M. ―Form, Occasion and Redaction in Jeremiah 20‖. Zeitschriftfür Die Alttestamentliche Wissenschaft,
n.88. Berlim: Walter de Gruyter, p.390-409
644 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.480. 645 WEISER, Arthur. Das Buch des Propheten Jeremia Kapitel 1-25,13. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1952,
p.178,179. 646 CARROLL, Robert. P. Jeremiah: A Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986, p.397. 647 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.480.
281
secundário, pois não seria coerente com 10-12648
. Baumgartner não ajuda nesta questão,
apesar de fazer uma leitura pormenorizada do texto como um salmo649
. Não obstante, o que
marca este texto é o uso de dois imperativos, o antagonismo das ações de Yhwh e dos
malfeitores, e a diferenciação social entre o pobre e seus perseguidores. Estamos diante de
pura poesia, enquanto estas ordens são realizadas por um ―nós‖, provavelmente um cantor ou
liturgo que convida a congregação à adoração.
A delimitação feita pelo indicador do Texto Massorético (TM) coloca um após o
v.13 e um após o v.18. É a segunda unidade ou subunidade de nossa composição. Ela tem
complexas funções na estrutura do texto: uma delas é fechar o salmo de lamento e fazer a
transição da primeira para a segunda unidade. Possuí funções na estrutura do livro, pois seria
uma inclusio para fazer um fechamento da unidade 1-20 e também das chamadas ―confissões‖
na conexão entre o primeiro fragmento de poesia em 1.5 com a última linha de 14-18.
Portanto, esta unidade ocupa um lugar de destaque na estrutura do livro de Jeremias.
Chegamos na outra parte da composição, precisamente os v.14-18. Para Holladay a
linguagem destes versículos é extremada650
. Carroll se pergunta se se trata de uma hipérbole
dentro da retórica poética651
. Apresenta uma dupla maldição, que se trata de uma anáfora, o
poema apresenta cinco ocorrência de (‟asher), que levou Lundbom defender a hipótese
que se tratava de uma partícula que dá certa estrutura ao poema652
. Tudo isso é ppossivel no
contexto de linguagem de lamentação. Holladay vê a presença de (‟asher) como
secundaria na estrutura formal do poema653
. Cross e Fredman são citados por Holladay como
radicais: deletam (‟asher) do poema porque acreditam que se trata de uma inserção de
prosa, incomum nos poemas de lamento e, por isso, deve ser rejeitado654
.
Nota-se na forma de 14-18 uma semelhança muito grande com o lamento de Jó
capítulo 3. Pergunta-se, portanto, qual texto é dependente de quem. Para Baumgartner 14-18 é
dependente de Jó 3655
. Rudolph vê ao contrário: Jó 3 como possível cópia de Jeremias 20.14-
648 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.481. 649 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988. 650 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.561. 651 CARROLL, Robert. P. Jeremiah: A Commentary. Philadelphia: The Westminster Press, 1986, p.403. 652 LUNBDON, Jack R. ―The Double Curse in Jeremiah 20:14-18‖. Journal of Biblical Literature. Atlanta: Society of
Biblical Literature and Exegesis, v.104, n.4, December 1985, p.591,592. 653 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.563. 654 HOLLADAY, William L. Jeremiah 1: A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah chapters 1-25. Philadelphia:
Fortress Press, 1986, p.563. 655 BAUMGARTNER, Walter. Jeremiah‟s Poems of Lament. Sheffield: The Almond Press, 1988, p.67.
282
18656
. Mckane não vê como importante esta pergunta, uma vez que são textos produzidos em
contextos bem diferentes657
. Porém, é o exegeta que dedica maio análise sobre essa questão
que discorremos em outro tópico da pesquisa658
.
A dupla maldição em Jeremias e Jó, na opinião de McKane, é um gênero que possuí
uma convenção de linguagem para amaldiçoar o dia do nascimento. Isso leva alguns exegetas
a referirem-se a 14-18 como uma auto-maldição, especialmente para aqueles que interpretam
a unidade conectada a vida do profeta Jeremias. O que discordamos é da possibilidade
classificar um salmo como de maldição. Aceitamos a ideia que o salmo de lamentação é
permeado de imprecações, como é o caso desta unidade. Vemos no texto uma forma
particular de maldição atrelada ao gênero da lamentação.
Vemos em seu ritmo uma dupla maldição. O poema todo é resultado de uma
articulação retórica intencional e meticulosa. Por exemplo: a presença do quiasmo dia/homem
e homem/dia verificados na unidade; a expressão (‟al-yehy baruk) como
recurso de repetição contrário (antônimo ou antitético) de (‟arur); a presença de uma
anáfora; as indefinições quanto ao uso do jussivo; a ampliação retórica da segunda maldição
em relação a primeira; a estrutura rítmica dos verbos relacionados a ―dia‖ e ―homem‖, objetos
das maldições; a presença do pronome (‟asher) como partícula estruturadora de
possíveis estrofes; a presença da expressão clássica (lamah), típica dos salmos de
lamentação.
Além destas demonstrações de beleza poética e fluidez na construção do gênero do
salmo em questão, ressaltamos que os v.16,17 destoam dos que os precederam. Duhm chega a
afirmar que v.16 é uma glosa659
. Nele há uma espécie de fórmula tradicional de declarar o
nascimento de alguém. O v.17 possuí duas variantes da mesma ideia: útero como sepultura e
gestação que não culmina em nascimento660
; como uma gestação interminável. Marcas de
uma linguagem hiperbólica e extremada.
Esta perícope, portanto, é um salmo de lamentação; possivelmente lamentação
individual a primeira vista, porém, pode ser também considerada em nível de lamentação
656 RUDOLPH, Wilhelm. Jeremia. Tübingen : J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1968, p.133. 657 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.482. 658 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.482. 659 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.484. 660 McKANE, William. A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah. v.1: Commentary on Jeremiah I – XXV. T & T
Clark Publishers, 1996, p.484.
283
nacional. Alguém se vê em aflição através de uma rica percepção do seu sofrimento. É em
primeira pessoa. Alguém fala a outrem e de si. Não há uniformidade rítmica, mas uma
uniformidade a seu próprio estilo. Há metáforas, ironias, hipérboles, paralelismos, maldições,
figuras retoricas, imagens de realidades e experiências humanas fortíssimas vinculadas à dor e
sofrimento intensos. Algumas vezes as diferenças textuais são tênues, outras vezes são dignas
de maior atenção661
. Contudo, as unidades 7-13 e 14-18 se complementam, formando uma
composição compilada sob ótica da lamentação.
Como devemos denominar este texto com tais constituintes, dinâmicas formais e
riquezas poéticas que observamos? Isto é, perguntamo-nos pelo gênero literário de Jeremias
20.7-18. Nessa busca pelo gênero encontramos indicativos da linguagem de lamentação,
comum nos salmos. Por certo, é uma linguagem característica dos salmos e da sabedoria
popular atrelada à linguagem profética. É evidente que o profetismo, de modo geral, fez uso
da poesia para explanar sua mensagem, portanto, suspeitamos que o autor desta perícope
esteja ambientado com salmos, isto é, a poesia hebraica.
O gênero que devemos atribuir a perícope é a lamentação. Jeremias 20.7-18 é um
salmo dirigido a Yhwh, é uma oração. O conteúdo desta oração está intimamente ligado a este
tipo de linguagem poética. Porém, temos algumas subcategorias do gênero das lamentações
dentro desta perícope, como por exemplo, a presença de uma dupla maldição que enriquecem
a trama poética e o uso deste tipo de linguagem e um hino de gratidão comunitário. A
linguagem de lamentação permeia todo o texto, não só algumas partes.
Schwantes legitima a importância da análise do ambiente vivencial salientando que ―o
que torna necessário um enfoque histórico é o retrospecto. Quando o momento atual está
distante do momento do acontecimento, então no relembrar e recontar se torna necessário
situar o ouvinte e a leitora‖662
. A razão para este ―recontar‖ acontece porque ―o momento
atual não precisa de uma localização expressa, pois a situação histórica está implícita no
próprio acontecimento‖663
.
661 Schökel supõe que a prece original do salmista abrangia primeiramente os v. 7-10 e 14-18 e somente depois os v. 11-13.
Este argumento favorece a ideia de dissonância da transição dos v.11-13 para 14-18 – parece inadmissível que depois de
declarar a confiança em Yhwh e cantar um hino de gratidão possa ser expresso um poema tão amargo e desesperançoso. Em
todo caso, para vincular sua ideia com a ordem em que a perícope se encontra no livro de Jeremias, Schökel propõe que
vejamos uma declaração de confiança e hino de gratidão emoldurado por cânticos de lamentação. Daí a razão dos v.11-13
estarem no centro do poema. 662 SCHWANTES, Milton. Da Vocação à Provocação: Estudos e Interpretações em Isaías 6-9 no Contexto Literário de
Isaías 1-12. 2ª.ed. ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.85. 663 SCHWANTES, Milton. Da Vocação à Provocação: Estudos e Interpretações em Isaías 6-9 no Contexto Literário de
Isaías 1-12. 2ª.ed. ampliada. São Leopoldo: Oikos Editora, 2008, p.85.
284
Temos então um embate sobre a localização do poema em seu contexto literário
próximo. Sobre a ocasião da compilação, a partir do linguajar da perícope, podemos fazer uso
de outras fontes que retratam a mesma ocasião que deu forma a textos semelhantes.
O livro de Lamentações e alguns salmos que retratam o período da destruição do
templo e da cidade e os acontecimentos posteriores podem servir como materiais importantes
sobre a situação vivencial daqueles dias. Do ponto de vista literário, o exilio como um todo,
marcado especialmente pelas atrocidades que seguiriam a tomada de Jerusalém depois de 586
foi um período no qual muitas tradições foram colhidas e relidas. O livro de Lamentações
mostra um retrato desolador da situação de Judá na própria terra. Na cidade destruída existe
fome664
e violência665
entre outras atrocidades que levava o povo ao lamento profundo. Em
todo caso, é mister considerarmos a presença de pessoas competentes e capazes compor
textos. Em sua maioria, literatura de lamentação. É plausível a hipótese de que nem toda
produção literária chegou em nossas mãos depois da tragédia e do intenso trabalho dos
escribas em adequar os livros de sua religião no que viria a ser o seu cânon. Neste contexto, o
profeta Jeremias (seu secretário e/ou círculo) pode ter sido um destes poetas.
Esses textos foram utilizados em festas religiosas, seja no templo destruído
(escombros e restolhos do templo) ou em outros lugares, que podem ter sido grupos
familiares. Eram ambientes mais íntimos do que as celebrações coletivas. Essa liturgia
familiar era realizada por um liturgo especializado666
, que poderiam ser grupos de sacerdotes
populares, profetas ou levitas encarregados da função. Quer dizer, nosso salmo de lamentação
está intimamente vinculado com este aspecto litúrgico ―familiar‖ da situação imediatamente
após a intervenção militar babilônica em Judá em 586.
Percebemos que as memórias das atrocidades do exílio sofrida pelas famílias
remanescentes e da destruição do templo e de Jerusalém estavam presentes no cotidiano
destes judaítas que, mais tarde, receberiam os egressos do exílio. Talvez até os círculos
literários de Judá pretendessem mostrar aos exilados das primeiras deportações quão terrível e
violento foram os ataques que determinaram a história da religião deles.
Do ponto de vista literário-didático e teológico, nada melhor que a pessoa do profeta
Jeremias para satisfazer essa função tornar clara a memória da experiência de dor e
sofrimento que permaneceu em Judá. Sabemos que a destruição do templo (depois de ter sido
664 Cf. Lamentações 1.11; 2.12; 4; 5.4. 665 Cf. Lamentações 5.9; 11-13. 666 Gerstenberger afirma que esses liturgos especilizados teriam sido influenciados ou dado continuidade no trabalho dos
cantores pré-exílicos, cf. GERSTENBERGER, Erhard. Salmos...., p.10-13.
285
saqueado) e da cidade marcaram a vida dos judaítas. Segundo Armstrong, o profeta é parte de
um momento axial da história das religiões.
Observamos, não obstante, a possibilidade de leitura do Sitz im Lebem em dois níveis
diferentes: o primeiro nível é vinculado à pessoa histórica do profeta Jeremias e um segundo
nível que coincide com a experiência da comunidade judaíta que permaneceu em Jerusalém
na época relativa à destruição do templo e da cidade até meados do regresso dos exilados.
Este segundo nível vinculado à memória e testemunho do nosso profeta seria um retrato do
povo que ficou em Judá, para este mesmo povo na situação adversa que passava e para os
egressos.
A situação vivencial que marca a unidade 7-13, em primeiro lugar, são de violência
(v.7-9), conflitos (v.10) e esperança (v.11-13). Experimentadas tanto no nível que relaciona o
salmista com nosso profeta, quando o nível que identifica na voz do salmista a comunidade
judaíta que sofria as consequências pós-destruição. Em segundo lugar, de angústia e
desesperança na unidade 14-18. Sim, tanto se imaginarmos o profeta histórico clamando (o
que é mais difícil na unidade 14-18 do que em 7-12), quanto mais precisamente à visualização
da desesperança de Judá sem qualquer perspectiva de futuro, ante a sua desolação.
É possível ouvir, através de Jeremias, a voz da comunidade que o tem como porta-voz.
Jeremias é comumente tido como o ―eu‖ poético destas lamentações. Há, porém, pontos de
vista para definição do ―eu‖ poético da perícope, bem como das ―confissões‖ de Jeremias ou
salmos de lamentação do livro de Jeremias. O primeiro deles propõe que se trate de uma
pessoa individual anônima667
. O segundo ponto de vista observa este ―eu‖ como um ministro
da liturgia dos salmos668
. O terceiro ponto de vista percebe o ―eu‖ como o povo, somente.
Reventlow defende essa ideia669
. O terceiro ponto de vista identifica este ―eu‖ como a
somatória das vozes da comunidade em culto. Isto é, seria uma voz corporativa em questão.
Nesta polifonia, isto é, variedade de ―eus‖ que se identificam como o ―eu‖ poético
encontramos as seguintes vozes: do povo (especificamente, do povo em crise), da cidade, de
Deus e do profeta670
. Este terceiro ponto de vista é semelhante ao do segundo. Por certo, o
profeta Jeremias assume essa polifonia, a saber, a portabilidade de múltiplas vozes que sofrem
667
CROFT, Steven J. The Identity of the Individual in the Psalms. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1987,
p.133. 668
CROFT, Steven J. The Identity of the Individual in the Psalms. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1987,
p.151. 669
REVENTLOW, Henning G. Liturgie und Prophetisches Ich Bei Jeremia. Gütersloh: J.C.B. Mohr, 1963,
p.354-357; 370-375. 670
BIDDLE, Mark. Polyphony and symphony in prophetic literature: rereading Jeremiah 7-20. Georgia:
Mercer University Press, 1996, p.15-46.
286
no contexto de seu ministério profético. Esse ministério é parecido com o do Servo Sofredor,
identificado nos cânticos de lamentação do Segundo Isaías.
Deste ambiente de miséria que surgem os poemas de lamentações na época do exílio.
Daqui deriva a situação vivencial de nossa perícope. Jeremias 20.7-18 é reação às catástrofes
da vida em perspectiva profética e poética. Podemos conjecturar se também é de perspectiva
litúrgica essa lamentação, pois reúne em si várias vozes que cantam seu sofrer pelo salmo.
Não obstante, nosso texto se trata de uma composição. Provavelmente composto em várias
etapas, cujo redator vincula a identificação de etapas da vida de Jeremias. Sua localização no
livro de Jeremias (Sitz im Buch) faz parte de um trabalho editorial meticuloso, vinculando o
poema de lamentação à memoria tradicional do profeta que viveu na terra de Judá na época de
toda desolação e serviu como porta-voz dos sofredores de seu tempo (ou pelo menos,
daqueles vinculados ao seu ministério profético e circulo de atuação religiosa).
Nossa perícope, portanto, é expressão do retrato dos acontecimentos destes dias na
perspectiva profética vinculada a pessoa do profeta Jeremias e poética cuja presença de
escritores, redatores e compiladores são atestadas na forma atual da perícope. A memória de
Jeremias, grosso modo, torna-se articuladora da tradição da linguagem de lamentação para o
gênero de lamentação em forma de convenção literária de sua época. Na perspectiva profética,
o lamento narra a dor e o desespero de quem almeja legitimidade nos círculos proféticos de
seu tempo e, que ganha no pós-exílio, a caracterização de porta-voz da comunidade de Israel
formada pelos remascentes e os egressos.
Jeremias 20.7-18 é um salmo de lamentação. Como literatura é fixada num tempo da
história singular da religião de Israel. É atribuída e interpretada comumente junto às
―confissões‖ de Jeremias, como se fossem orações privadas do profeta, o que é bastante
questionado pelos estudiosos. Mas certamente, um lamento da mais alta qualidade. Possibilita
uma matriz de múltiplas leituras de um Sitz im Leben especialmente vinculado na pesquisa de
seu Sitz im Buch. Os padrões do gênero de lamentação comuns da Bíblia Hebraica podem ser
encontrados em nosso texto. Porém, ressaltando toda a sua qualidade poética, profética e
teológica; assim, nos dirigimos, dentro de seu conteúdo profético, às imagens que
caracterizam o sujeito ―tu‖ da poesia, a Yhwh.
287
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