43
O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando é frei Fernando, meu 1 colega de prisão, que fez esse diário e que ficou trinta e seis anos engavetados. Era o 2 único padre do grupo de Dominicanos presos. 3 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Fernando (...). 4 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) De Brito. Como ele fez o diário, 5 mas eu que redigi (...). 6 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - O Fernando já era padre. 7 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Ele já era padre. Eu que dei o 8 título do nome dele. Porque merecidamente, eu acho que é o único preso político que 9 fez um diário. 10 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Foi o único né? O João 11 Valença era o (...). 12 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) O João Valença também era 13 dominicano. 14 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Sim, mas o nome dele 15 (...). 16 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) O Maurício Caldas. 17 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Interessante. A gente não 18 teve muito contato, mas eu tinha muito contato com vocês lá no convento, nos anos 60. 19 Mas pessoalmente a gente não se encontrava. 20 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Então, eu estou à disposição de 21 vocês. 22 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Só antes da gente 23 começar. Eu ia te avisar que já começamos a gravar. Isso aqui é uma cartinha com os 24 direitos e deveres. E também a gente vai precisar que você assine uma declaração sobre 25 o relato. Isso eu te explico depois, só pra efeito de registro. 26 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Ok. Vamos começar pelo nome. 27 Meu nome é, Carlos Alberto Libanio, sem assento, Christo. Irmão de Jesus por parte de 28 pai. Frei Betto, com dois “t”. 29 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Data de nascimento? 30 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) 25 de agosto de 44. 31 O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Local? 32 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Belo Horizonte. 33

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Fernando é frei Fernando, meu1

colega de prisão, que fez esse diário e que ficou trinta e seis anos engavetados. Era o 2

único padre do grupo de Dominicanos presos. 3

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Fernando (...). 4

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – De Brito. Como ele fez o diário, 5

mas eu que redigi (...). 6

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - O Fernando já era padre. 7

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele já era padre. Eu que dei o 8

título do nome dele. Porque merecidamente, eu acho que é o único preso político que 9

fez um diário. 10

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Foi o único né? O João 11

Valença era o (...). 12

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O João Valença também era 13

dominicano. 14

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Sim, mas o nome dele 15

(...). 16

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O Maurício Caldas. 17

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Interessante. A gente não 18

teve muito contato, mas eu tinha muito contato com vocês lá no convento, nos anos 60. 19

Mas pessoalmente a gente não se encontrava. 20

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Então, eu estou à disposição de 21

vocês. 22

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Só antes da gente 23

começar. Eu ia te avisar que já começamos a gravar. Isso aqui é uma cartinha com os 24

direitos e deveres. E também a gente vai precisar que você assine uma declaração sobre 25

o relato. Isso eu te explico depois, só pra efeito de registro.26

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ok. Vamos começar pelo nome. 27

Meu nome é, Carlos Alberto Libanio, sem assento, Christo. Irmão de Jesus por parte de 28

pai. Frei Betto, com dois “t”. 29

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Data de nascimento? 30

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – 25 de agosto de 44. 31

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Local? 32

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Belo Horizonte. 33

Page 2: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Religião? 34

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Católica. Eu sou um católico que 35

reza todo dia pra virar cristão. 36

O Sr. Interlocutor não identificado - A época dos fatos das violações qual era o seu 37

grau de instrução? 38

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Bem acontece que eu fui preso 39

duas vezes. 40

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - A primeira época? 41

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – 64 eu estava fazendo jornalismo 42

no Rio. 43

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Em qual universidade? 44

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Na universidade chamada 45

Universidade do Brasil. Hoje UFRJ que aí transferiu para Brasília lá é Universidade de 46

Brasília que chama. 47

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - A Universidade de 48

Brasília. 49

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pois é que era a Universidade do 50

Brasil. 51

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Mais hoje é uma universidade 52

federal. 53

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Era universidade federal desde o 54

início. 55

O Sr. Interlocutor não identificado - Hoje qual é a sua profissão? 56

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Bem profissão, digo que sou 57

escritor. Minha vocação é ser religioso, mas sou escritor. Põe escritor. 58

O Sr. Interlocutor não identificado - RG? 59

60 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – RG é xxxxx

O Sr. Interlocutor não identificado - CPF? 61

62 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – xxxxxxxxx

O Sr. Interlocutor não identificado - Endereço? 63

64 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – xxxxxxxxxx, São Paulo,

capital. 65

Page 3: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

O Sr. Interlocutor não identificado - CEP? 66

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – xxxxxx. 67

68 O Sr. Interlocutor não identificado - E-mail?

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – xxxxxxx 69

O Sr. Interlocutor não identificado - Acho que por enquanto é só. 70

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) - Então Betto o método 71

que a gente tem usado é mais assim da história oral. Eu queria que você fizesse uma 72

retrospectiva da tua vida. Eu acho que a vida é longa. Mais (...) 73

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Focar em alguns pontos. 74

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Focar em alguns pontos que 75

você acha importante. E depois obviamente a gente faz algumas perguntas. 76

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Então vamos falar da primeira 77

prisão. A primeira prisão ocorreu no dia 06 de junho de 64, quer dizer, pouco depois do 78

golpe no Rio. Eu era dirigente nacional da JEC (Juventude Estudantil Católica) que era 79

um dos organismos da Ação Católica. Eu vivia no Rio por conta da CNBB 80

especificamente por conta de Dom Hélder Câmara que era bispo auxiliar no Rio e 81

responsável em todo o Brasil pela Ação Católica num apartamento que servia de 82

apartamento para a equipe nacional da JEC e a equipe nacional da JUC. Então, nós 83

éramos 12 dirigentes da Ação Católica que ali vivíamos, numa espécie de república de 84

estudantes e abrigávamos vários líderes estudantis de outros estados que vinham pro 85

Rio e ficavam hospedados com a gente. Entre eles o Betinho e o Zé Serra. E em (...) na 86

madrugada de 05 pra 06 de junho de 64 o CENIMAR - Centro de Informações da 87

Marinha - que é o serviço secreto da Marinha fez uma operação arrastão dos militantes 88

da Ação Popular. A ação popular é um movimento que foi criado a partir da JUC - 89

Juventude Universitária Católica - ou seja, os fundadores da ação popular eram 90

militantes da JUC. Mais ação popular não era um organismo vinculado a Igreja. Pois é 91

era um organismo laico progressivamente marxista desde o início era o ideal histórico 92

do Padre Henrique Vaz que era mais hegeliano que marxista mais depois do golpe foi 93

ficando marxista. E aos olhos da repressão não havia distinção entre a Ação Católica 94

(AC) e Ação Popular (AP) pra eles eram gatos do mesmo balaio. E de fato essa 95

distinção era muito tênue. Era muito complicada na medida em que a grande maioria 96

dos militantes da JUC era também militantes da AP embora muitos militantes da AP 97

não fossem da JUC como é caso do Serra que era militante da AP mais nunca foi da 98

JUC. 99

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Como eu. 100

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Você também nunca foi da JUC. 101

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Protestante. 102

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É claro. Exatamente. Claro. 103

Óbvio. Então houve esse arrastão e nós fomos presos às 04 da madrugada do dia 06 de 104

junho o apartamento na Rua das Laranjeiras, na esquina com a rua Pereira da Silva se 105

não me engano 906 o número do prédio, mas não me lembro. Mas a esquina eu tenho 106

certeza. E o CENIMAR invadiu o apartamento e nos acordou com metralhadora. 107

“Levanta, filhos da puta, mão na cabeça”, não sei o quê e eu achei que era sonho 108

pesadelo. Ainda virei de lado o cara ainda me cutucou com a metralhadora. Enfim, 109

fomos todos pra sala de pijama e eles tinham a missão de levar todos os documentos e 110

começaram a revirar o apartamento inteiro. Pegaram todos os livros. Levaram todos os 111

livros e nós não estávamos propriamente os 12 moradores fixos. Mas eu acho que nós 112

erámos uns 12 contando com 2 ou 3 temporários que estavam ali de visita de passagem. 113

Fomos todos levados num camburão pra Ilha das Cobras, onde fica o quartel dos 114

Fuzileiros Navais e lá nós fomos levados pra uma sala em que eu encontrei vários 115

conhecidos que tinham sido presos naquela a madrugada entre eles o Cosme Alves Neto 116

que você deve ter conhecido que depois se transformou num grande teórico do cinema 117

brasileiro. E o Cosme tinha sido da Ação Católica. A recordação que eu trago dessa sala 118

era uma sala que tinha muitos livros. A melhor biblioteca social marxista que eu já vi na 119

minha vida. Deve ter sido tudo incinerado. E de repente aparece um sujeito de terno e 120

gravata. Estava todo mundo de pijama, calção, bermuda e ficou todo mundo na moita 121

porque ninguém conhecia o cidadão e achamos que era um agente infiltrado que ele 122

estava barbeado, banhado, terno e gravata e ficou todo mundo mantendo isolado. Era o 123

Chico Ita. 124

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O Chico Ita? 125

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O Chico Ita era da 126

superintendência da reforma agrária e era da AP, mas nós mais jovens não conhecíamos 127

o Chico. Então, ele levou um gelo geral. E aí, periodicamente cada um de nós era tirado 128

dessa sala e levado para interrogatório individual. Eu fui. Ao ser interrogado na terceira 129

pergunta, eu percebi claramente que eles estavam extremamente felizes com a minha 130

prisão, mas eu não era ninguém. Dirigente da JEC que estava no primeiro ano de 131

jornalismo, enfim. Eles estavam me confundindo com o Betinho. O grande líder da AP 132

porque Betto, Betinho, Belo Horizonte os dois, Ação Católica. E quando eu comecei 133

quando eu percebi que eu era confundido com uma pessoa. Comecei a negar aí caíram 134

de porrada em cima de mim. Na base do murro, da bancada, do chute, do xingamento e 135

tal. Até que se convenceram enfim 136

O Sr. Interlocutor não identificado - Isso em quantas pessoas? 137

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah, umas 4 ou 5. 138

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Você se lembra dos 139

nomes deles? 140

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Não lembro de nome de 141

ninguém. Nem a face, nem a cara. Se eu cruzar eu não sei. Eu não lembro de ninguém. 142

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Engraçado que a memória é que eu tenho da primeira prisão é muito ténue comparada 143

com que a que eu tenho da segunda. Nós depois de todos os depoimentos fomos levados 144

pra prisão especial, quer dizer, fomos levados pra prisão especial não fomos levados pra 145

prisão em Ilha das Cobras que era uma prisão de quartel. E acontece um fato inusitado 146

bem Brasil. Chega um oficial cada um de nós está trancado aí 2 ou 3 em cada cela. Era 147

um corredor assim. Parece coisa de filme americano com várias celas. E aí chega um 148

carcereiro abre as celas e manda sair todo mundo. E aí chega um oficial aquela coisa na 149

Marinha impecavelmente de branco. E vira pra nós e fala “Eu quero dizer pros senhores 150

que os senhores não são presos comuns são presos políticos e porque tem curso superior 151

serão tratados como oficiais.” O que significou isso? O almoço e o jantar, vinha um 152

soldado da cintura pra cima vestido de garçom com aquele guardanapo aqui do lado e 153

nunca comi tão bem na vida. Era frango com não sei quê, filé mignon à cavalo, pêssego 154

em calda. E aí que a ficha caiu como o comandante Aragão tinha sido o comandante dos 155

fuzileiros navais e tinha feito a cabeça dos oficiais mais ele logo foi caçado, mas os 156

oficiais que ele formou ainda continuavam lá. Isso era muito recente. Então esses caras, 157

era a maneira desses caras dizerem pra gente “Não olha, a gente tem que cumprir essa 158

ordem, mas dependendo de nós, serão melhor tratado possível.” Ficamos aí uns 5 dias e 159

o arcebispo cardeal do Rio Dom Jaime de Barros Câmara interveio porque nós éramos 160

dirigentes da Ação Católica estávamos sobre a responsabilidade ali dele. Possivelmente 161

essas coisas Dom Hélder que agilizou, e nós fomos transferidos de novo para o 162

apartamento em regime de prisão domiciliar. E ficamos sob a tutela do assistente da 163

JEC que era o padre Eduardo Koaik depois veio a ser bispo de Piracicaba. Morreu esse 164

ano. Ali ficamos e não houve processo não houve nada então essa foi a primeira prisão. 165

O Sr. Interlocutor não identificado - Quando você começou a ser torturado, você foi 166

mantido sobre tortura durante quanto tempo mais ou menos? 167

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah não. Não foi nem 1 hora. Foi 168

uma coisa de raiva deles por não ou por constatarem que eu não era Betinho, ou por 169

achar que eu estava gozando da cara deles. Não estava querendo abrir não estava 170

abrindo que não era o Betinho. 171

O Sr. Interlocutor não identificado - Não era algo que tivesse sido planejado por eles. 172

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não parecia raiva de 173

intimidação. 174

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Então você pode 175

comparar com a segunda prisão porque naquele momento a tortura ainda não era 176

sistemática. Planejada. Como um método sistemático de interrogatório. Foi mais surra? 177

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente. É. Foi mais surra. 178

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Do que tortura 179

propriamente dita provavelmente eu estou. 180

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pula pra segunda. Evidente que 181

aqui, vocês vão encontrar muito mais acertadamente os nomes do que eu trazê-los na 182

memória aqui agora. Então, a segunda é a seguinte. Eu atuava na ALN - Ação 183

Libertadora Nacional - do Marighella. 184

O Sr. Interlocutor não identificado - Mas antes da primeira prisão você não tinha 185

nenhum antecedente criminal não era procurado por nada? 186

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Nada. Não tinha nada. 187

Nada. Não tinha nada e nem foi formalizado. Não teve inquérito. Não teve processo. 188

Não teve nada. Só a detenção. 189

O Sr. Interlocutor não identificado - Só uma detenção rápida. 190

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi liberado com 15 dias 5 dias 191

lá 10 em casa. Liberado. Quando o um grupo de dominicanos se transformou num 192

grupo de apoio à ALN, nós nunca pegamos em armas, mas sempre escondemos pessoas. 193

Ajudamos a sair do país, dávamos apoio a militantes revolucionários. Detalhe que não 194

era só a ALN era de A a Z. Por quê? Porque no desespero as pessoas acabavam lá como 195

nosso convento aquele aqui nas Perdizes na Rua Caiubi 126. Hoje é um colégio ali a 196

Rua Atibaia do lado onde era a garagem do antigo convento. Nós fizemos o novo 197

convento pequeno e tal. Então a gente acabou se envolvendo com várias organizações. 198

Mais o específico mais era com o Marighella. Esse livro que é muito bom. Eu considero 199

o melhor texto sobre o Marighella tem um erro porque eu não entendo isso. O Mauro 200

Magalhães parece acabou (...) o Mauro Magalhães não me entrevistou possivelmente 201

achando que os meus livros eu já tinha contado tudo que tinha e na verdade essas coisas 202

não são assim depois você via lembrando. Então ele disse que o Marighella nunca foi ao 203

convento. Foi! Põe na boca do Frei Osvaldo. Depois eu questionei o Frei Osvaldo. O 204

Osvaldo admitiu o erro. Osvaldo não lembrava que o Marighella esteve no convento. O 205

primeiro contato, o Marighella foi ao nosso convento. Lá na (...) 206

O Sr. Interlocutor não identificado - É o que ele fala já até marquei. 207

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pois é. Isso está errado. E aí eu 208

lembrei o Osvaldo até passei um e-mail para o editor. 209

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Segunda edição tem que 210

fazer a correção. Não sei se vai fazer tem caras que não gostam de admitir que tenha um 211

erro. O Mariguella me pediu pra ir pro Sul. Na verdade, meu projeto era ir estudar 212

teologia na Alemanha. Eu iria embora em novembro de 69 no fim de novembro. Como 213

eu já estava sendo muito procurado aqui em São Paulo, porque além da minha atuação 214

clandestina de apoio, eu era chefe de reportagem da Folha da Tarde. Eu tinha 215

conquistado vários jornalistas na Folha da Tarde que competia com o Jornal da Tarde e 216

era um jornal pra época, considerado de esquerda, porque era um jornal que dava 217

cobertura favorável as movimentações estudantis e contra a ditadura. 218

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Era do grupo da Folha? 219

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Era da Folha. Mais o grupo da 220

Folha sempre fez esse jogo de agradar todos os setores. Deixava a folha da tarde mais 221

para esquerda. Negócio de público. O mercado. 222

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – A Folha da Manhã. 223

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Já que o Jornal da Tarde era de 224

era de extrema direita, então a gente tinha total liberdade eu conquistei o diretor do 225

jornal a quem eu dedico o Batismo de Sangue o Sérgio de Miranda Jordão pra ALN. 226

Um caso raro um simples repórter conquistar o diretor do jornal pra subversão. De 227

modo que eu ficava sabendo até de algumas ligações bancárias. Bomba no II Exército 228

antecipadamente já deixava o esquema montado. Eu fiquei sabendo, por exemplo, de 229

Ibiúna que tinha todo um esquema montado pra gente furar porque como eu estava 230

ligado à esquerda já sabia das coisas antecipadamente. Eu comecei a ser muito vigiado. 231

Eu morava com um grupo de frades aqui na Rêgo Freitas era uma época que aqui na 232

Igreja a moda era sair de convento de pequenas comunidades e tal. E o porteiro que eu 233

nunca tive ideia de ideologia dele, mas um cara muito esperto. Um dia falou “Olha 234

Betto tiveram uns caras estranhos aqui negócio de produtos farmacêuticos te procurando 235

eu falei que você estava viajando” quer dizer, ele deu a dica que (...) e mesmo o 236

setorista do jornal lá no DOPS já tinha me dito “Ó, os caras estão te manjando tão te 237

(...)” então eu sabia hoje eu tenho todos os documentos do Arquivo Nacional sei que 238

estava sendo vigiado há muito tempo. Nós, os dominicanos, em geral. Mas aí com essa 239

ideia de eu ir para a Alemanha, e de já estar um pouco queimado por aqui aí passei a 240

viver na clandestinidade então como eu tenho um primo jesuíta João Batista Libanio. 241

Ele era professor de teologia lá em São Leopoldo. Tinha um enorme que hoje é 242

Unisinos enorme seminário jesuíta então veio as coisas foram se conjuminando de 243

modo que me foi proposto ir para estudar teologia lá. E ao mesmo tempo me preparar 244

naquele ambiente alemão pra poder ir pra Alemanha em novembro. O Marighella 245

sabendo disso, então me propôs organizar uma esquema de fronteira através da fronteira 246

do Rio Grande do Sul com o Uruguai e Argentina eu faria evadir militantes procurados, 247

queimados ou aqueles que precisassem ir para o exterior para Cuba fazer treinamento de 248

guerrilha. Então no Batismo de Sangue eu conto em detalhes todos 12 pessoas que eu 249

passei inclusive vários sequestradores do embaixador americano porque foi em 250

setembro de 69 e já estava lá desde o início do ano. No dia primeiro de novembro de 69 251

o frei Ivo e o frei Fernando caem no Rio. São presos no Rio. Aí tem um fato curioso. 252

Curioso em termos porque no dia 02 de novembro o CENIMAR cerca o Cristo Rei que 253

é a atual Unisinos que era onde eu estudava. Detalhe o Marighella morre no dia 04, quer 254

dizer, eu fiquei sabendo da prisão dos frades no dia 02 lá em São Leopoldo e a grande 255

pergunta é como é que o Marighella aqui em São Paulo não ficou sabendo. Essa é uma 256

grande interrogação que perdura até hoje. 257

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Fluxo de informação. 258

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É! E uma cara que antenado 259

enfim. Mas o fato é que, como é que eu fiquei sabendo? Eu estava lá no seminário eu já 260

Page 8: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

tinha uma mala própria para fuga porque eu sentia que o clima estava esquentando. 261

Cada vez mais prisões. Descobriram quem eram os sequestradores do embaixador 262

americano. Então começou a derrubada da ALN. Tinha uma pequena comunidade de 263

estudantes jesuítas, fora do prédio central numa casinha de madeira que são típicas ali 264

do Rio Grande do Sul. E um dos estudantes chamado Camilo Garcia, primeiro a polícia 265

foi lá naquela casinha, e chega lá perguntando o seguinte se conhecia o Frei que era qual 266

era o nome antigo do frei Fernando. frei Timóteo eu acho. “Vocês conhecem o Frei 267

Timóteo? Vocês são amigos do frei Timóteo”? Não os prendeu, mas começou a 268

intimidar. Aí eles saíram e o Camilo subiu lá se tivesse às 3 da tarde subiu lá no meu 269

quarto e falou “Olha e vi uns caras estranhos eu estou achando que é polícia. 270

Procurando um tal de frei Timóteo” e eu sabia que o nome antigo do Fernando porque 271

antigamente os frades mudavam de nome, mas o Fernando já tinha mudado para chamar 272

Fernando. Depois do concílio acabou isso. E aí me veio claramente que era a polícia que 273

estava atrás de mim. Eu peguei a malinha de fuga que eu tinha. Pra fuga de fuga não. 274

Pra fuga. Saí pelo fundo. Aquilo era um latifúndio uma lagoa cheia de plantação. Saí 275

pelo fundo e quando vou pra estrada pegar o ônibus pra Porto Alegre eu vejo tudo 276

cercado. Tudo cercado. Tive o cuidado de apontar no livro de saída porque tinha isso. 277

Alguém podia me ligar “Quero falar com o Frei Betto? Frei Betto saiu e volta tal hora” 278

tanto que eles ficaram até 7 da noite esperando e achando aí que os padres estavam me 279

escondendo. Aí eles prenderam tudo quanto era padre lá dentro. Ficaram com raiva e 280

revistaram tudo e não me acharam. Eu já tinha ido embora. Eu ganhei tempo com esse 281

negócio de volta dizendo “Volto às 19 horas.” Fui para a paróquia do padre Manoel. 282

Onde Manoel Valiente, paróquia da piedade onde ficava hospedado o assessor número 1 283

de Dom Hélder Câmara que era padre Marcelo Carvalheira que depois veio ser 284

arcebispo da Paraíba. Hoje tá velhinho está até com Alzheimer. Os dois então decidiram 285

me esconder no funda da Igreja lá tinha um sótão lá no fundo da Igreja. Eles me 286

esconderam que era uma paróquia muito frequentada por militares e o padre. Manuel 287

tinha muito contato com a elite. E depois me levaram para a casa de umas freiras que 288

era uma casa asilo das irmãs da congregação de Jesus Crucificado. Então só tinha 289

velhinhas fazendo crochê não sei quê. Eu estou lá sentado. As irmãs não estão sabendo 290

só a superiora sabia que estava a minha procura. A gente vê o Jornal Nacional que 291

estava recém inaugurado. O Cid Moreira era bem jovem. Terrorista procurado no Rio 292

Grande do Sul porque foi ele que tirou o Marighella do país, tirou o Lamarca no país, 293

não sei quê e aparece a minha foto ocupando todo o vídeo. Aí as irmãzinhas todas 294

(risos). Aí eu falei com a superiora, falei com o Manuel e o Marcelo não vou ficar aqui 295

não. A superiora ainda falou “Não tem perigo não vai acontecer nada não” não fico não, 296

porque essas irmãs recebem parentes. Não fico mesmo. Aí uma delas teve a ideia de me 297

levar pra um sítio de um grande empresário uma das famílias mais ricas de Porto Alegre 298

que segundo ele a família nunca frequentava. Ele usava pra final de semana fazendo 299

encontros. Me levou em via mão. E tinha um caseiro. 300

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Em Viamão. Você estava 301

num sítio. Eu pensava que você estava num convento que tinha lá em Viamão. 302

Page 9: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não em Viamão eu nunca morei. 303

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Porque tinha lá (...) 304

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Porque tinha lá o seminário 305

diocesano era lá. 306

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Era o que eu conhecia, 307

mas nunca frequentei. 308

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Então fui pra esse sítio em 309

Viamão que o padre Manuel Valiente me levou. E o caseiro e a mulher dele, enfim, me 310

receberam. O padre Manuel falou “Não, não. É um padre amigo meu” falou que eu era 311

padre lá “Veio fazer retiro aqui uns dias” fiquei lá tranquilo. Passados uns dois dias 312

entra uns 2 ou 3 dias não me lembro exato. Entra um rapaz que é o filho do dono do 313

sítio e anda por lá me cumprimenta e vai embora. Nem fala comigo. No dia seguinte 314

esse rapaz volta passados muitos dias que (...) eu fugi dia 2 fui preso dia 9. Então no dia 315

8 esse rapaz volta e fala você é o frei Betto? Minha foto estava em tudo quanto era 316

mídia. Tinha saído no Jornal Nacional e tudo. Ele falou “Olha, eu sei da sua situação, 317

mas não é bom ficar aqui não porque eu já fiz reuniões aqui de estudantes” eu não sei se 318

isso que eu estou contando interessa? 319

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Interessa sim. 320

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Se não vocês cortam aí a gente 321

vai direto pros interrogadores. Mas aí o falou “Eu já fiz reuniões aqui então eu vou te 322

levar para o apartamento de um amigo meu em Porto Alegre.” Aí eu entrei no fusca dele 323

e isso é uma coisa muito bucólica não sei como caracterizar. Eu tive a intuição que era 324

uma cilada. Mas chovia torrencialmente e eu sou asfalto que tenho horror a chuva. Eu 325

só fui preso porque eu não abri. Teve uma hora que ele parou no filme Batismo de 326

Sangue tem essa parada que não é (...) isso aí não corresponde. O filme é muito leal ao 327

livro. Nesse ponto não porque ele parou pra pegar um telefone da polícia rodoviária pra 328

com certeza dizer já está comigo. Nessa hora eu tive a intuição de abrir a porta e sair 329

pela madrugada. Só não fiz porque chovia. Só não fiz porque chovia. Aí cheguei na 330

mansão dele. Ele falou que o tal amigo dele tinha ido ao cinema que ele estava 331

esperando chegar. E ia me levar. Quando eu cheguei na mansão eu percebi nitidamente 332

que eu estava numa cilada. Não tinha saída. Ele me ofereceu bebida alcoólica, dizia que 333

eu não bebia, não aceitei de jeito nenhum. E aproveitava pra toda hora ir ao banheiro pra 334

destruir tudo que eu tinha. Os dólares, os pesos uruguaios, mas não destruí a carteira de 335

identidade falsa. Acabei enfiando num sofá da sala que um mês depois foi descoberto. 336

Mas agenda de endereço tudo fui jogando na privada. Toda hora ia ao banheiro. Às 7 da 337

manhã entra o major Atila do Exército com um jipe, e era a mansão da família do 338

Valdemar Chaves Barcellos. Pra você ter uma ideia o pai desse cara foi ministro da 339

fazendo do Dutra. 340

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Valdemar Chaves 341

Barcellos. 342

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Já morreu. Aí o major Atila 343

entre 7 da manhã e fala “Frei Betto, a festa acabou” você está preso. Eu tenho uma 344

coisa que eu não sei explicar. Em situações em que geralmente, por exemplo, 345

turbulência de avião, que as pessoas ficam em pânico eu fico extremamente calmo. Não 346

sei se isso vem da espiritualidade não sei de onde vem isso. Exatamente o contrário da 347

reação dos outros eu tenho. Fico extremamente calmo. E muito assim fatalista. Se tiver 348

que morrer. Eu estava muito calmo na saída, sabia que ao ser torturadíssimo. Sabia de 349

tudo e o rapaz que tinha feito tudo isso que chamava-se Paulino que também já morreu 350

estava na porta e ele tremia como vara verde. Ele tremia. Eu não sei por que cargas 351

d´água, também porque essas coisas saem sem você pensar. Eu disse pra ele apesar de 352

tudo muito obrigada. E fui embora. Deixa eu só fazer um parênteses aí. Três anos 353

depois um padre me procura na prisão, pra dizer que esse Paulino no início virou herói 354

na sociedade de Porto Alegre porque ele tinha prendido um grande terrorista procurado. 355

Mas depois com o tempo as pessoas foram mudando a visão, e ele ficou de dedo duro. 356

Então o que ele fazia análise e era muito importante para complementar a terapia dele, 357

saber o que é que eu pensava dele. E eu disse pro padre eu vou dizer exatamente a 358

verdade. “Eu não quero nenhum mal a esse rapaz, mas eu não penso nada. Eu não penso 359

nada, se é uma figura que não vem na minha cabeça é esse rapaz. Agora não espera que 360

eu saia daqui e vá consolá-lo”. Isso também é demais. Enfim, já sei que ele morreu 361

depois muito tempo depois. Aí me levaram pro DOPS e no DOPS então começou o 362

interrogatório desse major Atila com (...) o nome desse major está aí no Batismo de 363

Sangue. 364

O Sr. Interlocutor não identificado - Isso no DOPS aqui em São Paulo? 365

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não! Porto Alegre. E o delegado 366

do DOPS era Firmino Peres Rodrigues se e não me engano. Eu diria que eu tenho 85% 367

de certeza. O nome dele era Firmino. Peres também, o Rodrigues é que eu não sei. 368

Delegado do DOPS. 369

O Sr. Interlocutor não identificado - Também num dos trechos acho que está no 370

Cartas da prisão quando você também fala dessa prisão você fala não só de um major, 371

mas de um coronel também. 372

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – A história do coronel você me 373

lembra depois. É um detalhe no meio disso aí. Então eu sou preso no dia 9 de novembro 374

e fico até a primeira semana de dezembro. Sendo exaustivamente interrogado no DOPS 375

de Porto Alegre. Eles me levavam pra sala de tortura estavam todos os instrumentos pau 376

de arara, maçarico, não sei quê. E aí aconteceu uma coisa até hoje quando eu penso. 377

Invés de me torturaram eles torturavam outro na minha frente. E eu vim a descobrir 378

depois que esse outro era um preso comum que eles pegavam assim fortuitamente e eu 379

comecei a notar que eu não ia ser torturado, e essa ficha caiu, a certeza caiu quando o 380

Fleury o delegado Fleury foi me interrogar em Porto Alegre. Porque o Fleury entra na 381

Page 11: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

sala do delegado Firmino, com aquela pompa toda dele e todo mundo olhava pra ele de 382

baixo pra cima. Os milicos todo mundo olhava pra ele de terno e gravata com uma mala 383

cheia de arma. Uma mala tipo 007 depois que ele abriu eu vi que estava cheia de arma. 384

E antes dele falar comigo ele vira pro Firmino e fala assim “E ai delegado, já deram uns 385

tabefes nele aí?” e o Firmino ficou muito constrangido por duas razões. Primeiro porque 386

eu tinha conquistado um pouco a simpatia do Firmino durante aqueles dias de 387

interrogatório. Segundo porque o Firmino um dia chegou pra mim – você vai gostar 388

muito desse episódio, Anivaldo – “A minha mulher sonhou essa noite que você é 389

inocente e ela está dizendo esse cara não tem nada vocês estão fazendo mal pra ele”, 390

pois é, a mulher de Pilatos delegado sonhou a mesma coisa a respeito de Jesus. O 391

senhor não vai lavar a mão. Você devia me soltar. Eu acabei meio que conquistando o 392

major Atila. Esse estava sempre furioso, mas esse delegado eu vi que ele com o tempo 393

foi amolecendo a coisa. E quando o Fleury disso pra ele “Já deram uns tabefes nele?” e 394

o delegado Firmino muito constrangedoramente disse “É. Já demos aí uns apertos” aí o 395

Fleury diz assim “Cuidado que ele tem costas quentes.” Aí eu tive certeza. Porque isso? 396

Porque eu tinha um tio general. Esse meu tio general estava aposentado já. Mas quando 397

eu fui preso na segunda vez ele ligou pros generais da ativa, amigos dele. E me tio era 398

muito respeitado porque ele participou daquelas campanhas dos anos 30 foi amigo 399

daquele pessoas da Coluna Prestes aquele negócio todo. Então ele ligou pra esses caras 400

e falou “Olha é meu sobrinho eu não entre no mérito da culpa e só peço uma coisa não 401

encostem a mão nele” isso foi aceito. De modo que eu não fui torturado fisicamente na 402

segunda prisão. Eu fui o único de todo o grupo de dominicanos que não me tocaram 403

fisicamente. Agora me puseram em solitária mesmo o DOPS lá eu fiquei em solitária. 404

Não tinha nem banheiro. Aquele negócio de levar e assistir tortura dos outros. O que me 405

salvou. Porque eu guardei as informações pra hora do limite da dor física. E esse limite 406

nunca veio porque era sempre ameaça, ameaça, ameaça. Fiquei no DOPS. O negócio do 407

coronel. Aí vem o coronel me interrogar lá no Rio Grande do Sul, ele era do Rio. Eu 408

não me lembro do nome dele. E aí a gente trancado numa sala e ele pergunta “Você 409

conhece a Dulce Kramer?” Quem era a Dulce Kramer? A Dulce Kramer era a namorada 410

do Jorge de Miranda Jordão a quem eu dedico o Batismo de Sangue que foi preso na 411

Operação Condor no Uruguai antes de mim eu fui preso em novembro de 69 ele foi 412

preso em setembro. E os dois foram trazidos pra (...) ele estava indo pra Cuba levar uma 413

mensagem uma mensagem pro Marighella que ele conseguiu jogar na privada também 414

estava de baixo da gravata antes de prender. Foram trazidos pra PE do Rio onde ficaram 415

presos lá 20 dias ou 1 mês, não me lembro exatamente. Essa mulher era uma comissária 416

da Varig extremamente bonita e na tortura da Dulce Kramer, ele se encanta por ela e ela 417

se apaixona por ele. Tanto que depois ela se apaixona por ele e ele se apaixona por ela 418

tanto é que depois eles vivem juntos alguns anos. 419

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Que coisa. 420

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Coisa surreal. Não é o único 421

caso não tem outros aí. Mais é inacreditável. Quando eu neguei que eu o conhecia ele 422

Page 12: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

ficou tão aliviado que o medo dele era que se eu dissesse que conhecia acabava o caso 423

deles. 424

O Sr. Interlocutor não identificado - Ele era casado? 425

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele já estava de caso com ela. 426

Desde setembro quando ele a torturou. Isso era novembro. Isso ia estragar a lua de mel 427

deles. Se eu falasse olha estava no meu esquema Dulce Kramer. Na verdade não estava 428

o marido dela, o namorado dela. Quem, enfim, depois nunca mais se viram eu não sei. 429

Mas enfim, acabou tudo aí. Mas o aí os torturadores estavam na porta. Teve uma hora 430

que um deles bateu na porta “Coronel, está tudo bem? Está precisando da gente? Não, 431

ele está entregando tudo” eu não estava entregando nada aí o cara começou a conversar 432

comigo sobre o que é que eu achava de desquite, de separação porque o cara estava 433

culpado o cara era casado, tinha filho, e estava com essa amante. Era isso uma coisa 434

surrealista. 435

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor sabe se ele 436

tinha uma posição católica tradicional? 437

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Não, não. Acredito que não. 438

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Sentimento de culpa de 439

destruir casamento. 440

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. Eu acho que o sentimento de 441

culpa dele era esse. Eu não me lembro o nome desse cara. Nem a face. Se pegar um 442

álbum aí 443

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Nem o nome dele? 444

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nem o nome dele. 445

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Também porque utilizava um 446

nome de guerra. Essas coisas. Mas não me lembro. Enfim, esse foi o fato do coronel. Eu 447

sou trazido pro DOPS no início de dezembro eu venho no avião da FAB. E o Fleury é 448

que vai me esperar lá em Cumbica quando você desce de avião lá em Cumbica do lado 449

esquerdo está o aeroporto do lado direito está a casa da base aérea, foi ali que eu fui. E 450

estava uma coisa curiosa. Além do Fleury e da equipe do DOPS estava uma grande 451

equipe da TFP - Tradição Família e Pátria - tudo com escudinho na lapela 452

ostensivamente. E eu sou trazido pro DOPS e entregue a um delegado chamado Evair 453

Freitas. Tem mais um nome aí. Abre parênteses, porque eu nunca apurei isso, mas é 454

uma coisa que roda na minha cabeça a Zélia Cardoso de Melo foi criada por um 455

delegado do DOPS. 456

O Sr. Interlocutor não identificado - Ela era filha de um delegado do DOPS. 457

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ou era filha de um delegado do 458

DOPS? 459

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O Sr. Interlocutor não identificado - Ela aparece naquela lista de pessoas que 460

visitavam o DOPS. 461

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente. E eu acho que era o 462

pai dela. 463

O Sr. Interlocutor não identificado - Era o pai dela. 464

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Qual era o nome? 465

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Evair de Freitas. Tinha um 466

terceiro nome. 467

O Sr. Interlocutor não identificado - Tem um Cardoso de Melo na lista dos delgados 468

do DOPS. 469

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Que é Evair é carto. Eu sempre 470

fiquei com isso na cabeça, nunca apurei. Não quero fazer nenhuma leviandade aqui isso 471

é um detalhe. Mas aí, eu caio na mão desse Evair e do delegado oculto que era Alcides 472

Cintra Bueno. É o seguinte: vamos para um pouco o Alcides. O Alcides Bueno era 473

muito católico. E ele criou lá informalmente, o que chamava de delegacia do culto. O 474

que é que tinha a ver com repressão de igreja era ele. Então ele interrogou detidamente 475

todos nós frades. No início nós fomos presos nós éramos sei lá Ivo, Fernando, Tito, 476

Maurício, Georgio, Roberto Romano, eu (...). É nós éramos 7 frades mais tinha o padre 477

Manuel Valiente que veio comigo. O Marcelo Carvalheiro que veio comigo. O Castro 478

que era um seminarista. Francisco Castro, que estava no meu esquema lá comigo. 479

Então, o Cintra Bueno ele era interrogador do pessoal de Igreja. O cara responsável pelo 480

mapeamento da Igreja. 481

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele tinha ligação com o 482

TFP, não tinha? 483

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Íntima. 484

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Íntima ligação. 485

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Aí vários episódios Cintra 486

Bueno. Primeiro quando ele estava interrogando o frei Fernando, o frei Fernando 487

identificou num canto da sala atrás de um abajur o jornalista Lenildo Tabosa Pessoa, e o 488

Lenildo guardou essa mágoa a vida inteira porque ele jurava que não (...) que isso que o 489

Fernando disse era mentira. Mais era verdade. Ele devia ter muita culpa disso, ou seja, 490

ele ficou tido na imprensa. Tudo bem que ele fosse direita agora, como colaborador do 491

DOPS, isso foi terrível. Segundo, nós vimos várias vezes frades principalmente 492

capuchinos e freiras frequentarem o gabinete do Alcides Cintra Bueno pra entregar 493

informações. 494

O Sr. Interlocutor não identificado - Na lista naquele livro de presença aparece nome 495

de padre eu tive apachorra de ler (...). 496

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – E os sobrenomes? 497

O Sr. Interlocutor não identificado - Não eu teria que olhar de novo. Tem um padre 498

que volta e meia aparece lá. 499

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Você se lembra de 500

alguns nomes? Você chegou a identificar algum? 501

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nenhum. 502

O Sr. Interlocutor não identificado - Acho que é depois de 70. 503

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nenhum nome. Depois me 504

lembra de falar do padre Afonso, mas esse cara entra depois. O nome dele está aí 505

também nesse livro. O Alcides Cintra Bueno. 506

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Desculpe. Você falou os 507

monges e freiras você conseguiu identificar algum nome? 508

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Capuchinhos sim, mas das 509

freiras não. E o Alcides dizia que tinha sido aluno marista que os maristas tinham (...). 510

Porque eu questionei como ele tão cristão apoiava a tortura. Ele falou “Não. Imagina, 511

eu fui aluno marista eles me batiam com palmatória e aquilo foi muito educativo” 512

(risos). É um detalhe curioso. Depois que eu saí da prisão que ele tinha morrido. Um dia 513

o filho dele que eu não sei o nome me procura aqui no convento de São Paulo. O filho 514

tinha uma grande pergunta na cabeça “Meu pai torturou ou não torturou?” Eu disse pra 515

ele “Eu nunca vi seu pai torturar ninguém”. 516

O Sr. Interlocutor não identificado - Paulo o nome dele. 517

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Paulo. Eu tenho o nome 518

dele. 519

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – “Agora eu tenho certeza que seu 520

pai era conivente”. 521

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Esse é o grande (...) eu 522

seu que o grande problema dele é ele saber se o pai ele quer se convencer de que o pai 523

não torturou ninguém. 524

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É isso. Exatamente. Eu falei que 525

seu pai foi conivente ele foi conivente. Agora nunca vi seu pai torturar ninguém. E aí ele 526

me contou um episódio interessante porque como esses caras todos foram treinados 527

pelos americanos. Esses torturadores todos. Ele disse que o pai dele foi para os Estados 528

Unidos também. Foi treinado lá e depois voltou pra São Paulo e todo mês ele recebia 529

numa carta vinda dos Estados Unidos com uma nota de 100 dólares, quer dizer, ele era 530

pago pela repressão americana para servir. Detalhe, nós fomos. Nós frades todos fomos 531

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interrogados por dois americanos no quinto andar do DOPS e em inglês. Tinha 532

interprete. Você sabe se eram americanos mesmo? 533

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eram americanos 534

mesmo? 535

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eram americanos mesmo. 536

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Isso é bem interessante. 537

O Sr. Interlocutor não identificado - No quinto andar do DOPS. 538

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – No quinto andar do DOPS. 539

Todos nós frades. E eu me salvei então de uma (...). Bem já tinha o negócio do meu tio 540

essa ficha só veio cair pouco tempo depois quando eu propôs ao doutor Evair “Invés do 541

senhor ficar me interrogando o senhor me dá uma máquina de escrever. Eu sou 542

jornalista e eu conto tudo” e ele ingenuamente caiu na minha cilada. Trouxe uma 543

máquina de escrever dentro da cela. Eu estava na cela solitária. E aí eu fiz toda a minha 544

história lá e ficou por isso. Esse foi meu depoimento. No cárcere do DOPS tinha um 545

carcereiro chamado Adão, que acabou sendo mandado embora porque era muito 546

conivente com a gente. 547

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu o conheci. Você 548

subornava. 549

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. Ele levava hóstia pra gente. 550

Vinho pra gente fazer missa. Ficava consolando os torturados. Um verdadeiro 551

personagem dos Atos dos Apóstolos. 552

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Exatamente. 553

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Era o Adão. Bem aí nós fomos 554

pro Tiradentes o padre Carvalheira foi solto antes e ir pro Tiradentes de uma maneira 555

surrealista. Tinha um torturador que vocês identificam aí o tal do Pudim da equipe do 556

Fleury. E cabe a ele a tarefa de levar o padre Carvalheira de volta de carro ao Rio 557

Grande do Sul. E o Pudim era aquele que põe a mão na massa na sujeira mesmo. Tinha 558

um prazer especial. O Cavalheira tinha presenciado todo isso porque estava lá no fundão 559

do DOPS e toda hora alguém subia e voltava homens e mulheres totalmente 560

arrebentados e falando que “Olha foi o Pudim”. Aí o Pudim saí com o Carvalheira do 561

DOPS pra pegar a estrada pra ir pro Rio Grande do Sul. Mas antes ele fala “Não vou 562

passar em casa tenho que pegar umas roupas não sei quê tenho que avisar a minha 563

mulher.” Quando ele chega em casa. Estava a mulher, os filhos e um lanche preparado e 564

o Marcelo falou “Levei um choque de ver como é que um mostro daqueles dentro de 565

casa era um anjo”. Sabe, eu acho que a psicologia dessas caras no funcionamento é a 566

mesma que a gente tem em relação a barata. Se entrar uma barata aqui eu vou pisar sem 567

nenhum escrúpulo, sem nenhuma culpa. Acho que eles são trinados pra isso terrorista, 568

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subversivo, comunista (...) a gente vir aos olhos dele uma barata. Ele ficou muito 569

chocado com essa cena do Pudim. 570

O Sr. Interlocutor não identificado - Carvalheira? 571

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Carvalheira. 572

A Sra. Ariana Bazzano (Comissão Nacional da Verdade) – Sobre o DOPS ainda que 573

no Batismo de Sangue comenta da ala feminina. O senhor se lembra de quantas 574

mulheres haviam? Os nomes delas? 575

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Lembro. Várias. Elza Lobo, 576

Rose Nogueira eu acho que tinha umas 10 mulheres lá. 577

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – No DOPS? 578

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. No período que eu fiquei lá 579

que foi aquela primeira, segunda semana de dezembro. Eu fiquei lá umas 2 semanas no 580

máximo. Tinha o padre Aguste, que já morreu preso. Ele foi o que ficou mais tempo no 581

DOPS. O que foi mais interrogado pelo Alcides Cintra Bueno e fazia um trabalho 582

excelente em consolar os torturados. Todo mundo que chegava. Parece que até ele pediu 583

ao Alcides Bueno pra não ser tirado pra não ser mandado pro Tiradentes porque ele 584

queria fazer esse trabalho de apoio a quem chegava. 585

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Quando eu fui preso. Eu 586

fui preso em fevereiro de 70. Mais ele não estava mais lá. 587

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele devia ter ido um pouco antes 588

pra Tiradentes. Aí foi pra nossa cela a famosa cela 7. 589

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Deixa só eu fazer uma 590

pergunta. Acho que tem a ver mais (...) no caso foi no DOPS não foi no Tiradentes que 591

vocês receberam a visita do Agnelo, né? Foi no DOPS também? 592

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi. É no DOPS que a gente 593

recebe a visita do Agnelo. 594

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Como é que foi essa 595

visita do Agnelo? 596

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É no DOPS que a gente recebe a 597

visita do Agnelo. 598

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Também você tiveram 599

do representante do (...) 600

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Dequenondre. (grafia do nome 601

indeterminada). 602

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Dequenondre. 603

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Que é o representante dos 604

dominicanos. Da casa geral dos dominicanos em Roma. 605

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Mas ele veio também em 606

nome dos dominicanos. 607

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Veio! Em nome do superior 608

geral. Mais também do Vaticano. Da secretaria de Estado o cardeal. 609

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Exatamente. Como é que 610

foi essa visita do Agnelo? 611

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – A visita parece filme de Fellini. 612

É porque a gente é chamado. Primeiro manda a gente fazer barba não sei que (...) tomar 613

banho. Quando acontecia isso a gente percebia que tinha visita graúda aí pra dar boa 614

aparência. Tinha uma mesona pesada do DOPS. Uns 4 ou 5 delegados do lado do 615

cardeal, e nós ali sentados em frente e aí o cardeal começa a perguntar “ah, vocês 616

estavam envolvidos com o terrorismo não sei quê” a gente começa explicar mais os 617

delegados interferindo. Aí uma hora, não me lembro se foi o Fernando ou o Ivo. Um dos 618

dois fala, “mas Dom Agnelo a gente foi muito torturado”. Um delegado intervém, 619

“Mentira! Foram torturados nada! Eles caíram da escada”. E o cardeal na saída dá um 620

entrevista dizendo que “Eles tinham caído da escada que não tinham (...)” e nega. Tanto 621

que ele é removido daqui por nossa causa. 622

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Teve diálogo entre vocês 623

além disso? Entre você e o cardeal? 624

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não! O cardeal estava 625

convencido que nós éramos terroristas e deveríamos ser expulsos da Igreja. 626

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele tentou fazer algum 627

sermão pra vocês? 628

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Não fez nenhum. Ele (...) 629

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Essa visita dele durou 630

pouco? 631

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Durou, sei lá, uma meia hora no 632

máximo. O cardeal Scherer também esse Chaves Barcellos, antes de chamar o Exército. 633

Ele quis me entregar o cardeal Scherer. O cardeal Scherer fez exatamente com Ponto 634

Pilatos “Eu não tenho nada a ver com esse rapaz” ele nem padre era. Era seminarista. E, 635

portanto, aí o Chaves Barcellos “Mais eu vou entrega-lo então ao Exército”. “Faça 636

como o senhor quiser”, depois o Scherer ficou com culpa e começou a me mandar livros 637

no DOPS de Porto Alegre, e o padre Manuel era padre dele, e ele veio visitar o padre 638

Manuel aqui e entrou lá dentro e viu uma porção de gente torturada. Falou que ia tomar 639

Page 18: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

uma série de providências e não tomou nenhuma. Eram caras que tinham opção de 640

direita apoio a ditadura completamente diferente de Dom Paulo. Completamente 641

diferente. Eu tenho que falar desse padre Afonso cujo nome eu não me lembro agora, 642

que está aí também na íntegra de repente no DOPS aparece lá um padre não sei quê. Ele 643

tem um nome grande. Gordo, bonachão, que caiu do céu e veio nos visitar. Claro que a 644

gente não era ingênuo, e percebeu duas coisas primeiro que ele tinha simpatia pela TFP 645

se é que ele não era da TFP. Segundo, ele estava li para nos auscultar a mando do juiz 646

auditor que era o Guimarães. Como é que chama? 647

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Nelson Guimarães. 648

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nelson Guimarães que deve 649

estar vivo até hoje que era muito católico e era amigo desse padre. 650

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele disse claramente que 651

foi a mando do juiz ou não? 652

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele disse que o juiz tinha 653

autorizado. Só que o juiz tinha autorizado era excepcional ele entrava na cela. 654

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Na cela do DOPS que 655

vocês ainda não tinham (...) 656

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Aí já no Tiradentes. Mas ele 657

entrava na cela. Ninguém entrava na cela. Entreva na cela. Tomava café com a gente, 658

ficava lá dentro. Acontece que ele não acreditava (...), ele tinha uma coisa. Ele era m 659

homem de direita que estava ali fazendo um papel de colaborar com a repressão, mas 660

ele não era uma pessoa assim que ideologicamente repressiva. Ele não acreditava 661

sinceramente em tortura. Ele achava que tudo era uma maquinação do terrorismo que a 662

gente inventava os machucados. Até que ele viu o Tito voltar da tortura. O mundo desse 663

cara desabou. Ele mudou da água pro vinho esse padre. Desabou. Ele levou um choque 664

tão grande porque até então (...) nós tivemos o famoso caso do Dom Lucas que está 665

relatado no Batismo de Sangue porque o Dom Lucas Moreira Neves. 666

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele não era bispo ainda 667

era? 668

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Era bispo auxiliar em São Paulo. 669

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Já era bispo? 670

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Já! De Dom Paulo. Sim. E era 671

dominicano, quer dizer era confrade nosso. O Dom Lucas, a gente sabia que ele sempre 672

foi mais pra direita caso raro entre nós. No meio de um monte de ovelha preta tem que 673

ter algumas brancas. Não dá pra ter unanimidade em lugar nenhum. Então, o Dom 674

Lucas era auxiliar escolhido por Dom Paulo Evaristo Arns que nos apoiava totalmente 675

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enfim. Quando o Tito é torturado em fevereiro de 70. O Dom Lucas que era amigo do 676

juiz que o juiz tinha sido da JUC. Na época que Dom Lucas morria era sistema da JUC. 677

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – E o Nelson? 678

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O Nelson tinha sido de JUC. Eu 679

acredito até que o Nelson naquele período inicial dos anos 70 teve escrúpulos depois ele 680

viu que ou a carreira dele ou os escrúpulos dele. E disse como Jarbas Passatinho “As 681

favas os escrúpulos” ao ponto de liberar como Paulo Vanucchi Liberar no meio de 682

interrogatório na auditoria. O Paulo Vanucchi não quer falar ele faz um intervalo para 683

torturarem o cara lá no fundo, e voltar a ser interrogado, quer dizer, chega a esse 684

requinte. Mas o Dom Lucas consegue com o Nelson liberar licença pra ver o frei Tito 685

arrebentado 3 dias de tortura e além da tentativa de suicídio e não falou nada. Lá no 686

Hospital Militar. Os militares em pânico porque se frei Tito morresse porque padre 687

ditadura no Brasil, e repercussão que ia ter no mundo. E o Dom Lucas viu do lado do 688

Frei Domingos Maia Leite que era o nosso superior geral no Brasil. Quando foi o nosso 689

julgamento em 71 os nossos superiores pediram ao Dom Lucas que não que 690

comparecesse a auditoria, não que nos defendesse, que fizesse apenas um depoimento 691

por escrito dizendo como é que ele viu o Tito no hospital e ele se recusou dizendo “Eu 692

não quero prejudicar minha amizade com o juiz”, ou seja, ele fez uma opção pelo o 693

outro lado. Essa foi a grande vergonha que ele guardou para resto da vida. Quando ele 694

foi eleito cardeal tem uma entrevista coletiva aqui em São Paulo que o Clóvis Rossi 695

pegou meu livro Batismo de Sangue e falou “Dom Lucas aqui nesse livro” foi a única 696

vez que numa entrevista ele falou que essa pergunta eu não respondo. Como é que o 697

senhor explica isso. E não tinha explicação. Realmente ele fez uma opção pro outro 698

lado. 699

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – E foi solicitado a ele que 700

escrevesse um texto. 701

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É foi nesse depoimento. 702

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Em defesa (...). 703

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não, não. Apenas dissesse como 704

ele viu o Tito. 705

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Somente isso. 706

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É somente isso. Como é que 707

encontrou o Tito no hospital militar. E (...) 708

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Bom é aquela coisa vou 709

te perguntar (...) eu tinha ouvido várias vezes antes que o Dom Lucas antes dele ser 710

bispo auxiliar antes dele ser bispo, que ele não era confiável porque os seguranças 711

achavam que ele podia delatar as pessoas ou não. Você chegou a ouvir coisas desse 712

tipo? 713

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Nunca ouvi. Que ele 714

sempre foi mais pra direita sempre. 715

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu nunca comentei isso 716

em público porque nunca tive evidência nenhuma. As fofocas (...) 717

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Dom Lucas foi mais pra direita, 718

mas não acredito que chegasse a isso. É subjetivo. Eu não acredito que chegasse a isso. 719

Nunca ouvi nada disso. 720

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Mas há realmente uma 721

evidência de que ele foi omisso. 722

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi omisso. Foi obviamente 723

omisso. O Alcides Cintra Bueno tinha ganas no Dom Hélder. Tanto que o Marcelo 724

Carvalheira foi intensivamente interrogado por ele por causa do Dom Hélder, porque a 725

ditadura tinha ódio de Dom Hélder. Então como não podiam pegar o Dom Hélder 726

quando pegaram o seu principal assessor (...) eu me lembro inclusive no interrogatório 727

do Marcelo Carvalheira uma hora lá “Quem é Aglai?” Aglai era uma assessora do Dom 728

Hélder na CNBB. Uma senhora chamada Aglai que eu conheci. “Não mentira isso é 729

sigla de articulação não sei o quê latino-americana da esquerda!” (risos) 730

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Articulação Geral (...) 731

(risos). 732

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O negócio chegava a esse nível 733

era uma paranoia. Paranoia total. E aí, vocês vão pelas perguntas porque (...). 734

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu tinha (...) eu me 735

lembro uma vez eu recuperei isso de memória. Eu me lembro uma vez o João Valença 736

me falou que tinha um (...) vocês foram visitados pelo um capelão lá no Tiradentes. 737

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah é. Essa história é 738

interessante. 739

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele era de Santos parece. 740

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não o capelão foi o seguinte. A 741

história do capelão. Padre Luís Marques. A história do capelão foi uma sacada minha. A 742

ditadura estava convencida que toda repercussão “ante Brasil no exterior” era coisa dos 743

frades presos, por isso, é que nós passamos a um regime muito especial que não houve 744

caso parecido no Brasil. Dos 4 anos que nós ficamos presos nós ficamos dois anos os 745

dois últimos junto e na condição de preso comum. Foram mais 3 com a gente pra 746

disfarçar que eram leigos foram colocados no pacote pra não dizer (...) mas a 747

ingenuidade da ditadura achando que nos tirando do meio dos políticos e nos levando 748

pro meio dos comuns a gente não ia saber mais nada e a gente sabia de tudo. 749

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Pelo contrário. 750

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É porque a gente enfiou os 751

comuns também nas denúncias. Mas era ingenuidade deles. Antes da ditadura tomar 752

essa decisão de nos passar. Nós primeiro fomos para a penitenciária do estado 753

Carandiru, e Presidente Venceslau, mas antes desse percurso nos tiraram. Houve um 754

momento assim: temos que tirar eles do Tiradentes. Quando nós fizemos greve de fome 755

porque já vinha a notícia que a gente ia ser removido. Então houve uma greve de fome 756

que durou não me lembro quanto. Acho que foi 6 dias. Depois fizemos outra de 36 dias. 757

Nós fomos levados cada um pra solitária de um quartel da Polícia Militar. Então eu tive 758

a ideia porque totalmente isolado numa cela sem água, sem banheiro, só podia ir ao 759

banheiro uma vez por dia. Então por isso que eu falo “Você foi torturado?” “Não fui, 760

mas fui” quer dizer, você ficar numa cela de (...). 761

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Tortura psicológica. 762

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – 2 metros por 1,5 com bastonete 763

lá me cima nem subindo na cama eu chegava lá. De luz acessa dia e noite. É claro que 764

eu tinha meia e cobria o olho à noite com a meia e fazia uma série de exercícios que eu 765

tinha aprendido na literatura carcerária como sobreviver na solitária. Porque o pior 766

inimigo é a insônia, e a imaginação. São os dois grandes inimigos então você tem que 767

dormir à noite pra isso você tem que andar muito o dia inteiro ali. E tem que se ocupar 768

de dia. Então eu dava aulas em voz alta e o guarda achava que eu tinha ficado louco 769

antes do tempo porque chamava lá o oficial “Só fala sozinho ele tá pirado” justamente 770

eu estava organizando o raciocínio e me ocupava manualmente. Então com o frio do 771

colchão eu (...) o pão que eu não comia o miolo pra não dar resíduo do no intestino pra 772

poder disciplinar o intestino pra só funcionar pela manhã. Eu fiz um terço. Eu me 773

ocupava com essas coisas. Eu tive a bela ideia de pedir como frade católico “Eu quero 774

domingo o capelão da Polícia Militar” que eu não conhecia, mas vamos ver o que 775

acontece eu não tenho nada a perder. E aparece todo fardado com a pasta, o padre Luís 776

Márcio que eu nunca tinha visto na vida que a minha cela tinha uma grade. Depois da 777

grade tinha uma porta de madeira, e aí tinha um corredor onde tinha um soldado com o 778

fuzil. 779

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Isso aí onde é que foi? 780

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Cada um foi pra um quartel. No 781

meu caso eu fui para o quartel na rota, e depois fui transferido pro quartel general que 782

fica ali do lado de onde ficava o Tiradentes. Mas primeiro e fui pra rota. 783

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – A rota não era ali 784

também? 785

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Em frente a Tobias de Aguiar. 786

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Tobias de Aguiar. 787

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – O oficial chegou, “esta aí o 788

capelão”, e foi embora e o soldado ficou com o fuzil assim, meio não levantado nem 789

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abaixado olhando. E o padre Luís falou “Você quer comungar?” eu disse “Eu quero 790

comungar padre” ele disse “Você quer se confessar?” ele disse “Não quero me 791

confessar eu quero apenas comungar” ajoelhou tudo piedosamente friamente. Mas ele 792

olhava assim para o cara e o soldado vendo aquela cena de nós dois ajoelhados. Ele 793

tirou a bíblia, o crucifixo, cálice com a hóstia não sei quê batendo. O soldado ficou 794

constrangido e aí sim abaixou o fuzil e começou a não olhar. Na hora que ele começou a 795

não olhar o padre Luís tira de dentro da pasta um Estadão. Eu fiquei um mês lá dentro 796

deve ter acontecido assim uns 10 dias depois (...) eu li esse Estadão e eu levei 20 dias 797

pra ler esse Estadão porque eu tinha medo de acabar pra eu ter ainda o que ler. Li todos 798

os anúncios porque o Estadão era domingo era bem grosso. E tirou um embrulho que 799

ele enfiou debaixo do colchão. O Estadão ele tirou e deixou ali. Eu quando vi que esse 800

cara tirava um embrulho e enfiava de baixo do colchão “Esse cara está do meu lado” ele 801

não disse nunca depois ele passou a nos visitar no Tiradentes quando a gente voltou pro 802

Tiradentes a fazer coisa que a gente dizia. Padre Luís não faça isso porque aí ficou 803

amigo nosso. Ele levava uma garrafa de vinho não faça isso vão te pegar, vão te 804

complicar a vida. Mas a gente sentia que ele tinha compaixão para com a gente. Depois 805

que eu abri o embrulho era um pedaço de bolo que ele levou escondido. E a gente 806

passou a entregar cartas clandestinas, que precisavam sair do presídio. Ele nunca se 807

recusou a levar. Ele também já morreu. Nunca se recusou a levar mas nunca falou uma 808

palavra “Deixa que eu levo. Deixa que eu entrego” ele pegava, colocava dentro da pasta 809

e ia embora. E entregava. Como também no dia que nós fomos tirados de madrugada do 810

Carandiru pra levar ser levado para Presidente Venceslau. Eu disse para o diretor do 811

Carandiru que era o coronel Guedes. Falei “Coronel, o senhor sabe pra onde a gente 812

vai?” ele respondeu “Não tenho a menor ideia” “E porque a gente está sendo 813

transferido?” “Ordem da auditoria militar e vocês vão ser levados para o DOPS” eu falei 814

“Ah, não. Nós vamos ser levados pelo Esquadrão da Morte. O senhor já pensou se 815

amanhã no jornal aparece a gente aí com a boca cheia de formiga? Que pepino que não 816

vai ser pro senhor? Porque que o senhor não manda fazer um exame de corpo e delito 817

comprovando que daqui nós saímos íntegros?” O cara só faltou se ajoelhar pra me 818

agradecer de pé. Porque que eu bolei isso? 819

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Proteção. 820

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Só que era de madrugada. E os 821

médicos do Carandiru não estavam. Então o que ele fez? Ele ligou pro plantão do 822

Hospital das Clínicas que mandou três médicos pra lá. Pra fazer o laudo de que nós 823

tínhamos saído inteiros de lá. E quando eu entrei no gabinete médico eu falei “Doutor, 824

eu não quero saber o que o senhor pensa da gente. Eu só quero dizer o seguinte, nós 825

estamos sendo levados pelo Esquadrão da Morte. Não temos a menor ideia pra onde a 826

gente pode aparecer morto amanhã. Por favor, se o senhor tem alguma compreensão pra 827

situação que a gente está passando o senhor liga pro frei Edson nesse telefone aqui” que 828

era o telefone do convento das Perdizes e o frei Edson era o nosso superior aí da 829

comunidade. O cara também não moveu um nervo. Não disse sim nem não eu não 830

cobrei dele se ele ia fazer ou não, mas ele fez. 831

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele fez? 832

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele fez. É isso que no dia 833

seguinte já – nós levamos 16 horas viajando naquele camburão de polícia naquele cofre 834

traseiro – daqui de São Paulo até Venceslau. 835

O Sr. Interlocutor não identificado - Qual que é a data disso? Você sabe mais ou 836

menos? 837

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Isso deve ter sido início de 72. 838

No diário de Fernando tem tudo em detalhes. Essa transferência como é que foi e tudo. 839

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Agora esse Luís 840

Marques. Não Luís Marques é padre. Eu digo o capelão era padre. 841

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Era o capelão da Polícia Militar. 842

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele é da polícia miliar? 843

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele era da polícia militar. 844

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não era do Exército? 845

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Da polícia militar. 846

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Porque isso foi (...) estou 847

tentando identificar aqui também outro caso. Porque uma das coisas importantes pra 848

gente averiguar é o papel dos capelões militares. 849

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É importante. 850

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Até que ponto 851

colaboraram até que ponto foram omissos ou solidários. E se tem o caso do Marcos 852

Augusto. Você conhece? 853

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Conheço muito. 854

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Quando ele esteve aqui 855

também no hospital depois da tortura. Ele também pediu um capelão. O capelão esteve 856

lá. Mas aí eu acho que foi no Hospital do Exército. Mas aí ele fez a mesma coisa pedia 857

ao capelão que passasse o telefone pra ele (...). 858

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O Marcos foi pro mesmo 859

hospital que o frei Tito foi e onde eu quando estava em Tiradentes fui operado da 860

sinusite. No Hospital do Exército ali no Cambuci. 861

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Do Exército não da 862

Aeronáutica, né? 863

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Do Exército. 864

Page 24: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O Marcos pediu pra ver 865

pra ele o telefone, e pediu pra telefonar, avisar a família dele que ele estava preso. 866

Porque já fazia alguns dias que havia sido sequestrado. Ele nunca moveu uma palha 867

também. 868

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nunca fez. 869

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não. Nunca fez. Sendo 870

que outros. Por exemplo, eu no dia que fui preso na Operação Bandeirantes eu consegui 871

passar um bilhetinho pro rapaz que estava na guarita da Polícia do Exército. Era um 872

recruta. 873

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – E ele fez? 874

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele avisou. Então, quer 875

dizer, não é a mesma pessoa. É outra pessoa. O capelão do Exército. Agora já que a 876

gente está falando de (...) você conhece já ouviu falar do padre Leopoldo Belmonte? 877

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. 878

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Bom como isso aqui por 879

enquanto é sigiloso esse depoimento. Eu descobri o nome dele pesquisando o arquivo 880

oficial do estado de Pernambuco parece um boletim do Exército, no serviço secreto do 881

Exército. Um informe feito por ele por esse padre. Ele participou lá falava “Padre fulano 882

de tal participou de dois encontros religiosos em Rio de Janeiro e São Paulo e envia o 883

seguinte relatório” os caras dedaram o informante. É interessante que um é um encontro 884

de religiosos no Rio de Janeiro não dá tantos detalhes. Mas o de São Paulo coincidiu 885

com aquele momento em que o governo queria deportar o Dom Pedro Casaldáliga. 886

Então ele narra toda a discussão dos bispos que estão presentes, e a estratégia montada 887

pelos bispos pra se solidarizar com o Dom Pedro. Consta lá que o Dom Paulo ia 888

escrever uma biografia dele. Dom Luciano ia fazer um pronunciamento, enfim, todo o 889

esquema. Você nunca ouviu falar dele? 890

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. 891

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu estou tentando 892

descobrir. Não consigo descobrir quem ele é por onde ele anda. 893

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nunca ouvi falar. Você foi na 894

cúria nos arquivos da cúria? 895

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – É isso que nós vamos 896

tentar agora lá na cúria porque tem um detalhe que o Alcides Cintra Bueno mantinha 897

um arquivo em casa. 898

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – E o filho dele principalmente 899

tinha esse arquivo. 900

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O filho dele 901

principalmente tinha esse arquivo. O filho dele doou para a cúria. 902

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É verdade. 903

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Estamos tentando 904

descobrir onde é que estão os nossos arquivos lá. 905

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não está no Brasil Nunca Mais. 906

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não está no Brasil 907

Nunca Mais não. Uma pergunta que eu tinha depois (...) tem várias outras que eu 908

gostaria de fazer. Mas o MPL, Movimento Popular de Libertação. É interessante porque 909

eu nunca tinha ouvido falar antes desse movimento. 910

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É o de Waldemar Rossi? 911

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não sei se o Waldemar 912

está envolvido, mas quem primeiro falou com a gente foi uma conversa assim (...) você 913

conhece a Letícia Cotrim? 914

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Conheço. 915

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Então a Letícia e o (...). 916

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. Tinham várias pequenas 917

siglas. Eu acho que o Waldemar Rossi que foi preso, torturado no DOPS. Eu acho que 918

ele era desse movimento. Mais eu nunca tive contato com esse movimento. É uma coisa 919

vaga assim pra mim. Eram (...). 920

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Era um movimento mais 921

de classe média, médio-alta (...) as pessoas que falaram foi a Letícia. A Beatriz (...) a 922

Bibiana você conhece também? 923

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Também. 924

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Vou tentar descobrir o que é 925

que é porque eu fico curioso porque parece que tinha em vários lugares. A Letícia falou 926

que eles (...) um dos papeis desse grupo desempenhou foi ajuda ao pessoal que estava 927

sendo perseguido precisava recuperar o dinheiro. Providenciar inclusive documentação 928

pras pessoas que estavam na clandestinidade. Estou tentando porque é importante 929

conhecer isso. O que eu ia te perguntar é o seguinte como é que foi o período anterior. 930

Você começou com a primeira prisão. O período anterior assim não só (...) uma das 931

coisas que nós estamos investigando apesar de, quem acompanha o campo religioso no 932

Brasil conhece bem isso, especialmente quem acompanho do campo católico romano e 933

também protestante. A gente tem que reconhecimento de todas as diversas vertentes 934

teológicas. Mas como a gente quer incluir isso no relatório. A gente está investigando 935

também tentando descobrir qual o processo de reflexão político, teológico que levou 936

Page 26: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

vocês a se engajar primeiro na luta por reformas no Brasil, depois na luta contra a 937

ditadura e no caso específico seu, e daquele grupo de dominicanos a aproximação com a 938

ALN. É claro que a gente vai ver também os pressupostos, digamos teológicos e 939

políticos que levaram setores da Igreja a apoiar o golpe e ajudar na consolidação da 940

ditadura. 941

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O seguinte. A Ação Católica 942

principalmente JOC, JEC e JUC porque era assim Ação Católica um balaio. Dentro 943

desse balaio tinhas várias laranjas A, E, I, O, U. Vocês já sabem disso? Você saia disso 944

Ariana? A JOC que foi a mãe de todos os outros foi fundada lá na Bélgica nos anos 30. 945

A JEC e a JUC tinham uma linha muito progressista. E no caso da JEC e da JUC os 946

dominicanos eram os assessores desses movimentos aqui no Brasil e esses dominicanos 947

tinham sido formados no pós-guerra da França. E o catolicismo francês pós-guerra é 948

muito avançado por causa da aliança com os comunistas na resistência francesa. E aí 949

vem Jacques Maritain o pensamento do padre Debrait, manual da teologia dos 950

dominicanos o Chenik com k e o movimento dos padres operários. No final dos anos 951

40. O clero francês é um setor percebe que a Igreja é muito elitista não sei quê e tal e 952

que o operariado está abandonado. Então não adianta querer que, os operários venham a 953

Igreja nós precisamos ir aos operários. Esses padres então viram operários nas fábricas. 954

O Sr. Interlocutor não identificado - Só uma pergunta essa aliança com os comunistas 955

se dava no período da invasão alemã. 956

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – É. Se dá no período da invasão 957

alemã. 958

O Sr. Interlocutor não identificado - Da resistência a invasão alemã. 959

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente. Aí tem dois grandes 960

pensadores filósofos que é o Jacques Maritain e o Emmanuel Mourier, que são os 961

nossos luminares aqui na Ação Católica daqui. Eu entrei com 13 anos. Eu entrei 962

precocemente, a gente já lia em francês. A gente aprendia francês para ler esses caras, e 963

bebia toda essa cultura de um cristianismo numa definição mais didática mais social. 964

Então pra nós, adolescentes, o pecado não era se masturbar. O pecado era a opressão, a 965

injustiça era outra visão cristã completamente diferente, daquele moralismo que 966

predominava na Igreja católica. Então aí já vem o espírito de militância muito forte. 967

Tanto que todos nós, da JEC, buscávamos ser líderes estudantis e conseguíamos. Eu fui 968

eleito primeiro vice-presidente da União Municipal de estudantes secundaristas de Belo 969

Horizonte. Eu tinha 16 para 17 anos. Era um pirralho ainda tenho ainda tenho a foto 970

desse congresso todo mundo é mais velho que eu. Eu pirralho ali já e no dia na renúncia 971

do Jânio o presidente se escafedeu, e eu que fui pra rua. Foi a primeira vez que eu 972

enfrentei Exército e bomba de gás lacrimogênio mover os estudantes pela volta do Jânio 973

pra evitar o golpe aquele negócio todo. Quando eu vejo hoje um garoto de 16 e 17 anos 974

eu vejo que diferença. Com 20 anos eu já tinha corrido o Brasil inteiro duas vezes 975

articulando movimento estudantil. No dia do golpe eu estava no congresso latino-976

americano de estudantes em Belém que foi reprimido escapei por milagre. Devia ter 977

Page 27: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

sido a minha primeira prisão. Mas enfim. Já vinha aí desse viés progressista da Igreja. E 978

o pessoal da JUC principalmente o Betinho e esse Luiz Caldera Brant que era os 979

grandes líderes já tomando a UNE. O Aldo Arantes da JUC que seria presidente da 980

UNI. O Vinícius da JUC vira presidente da UNE. O Serra que não era da JUC, mas 981

apoiava, vira presidente da UNE e sei lá mais quem. Uma coisa assim a gente realmente 982

formava uma escola de lideranças. Nasce a AP, porque os bispos diziam vocês da Igreja 983

não podem fazer política em nome da Igreja, então, criou-se um braço laico. Ação 984

Popular orientada ideologicamente por um jesuíta hegeliano chamado Henrique Vasca 985

um dos maiores filósofos da história do Brasil. E depois se arrependeu amargamente de 986

ter feito isso. Por quê? Porque o pessoal depois de Hegel foi pra Marx e ele nunca foi. E 987

via o pessoa sendo preso, exilado, torturado, assassinado. Ele sofreu muito. Eu tive até 988

uma discussão muito brava depois que saí da prisão porque eu defendia que entre a 989

fome porque ele dizia “Ah nos países socialistas não tem liberdade”, mas ninguém 990

passa fome. Não tem miséria. Não tem favela. Aí ele falou “Pois é Betto, mas eu quero 991

deixar claro que entre a fome e a liberdade eu prefiro a liberdade” eu falei “Pois é. É 992

fácil falar isso quem não passa fome” eu lembro que foi um arranca rabo nosso num 993

seminário. Eu naquela época estava bem naquela coisa socialismo, marxismo, vamos 994

conquistar. A gente passa por todos os “ismos”. Eu já vinha de uma militância 995

estudantil. Vinha e sempre com muita fé até já cultivando a ideia de me tornar 996

dominicano, religioso, pelo exemplo do frei Matheus, frei Chico, frei Marcelo que são 997

os frades com quem a gente convivia mais. Mas aquela dúvida entro na faculdade de 998

jornalismo ou não vou. Depois dessa prisão de 64 é que eu vou entrar pra sair. Eu brinco 999

tem 48 anos que eu estou lá. Eu falo não estou mais por virtude, mas por vício. Eu entro 1000

nos dominicanos e me lembro que a primeira conversa que eu tive com o superior do 1001

Brasil que a gente chama de provincial que o frei Oscar foi o Alexandre Custoza que 1002

hoje está com Alzheimer. Há sete anos que está fora do ar. Eu disse “Olha frei 1003

Alexandre, eu estou entrando na ordem mais o meu projeto não é ser padre não. Meu 1004

projeto é fazer a revolução no Brasil. Se a ordem for meio pra isso eu continuo se não 1005

for eu estou fora” ele falou “Eu também estou aqui pelo mesma razão” e pronto me senti 1006

à vontade. Não sei se ele falou isso por pedagogia não deixa não dá tempo. Me senti à 1007

vontade e de fato depois que eu vim para São Paulo em 65. Não! Em 65 eu fiz o 1008

noticiário de Belo Horizonte em 66 eu vim pra cá. Eu me ligo aos grupos de AP sem 1009

nunca ter sido militante da AP. Nunca me assumi mais estudar marxismo do Eduardo 1010

Pacheco, o Vinícius Caldeira Abrante que estava por aqui, o Vicente Trevas, me ligo a 1011

esse pessoal. Tinha até uma coisa curiosa. Eu frade dava aula de marxismo pra novos 1012

militantes da AP lá no convento sábado à tarde. Eles iam lá tinham entrado para Ação 1013

Popular um movimento marxista precisava saber o que era a teoria marxista. Eu ia lá 1014

para dar aula. Ao mesmo tempo a gente se ligando a esses movimentos estudantis 1015

porque os dominicanos eles tinham 2 características muito fortes na época que ainda 1016

perdura. Primeiro que a gente desde estudante tem que trabalhar e se manter do 1017

trabalho. Nós somos umas das raras ordens talvez por isso nós sejamos tão poucos no 1018

Brasil que não tem fontes de renda. Hoje nós temos antigos conventos alugados pra 1019

escolas. Mas naquela época nem isso, quer dizer, nós fizemos uma opção mesmo de não 1020

Page 28: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

ter imóveis. Fazenda, gráfica, livraria como outras. Colégio São Luís mantém os 1021

jesuítas. Nós nunca fizemos isso. Desde estudante o cara tem que trabalhar. 1022

O Sr. Interlocutor não identificado - Ora et labora. 1023

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É, mais labora do que ora porque 1024

se eu fosse escrever um livro o Vinícius escreveu O ano que não terminou 68 pra mim 1025

foi o ano que eu não dormi porque eu estudava filosofia, estudava antropologia na USP, 1026

trabalhava na Folha da Tarde, era assistente de direção de teatro oficina, e fazia 1027

subversão. Eu hoje tentando pensar como é que eu organizava o tempo. Eu não tenho 1028

ideia como era mais que eu fazia tudo isso eu fazia. 1029

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Quer dizer, a ordem dos 1030

dominicanos ela não é rica? 1031

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não! Pelo menos no Brasil. Pelo 1032

menos no Brasil sempre foi deficitária. 1033

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Quando você tem umas 1034

ordens religiosas digamos quando você tem o voto de pobreza (...) 1035

O Sr. Interlocutor não identificado - São as mais ricas. 1036

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não. Os membros da 1037

ordem são pobres, mas a ordem é rica. 1038

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah é verdade. No caso do Brasil 1039

nem isso. 1040

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Digamos CIA, por 1041

exemplo, é um dos grandes acionistas é uma das ordens europeias que eu nem quem é. 1042

Qual delas. 1043

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – São os jesuítas. 1044

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – São os jesuítas? 1045

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – São os jesuítas. 1046

O Sr. Interlocutor não identificado - Esse posicionamento é mais engajado era só 1047

entre os dominicanos ou tinha outras ordens católicas? 1048

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Nós éramos o grupo mais 1049

avançado da Igreja do Brasil. Por causa dos frades que vieram formados na França do 1050

pessoal que já tinha abertura pro comunismo, pro marxismo, os padres operários e aqui 1051

o frei Carlos Josafá, que está vivo com 92 anos tem uma saúde e uma inteligência de 20. 1052

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Vou entrevista-lo 1053

também. 1054

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – O quanto antes. Porque ele está 1055

muito bem e vai se sentir honrado. Ele funda o primeiro tabloide de esquerda da história 1056

do Brasil, e eu fico com raiva quando eu leio por aí que o Opinião, Movimento, nada 1057

disso foi o Brasil Urgente que foi fundado em 62. 1058

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – 62. Eu ajudei muito o 1059

Brasil Urgente. 1060

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente. 1061

O Sr. Interlocutor não identificado - Depois do golpe foi recolhido. 1062

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi recolhido. Aí acaba com o 1063

golpe. Então, eu entro numa comunidade que já era. Já respirava o progressismo. 1064

O Sr. Interlocutor não identificado - Que outras ordens respiravam progressismo? 1065

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Aí você tinha setores. Você 1066

nunca tinha o conjunto. 1067

O Sr. Interlocutor não identificado - Em que ordens? 1068

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Em todas elas você tinha. Uma 1069

maioria morna, um grande setor de direita e uma minoria progressista de esquerda por 1070

causa dos dominicanos. Então você tinha camilianos. Tinha gente do nosso lado. Tinha 1071

franciscanos. Tinha os jesuítas o meu primo João Batista Libanio que é o que a gente 1072

chama hoje de o pessoal da teologia da libertação. Na época não havia esse nome. Em 1073

todas elas tinha alguns gatos pingados agora como comunidade. Nós éramos os únicos. 1074

O Sr. Interlocutor não identificado - Tudo isso fruto do contato com a teologia que 1075

vinha da Europa. 1076

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Tudo com a teologia 1077

progressista que vinha da Europa. 1078

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Também contato com a 1079

realidade aqui. 1080

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. Contato com a realidade. 1081

Primeiro começamos aqui no século XIX com índios. Depois com estudantes e depois 1082

com periferias. Pobres. Eu fui morar em favela quando eu saí da prisão, invés de eu ir 1083

para o exterior como a gente sofreu pressão. Eu fui morara na favela cinco anos em 1084

Vitória. 1085

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – No caso dos 1086

dominicanos eu me lembro que (...) quase o mesmo que eu fazia aqui no Brasil 1087

clandestino também. Mas eu cheguei antes. Me hospedei muito no convento de Belo 1088

Horizonte, no Rio (...) 1089

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Frei Liseo você conheceu? 1090

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Liseo, Romeu (...) 1091

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Marcos? 1092

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Marcos, quer dizer, gente 1093

que realmente dava apoio. Coisa que não acontecia nos outros conventos. Em outras 1094

ordens. 1095

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente. A história da gente 1096

vem disso. Quando o frei Osvaldo na USP. Mais ele na UPS lá no campus Maria 1097

Antônia conhece o João Antônio que acaba agora de a Comissão da Verdade descobrir 1098

exatamente como ele e a Catarina foram mortos. O João Antônio recruta o frei Osvaldo 1099

da ALN e leva no convento o professor Menezes, que é o Marighella. Então, eu e o 1100

Osvaldo vamos pra parlatório receber o João Antônio com o professor Menezes que no 1101

fim da conversa sobre o concílio, a Igreja não sei quê, entrega um pacotinho 1102

embrulhado para a gente de livros e quando ele vai embora a gente abre e tá lá poesias 1103

de Carlos Marighella. E aí caiu a fica de que esse cara é o famoso Marighella. Mais um 1104

pouco a trajetória foi essa. 1105

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Agora o debate era feito, 1106

quer dizer, a tua descrição era parece que foi um debate mais de caráter político do que 1107

teológico. 1108

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah, sim. Apesar de que havia 1109

uma elaboração teológica mais era de caráter político. A gente abraçou o marxismo. A 1110

gente estudava conhecia profundamente passamos pela fase estruturalista do Athusser. 1111

Só não entramos na fase maoísta que atende que a AP embarcou. A gente não entrou 1112

nessa e depois com muita crítica a União Soviética, ao sistema soviético com muita 1113

simpatia por Cuba. Enfim, isso a gente realmente teve esse processo de (...), e havia 1114

uma reflexão teológica que começava. Essa reflexão teológica ela só aflora mesmo 1115

quando a gente sai da prisão por coincidência extrema. O Fernando Ivo e eu somos três 1116

frades presos durante quatro anos. Até fim de 73. Falamos a gente precisa (...) a gente 1117

estava vendo a teologia da libertação surgir. O livro do Guitiérrez de 71. A gente precisa 1118

organizar esses teólogos pra eles estudarem marxismo. Se não a gente não vai conseguir 1119

que a Igreja colabora na construção do socialismo. E a gente então funda um grupo que 1120

chama até hoje o grupo Emaús que Anivaldo vai fazer 40 anos ano que vêm. Esse grupo 1121

desde o primeiro semestre 74 se reúne sem falhar um ano, um semestre. A gente se 1122

encontra um final de semana no primeiro semestre e 1 final de semana no segundo 1123

semestre. E desse grupo Emaús você sabe quanta coisa se criou. Eu estou dizendo isso 1124

há dois dias atrás eu faço o primeiro texto chamado primórdios do grupo Emaús pra um 1125

livro que nós vamos fazer sobre a história, que é um história não conhecida no Brasil 1126

que a gente também nunca teve interesse em propagar isso mais o Jeter, o Milton 1127

Schwantes todo mundo até o Rubem Alves passou um tempo no grupo Emaús. Ele 1128

passou um tempo lá também. 1129

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – E o diálogo com os 1130

outros setores cristãos? Porque é claro esses diálogos se dão na luta (...) por exemplo, eu 1131

me lembro do caso dos dominicanos o meu primeiro contato com os dominicanos foi 1132

em 60 por aí, 60 e poucos. Por meio de encontros organizados pelo Shaul. O Richard 1133

Shaul aquele (...). 1134

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi. 1135

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Tem uma diferença 1136

muito grande em relação ao pensamento teológico do novo que tem antes do Brasil um 1137

membro protestante principalmente, que leva a contribui pra essa aproximação. É claro 1138

que os católicos estavam vivendo o período do vaticano segundo durante (...) 1139

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Lá pelo convento andava muito 1140

Brandy Tyson. 1141

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O Bandy. 1142

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Você o conheceu? 1143

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Conheci. 1144

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Depois foi para os Estados 1145

Unidos e muito anos depois eu encontrei nos Estados Unidos. Ele morreu já. Foi casado 1146

com a Judite Patarra, brasileira. 1147

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) –Mais a última esposa dele 1148

é a Creuza Maciel. 1149

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Exatamente a Creuza Maciel. 1150

Muitos anos depois quando eu encontro o Washington ele está casado com a Creuza. 1151

Então o Brandy Tyson. O ecumenismo nunca foi uma área de atuação minha 1152

pessoalmente. Eu sempre fui muito aberto devo dizer até que está Batismo de Sangue 1153

que quem me escondeu aqui quando O Flávio Império, estava trabalhando com o José 1154

Celso no teatro oficina. Eu estava trabalhando como assistente de direção do Rei na 1155

Vela. Quando o Flávio Império que era o cenógrafo me leva eu vou te esconder na casa 1156

de um amigo. Ele me leva para a casa de um pastor americano na Mooca. 1157

O Sr. Interlocutor não identificado - Tem o nome? 1158

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Menor ideia vem aquele 1159

bloqueio eu nem queria saber o nome do cara. 1160

O Sr. Interlocutor não identificado - Nem a denominação? 1161

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nem a denominação. Pastor 1162

americano. Mas eu me lembro que ele morava na Mooca por quê? Eu marcava os 1163

encontros numa pracinha de uma Igreja que tem lá me Moema. 1164

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O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Então não é Mooca. 1165

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. É Moema. 1166

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu sei quem é. 1167

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Então quem é? 1168

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – William 1169

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Que Igreja que era? 1170

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) –Metodista. Ele mora 1171

numa casa inclusive com uma (...) O nome dele é William. 1172

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Olha que coisa louca podia ter o 1173

nome desse cara aí. Já deve ter morrido? 1174

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Morreu. Eu escrevo aqui 1175

pra te dizer. 1176

O Sr. Interlocutor não identificado - Não tem ninguém família dele? 1177

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah eu vou anotar o nome dele 1178

porque isso pra mim é importante. Vou te dar o meu memorial você escreve aqui. 1179

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Tá. 1180

O Sr. Interlocutor não identificado - Só uma outra questão que eu acho que tem um 1181

pouquinho a ver. O senhor falou da questão da (...) existência de um esquema de rede de 1182

proteção no Sul. 1183

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Certo. 1184

O Sr. Interlocutor não identificado – Isso aí se efetivou? E se efetivou eu gostaria de 1185

saber teve alguma participação de membros de outras confissões cristãs nisso. 1186

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Na verdade (...) outras 1187

confissões não. Na verdade, a minha rede de apoio no sul eram: alguns estudantes 1188

jesuítas, como esse Camilo e esse Francisco Castro e um irmão marista que está vivo 1189

chamado Antônio Cequim. 1190

O Sr. Interlocutor não identificado - Era essa rede que seria montada para tirar as 1191

pessoas do Brasil? 1192

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Era que me ajudava. E esse 1193

padre Manuel Valiente. 1194

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O Sr. Interlocutor não identificado - Mas tinha outras redes de outras organizações 1195

que exerciam esse papel também? Porque não é a primeira vez vocês falam do Sul como 1196

rota de escape. 1197

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Tem a rede ecumênica. 1198

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Mas eu não tinha contato. E 1199

alguns padres que me ajudaram que estão citados aí. Mais assim eventualmente “Tem 1200

um amigo meu de São Paulo que precisa dormir uma noite aqui na paróquia.” Mal 1201

sabiam eles, que era sequestrador do embaixador americano. Tudo. O próprio Toledo 1202

que era o braço número um do Marighella chega no cristo rei vestido de padre, de 1203

clégio. Ainda bem que ninguém sentou-se à mesa pra questionar teologicamente que 1204

teria sido uma saia justa. Quando eu penso a loucura que a gente fazia. Imagina o cara ia 1205

de padre para o seminário. Sendo que um comunista não tinha a menor ideia de nada de 1206

Igreja. Se perguntasse pra ele qual era os sete sacramentos ele não sabia dizer. 1207

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Nem o primeiro? 1208

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Nem o primeiro, nem o que é 1209

sacramento. 1210

A Sra. Ariana Bazzano (Comissão Nacional da Verdade) –Por falar já em Rio 1211

Grande do Sul. O senhor falou de 12 pessoas que o senhor ajudou passar na fronteira. O 1212

senhor se lembra os nomes? 1213

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Todos estão nesse livro. Todos 1214

estão nesse livro. Mas os mais conhecidos são: Jorge Minerva Jordão, a quem eu dedico 1215

o livro. Foi o primeiro que eu passei. Ana Maria, que hoje tem outro sobre nome mas a 1216

época ela era ex-esposa do Vladimir Palmeira. O que foi ministro do Lula, das 1217

comunicações. Não ministro das comunicações como o Paulo Bernardo. Ele foi no 1218

gabinete do presidente do secretário de comunicações (...). 1219

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O secretário da 1220

comunicação. 1221

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – É secretário de comunicação. Um 1222

cara alto. 1223

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Guchiquem? 1224

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Não, um cara alto. 1225

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Cocho? 1226

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Filho do senador lá de Vitória. 1227

Do Mário Martins. 1228

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Franklin Martins. 1229

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Franklin Martins que participou 1230

do sequestro do embaixador americano. E outros aí que eu não (...) a memória vai 1231

ficando. Os neurônios, depois de certa idade, começam a desabar que nem vírus de 1232

computador. 1233

O Sr. Interlocutor não identificado - Outra coisa que é também importante pra gente, 1234

Betto. É se você conseguisse lembrar ou pelo menos indicar pra gente onde tá nesses 1235

seus livros o nome das mulheres que estavam presas. 1236

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pois é. Estão nesses dois livros. 1237

Principalmente no diário de Fernando. Porque o diário de Fernando é como a gente 1238

levou 36 anos pra jogar esses livros na editora. Tive mais cuidado de pesquisar de (...) 1239

agora a Elza Lobo e a Rose Nogueira sabem tudo sobre essas mulheres. Elas duas 1240

sabem melhor do que eu. 1241

O Sr. Interlocutor não identificado - Qual foi seu contato com a Eleni? 1242

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pois é a Eleni (...). 1243

O Sr. Interlocutor não identificado - Protestante. 1244

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – A Eleni é o seguinte: no 1245

Tiradentes tinha a ala masculina e a ala feminina. Então nós tínhamos vários mecanismo 1246

de passar mensagens de um lado pro outro. Inclusive havia uma parede no fundo do 1247

cárcere que dividia as duas alas. E nós abrimos essa parede e aí punham gessos e quadro 1248

na frente. Capa de revista, não sei quê, que nunca descobri, se descobri não me lembro. 1249

Além disso, nós tínhamos o médico e a dentista do Tiradentes era presos políticos. 1250

Então, eles marcavam consultas de namorados. Saiu casamento ali. 1251

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Qual era o nome dele? 1252

Guilherme. 1253

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Tinha o Madeira. O Antônio 1254

Carlos Madeira. E o Guilherme lá de Ribeirão Preto e tinha uma moça que hoje está em 1255

Santa Catarina que também está aí o nome dela. E o frei Fernando era assistente do 1256

gabinete. Então o Fernando era o principal levador de mensagens. Inclusive ele punha 1257

no dente. Ele tinha um dente meio oco pra passar. E algumas vezes, o diretor deixava o 1258

Fernando, eu passarmos para a ala feminina pra fazer missa. No domingo. E claro que a 1259

gente levava um porção de mensagem trazia uma porção de mensagens inclusive na 1260

época em que a Dilma estava lá. E depois conversando com ela. Ela lembrava disso, 1261

que a gente ia lá fazia missa. Mas eu não lembro de todo o pessoal que (...) e a gente na 1262

noite de réveillon, natal cantava ia num canto de coro, que a gente começa um coro 1263

daqui. Elas respondiam de lá. Era uma coisa muito bonita, muito emocionante, muito 1264

emocionante. 1265

O Sr. Interlocutor não identificado - E ela estava lá presa? 1266

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Estava lá. 1267

O Sr. Interlocutor não identificado - Mas vocês já se conheciam de antes? 1268

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu excepcionalmente porque a 1269

Dilma é minha vizinha de infância, a mesma rua. 1270

O Sr. Interlocutor não identificado - Não a Eleni? 1271

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah, não. A Eleni eu conheci no 1272

teatro. A Eleni eu conheci na época que estava trabalhando na oficina. Ela era ligada ao 1273

ARENA. Então eu conheci aí depois encontrei lá no Tiradentes. 1274

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Mais isso foi na primeira 1275

prisão dela? 1276

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Na primeira prisão. 1277

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – É porque ela também foi 1278

exilada. O desaparecimento dela é depois. 1279

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Mas você esteve no Tiradentes 1280

em que ano? 1281

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – 70. Vocês estavam lá só 1282

que eu estava num outro pavilhão. Eu estava no pavilhão (...). 1283

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Dois. 1284

Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Dois, né? 1285

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nós estávamos no um. Na cela 1286

sete. Você estava no 2. 1287

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – No 2. 1288

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu não lembro de você. 1289

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu estava no 2. Eu fui só 1290

uma vez eu consegui ir lá no 1. Mas foi só por meia hora. Eu consegui me deter a uma 1291

história carcereira e que descobri que o carcereiro era meu amigo de infância. 1292

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – E você ficou quanto tempo lá? 1293

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu fiquei nove meses lá. 1294

Mas a Eleni foi solta depois ela foi presa. 1295

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – A sua ligação era mais com qual 1296

a sigla? 1297

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – AP. 1298

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – AP mesmo. Mas você chegou a 1299

fase do marxismo com o maoísmo aí? 1300

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não eu era crítico. Eu 1301

cheguei naquele momento assim da transição mais eu tinha dificuldade. 1302

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Tempo da ruptura entre o 1303

Betinho e o Jair. 1304

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O Betinho também 1305

estava (...) 1306

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Betinho entrou chegou a ser 1307

operário, hemofílico, operário numa fábrica de vidro. (risos) Uma loucura, né? Suicídio. 1308

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Aliás, por falar em 1309

loucura (...). 1310

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Só que ele melhorou a 1311

tecnologia da fábrica. Você sabe dessa história? 1312

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Eu soube. 1313

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Porque ele com medo de um 1314

vidro daqueles cortar. O cara hemofílico ele inventa um sistema fala por patrão. O 1315

patrão só faltou ajoelhar nos pés dele. 1316

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – E ele sociólogo. Ele era 1317

cientista político foi morar na fábrica (...). 1318

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Um absurdo isso. 1319

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Um absurdo e um 1320

hemofílico ele podia ele devia cuidar da saúde assim (...) 1321

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Ideologia e religião. 1322

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Incrível. São duas coisas 1323

terríveis. 1324

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Terríveis! (risos) Perigo. Tem 1325

que saber lhe dar com muita sabedoria ou uma benção deponde de como é que se lida. 1326

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Geralmente segundo a 1327

história da humanidade a religião tem sido mais maldição que bem. 1328

O Sr. Interlocutor não identificado - Betto, eu só gostaria de fazer mais algumas 1329

perguntas. Na verdade são perguntas. É que você falou em muitos nomes de 1330

torturadores. Só que eu me lembro, aqui do major Atila delegado Firmino Lopes, 1331

delegado Fleury, um coronel do Rio de Janeiro que esteve lá no Rio Grande do Sul que 1332

Page 37: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

você não lembra o nome. Tem vários nomes aí nos livros. E vai de Freitas a Alcides de 1333

Cintra Bueno. Em relação aos dois oficiais norte-americanos? 1334

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não são oficiais. São leigos. São 1335

agentes. Pra mim era claro que bem pode ser que o cara era coronel lá nos Estados 1336

Unidos, trabalhava pra CIA, eu não sei. 1337

O Sr. Interlocutor não identificado - O Pudim que é Nelson que é auditor, mas depois 1338

(...) 1339

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Nelson Guimarães, é juiz 1340

auditor. 1341

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Nelson Guimarães era 1342

juiz mesmo. Não era (...) 1343

O Sr. Interlocutor não identificado - Tem mais algum nome? Que você (...) algum? 1344

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Tenho vários mais eu não 1345

lembro agora. Tem vário no livro é só achá-los. 1346

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Frei Betto, eu ia te 1347

perguntar (...) você mencionou aqui os casos de omissão de pessoas de dentro da Igreja. 1348

Inclusive, clérigos por omissão. E no caso do Agnelo aí não foi nem omissão foi 1349

colaboração. 1350

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Foi colaboração mesmo e aí 1351

acontece o seguinte o cardeal Vío. A ordem dominicana desde o início nos dá todo o 1352

apoio desde Roma, apesar do superior geral ser um espanhol de direita, mas aquela 1353

coisa do espírito de porco. Os dominicanos em Roma conseguem convencer o cardeal 1354

Vío que era um francês inteligente de que nós éramos vítimas injustiçadas que 1355

conseguem por sua vez convencer o papa Paulo VI. Então, a gente sempre mandando 1356

notícia para o exterior. Mandando notícia, e denunciando essa cumplicidade do cardeal. 1357

Aí o cardeal é chamado. Eu não sei precisar datas, mas é fácil porque é só pegar quando 1358

é que o cardeal é nomeado arcebispo de São Paulo. O papa chama o cardeal Rossi pra 1359

dar explicações em Roma, e ele vai lá dá as explicações e quando ele vai para o 1360

aeroporto de Roma pra voltar pra São Paulo, já sai em Roma a notícia de que ele foi 1361

demitido. 1362

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Promovido? 1363

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Na verdade promovido. É um 1364

meio que a Igreja tem (...). Removido. 1365

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Para rebaixar você 1366

promove. 1367

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Quer dizer, ele é promovido pra 1368

ser removido. Foi promovido pra cardeal em Roma, mas ele não sabe disso. Está 1369

voando pra cá. Quando ele chega em Guarulhos a imprensa fala “O senhor foi demitido 1370

vai pra Roma”. “Não, não, Está tudo bem”. “Não, não. Saiu aqui ó”. O novo arcebispo 1371

de São Paulo Dom Evaristo Arns que era o bispo auxiliar dele. E responsável pelas 1372

prisões. E o Dom Paulo era um bispo não era de esquerda não era progressista. Mas era 1373

um homem intelectualmente honesto. O que ele faz (...) a primeira coisa que ele faz já 1374

faz já tinha tentado nos visitar com o bispo das prisões, e foi proibido. E ele, o primeiro 1375

gesto aquela manhã ao saber que era o nome arcebispo de São Paulo é, “vou visitar os 1376

frades”. E aí a repressão não tem coragem de impedi-lo. Ele já várias vezes manifestou 1377

que agradece um pouco a gente. Claro que ele realmente foi a grande figura com o 1378

Casaldáliga, Dom Hélder enfim mais por ser São Paulo. É a grande figura ante ditadura 1379

tem episódios dele com o Médici, terríveis. Médici ameaçando no Palácio do Planalto se 1380

o senhor continuar eu mando torturá-lo. Eu mando fazer isso com o senhor também. 1381

Como o Médici fez com – você não deve saber disso – José Maria Pires arcebispo. Você 1382

soube desse encontro dele na casa do José Américo? 1383

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Sim. Pena que não tem 1384

registro. 1385

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É não tem registro dessas coisas. 1386

Mais só pra terminar. Pra eles saberem. O José Américo que é uma figura acima o bem 1387

e do mal lá na Paraíba. Recebe o Médici presidente na casa dele e convida o arcebispo 1388

que era um sujeito bem progressista. Dom José Maria Pires. 1389

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Negro. 1390

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – É chamado Dom Pelé tá vivo até 1391

hoje. 1392

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Dom Pelé. É o apelido 1393

dele. 1394

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Depois virou para Dom Zumbi o 1395

apelido dele. Porque ele ficou com raiva do Pelé (risos). O Médici chega o arcebispo já 1396

estava lá educadamente cumprimenta “Muito prazer” o Médici não estende a mão e fala 1397

“Pena que eu não possa dizer o mesmo dos senhores” o arcebispo ficou constrangido é 1398

general ou presidente sei lá. “O dever da Igreja é defender o homem por gostarem tanto 1399

de homem que os senhores andam de saia”. Vê se um presidente da república fala isso 1400

pra um arcebispo. Esse era o tipo. Qualquer pessoa. Esse era o tipo. Mas o Dom Agnelo 1401

volta para Roma então, para o cardeal nomeado lá para a congregação dos bispos e 1402

acontece um fato cinematográfico. Os bispos brasileiros ficavam sempre hospedados no 1403

Pio Brasileiro que é o seminário dos brasileiros lá. Então antes de arrumar lá moradia 1404

fixa dele ele vai para o Pio Brasileiro e na missa ele faz um sermão dizendo que não 1405

havia tortura no Brasil que era tudo mentira, que era propaganda terrorista que o 1406

governo era ótimo que o Brasil estava pacificando, enfim, exalta a ditadura e quando 1407

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termina o sermão na liturgia não sei se você alguém aqui é católico sabe disso, depois 1408

do sermão tem a oração dos fiéis aí um seminarista “Rezemos pelo João da Silva que 1409

segundo Observatório Romano, jornal oficial foi torturado nas prisões de Santa 1410

Catarina. Rezemos para Maria da Silva que segundo a rádio vaticano (...)” acabou com 1411

o cara. As fontes citadas eram todas do Vaticano. 1412

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Não tinha como fugir. 1413

Quais são os outros bispos na época? Porque a gente sabe que tinha (...). 1414

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Tinha um bispo de Viana que 1415

era o SNI é bom vocês anotarem isso. O bispo de Viana na época eu não sei o nome em 1416

si. 1417

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Viana? 1418

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Viana no Maranhão. Era do SNI. 1419

Tanto que no encontro das comunidades eclesiásticas de base não sei as datas também. 1420

É em Canindé. Para a nossa desagradável surpresa, ele faz questão de ir, porque todo 1421

bispo tem direito a participar e cria-se um clima altamente constrangedor. 1422

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Que ano foi isso? 1423

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Canindé. 1424

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Agora eu já. 1425

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Canindé, mas é antes de 85. Isso 1426

é ditadura. Um grupo lá decide (...) porque o tempo todo ele tá filmando e gravando. 1427

Bispo. Já vinha aquela fama esse cara é totalmente favorável a ditadura. Se arma a 1428

operação, alguém entra no quarto dele, e queima todos os filmes e tira dos cassetes 1429

todas as fitas. O cara ficou furioso. O bispo de Viana no Maranhão. Ele foi bispo muitos 1430

anos por isso é só entrar no senhor é meu pastor que também é conhecido como google 1431

(risos). Nada deverá me faltar. Você vai saber. 1432

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O salmo 23 da internet. 1433

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Gente lá pelas cinco eu tenho que 1434

ir embora. 1435

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – É. Nós também temos 1436

que ir porque você tem alguma informação sobre aquela comissão tripartite? Aliás, 1437

bipartido entre o CNBB e ditadura. 1438

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo(Frei Betto) – Não. E vou dizer uma coisa aqui 1439

pra vocês aqui em off, correndo o risco de estar sendo injusto. Pode ser o Dom Eugênio 1440

tenha feito tudo aquilo pro meu amigo muito amigo, diz no livro dele e durante a morte 1441

dele os jornais todos alardearam. Mais eu tenho sérias dúvidas eu não conheço um 1442

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brasileiro, um que tenha sido ajudado pelo Dom Eugênio. E posso dizer o seguinte no 1443

nosso caso ele não moveu uma palha. 1444

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele tinha poder pra isso. 1445

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele tinha poder pra isso. 1446

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Ele era muito próximo 1447

(...). 1448

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Pelo contrário, eu depois de 1449

muito tempo saí da prisão. Isso era anos 90 já. Fui chamado pelo bispo auxiliar dele. 1450

Tinha um nome de ator de filme nazista Karl Joseph Hommer. 1451

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – O Hommer, nossa! 1452

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – E que me disse estou aqui frei 1453

Betto, lá no Rio, em nome do colégio episcopal do Rio. Ele fazia um pedido “não venha 1454

mais ao Rio”. Eu levei o maior susto “Como não venha mais ao Rio?” eu fui criado aqui 1455

eu nasci em Belo Horizonte, mas com dois meses fui pro Rio. Eu fui criado aqui metade 1456

da minha família mora aqui. Não, não, você não pode é falar no Rio. Aliás, você pode 1457

falar sobre uma nova estrela que surgiu. Eu tinha publicado o meu livro A obra do 1458

artista sobre física quântica, astrofísica, não sei quê. Você pode falar sobre uma nova 1459

estrela, mas não sobre pastoral e teologia, porque pra nós o seu discurso é sempre 1460

político. Eu falei “Dom Hommer, eu não estou entendendo o seguinte eu quando venho 1461

fazer uma palestra aqui no Rio no máximo tem 200 pessoas na sala agora eu escrevo pra 1462

dois jornais do Rio, e meus livros vendem em todas as livrarias aqui” ele tranquilamente 1463

falou “Infelizmente não podemos censurar os meios de comunicação” eu disse “Olha, 1464

Dom Hommer, eu não quero sair daqui pensando uma coisa e dando outra impressão 1465

pro senhor, eu vou continuar aqui ao Rio e eu vou continuar falando”. “Ah, então, eu 1466

tomarei as providências formais”, e nunca tomou. 1467

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Em que ano foi isso? 1468

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – 90. Logo depois que a obra do 1469

artista foi publicado. Deve ser entre 95 por aí. 1470

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – É o Dom Hommer a 1471

gente está tentando descobrir alguma coisa a mais sobre ele. 1472

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ele está (...) ele depois virou ele 1473

ocupa uma função em Roma. Ocupava pelo menos agora eu não sei se ele continua lá. 1474

A Sra. Ariana Bazzano (Comissão Nacional da Verdade) – E gostaria só de fazes 1475

mais três perguntas. É que consta no nosso roteiro aqui. Além do senhor, ter denunciado 1476

os fatos, através de livro o senhor procurou após o fim da ditadura denunciar a justiça 1477

brasileira, de alguma forma? 1478

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. 1479

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – No julgamento vocês 1480

fizeram as denúncias? 1481

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah sim. Durante o julgamento 1482

sim. Fizemos interrogatórios. Fizemos denúncias. O juiz inclusive me chamou de 1483

cínico. “Eu sei que você acha que isso tudo aqui é circo” eu falei “Que é isso”, mas 1484

achava mesmo (risos). 1485

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Isso aqui é pior. No circo 1486

a gente se diverte. 1487

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu estava naquela atitude que 1488

você falou que também tem extremamente calma diante daquela milicada toda, e ele me 1489

interrogando. Então, ele sentiu que eu achava mesmo uma bobagem aquilo ali. Mas o 1490

fato é que eu nunca procurei só pelos livros. Agora, desculpe, vai soar como cabotino, 1491

mas eu fui o primeiro a publicar um livro sobre a ditadura que foi o Cartas da prisão 1492

que saiu em 71 na Itália. Eu estava preso e mais curioso é que a repressão impediu 1493

proibiu que o livro entrasse no Tiradentes. Um livro que eu tinha escrito lá dentro. Não 1494

pode entrar. Foi preciso que uma enfermeira contrabandeada, que eu descobri quase que 1495

ela é punida. A gente conseguiu evitar, mas ela sofreu um pouco por descobrirem que 1496

ela tinha contrabandeado o livro lá pra dentro. E o livro só é publicado em aqui depois 1497

que eu saí da prisão. Foi o primeiro depois o Batismo de sangue que saiu em 82. Antes 1498

da ditadura acabar. Mas nunca (...) depois que eu fui buscar, os meu arquivos lá no 1499

Arquivo Nacional no DOPS aqui do Rio e [que eu] descobri que eu fui paquerado até 92 1500

e tem um monte de ficções. Trabalhou na superintendência da reforma agrária em 95. 1501

Eu nunca morei no Recife. Foi vigário na periferia de Brasília. Eu fui morar em Brasília 1502

2003, 2004 nem padre eu sou não podia ser vigário. Enfim, essas coisas. E no exterior 1503

então, que esses caras ganhavam uma fortuna, pra pegar jornal. Tem muita palestra 1504

minha no exterior que é recorte de jornal local da Itália, da França, não sei quê está tudo 1505

lá. 1506

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Parece que eles cobriam 1507

tudo. Você tinha outra (...). 1508

A Sra. Ariana Bazzano (Comissão Nacional da Verdade) – Por fim há algo que o 1509

senhor espera que o Estado brasileiro possa fazer em relações as violações cometidas? 1510

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu espero que a Comissão não 1511

seja só da verdade mais da justiça. Isso pra mim eu já escrevi um monte de artigos 1512

cobrando isso né? 1513

O Sr. Interlocutor não identificado - E há algum motivo pra não ter buscado a justiça 1514

formal brasileira? Depois da (...). 1515

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O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Por não acreditar que houvesse 1516

um mecanismo como tem hoje a Comissão da Verdade que fosse me levar a sério. Eu ia 1517

bancar o bobo. A justiça no Brasil é um saco de gato, enfim. Tem muita gente séria, mas 1518

tem muita gente oportunista corrupta. E eu sou filho de juiz, ainda tem esse detalhe, 1519

então nunca me animei achei que os livros, as pressões que eu sofri com esses livros já 1520

era suficiente pra (...) e o filme que o Hélvécio fez. Eu continuo achando que de todos 1521

os filmes feitos. É o mais realista sobre a ditadura. 1522

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Você procurou/entrou 1523

com o requerimento da anistia? 1524

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Não. Eu sou um caso raro de 1525

quem não entrou. Respeito todo mundo que entrou, mas nunca entrei por duas razões: 1526

primeiro eu posso viver sem aquele dinheiro público. E segundo a minha causa é uma 1527

causa moral não há dinheiro que pague o que eu sofri nesses 4 anos. Então, eu faço 1528

questão de não receber esse dinheiro. Aliás, eu fui muito pressionado pela comissão tive 1529

lá duas vezes pra que eu entrasse pelo mesmo como (...) 1530

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Como registro histórico. 1531

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Mas não é isso tem uma coisa 1532

dentro subjetiva minha que eu não (...) 1533

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Foi o que aconteceu 1534

comigo me pressionaram tanto que eu acabei aceitando. 1535

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Você acabou aceitando? 1536

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Acabei fazendo. 1537

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu não aceitei. 1538

O Sr. Interlocutor não identificado - A Comissão que você fala é a Comissão da 1539

Anistia? 1540

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – É. 1541

O Sr. Anivaldo Padilha (Comissão Nacional da Verdade) – Sim. Vocês tem mais 1542

alguma outra pergunta? 1543

O Sr. Interlocutor não identificado - Não eu acho que é isso. Só uma última 1544

formalidade Betto é que aqui a gente não pode colocar isso aqui, porque aqui tem 1545

imagens que depois a gente pode ser cobrado de estar (...) 1546

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Ah, eu entendi que era (...) eu 1547

não li que eram imagens é (...). 1548

O Sr. Interlocutor não identificado - É só assinar de novo. 1549

Page 43: O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) Fernando ...€¦ · 1 O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) –Fernando é frei Fernando, meu 2 colega de prisão, que

O Sr. Carlos Alberto Libanio Christo (Frei Betto) – Eu sei. Eu não li que eram 1550

imagens. 1551

A Sra. Ariana Bazzano (Comissão Nacional da Verdade) – Estou desligando aqui. 1552