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p. 61 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008 Direito Penal e Processual Penal O STF E A FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA André Lenart Juiz Federal Substituto da 1ª Vara Federal de São Gonçalo RESUMO Oferece-se um ensaio de sistematização crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre aspectos formais concernentes à fundamentação da decisão de prisão preventiva, com múltiplas observações e desenvolvimentos laterais. A finalidade é prover o leitor de instrumental prático a fim de evitar equívocos corriqueiros na feitura das decisões e tornar a prestação jurisdicional mais efetiva e menos vulne- rável à glosa, nas instâncias revisoras. Em vista do feitio empírico, seu “auditório” é formado essencialmente de Magistrados, que pretendam dar seus primeiros passos ou atualizar-se no tema. PALAVRAS-CHAVE Processo penal. Prisão preventiva. Fundamentação. Jurisprudência. STF. SUMÁRIO 1 Introdução 2 A Fundamentação em si mesma 2.1 Inserção topográfica 2.2 Conceito, finalidades e natureza jurídica 2.3 Conseqüência da decisão não fundamentada 2.4 Conteúdo 2.5 Fundamentação per relationem 2.6 Vícios 3 Sanação dos Vícios 3.1 Por meio de nova decisão 3.2 Por meio de informações ou acréscimos das instâncias revisoras 3.3 Superveniência da condenação 4 Nova decretação após a cassação 5 Conclusão 6 Bibliografia 1 Introdução Dizem as más línguas que se Champollion conhecesse os desvãos da jurisprudência brasileira não teria perdido tempo com os hieróglifos. O colorido irônico trai pelo menos duas verdades implacáveis: se hoje só por dogma de fé seria possível reconhecer à jurisprudência grau satisfatório de coerência e harmonia, a apologética dos precedentes assume uma inédita dimensão de peso, graças à crescente necessidade de previsibilidade e estabilização das relações humanas e à incapacidade do legislador de antecipar cenários. No mundo voraz da “aldeia global”, de relações cada vez mais complexas e perecíveis, a carência de referências estáveis e de segurança jurídica se torna entrave incômodo à prosperidade de seus membros e ao pleno desenvolvimento social.

O STF e a Fundamentação Da Prisão Preventiva

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    Direito Penal e Processual Penal

    O STF E A FUNDAMENTAO DO DECRETO DE PRISO PREVENTIVA

    Andr Lenart

    Juiz Federal Substituto da 1 Vara Federal de So Gonalo

    RESUMO

    Oferece-se um ensaio de sistematizao crtica da jurisprudncia do Supremo Tribunal

    Federal sobre aspectos formais concernentes fundamentao da deciso de priso

    preventiva, com mltiplas observaes e desenvolvimentos laterais. A finalidade

    prover o leitor de instrumental prtico a fim de evitar equvocos corriqueiros na

    feitura das decises e tornar a prestao jurisdicional mais efetiva e menos vulne-

    rvel glosa, nas instncias revisoras. Em vista do feitio emprico, seu auditrio

    formado essencialmente de Magistrados, que pretendam dar seus primeiros passos

    ou atualizar-se no tema.

    PALAVRAS-CHAVE

    Processo penal. Priso preventiva. Fundamentao. Jurisprudncia. STF.

    SUMRIO

    1 Introduo 2 A Fundamentao em si mesma 2.1 Insero topogrfica

    2.2 Conceito, finalidades e natureza jurdica 2.3 Conseqncia da deciso no

    fundamentada 2.4 Contedo 2.5 Fundamentao per relationem 2.6 Vcios

    3 Sanao dos Vcios 3.1 Por meio de nova deciso 3.2 Por meio de informaes

    ou acrscimos das instncias revisoras 3.3 Supervenincia da condenao 4 Nova

    decretao aps a cassao 5 Concluso 6 Bibliografia

    1 Introduo

    Dizem as ms lnguas que se Champollion conhecesse os desvos da

    jurisprudncia brasileira no teria perdido tempo com os hierglifos. O colorido irnico

    trai pelo menos duas verdades implacveis: se hoje s por dogma de f seria possvel

    reconhecer jurisprudncia grau satisfatrio de coerncia e harmonia, a apologtica

    dos precedentes assume uma indita dimenso de peso, graas crescente necessidade

    de previsibilidade e estabilizao das relaes humanas e incapacidade do legislador

    de antecipar cenrios. No mundo voraz da aldeia global, de relaes cada vez mais

    complexas e perecveis, a carncia de referncias estveis e de segurana jurdica se torna

    entrave incmodo prosperidade de seus membros e ao pleno desenvolvimento social.

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    E no processo penal, cuja tnica a liberdade humana, o apelo segurana jurdica

    atinge nveis verdadeiramente crticos. inimaginvel que um homem venha a ser preso

    por um juiz e solto, pouco depois, por outro. Esse fator lotrico sintoma de que alguma

    engrenagem saiu do lugar ou se esclerosou.

    Ao menos parte da responsabilidade pela formao desses espaos de

    incerteza tem sua fonte no desprezo que os estudiosos votam produo judiciria.

    Ao contrrio dos juristas europeus, cujos olhos fitam com interesse o cotidiano dos Tribunais,

    entre ns poucos se aventuram crtica dos precedentes e sua sistematizao. O horror

    realidade do caso concreto, encarado como atividade menor, e a irresistvel atrao pela

    assptica torre de marfim nos condenam instabilidade e dependncia de doutrinas

    incompatveis com nossas necessidades algumas banidas, outras nunca aceitas na praxis

    de seus pases de origem. Mesmo que longe do ideal, a jurisprudncia o banco de prova

    de todas as teorias e nico caminho para a justa e efetiva realizao do direito.

    2 A fundamentao em si mesma

    2.1 Insero topogrfica

    Problematizar a fundamentao da ordem de priso preventiva1 reclama,

    como ponto de partida (Ausgangspunkt), a desintegrao da estrutura normativa da PPrev

    em suas trs dimenses analticas: pressupostos materiais, fundamentos e pressupostos

    formais. Os pressupostos materiais (materielle Voraussetzungen) dizem respeito, pri-

    meiramente, forte suspeita do fato (dringender Tatverdacht)2, isto , elevada pro-

    babilidade de autoria ou participao no cometimento de um crime (KINDHUSER, 2006,

    p. 114). Depois, possibilidade de condenao3. Os fundamentos materiais positivos

    (Haftgrnde) remetem necessidade da custdia preventiva, em funo do perigo

    que a liberdade do agente oferece (periculum libertatis). O fundamento material

    negativo ou excludente (Haftausschlieungsgrund) representa projeo do princpio

    1 Por brevidade, mencionarei PPrev (priso preventiva), oPPrev e dPPrev (ordem, deciso, decreto de PPrev). Irei referir rgo

    para abarcar com mais propriedade o cardpio de rgos jurisdicionais competentes para a decretao da medida. Designarei por

    provimento final o acrdo ou sentena condenatria. E agente, a pessoa sujeita constrio, evitando o termo acusado,

    desconhecido da fase inquisitorial. No havendo especificao, o acrdo citado do STF.2 A frmula retrata, de maneira concisa e tcnica, aquilo que o CPP 312, de maneira truncada, tentou exprimir ao aludir prova

    do crime e indcio de autoria. Indcio, no como meio de prova indicirio, mas como comeo de prova, em conflito semntico

    com o CPP 239. 3 Apesar do ceticismo de Kindhuser (op. cit., p. 114), esse requisito no deve ser desprezado. Basta pensar no caso de um homem

    contra o qual pese a forte suspeita de homicdio e que esteja interferindo ou tumultuando a colheita probatria v.g., ameaando

    testemunhas ou escondendo fontes de prova. Se a pretenso punitiva estiver prescrita ou em via iminente de prescrever, torna-se

    injustificvel a decretao da custdia.

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    constitucional da proporcionalidade (Verhltnismigkeitsgrundsatz) 4 e opera restringindo

    o raio de incidncia da PPrev quelas situaes mais drsticas, quer por texto legislado5,

    quer como fruto de interpretao sistemtica6/7. E os pressupostos formais se prendem,

    de um lado, competncia do rgo prolator para supervisionar a conduo das investi-

    gaes e processar e julgar o agente, e, de outro, s mltiplas formalidades, cuja falta

    de observncia pode conduzir invalidao do decreto judicial.

    nessa ltima categoria, que se enquadra a exigncia de fundamentao jurdica

    e factual idnea, objeto deste apanhado e sobre cujas natureza e estrutura iremos discorrer.

    2.2 Conceito, Finalidades e Natureza Jurdica

    Fundamentar consiste em expor as razes de convencimento, explicitando

    os fatores que influram no processo associado tomada de posio pelo rgo judici-

    rio. A reconstruo do raciocnio do prolator facilita s partes, s instncias superiores

    (garantia processual) e sociedade em geral (garantia poltica) o controle da administra-

    o da Justia (CANOTILHO, 2004, p. 667), ao tornar possvel o exame: ) da imparciali-

    dade e da iseno do prolator; ) do atendimento dos requisitos constitucionais e legais;

    ) da veracidade das premissas factuais e jurdicas; ) do acerto da concluso. Possibi-

    lita ainda verificar se as alegaes de ambos os lados foram devidamente examinadas

    (FERNANDES, 2000, p. 119). E legitima o exerccio do poder, a um s tempo excluindo o carter

    voluntarista e subjetivo da atividade jurisdicional e abrindo o conhecimento da racionalida-

    de e coerncia argumentativa dos juzes (CANOTILHO, op. cit., p. 667). Em suma, torna-o

    transparente sociedade, de cuja vontade o rgo no seno porta-voz.

    A fundamentao constitui pressuposto formal positivo da validade

    de todo e qualquer ato jurisdicional provido de carga decisria8 e emanado de

    4 Acertadamente, Pfeiffer (2005, p. 269): O princpio da proporcionalidade no um pressuposto prisional, e sim um fundamento

    excludente da priso.5 Os requisitos negativos do CPP 313 no constituem seno a projeo legislada do princpio da proporcionalidade. 6 Cf., em largas pinceladas, 2.4 infra. En passant, HC n 90.443/BA, T1, 10/4/2007, DJ 4/5/2007.7 O STF vem emprestando isonomia o status de segundo fundamento material excludente (HC n 89.970/RO, T1, 5/6/2007, DJ 22/6/2007;

    HC n 90.464/RS, T1, 10/4/2007, DJ 4/5/2007; HC n 86.758/PR, T1, 2/5/2006, DJ 1/9/2006). Levado s ltimas conseqncias,

    o raciocnio se esboroa: se fosse decretada a PPrev de apenas um dos rus, o MP poderia reclamar a extenso da ordem aos demais,

    em situao assemelhada, recorrendo isonomia. 8 irrelevante o nome que se lhe d: sentena, deciso ou deciso monocrtica, acrdo, ou mesmo despacho. Determinante ser

    a aptido para projetar efeitos na esfera jurdica de terceiros (carga decisria). O STF s estende o imperativo de fundamentao

    deciso de recebimento da inicial, quando a lei o ordena: julgamento de competncia originria dos Tribunais, procedimentos especiais

    por crime funcional ou entorpecentes. Nos demais casos, s o no-recebimento ou rejeio teria de ser motivado (HC n 86.248/MT,

    T1, 8/11/2005, DJ 2/12/2005; HC n 72.286, T2, DJ 16/2/1996; HC n 70.763, T1, DJ 23/9/1994). Com razo, encontram-se severas

    crticas na literatura (FERNANDES, 2000, p. 121).

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    Magistrado togado9. Em nosso direito, a exigncia de motivao est prevista na Consti-

    tuio (CR 93 IX 10), o que levou o STF a consider-la olhos postos na lio de Canotilho

    (op. cit., p. 667) mais que pressuposto constitucional de validade e eficcia das decises

    emanadas do Poder Judicirio11, um verdadeiro princpio constitucional12. Com relao

    PPrev, a Corte entende que a fundamentao idnea constitui requisito de validade do

    decreto de priso preventiva13. No plano infraconstitucional, tanto o CPP 315 14, quanto

    o CPPM 256 15 reprisam a exigncia.

    O dPPrev se inscreve, ao lado da proviso de admissibilidade da demanda

    e do provimento final, no ncleo duro do processo penal. E no s. Com a adoo de

    institutos liberalizantes e funcionais, tais como a transao penal e o sursis processual,

    e a prodigalizao das penas restritivas de direitos, a dPPrev, em situaes cada vez

    mais numerosas, acaba por sobrepujar o recebimento da denncia ou queixa e a prpria

    condenao, em relevncia e significao social. Quando se tem em vista crimes de

    mdio porte, no possvel afastar a PPrev apelando para a desproporcionalidade, como

    veremos frente. Tambm fcil perceber que a um banqueiro ou poltico assusta muito

    mais passar uma semana encarcerado preventivamente do que responder a um processo,

    cujo desfecho ser protelado dcadas no vaivm de quatro instncias, graas formidvel

    coleo de recursos disposio da defesa.

    2.3 Conseqncia da deciso no fundamentada

    A oPPrev no fundamentada, semelhana de qualquer outra deciso

    judicial despida de razes com as excees lembradas , ato processual irregular,

    cuja sano ser a irremedivel nulidade. Embora para efeitos prticos o STF equipare

    a fundamentao inadequada ausncia de fundamentao16, as figuras diferem entre

    9 Ficam de fora os votos proferidos por jurados, no procedimento do jri, devido garantia constitucional de sigilo (CR 5 XXXVIII b)

    (FERNANDES, 2000, p. 121).10 Todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero pblicos, e fundamentadas todas as decises, sob pena de nulidade

    [...]. A referncia ao Poder Judicirio exclui o voto dos senadores nos processos por crime de responsabilidade (CR 52).11 HC n 80.892/RJ, T2, 16/10/2001, DJE 147 22/11/2007.12 [...] Insusceptibilidade de liberdade provisria quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhe-

    cida, visto que o texto magno no autoriza a priso ex lege, em face dos princpios da presuno de inocncia e da obrigatoriedade

    de fundamentao dos mandados de priso pela autoridade judiciria competente (ADIn n 3.112/DF, pleno, 2/5/2007, DJE 131

    25/10/2007). Trata-se de equvoco: princpio reitor o justo processo legal (due process of law), do qual a exigncia de fundamen-

    tao (norma-regra) deriva. A melhor prova que esse concretiza aquele, exercendo papel tpico de regra.13 HC n 81.148/MS, T1, 11/9/2001, DJ 19/10/2001.14 O despacho que decretar ou denegar a priso preventiva ser sempre fundamentado.15 O despacho que decretar ou denegar a priso preventiva ser sempre fundamentado; e, da mesma forma, o seu pedido ou requi-

    sio, que dever preencher as condies previstas nas letras a e b, do art. 254. 16 Cf. HC n 91.025/SP, T1, 3/8/2007, DJE 121 10/10/2007; HC n 90.370/SP, T2, 16/10/2007, DJE 152 29/11/2007; HC n 91.729/SP,

    T1, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007; HC n 92.133/CE, T2, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007.

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    si substancialmente. Enquanto quela faltam elementos que permitam a reconstruo

    do raciocnio do prolator, dessa ltima consta um arremedo ou at mesmo um raciocnio

    bem articulado, cuja incorreo alvo de censura.

    2.4 Contedo

    Questo suscetvel de indagaes consiste em estabelecer o contedo

    mnimo necessrio para que uma deciso se deixe reconhecer como idnea. Cansa-se o STF de

    afirmar que o decreto de PPrev no precisa ser exaustivo, bastando que a deciso analise, ainda

    que de forma sucinta, os requisitos ensejadores da custdia preventiva17. Em outras palavras,

    deve-se dispor de substrato factual, que permita recuperar o silogismo judicirio. Penoso

    realar o ponto exato em que o contedo da deciso se torna suficiente e imune censura.

    O contedo timo da dPPrev envolve o relato dos fatos que atendam

    dinmica do caso concreto. No basta que o prolator invoque a seco algum elemento

    de respaldo e d por concluda sua tarefa: deve oferecer base emprica idnea. Deciso

    divorciada de substrato factual nula pleno iure e no sobreviver s instncias reviso-

    ras. O STF tem se referido meno genrica aos requisitos da priso cautelar, falta

    de situaes concretas de ofensa ao ordenamento, mera explicitao textual dos

    requisitos previstos no art. 312 do CPP e caracterizao genrica ou a mera citao do

    art. 312 do CPP18, como imprestveis para prover a PPrev de base emprica. Nem preciso

    dizer, que a exposio dever guardar pertinncia com as caractersticas do caso19.

    Paralelamente ou logo depois, dever pinar da base emprica elementos

    que indiquem a satisfao dos pressupostos e fundamentos materiais. A demonstrao

    da forte suspeita do cometimento do crime no costuma ser tarefa espinhosa. Em casos

    menos obscuros, bastar rascunhar algumas linhas. Situaes complexas, como aquelas

    envolvendo lavagem de dinheiro ou organizaes criminosas, cobraro descries minucio-

    sas e empenho redobrado com relao clareza e coerncia do texto. crucial pr em

    relevo o caminho percorrido pelas investigaes, seus resultados imediatos e os possveis

    desdobramentos. A experincia mostra que, quanto mais cuidadosa e exaustiva a descrio

    dos fatos, menos provvel ser a reviso desse captulo pelas instncias superiores.

    17 Cf. HC n 90.726/MG, T1, 5/6/2007, DJ 17/8/2007; HC n 90.710/GO, T1, 6/3/2007, DJ 23/3/2007; RHC n 89.972/GO, T1,

    22/5/2007, DJ 29/6/2007; HC n 89.643/RS, T1, 14/11/2006, DJ 1/12/2006; HC n 86.605/SP, 14/2/2006, DJ 10/3/2006; HC n

    79.237, DJ 12/4/2002; HC n 62.671, DJ 15/2/1985.18 Respectivamente, HC n 83.865/SP, T1, 30/10/2007, DJE 157 6/12/2007; HC n 91.729/SP, T1, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007;

    HC n 90.387-8/SP, T2, 11/9/2007, DJE 27/9/2007; HC n 85.615/RJ, T2, 13/12/2005, DJ 3/3/2006.19 RHC n 62.326/SE, T2, 2/10/1984; DJ 15/3/1985.

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    O prprio STF, quer em funo da sumariedade do procedimento de HC incompatvel com

    o revolvimento do substrato factual20 , quer devido s limitaes intrnsecas do recurso

    extraordinrio, raramente aceita rediscutir o juzo de forte suspeita. S o faz quando se

    v diante de gritante equvoco21 ou da decretao precipitada da PPrev22 antes de que

    tivessem sido coletados os elementos necessrios para escorar a forte suspeita. Com isso,

    a defesa experimentada prefere poupar foras e assestar suas baterias mais ferozmente

    contra a necessidade da constrio.

    Ainda com relao forte suspeita, se a PPrev for decretada no ato de

    recebimento da inicial, as razes serviro para escorar ambos os captulos decisrios e, se

    anteced-la, o rgo poder admitir a demanda, remetendo oPPrev. Mas o inverso no

    ser possvel: embora ambas as decises se apiem em cognio verticalmente sumria,

    a admissibilidade da inicial se contenta com uma razovel suspeita23, ao passo que a

    decretao da PPrev reivindica uma forte suspeita, refletindo um grau mais elevado de

    probabilidade de culpa24. O STF parece no dar ateno sutileza, discernindo apenas o

    juzo de probabilidade do juzo de certeza, reservado ao provimento final25/26. No caso

    de PPrev ordenada no bojo de sentena ou acrdo condenatrios, a cognio ser plena

    e exauriente, no sumria. O pressuposto material da forte suspeita ser ento afirmado

    com base em juzo de certeza jurdica grau muito alm do necessrio para respald-lo27

    diminuindo enormemente a possibilidade de reviso em instncia superior28.

    20 O carter sumarssimo do processo de habeas corpus no permite que nele se instaure anlise aprofundada e valorativa dos

    elementos probatrios produzidos ao longo do processo penal de conhecimento. Precedentes (HC n 79.857-8/PR, T2, 18/4/2000;

    DJ 4/5/2001).21 o caso retratado no HC n 91.025/SP, T1, 3/8/2007, DJE 121 10/10/2007.22 No HC n 89.970/RO, T1, 5/6/2007, DJ 22/6/2007, entendeu-se que o dPPrev se apoiava em fatos ligados intrinsecamente ao

    mrito das investigaes, a ser apurado em processo criminal sob rito ordinrio. parte a linguagem pouco elucidativa, percebe-se

    que a constrio no estaria suficientemente embasada de elementos concretos.23 Inq. n 1.326/RO, pleno, 3/11/2005, DJ 3/2/2006.24 Lanando um olhar furtivo realidade, vemos que essa concluso consistente com a prpria natureza das coisas (Natur der

    Sache). Pelo prisma que for, mandar prender uma interveno muito mais contundente na vida de algum do que receber uma

    denncia ou queixa. 25 [...] a circunstncia de o juzo, para efeito de priso cautelar, fazer avaliao provisria sobre a probabilidade da existncia

    do delito faz parte exatamente da natureza cautelar da deciso. Todo juzo cautelar implica uma avaliao da razoabilidade, ou

    no, da pretenso [...] envolve uma avaliao prvia e provisria a respeito da aparncia de situao jurdica que justifique a

    medida de carter cautelar. Evidentemente no se pode decretar nenhuma priso cautelar, se esse juzo de probabilidade no for

    emitido. De modo que o fato, em si, de a deciso ter aludido a elementos que indicariam a provvel existncia de uma quadrilha

    como empresa criminosa, etc, no significa nenhum juzo definitivo sobre culpabilidade, mas, apenas, o juzo sumrio e superficial

    prprio das decises de ordem cautelar (voto do relator HC n 91.228/SP, T2, 7/8/2007, DJ 14/9/2007). A decretao de priso

    preventiva demanda a observncia de dois pressupostos, a saber: presena de indcios suficientes de autoria e prova da existncia

    do crime. Esses pressupostos no se confundem com o grau de certeza exigido no mrito da ao penal (voto do relator HC n

    87.965/SC, T2, 20/6/2006, DJ 20/10/2006).26 No HC n 89.970/RO, a questo tangenciada, mas no enfrentada como aqui se prope.27 Nesse exato sentido, HC n 91.884-1/MA, T2, 4/9/2007, DJE 28/9/2007: veja-se que os pressupostos foram avaliados depois de o

    magistrado efetuar um juzo de certeza, exigido quanto ao mrito da ao penal.28 HC n 80.893-0/RJ, T2, 5/6/2001, DJ 24/8/2001.

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    Direito Penal e Processual Penal

    Raramente o prolator se detm no exame do fundamento material exclu-

    dente da desproporcionalidade. No s porque todos ou quase todos os crimes de menor

    potencial ofensivo esto sujeitos s restries do CPP 313, rbita dos Juizados Especiais

    ou suspenso condicional do processo, mas tambm porque a anlise dos demais aspectos

    da PPrev j deixa entrever a proporcionalidade da medida. O fundamento ser digno de

    nota, se o rgo tiver diante de si algum delito de gravidade mediana, cuja pena concreta

    esperada em tese d margem substituio da pena privativa por restritiva de direitos.

    No faria sentido que o agente respondesse preso instruo para, uma vez condenado,

    ser posto em liberdade29.

    Avanando rumo ao centro de gravidade da PPrev encontramos os fundamentos

    materiais, os quais refletem a necessidade da clausura: garantia da ordem pblica,

    garantia da ordem econmica30, convenincia da instruo criminal, garantia da aplica-

    o da lei penal. Pomo da discrdia e palco dos mais freqentes e apaixonados debates

    entre juristas, constituem na tica do STF o tpico mais vulnervel da fundamentao31.

    O ponto de partida da discusso consiste num trusmo: a satisfao dos pressupostos

    materiais no basta por si s para fundar a PPrev32, de tal modo que a deciso dever

    enfrentar explicitamente, em captulo especfico, o periculum libertatis, forrando-se de

    elementos concretos33.

    Contrariamente ordenao processual alem (ROXIN, 1995, p. 223), o STF

    no se ope invocao de mltiplos fundamentos para respaldar um mesmo dPPrev.

    Havendo risco de fuga e de reiterao, podem invocar-se a garantia da ordem pblica

    e da aplicao da lei penal34. Se, nesse contexto, testemunhas forem ameaadas, ser

    igualmente possvel recorrer convenincia da instruo criminal35. Qualquer combinao

    29 Em se tratando de furto, receptao, estelionato, posse de moeda falsa, apropriao indbita previdenciria, etc., cada vez mais

    se sustenta que, em face da primariedade e dos bons antecedentes, a pena aplicada provavelmente ficaria abaixo de 4 anos, tornando

    desproporcional a constrio. O argumento especioso: havendo pelo menos uma circunstncia judicial desfavorvel, a pena-base

    poder ser elevada acima do mnimo. De mais a mais, nada impede que a substituio seja rejeitada, no obstante a quantidade

    de pena imposta (CP 44 II III). 30 A referncia suprflua: a ordem econmica j integra o conceito de ordem pblica. 31 Das centenas de acrdos consultados, encontramos em dois ou trs ataques aos pressupostos materiais. Nos restantes, sempre

    o periculum libertatis o destinatrio da glosa do STF. bem verdade que at chegar Corte os dPPrev passam por rigoroso filtro,

    de tal modo que aqueles com falhas mais grotescas acabam sucumbindo no caminho. 32 Cf.: HC n 90.464/RS, T1, 10/4/2007, DJ 4/5/2007; HC n 87.965/SC, T2, 20/6/2006, DJ 20/10/2006; HC n 85.868/RJ, T2,

    11/4/2006, DJ 15/12/2006; HC n 81.780/RJ, T2, 11/6/2002, DJ 29/8/2003; HC n 81.534/PE, T2, 30/4/2002, DJ 22/11/2002; HC n

    80.892/RJ, T2, 16/10/2001, DJE 147 22/11/2007. 33 HC n 90.515/MG, T1, 8/5/2007, DJ 10/8/2007; HC n 90.386/SP, T1, 6/3/2007, DJ 23/3/2007; HC n 88.905/GO, T2, 12/9/2006,

    DJ 13/10/2006.34 HC n 89.525/GO, T2, 14/11/2006, DJ 9/3/2007.35 RHC n 88.330/PE, T2, 15/8/2006, DJ 15/9/2006.

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    Direito Penal e Processual Penal

    dos quatro fundamentos materiais entre si aceitvel. Alis, na praxis raramente se

    encontra decreto escorado num nico fundamento36. Num sistema jurisdicional de quatro

    instncias, a vantagem inegvel: j que o prolator no obrigado a escolher uma dentre

    vrias possibilidades, a deciso ficar a salvo de ser fulminada devido escolha mal-feita.

    A dPPrev s ser invalidada se todos os fundamentos forem repudiados37.

    Dois fatos autnomos podem dar margem invocao de um nico

    fundamento, como no caso de agente que comete um crime, cujo modus operandi reflete

    periculosidade, e nele reitera (fundamento da garantia da ordem pblica). De outro

    lado, um mesmo fato pode lastrear mais de um fundamento. O assdio vtima,

    por exemplo, no apenas sinaliza o risco de reiterao38 , mas tambm atenta contra a boa

    conduo do processo em virtude do potencial intimidatrio39. E a fuga ou risco de fuga ,

    em se tratando de crime inafianvel sujeito competncia do jri, atrai e respalda,

    simultaneamente, os fundamentos da convenincia da instruo criminal e da garantia

    de aplicao da lei penal40.

    2.5 Fundamentao per relationem

    Diz-se per relationem ou aliunde a tcnica de fundamentao por meio de

    remisso ou referncia s alegaes da uma das partes, a precedente ou a deciso ante-

    rior, nos autos no mesmo processo41. Ser total, se limitar-se remisso ou referncia,

    sem agregar-lhes algo de substancial. Ser parcial, se visar ao reforo de fundamentao

    suficiente per se. Graas homenagem que rende ao princpio da praticabilidade,

    a motivao por tabela lanou lona as crticas da doutrina e se popularizou no dia-

    a-dia judicirio, com o aval do STF42. Assim, nada se ope a que a dPPrev remeta ao

    36 Cf. HC n 88.971/PE, T1, 25/9/2007, DJ 14/12/2007; HC n 90.726/MG, T1, 5/6/2007, DJ 17/8/2007; HC n 88.476/DF, T2, 17/10/2006,

    DJ 6/11/2006; HC n 88.497/PI, T2, 15/8/2006, DJ 22/9/2006; HC n 86.142/PA, T1, 8/8/2006, DJ 7/12/2006; HC n 86.853/PR, T2,

    6/6/2006, DJ 25/8/2006; HC n 85.641/SP, T1, 17/5/2005, DJ 3/6/2005; HC n 82.903/SP, T1, 24/6/2003, DJ 1/8/2003.37 Restando um de p, mantm-se a custdia: HC n 90.858/SP, T1, 15/5/2007, DJ 22/6/2007; HC n 88.408/SP, T1, 8/8/2006,

    DJ 22/9/2006; HC n 86.286/CE, T2, 27/9/2005, DJ 25/11/2005; HC n 84.680/PA, T1, 14/12/2004, DJ 15/4/2005; HC n 90.162/RJ,

    T1, 10/4/2007, DJ 29/6/2007.38 HC n 84.761/SC, T1, 22/2/2005, DJ 8/4/2005.39 Especialmente em se tratando de crimes sexuais ou sem testemunhas, para cuja instruo por vezes imprescindvel a

    oitiva da vtima.40 possvel afirmar que o STF reconhece a intercambialidade dos fundamentos. Aludindo aplicao da lei penal: HC n 92.615/SP,

    T1, 13/11/2007, DJ 14/12/2007; HC n 88.802/PE, T1, 14/11/2006, DJ 15/12/2006; HC n 87.420/RJ, T2, 30/5/2006, DJ 20/10/2006.

    convenincia da instruo: HC n 86.751/CE, T2, 6/12/2005, DJ 10/2/2006. A ambos: HC n 89.750/MT, T1, 20/3/2007, DJ 13/4/2007.

    Sem meno exata: HC n 87.397/SP, T1, 12/6/2007, DJ 19/10/2007.41 H na doutrina quem negue a sinonmia, o que parece um excesso de preciosismo.42 Os Ministros costumam utiliz-la corriqueiramente: Acolho integralmente o parecer para prover o recurso e deferir o habeas

    corpus, a fim de ordenar a soltura do paciente, se por al no estiver preso: o meu voto (RHC n 84.293/SP, T1, 29/6/2004,

    DJ 13/8/2004).

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    Direito Penal e Processual Penal

    parecer ministerial ou representao da Autoridade Policial, adotando-lhes as razes43,

    sem desenvolvimento argumentativo prprio. A tcnica igualmente admissvel para

    outras espcies de deciso e, at mesmo, para a elaborao do provimento de mrito44.

    A fortiori, so usuais os indeferimentos de revogao ou a ratificao da oPPrev,

    com remisso a deciso anterior. No fora de lugar referir, que os vcios e inconsistncias

    das peas s quais se fez remisso se transportam e contaminam o decreto de priso45,

    cobrando ao Magistrado redobrada cautela.

    2.6 Vcios

    Tanto menos vulnervel ser o dPPrev, quanto mais convincente e robusta

    venha a ser a associao da base emprica idnea satisfao dos pressupostos materiais e

    invocao de fundamento material apropriado luz da jurisprudncia. Fora da, abre-se

    um arco de vcios de contedo, cuja sano conduzir invariavelmente proclamao de

    nulidade. possvel reduzir os mais comuns s seguintes hipteses:

    () No h exposio suficiente dos fatos (base emprica inidnea), pouco impor-

    tando se o fundamento adequado foi ou no invocado. Como abordado em 2.4,

    a impossibilidade de reconstruo do raciocnio gera a presuno absoluta e irrebatvel

    de inexistncia de motivos para a imposio da medida.

    () Os fatos so expostos incorretamente, podendo ou no o fundamento

    invocado ser em tese apropriado. Inocentes j foram confundidos com criminosos,

    quer pelo parentesco, quer pelo uso de identidade falsa ou subtrada. Tambm j

    foram registrados casos de incluso de homnimos, que nenhuma relao tinham com

    a investigao. Recentemente, o STF cassou PPrev decretada com base em fuga e maus

    antecedentes, uns e outra desmentidos pelo exame dos autos46.

    () Os fatos so expostos corretamente, mas no satisfazem os pressupostos

    materiais. Situao pouco usual, mas que no pode ser ignorada, como vimos antes.

    No basta a razovel suspeita, preciso a forte suspeita do cometimento de um crime.

    E a possibilidade ainda que mnima de condenao.

    43 No carente de fundamentao a deciso que adota o parecer do Ministrio Pblico Estadual como razo de decidir. Precedentes

    das duas Turmas deste Supremo Tribunal Federal (RHC n 89.891/PR, T1, 14/11/2006, DJ 1/12/2006). No mesmo sentido: HC n

    84.438/SP, T2, 7/12/2004, DJ 18/2/2005; HC n 81.780/RJ, T2, 11/6/2002, DJ 29/8/2003; HC n 81.534/PE, T2, 30/4/2002,

    DJ 22/11/2002; RHC n 81.522-7/SP, rel. T1, 18/12/2001; DJU 15/3/2002.44 Expressamente, HC n 77.583/PR, T1, 25/8/1998, DJ 18/9/1998 e HC n 73.545/SP, T1, 11/6/1996.45 HC n 86.529/PE, T1, 18/10/2005, DJ 2/12/2005; HC n 89.503/RS, T2, 3/4/2007, DJ 8/6/2007.46 HC n 91.181/SP, T1, 19/6/2007, DJ 3/8/2007.

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    Direito Penal e Processual Penal

    () Os fatos so expostos corretamente, mas o fundamento ou os elementos

    de respaldo invocados so imprprios. Este vcio responde pela quase totalidade dos

    habeas corpus julgados pelo STF, no havendo exagero em cham-lo de calcanhar-de-

    Aquiles do Judicirio.

    Dois fenmenos processuais, que no refletem vcios endgenos, mas cujo

    impacto sobre a ordem de constrio os aproxima desses, so o fato superveniente e a

    incompetncia do rgo prolator. O encerramento da instruo criminal, como veremos,

    retira substncia garantia da instruo criminal como fundamento, assim como o apare-

    cimento de testemunhas inconcussas do libi do agente abala o pressuposto material da

    PPrev. A fundamentao dever necessariamente ser adaptada a esses ou a outros fatos.

    Do contrrio, o decreto ser derrubado nas instncias revisoras, ainda que per saltum,

    com HC de ofcio.

    J no tocante incompetncia do prolator, h uma aparente virada da juris-

    prudncia. At 2003, o STF vinha entendendo que, no processo penal, somente os atos no

    decisrios seriam ratificveis47. A partir de precedente plenrio48, evoluiu para admitir a

    possibilidade de ratificao pelo juzo competente inclusive quanto aos atos decisrios49,

    includa a a PPrev. A principal implicao prtica que a declarao de incompetncia no

    resultar em revogao ou relaxamento da ordem, j que o rgo para o qual os autos sero

    remetidos poder ratific-la, sem soluo de continuidade. Ao faz-lo, poder valer-se de

    novos fundamentos, repetir o contedo da deciso proferida pelo rgo declinante ou

    lanar mo do artifcio de fundamentao per relationem.

    3 Sanao dos vcios

    3.1 Por meio de nova deciso

    O meio mais simples, rpido e eficaz para sanar-se um dPPrev vulnervel

    consiste em proferir nova deciso50, que nascer corrigida e ajustada regrao prpria,

    47 Exs.: HC n 67.773/SP, T1, DJ 28/8/1992; HC n 69.877/PB, T2, DJ 16/4/1993; HC n 71.223/DF, T1, 3/5/1994; HC n 71.278/PR,

    T2, 31/10/1994, DJ 27/9/1996; RHC n 72.962/GO, T2, 12/9/1995, DJ 20/10/1995; HC n 70.531/RJ, T1, 8/2/1994, DJ 17/6/1994.

    Posio similar do STJ, que no costuma aceitar a ratificao da deciso de PPrev: v.g. HC n 6.129/SP, T5, DJ 13/4/1998; HC n

    14.442/RO, T6, DJ de 5/3/2001; HC n 50.822/AC, T5, DJ 28/8/2006.48 HC n 83.006/SP, pleno, 18/6/2003, DJ 29/8/2003. Em foco estava a ratificao pela PGR de denncia oferecida pelo MP Estadual.

    Tanto a denncia quanto o seu recebimento emanados de autoridades incompetentes rationae materiae so ratificveis no

    juzo competente.49 Com relao PPrev, no sentido do texto: HC n 88.262/SP, T2, 8/8/2006, DJ 15/9/2006. 50 No h necessidade de o rgo expedir novo mandado de priso.

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    Direito Penal e Processual Penal

    podendo incorporar novos argumentos e reportar-se a fatos de cuja existncia no se

    estava a par ao tempo da primeira ordem. Esse expediente algo to singelo e banal,

    que causa estranheza que maior parte dos juzes no o utilize. A conseqncia desastrosa

    so os sucessivos e muitas vezes evitveis alvars de soltura, que tanto desassossego e

    inquietao levam comunidade. Convm ento esclarecer: nada na jurisprudncia nem

    mesmo a pendncia de julgamento de HC ou recurso impede a renovao da ordem,

    tantas vezes quantas forem necessrias, com a retificao, o acrscimo, a substituio

    ou o reforo dos elementos em que se apia a priso51. Sem ambio de sistematizao

    exaustiva, possvel demarcar algumas constelaes nas quais a renovao da dPPrev se

    mostra fortemente recomendvel.

    A primeira , sem dvida, a mais ampla e abarca todos os grupos de casos

    nos quais houver alterao substancial do cenrio factual, durante a investigao ou

    instruo criminal. Assim, se aps a dPPrev se descobre que o agente vinha acossando a

    vtima, ameaando ou tentando aliciar testemunhas, corrompendo policiais, ocultando,

    destruindo ou manipulando fontes de prova, ou que ele participou do cometimento de

    outros crimes, encontrava-se foragido ou tencionava fugir, o rgo poder proferir nova

    deciso assimilando fundamentao esses dados. No raramente, passagens encobertas

    da vida do agente vm tona durante a instruo criminal e o acmulo de processos

    no justifica que o Magistrado as deixe de fora, facilitando a vida da defesa na instncia

    superior. O encerramento da instruo criminal dever merecer cuidado similar. Segundo

    a orientao dominante do STF52, a concluso dessa etapa leva desintegrao do funda-

    mento prisional da convenincia da instruo53. Concluda a oitiva das testemunhas ou,

    no mais tardar, encerrada a fase das diligncias complementares54, a motivao da PPrev

    dever ser recontextualizada. Ganham fora a as informaes colhidas no transcorrer da

    51 Em havendo diversidade de decises que determinaram a priso cautelar, h que se analisar os fundamentos da ltima, que revela

    o ttulo atual da custdia (HC n 89.218/SP, T1, 11/9/2007, DJE 131 25/10/2007 caso Suzane Louise von Richthofen). Nessa linha:

    HC n 89.078/RJ, T2, 3/4/2007, DJ 8/6/2007. Da a praxe do STF de requisitar ao rgo cpia de todas as decises referentes PPrev:

    entre outros, HC MC n 93.254-1/SP, rel. Min. Crmen Lcia, DJE 163 14/12/2007.52 HC n 90.085/AM, T2, 18/9/2007, DJE 152 29/11/2007; HC n MC 92.335-6/SP, T2, 11/9/2007, DJE 27/9/2007; HC n 86.140/SP,

    T2, 3/4/2007, DJ 8/6/2007; HC n 90.063/SP, T1, 27/3/2007, DJ 18/5/2007; HC n 85.844/RJ, T2, 21/11/2006, DJ 2/2/2007;

    HC n 89.196/BA, T1, 3/10/2006, DJ 16/2/2007; HC n 88.448/RJ, T2, 29/8/2006, DJ 9/3/2007; HC n 87.730/MT, T1, 25/4/2006,

    DJ 16/6/2006; HC n 85.362/MA, T2, 31/5/2005, DJE 22/11/2007; HC n 85.641/SP, T1, 17/5/2005, DJ 3/6/2005; HC n

    85.156/SP, T2, 29/3/2005, DJ 21/10/2005; HC n 84.778/MS, T1, 7/12/2004, DJ 4/3/2005; HC n 83.806/SP, T1, 9/3/2004,

    DJ 18/6/2004; HC n 81.126-4/SP, T1, 25/9/2001, DJ 8/3/2002.53 Essa posio visivelmente precipitada e parece correr um vu sobre a potencialidade dos casos concretos. Para ficar em dois

    exemplos, suponhamos que o processo venha a ser anulado, tornando necessria nova instruo. A soltura do acusado ter ento sido

    prematura. Digamos que o ru, acusado de corrupo, esteja tentando aliciar peritos e policiais. Ora, tais fatos por si ss caracteri-

    zam crime similar quele que d esteio acusao, de modo que possvel afirmar a, alm da convenincia da instruo criminal,

    o fundamento da garantia da ordem pblica, substanciado na reiterao delitiva. Esse ltimo fundamento no desaparecer com o

    encerramento da instruo. A sutileza parece ter sido contabilizada no HC n 90.710/GO, T1, 6/3/2007, DJ 23/3/2007.54 CPP 499, Lei n 8.038/90 10.

  • p. 72 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    instruo, notadamente, com relao garantia da ordem pblica aposta mais segura

    para resguardar a idoneidade da custdia. O procedimento do jri escapa em parte

    disciplina, graas natureza bifronte. O encerramento do sumrio de culpa no ir subtrair

    PPrev a funo cautelar instrumental, pois testemunhas e peritos podero ser reinquiridos

    na fase plenria55. Alm disso, a lei determina que o ru seja intimado pessoalmente da

    pronncia, se o crime for inafianvel (CPP 414), o que atrai e respalda o fundamento da

    convenincia da instruo criminal, no caso de fuga ou risco de fuga56.

    A segunda constelao remete ao provimento final. Nesse estdio, convm

    que o rgo reaprecie os fundamentos da constrio, suprimindo os que se tornaram

    incuos e ratificando, com adio de argumentos e fortalecimento da base emprica, aqueles

    cuja relevncia e cuja pertinncia tenham se mantido de p. Isso no s revigorar a fora

    da PPrev, como tambm sinalizar instncia revisora o zelo e a ateno do rgo aos

    processos sob sua guarda, o que alimenta a confiana na correo do trabalho e desarma

    artifcios retricos cada vez mais empregados pela defesa tcnica. Essas ponderaes se

    estendem mal-chamada sentena de pronncia57, cuja precluso encerra o sumrio

    de culpa e abre as portas para a fase plenria, no procedimento bifronte do jri58.

    Embora a possibilidade seja pouca explorada na vida forense, o STF reco-

    nhece a viabilidade da decretao da PPrev, no intervalo entre provimento de mrito e

    trnsito em julgado59. Basta que surjam fatos novos, tais como a fuga ou risco de fuga,

    tentativa de interferncia na conduo do processo, em grau recursal, ou reiterao

    delitiva. Pouco importa que a sentena ou o acrdo tenha assegurado ao condenado o

    direito de aguardar a concluso do feito em liberdade60, j que essa clusula constitui

    55 Cf. HC n 91.590/PE, 2/10/2007, DJ 19/10/2007; HC n 88.971/PE, T1, 25/9/2007, DJ 14/12/2007.56 No se desconhece que a evaso permitiria igualmente a invocao da garantia de aplicao da lei penal para escorar a

    PPrev. A peculiaridade dos casos do jri repousa na duplicidade de fundamentos qual um mesmo elemento de respaldo d

    origem. Ou seja, a fuga ou risco de fuga tanto serve aplicao da lei penal, quanto convenincia da instruo criminal. E na

    perspectiva da ltima que feita a observao.57 A doutrina repudia a vox sentena, constante do CPP 408 1, rotulando o ato, com mais apuro tcnico, de deciso interlocutria

    mista no terminativa ou simplesmente de deciso. Cf. Greco Filho (1997, p. 418). Discordamos do autor, quando prope ligar o

    julgamento de mrito sentena. Nem sempre o provimento final dir do mrito: possvel que acolha uma preliminar e deixe

    intacta a questo da culpa. Para discernir deciso de sentena, como tipos de proviso jurisdicional, talvez fosse prefervel remeter

    espcie de cognio. Mas isso tema para outro trabalho.58 Sobre as fases do procedimento, cf. Greco Filho, 1997, p. 414, e HC n 91.590/PE, DJ 19/10/2007. 59 Ausncia de motivao idnea para a priso preventiva. Revogao, ressalvada a possibilidade de nova decretao a qualquer mo-

    mento antes do trnsito em julgado da sentena (HC n 85.716/RJ, T1, 30/8/2005, DJE 96 5/9/2007). Posio idntica foi perfilhada

    pelo STJ, no HC n 63.111/RJ, T5, DJ 28/8/2006 (Caso Artur Falk), cuja ordem foi concedida sem prejuzo de eventual decretao

    de nova priso cautelar por fatos supervenientes, desde que devidamente motivada.60 Na realidade, s haver efeito suspensivo, se o agente estiver preso e vier a ser solto, por ocasio do provimento. Se o agente tiver

    respondido em liberdade ao processo, na instncia originria, tratar-se- mais acertadamente de efeito impeditivo.

  • p. 73 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    empecilho somente execuo penal provisria, no constrio cautelar ou no intuito

    de resguardo da ordem pblica61. A competncia para expedir a ordem ser do rgo, sob

    cuja responsabilidade o processo estiver correndo: at que os autos sejam remetidos

    instncia recursal, caber ao prolator a adoo da medida62. Verdadeiramente instigante

    ser o caso de recurso da acusao, em cujos autos o relator julgue haver motivos para

    decretar a PPrev do acusado absolvido na instncia inferior. A objeo bvia seria a de que

    um provimento calado em cognio ampla e exauriente no poderia ser sobrepujado por

    uma ordem fundada em cognio verticalmente sumria. Mas os Tribunais desmentem isso

    dia aps dia, com a prdiga concesso de liminares em HC contra sentenas e, mesmo,

    veredictos do Tribunal do Jri. Restaria invocar algum princpio do tipo favor rei, o que

    daria um certo sabor metlico e artificial discusso. O preo que se paga pela coerncia

    o rigor: nada impede que o relator, constatando liminarmente os pressupostos e funda-

    mentos legais, imponha a segregao de agente exculpado na instncia originria.

    A quarta constelao se prende PPrev adotada nos perodos de frias

    coletivas e recesso, nos feriados, no final de semana ou fora do horrio de expediente.

    No incomum que o Magistrado de planto seja avesso matria criminal, tenha com

    ela pouca afinidade ou esteja sozinho e desguarnecido de estrutura apropriada para

    responder s urgncias que lhe chegam, dispondo de tempo reduzido para dedicar anlise

    de cada processo ou inqurito. Nada mais lgico, ento, que o Juiz Natural reaprecie a

    fundo e cuidadosamente os fatos e profira a sua prpria deciso, provendo-a de um grau

    mais elevado de robustez.

    O decaimento e a substituio de uma deciso por outra d lugar ao desloca-

    mento do ttulo da custdia. Esse fenmeno diz mais instncia revisora que ao prolator:

    se a alterao do contedo inovar substancialmente, altamente provvel que seja

    declarada a perda de objeto ou prejuzo do HC, j que a impetrao no ter impugnado

    os novos argumentos. Se tiver por finalidade apenas robustecer elementos j aventados,

    o Tribunal provavelmente prosseguir no julgamento, considerando os acrscimos ainda

    que per saltum. Por cautela, caso existam HC ou recurso pendente, o rgo dever dar

    cincia instncia revisora da existncia de nova deciso e de seus argumentos63.

    61 Cf. a discusso travada, no HC n 85.716. Nesse exato sentido: STJ, HC n 63.111.62 Assim, se ao determinar a intimao do provimento condenatrio, o rgo descobre que o ru est foragido, poder - dependendo

    do caso decretar-lhe a custdia visando aplicao da lei penal.63 Bastar um ofcio, com cpia da nova deciso, frisando que a antiga foi revogada ou substituda. Adicionalmente, o juiz cuidadoso

    far chamar ateno a mudana da base emprica ou dos fundamentos nos quais se apia a ordem.

  • p. 74 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    3.2 Por meio de informaes ou acrscimos das instncias revisoras

    Para o STF, lacunas e falhas da deciso no podero ser supridas nem sanadas

    pelas informaes prestadas a posteriori pelo rgo prolator64. Muito menos por acrscimos

    creditados s sucessivas instncias, a cuja apreciao via HC ou recurso a idoneidade

    do decreto for submetida65. Ficam igualmente descartados fatos e circunstncias de cuja

    notcia o rgo prolator no teve cincia, ao expedir a ordem. A deciso impugnada fica

    congelada, no instante em que proferida, na extenso de seu contedo. E, ainda que

    instncia superior parecesse necessria a priso, no lhe caberia seno fulmin-la, pois,

    ao impugnar-se a existncia ou idoneidade dela, apenas a questo processual de sua

    validade que a impetrao submete aos tribunais, aos quais no se devolve a questo de

    mrito de ser ou no justa, no caso, por outros motivos, a cautelar questionada66.

    O tom apodtico impressiona, mas certamente est longe de refletir a

    realidade. Por vezes, argumentos e alegaes ignoradas pela dPPrev so levados em conta

    e chegam a adquirir peso decisivo na apreciao do caso. Exemplo bem eloqente o

    HC n 86.286 67, cujo paciente era um Juiz de Direito acusado de matar, com tiro

    queima-roupa, o vigia de um supermercado. Em meio repercusso alcanada pela exi-

    bio, em rede nacional, das imagens do crime, decretou-lhe o TJCE a PPrev invocando:

    ) a garantia da ordem pblica, substanciada na brutalidade como se deu o crime e

    na repercusso social do delito, e; ) a convenincia da instruo criminal, substan-

    ciada na funo do indiciado, que poderia comprometer a conduo do processo.

    O STF descartou o segundo fundamento a instruo criminal quela altura se encerrara ,

    repeliu por inidoneidade a repercusso social ou clamor pblico e a brutalidade

    da conduta, mas denegou a ordem, baseando-se em argumento agregado pelo STJ68

    posio institucional ocupada pelo paciente.

    64 Priso preventiva: a idoneidade formal e substancial da motivao das decises judiciais h de ser aferida segundo o que nela haja

    posto o juiz da causa, no sendo dado ao Tribunal do recurso ou do habeas corpus, que a impugnem, suprir-lhe as faltas ou comple-

    ment-la: precedentes (HC n 90.064/SP, T1, 8/5/2007, DJ 22/6/2007). Cf. tb.: HC n 87.041/PA, T1, 29/6/2006, DJ 24/11/2006;

    RHC n 86.833/SP, T1, 13/12/2005, DJ 17/2/2006; HC n 84.448/SP, T1, 14/9/2004, DJ 19/8/2005; HC n 85.519/PR, T1, 13/12/2005,

    DJ 17/3/2006; RHC n 84.293/SP, T1, 29/6/2004, DJ 13/8/2004; HC n 83.782/PI, T1, 16/12/2004, DJ 25/2/2005; HC n 81.148/MS,

    T1, 11/9/2001, DJ 19/10/2001; RE n 70.955/RS, T2, 3/5/1971, DJ 6/8/1971.65 Fundamentao das decises judiciais: sendo a falta ou a inconsistncia da motivao causa de nulidade da deciso judicial, no

    a podem suprir ou retificar nem as informaes do prolator, nem o acrdo das instncias superiores ao negar o habeas corpus ou

    desprover recurso (RHC n 84.293/SP, T1, 29/6/2004, DJ 13/8/2004).66 HC n 81.148/MS, voto do relator.67 HC n 86.286/CE, T2, 27/9/2005, DJ 25/11/2005.68 Do voto do relator: entretanto, apesar dessa legtima descaracterizao do clamor pblico como fundamento idneo para a

    decretao de priso cautelar, devo recordar que o acrdo do Superior Tribunal de Justia apresenta elementos suficientes para

    configurar o argumento da garantia da ordem pblica.

  • p. 75 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    No HC n 89.643 69, punha-se em xeque dPPrev, cuja espartana fundamentao

    seria desprovida de base emprica, por aludir ordem pblica e convenincia da

    instruo criminal in abstracto. O voto da relatora foi construdo essencialmente em cima

    do parecer da PGR, cuja ampla e profunda exposio por sua vez se reportou ao parecer

    ofertado pelo MPF ao STJ e s alegaes finais apresentadas pelo MP ao Juzo de Direito.

    Nessas peas, uma constelao de novos elementos de respaldo veio luz: ) temor dos

    moradores do bairro, que se recusavam a prestar depoimentos; ) relato de que o lugar

    seria um palco de intenso narcotrfico e ao de quadrilhas; ) ameaa velada de morte a

    testemunha. manifesto que nenhum desses dados serviu de esteio decretao da priso.

    E no menos certo que tenham pesado decisivamente na denegao da ordem.

    No HC n 84.688 70, a T2 repeliu a periculosidade dos agentes71 e o

    sentimento de intranqilidade, colhendo como vlida a possibilidade de fuga.

    Elemento cuja idoneidade foi estabelecida a partir da informao da juza prolatora de que

    a fuga do Ru se deu antes da decretao da priso preventiva. Ou seja: para verificar

    a consistncia do decreto, o relator recorreu a dados dos quais a juza no estava a par

    ao impor a custdia e que foram acrescidos a posteriori.

    No HC n 90.889 72, a PPrev imposta pela Justia Militar buscou como lastro

    a periculosidade demonstrada pelos pacientes e a necessidade de assegurar a aplica-

    o da lei penal militar. No entanto, para atestar o acerto e a coerncia da deciso

    impugnada, o relator remeteu sentena condenatria proferida pela Justia Estadual,

    em outro processo, na qual tambm se revela a periculosidade dos pacientes e, inclu-

    sive, a existncia de um plano de fuga arquitetado aps o encarceramento. Na ementa

    do acrdo, h aluso periculosidade e [] possibilidade de fuga dos pacientes,

    que foram condenados por integrarem organizao criminosa fortemente armada,

    voltada para a prtica de crimes. Ora, a fim de robustecer a caracterizao in concreto

    da necessidade da custdia, o relator incorporou uma gama de informaes totalmente

    estranhas e alheias fundamentao da dPPrev, no s com relao periculosidade,

    mas igualmente com relao existncia de plano de fuga. Ao invocar a garantia de

    aplicao da lei penal, o Conselho de Justia se baseara apenas no fato de alguns dos

    acusados serem oriundos do Rio de Janeiro, de tal modo que a custdia seria justifi-

    cvel para impedi-los de sair de Pernambuco. No se cogitou de plano de fuga algo que

    era de conhecimento exclusivo da Justia Estadual.

    69 HC n 89.643/RS, T1, 14/11/2006, DJ 1/12/2006.70 HC n 84.688/SP, T2, 7/8/2007, DJ 14/9/2007.71 Se com relao PPrev o terreno j movedio, no tocante periculosidade estamos a reboque do casusmo, sendo impossvel

    determinar com clareza a posio da Corte. O desfecho do julgamento depender essencialmente do relator e da composio da

    Turma, no dia da votao. 72 HC n 90.889/PE, T2, 9/10/2007, DJE 152 29/11/2007.

  • p. 76 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    No difcil concluir: a orientao formal, partejada pela vigorosa ortodoxia

    processual pro reo reinante em nosso meio, constitui uma inaceitvel camisa-de-fora,

    que a prpria Corte reluta em vestir. Imaginemos um meganarcotraficante da estatura

    de Juan Carlo Abadia, um terrorista suicida da al Qaeda ou um homicida serial como

    o colombiano Pedro Alonso Lopes73 ganhando a liberdade, s porque o decreto de priso

    levou ao p da letra a idia de conciso ou destacou o clamor pblico e a brutali-

    dade, em lugar de perigo de reiterao e periculosidade. De nenhum ponto de

    vista, justifica-se que uma mera falha formal implique devolver s ruas delinqentes

    perigosos, cuja custdia aos olhos do prprio Tribunal se mostra necessria. De outro

    lado, a soluo que o STF vem dando questo trai um indefensvel improviso, que vai

    de encontro segurana jurdica (Rechtssicherheit) e isonomia pilares estruturais

    do Estado Democrtico de Direito. A chave reside em conciliar a boa tcnica com uma

    boa dose de realismo judicirio, modulando o efeito temporal das decises por meio

    do instrumento da recomendao. Seria fixado prazo para que o prolator substitus-

    se a deciso questionada por outra cuja fundamentao estaria isenta dos vcios ,

    que a sucederia, no plano da eficcia, sem soluo de continuidade. Trata-se da adaptao

    de artifcio utilizado com cada vez mais freqncia nos HC impetrados contra atos do

    STJ74, que espelha uma sugesto imperativa mais que um conselho e menos que uma

    ordem. Caso no seja proferida nova deciso atenta s diretrizes da Corte, dar-se- a

    invalidao da custdia75. De certa forma, a modulao tambm aplicada nos casos de

    anulao de sentena, em que o STF se abstm de determinar a restaurao do status

    libertatis, ordenando a prolao de novo provimento, livre do vcio argido76.

    3.3 Pela supervenincia da condenao

    O trnsito em julgado certamente torna irrelevantes as falhas da dPPrev,

    pois a custdia passa a ser modo de execuo da pena, e no mais um instrumento cautelar

    ou de proteo incolumidade pblica. Mas a supervenincia do provimento condenatrio

    73 Ao Monstro dos Andes so atribudos mais de 300 homicdios, em trs pases.74 A propsito: Demora do STJ em julgar pedido de habeas corpus [...] HC denegado, com recomendao. Precedente (HC n 91.480/SP,

    T2, 25/9/2007, DJE 152 29/11/2007). Ordem denegada, mas com a recomendao, e no com a determinao, de que o Superior Tribunal

    de Justia d preferncia aos julgamentos reclamados (HC n 91.408/MG, T2, 14/8/2007, DJE 131 25/10/2007); Habeas corpus no

    conhecido, com a recomendao de que o STJ d absoluta preferncia ao julgamento do HC objeto desta impetrao (HC n 90.470/CE,

    T2, 26/6/2007, DJ 17/8/2007). O STJ tambm se serve do expediente (HC n 67.724/BA, T5, 24/4/2007, DJ 4/6/2007).75 Por meio de novo HC ou de Reclamao.76 [...] estando a decretao da priso preventiva devidamente fundamentada, e no havendo que se falar em excesso de prazo, persiste

    ela at a prolao da sentena, e, portanto, at que seja proferida outra em virtude da anulao, por defeito formal, da condenatria

    que foi prolatada (HC n 80.583-3/MS, T1, 8/5/2001, DJ 22/6/2001).

  • p. 77 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    recorrvel s ser relevante, se oferecer em abono PPrev novos elementos de respaldo

    aptos erradicao dos vcios. Do contrrio, as falhas permanecero latentes, podendo

    ser esquadrinhadas no mesmo meio impugnativo77. Embora a tese seja lgica, arriscar

    um palpite sobre sua prevalncia seria temerrio. H acrdos que do como superada

    a alegao de inidoneidade da dPPrev devido pronncia, sentena condenatria ou

    publicao de acrdo em grau de apelao78, apesar da persistncia do vcio.

    4 Nova decretao aps a cassao

    A pronncia da nulidade s representar obstculo intransponvel a nova

    decretao, na hiptese rara de outorgar incondicional salvo-conduto ao agente ou se

    expropriar por completo o espao decisrio do prolator. Havendo campo residual, a dPPrev

    poder ser renovada, da seguinte forma:

    () Se o decreto anterior tiver sido fulminado devido absoluta falta de fundamen-

    tao ou ausncia de fundamentao mnima, sem a impugnao direta e espec-

    fica dos elementos de respaldo, bastar que o novo seja adequadamente motivado,

    pautando-se em qualquer fundamento, mesmo que inidneo ou factualmente pouco

    convincente79. Como vimos, partindo da noo de igualdade dos efeitos e da dificuldade

    em estabelecer uma fronteira ntida entre conjunturas similares, o STF costuma equiparar

    situao de fundamento inidneo os casos de falta total de motivao ou de ausncia

    de motivao mnima. Exemplo de silncio obsequioso sobre a necessidade da custdia

    est retratado no HC n 91.729 80:

    [...] Com efeito presentes os requisitos elencados nos artigos 311 e 312 do CPP. H prova da materialidade do delito e indcios sufi-cientes da autoria. Outrossim, necessria a custdia cautelar para garantia da ordem pblica, bem como convenincia da instruo criminal. A fim de evitar um mal maior e resguardar a ordem pblica, a medida de rigor.

    Embora pudesse ter se atido bvia falta de fundamentao mnima,

    o acrdo avanou sobre a impropriedade do clamor pblico e da gravidade do fato,

    77 HC n 86.522/DF, T2, 4/4/2006, DJ 16/6/2006. 78 HC n 88.811/RS, T2, 25/9/2007, DJ 14/12/2007; HC n 74.983/RS, pleno, vu, 30/6/1997, DJ 29/8/1997; HC n 80.893-0/RJ, T2,

    5/6/2001, DJ 24/8/2001.79 O rgo pode, mas no deve agir assim. Se o fizer, alm de ferir o primado tico que preside e norteia o processo, o decreto repetir o

    malogro do anterior. de todo conveniente, que a nova ordem se apie desde logo em fundamento idneo e factualmente convincente.80 HC n 91.729/SP, T1, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007.

  • p. 78 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    o que condicionar o contedo de uma eventual redecretao. No fosse isso, at mesmo

    esses fundamentos em regra, enxotados pela jurisprudncia da Corte , poderiam ser

    ventilados, sem ofensa coisa julgada ou a algo que o valha. Sabendo-se que a paciente

    era acusada de assassinar o companheiro a tiros, e no havendo meno a fatos concretos

    que apontassem risco conduo do processo ou aplicao da lei penal, talvez se

    pudesse cogitar da periculosidade espelhada no modus operandi.

    () Se a nulidade se deveu inidoneidade em tese dos fundamentos, a nova deciso dever

    escorar-se em outros fundamentos, no rechaados nem implcita nem explicitamente

    pela instncia superior. Da que se a Corte, com olhos fechados para o horizonte factu-

    al, derruba PPrev escorada em clamor pblico81, gravidade do fato82, repercusso

    social83, reputando os fundamentos j in abstracto imprprios, no haver empecilho a

    que nova ordem, baseada em fundamento aparelhado de idoneidade em tese, seja profe-

    rida. intuitivo que no ser suficiente modificar o rtulo, chamando de periculosidade

    o que antes se designara de clamor pblico: o rgo dever fornecer cabal demonstrao

    da base emprica apta a sustentar a nova proviso.

    () Se o Tribunal teve em vista a falta de base emprica, sem apontar a inidonei-

    dade dos fundamentos em tese, o rgo prolator ter diante de si dois caminhos.

    Poder redecretar a PPrev, invocando os mesmos fundamentos, lastreados em fatos

    anteriormente desprezados ou em informaes surgidas desde a prolao da ordem

    fulminada. Ou poder remeter a novos fundamentos, providos de base emprica. O cru-

    cial que demonstre de maneira convincente a suficincia do novo embasamento factual.

    No HC n 85.868 84, repeliu-se dPPrev fundada na convenincia da instruo criminal

    devido ausncia de comprovao de ameaa s testemunhas. Nada se disse contra o

    fundamento ou o elemento de respaldo, em tese. Tanto que a soltura veio com ressalva:

    sem prejuzo de que, presentes os requisitos autorizadores e demonstrados fundamentos

    concretos, seja decretada nova cautela.

    () Se o caso foi de relaxamento por excesso de prazo, pela demora desarrazoada quer

    da instruo quer da emisso do provimento final, sem que tenha havido crtica moti-

    vao, a jurisprudncia admite a renovao da ordem, quando da formao da culpa85,

    escorando-se nos mesmos ou em fundamentos acrescidos. Essa concluso se apia em

    81 HC n 92.133/CE, T2, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007; HC n 84.311/SP, T2, 3/4/2007, DJ 8/6/2007.82 HC n 90.370/SP, T2, 16/10/2007, DJE 152 29/11/2007; HC n 91.729/SP, T1, 25/9/2007, DJE 121 10/10/2007.83 HC n 89.503/RS, T2, 3/4/2007, DJ 8/6/2007; HC n 85.046/MG, T1, 15/3/2005, DJ 10/6/2005.84 HC n 85.868/RJ, T2, 11/4/2006, DJ 15/12/2006.85 HC n 84.304/PE, T1, 4/10/2005, DJ 3/2/2006: o relaxamento da priso preventiva, por excesso de prazo, no impede sua decretao

    por outros fundamentos explicitados na sentena. A expresso por outros fundamentos desacertada. Se no houve valorao do

    periculum libertatis, no pode existir empecilho redecretao, ainda que com respaldo nos mesmos fundamentos.

  • p. 79 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

    duas slidas premissas: 1) a invalidao se deveu demora desarrazoada da instruo,

    no eroso da validade dos fundamentos, que se mantm a todo o tempo inclume;

    2) da jurisprudncia do Supremo Tribunal que, com a supervenincia da sentena

    condenatria - que constitui novo ttulo da priso, encontra-se superada a questo

    relativa ao antecedente excesso de prazo da priso86. Raciocnio idntico vigora com

    relao aos casos do jri: quando da pronncia, nada impede que o juiz mande recolher

    agente, cuja ordem de priso anterior tenha sido relaxada por demora na concluso do

    sumrio de culpa87. Ser sempre a ocasio, e no o contedo, o critrio condicionante

    do decreto88.

    5 Concluso

    A incapacidade de rendimento da jurisprudncia deve ser relevada, pois no h

    outro instrumento que confira estabilidade e segurana s relaes jurdica. Como instncia

    final no tocante matria penal, a jurisprudncia do STF deve merecer especial ateno.

    A despeito das contradies e incongruncias, possvel sistematizar precedentes,

    extraindo deles a matria-prima de uma espcie de estatuto constitucional e legal da

    PPrev. Sua utilizao pelos rgos inferiores ir reduzir, dentro das limitaes atuais,

    o fator lotrico e a excessiva subjetivao, que permeiam o Judicirio, tornando mais

    equnime, materialmente justo e socialmente proveitoso o exerccio jurisdicional.

    86 HC n 86.630/RJ, T1, 24/10/2006, DJ 7/12/2006. Assim tambm, HC n 90.889/PE, T2, 9/10/2007, DJE 152 29/11/2007. Mas no

    HC n 87.132/MG, T1, 3/8/2007, DJ 31/10/2007, entendeu-se que o excesso no seria supervel.87 HC n 91.636/RN, T2, 26/6/2007, DJ 17/8/2007; HC n 80.325-3/RJ, T1, 21/11/2000, DJ 2/2/2001; HC n 80.447-1/RJ, T1,

    24/10/2000, DJ 2/2/2001; RHC n 80.741-1/PA, T2, 27/3/2001, DJ 24/8/2001.88 O que no parece fazer sentido a exigncia da formao de culpa, nas duas hipteses de excesso. Se a invalidao est ligada

    demora para a soluo da causa, intuitivo que s com o provimento final se poder renovar a ordem. Mas se decorreu do excesso

    de prazo da instruo, concluda essa, nada impedir o rgo de redecretar a PPrev, de imediato, antes mesmo da prolao da

    sentena ou acrdo.

  • p. 80 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 61-80, 2008

    Direito Penal e Processual Penal

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