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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Alvaro Gabriele Bento Rodrigues Júnior O Sítio-Labirinto de Monteiro Lobato: Hipermídia e Construção de Conhecimento São Paulo 2007

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Alvaro Gabriele Bento Rodrigues Júnior

O Sítio-Labirinto de Monteiro Lobato: Hipermídia e Construção de Conhecimento

São Paulo 2007

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ALVARO GABRIELE BENTO RODRIGUES JÚNIOR

O SÍTIO-LABIRINTO DE MONTEIRO LOBATO: HIPERMÍDIA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO

Dissertação apresentada à Universidade Presbi-teriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bairon

São Paulo 2007

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R696s Rodrigues Júnior, Alvaro Gabriele Bento O Sítio-Labirinto de Monteiro Lobato: hipermídia e

construção de conhecimento / Alvaro Gabriele Bento Rodrigues Júnior - 2007.

121 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da

Cultura) - Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.

Referências bibliográficas : f. 117-121.

1. Hipermídia. 2. Monteiro Lobato. 3. Conhecimento. I. Título.

CDD 302.23

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ALVARO GABRIELE BENTO RODRIGUES JÚNIOR

O SÍTIO-LABIRINTO DE MONTEIRO LOBATO: HIPERMÍDIA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO

Dissertação apresentada à Universidade Presbi-teriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bairon

Aprovado em: ____/____/________

BANCA EXAMINADORA

São Paulo 2007

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Para meu avô, Edgard Hélio Rodrigues, pelo incentivo, apoio e conhecimento compartilhado.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais e avós pelo incentivo e apoio emocional definitivos para a conclusão deste trabalho; Ao meu orientador, professor Sérgio Bairon, pela paciência e pela orientação precisa que me permitiram levar a cabo a presente investigação; Ao Mackpesquisa e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo suporte financeiro concedido para a conclusão deste trabalho; Ao professor Marcos Rizolli, pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão e pela amizade; Ao professor Martin Cezar Feijó por participar da minha banca de qualificação trazendo, sempre, valiosas contribuições; Também ao professor Vicente Gosciola por participar da minha banca de qualificação e pelos riquíssimos comentários; Agradeço, ainda, a Fabiana Valeck, por ter lido meus primeiros rascunhos e pelas valiosas críticas que me forneceu; A Maria Almeida Salles, pelo reconhecimento e valorização profissional, e pela confiança no meu trabalho; Aos colegas do CRE Mario Covas, que sempre me apoiaram, incentivaram, aturaram e encorajaram a seguir em frente; A todos os professores, colegas, funcionários e amigos do programa de Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em especial ao grupo de estudos de EAD, obrigado pela convicência e pela troca de conhecimentos; Ao João Lopes Toledo, com quem compartilhei os momentos mais divertidos e também os mais críticos de todo este processo; A Paula Veneroso pela contribuição fundamental através da revisão dos textos nas noites em claro; Ao amigo Gustavo Antunes Pereira (Guga), pela colaboração musical; À Cleuda, que pacientemente organizou a bagunça que fiz em casa durante o período de conclusão desta pesquisa; Aos meus parentes e amigos que acostumaram-se a ver-me e visitar-me somente no ciberespaço durante o processo de finalização deste trabalho; Agradeço, por fim, à minha amada, amiga e companheira, Faimah Lis Bachega, que me deu suporte imprescindível durante todo este processo. Sem você nada disso seria possível.

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RESUMO

A presente pesquisa pretende analisar a obra infantil de Monteiro Lobato, “O Sítio do

Picapau Amarelo” sob o viés da linguagem hipermidiática, através da qual o seu potencial

cognitivo e intersemiótico da seriam amplificados para além do texto e, até mesmo do

conceito de uma narrativa ergódica. Valendo-se deste potencial, Lobato propõe reflexões

socio-culturais inseridas num contexto lúdico e fantasioso (ou fantástico), as quais podem

passar desapercebidas pelo público infantil, mas que são extremamente significativas para

o público jovem e adulto. O estudo realizado analisa a linguagem hipermídiática e sua

relação com a obra “O Sítio do Picapau Amarelo” ao mesmo tempo que examina, as

evidências e possibilidades de um ambiente hipermídia. Desta forma, realizou-se um

estudo que procurou identificar, incialmente, as características, motivações e ideologias

do autor, sua relação com o público leitor e as peculiaridades da obra em questão e dos

personagens nela inseridos. Em seguida, buscou-se o enfoque na teoria hipermidiática

existente para, finalmente, unir o Sítio ao Labirinto em uma nova dimensão narrativa, a

qual possibilita uma construção reticular, modular e não-linear do texto lobatiano,

conectado a imagens, movimentos e sons, ao mesmo tempo que reafirma o inquestionável

senso cultural e cognitivo pertencente a Lobato.

Palavras-chave: Hipermídia, Monteiro Lobato, Conhecimento.

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ABSTRACT

This thesis intends to identify and to be evidence of aspects of the hypermediatic language

present in the children´s work of Monteiro Lobato, O Sítio do Picapau Amarelo. Analyzed

under this perspective, it acquires diverse meanings and conquest a new narrative

dimension that makes possible the construction of reticular, modular and nonlinear texts,

connected to the images, movements and sounds. Through a hypermediatic study, we can

find evidences that confirm this hypothesis, analyzing initially, the characteristics and

ideological motivations of the author, after that your relation with the reading public and,

finally, the work in question and the characters created from it. For this, had been

realized analysis and bibliographical revisions of the work of Monteiro Lobato and had been

carried through beyond an analysis of the available research and biographies until the

present moment. As result, they had been discovered characteristics that proves the

modernity of the work, as well as the unquestionable cognitive and cultural sense

belonging to Lobato.

Keywords: Hypermedia, Monteiro Lobato, Knowledge.

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Sobre o autor:

Alvaro Gabriele Rodrigues Jr. é formado em Comunicação Social, professor da Faculdade

Módulo Paulista, onde leciona as disciplinas de Fundamentos de Games para o curso de

Sistemas de Informação, e Animação para Web no curso de Tecnologia e Interntet; pós-

graduado em Criação Visual e Multimídia pela Universidade São Judas, onde também atua

como professor nas disciplinas de Internet e Multimídia; trabalha profissionalmente com

mídias digitais há 10 anos e atualmente coordena o departamento de Tecnologia e

Comunicação do Centro de Referência em Educação Mario Covas, ligado à Secretaria de

Educação do Estado de São Paulo.

About the author:

Alvaro Gabriele Rodrigues Jr. is gratuated in Social Communication, professor in the

Modulo College, where he taught Animation for Web and Fundaments of Games for the

courses of Systems of Information and Internet; he is postgraduated in Visual Creation and

Multimedia at São Judas University where he also taught Internet and Multimedia. He

works with digital media about 10 years and currently is coordinator of the Technology and

Comunication department of the Centro de Referência em Educação Mario Covas.

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LISTA DE FIGURAS

Figura da capa Monteiro Lobato e suas criações Fonte: AZEVEDO; CAMARGOS; SACHETTA, 1997, p.359. Figura 1 Metaverso Second-Life p. 33

Figura 2 Gráfico Completo p. 79

Figura 3 Rede p. 79

Figura 4 Árvore p. 80

Figura 5 Vetor Ramificado p. 80

Figura 6 Labirinto p. 81

Figura 7 Rede Direcionada p. 81

Figura 8 História Oculta p. 82

Figura 9 Roteiro Trançado p. 82 Figura 10 História-Mundo p. 83 Figura 11 Experiência “ampliada” por computador (Magic Book) p. 85

Figura 12 Lexia-Lexia Unidirecional p. 87

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Figura 13 Lexia-Lexia Bidirecional p. 88

Figura 14 Palavra ou Frase-Lexia p. 88

Figura 15 Palavra-Palavra p. 88

Figura 16 Um-para-Muitos p. 89

Figura 17 Muitos-para-Um p. 89

Figura 18 Links Escritos p. 90

Figura 19 Mapa do Mundo das Maravilhas p. 99 Figura 20 Modelo 3D – Dona Benta p. 112

Figura 21 Modelo 3D – Tia Nastácia p. 112

Figura 22 Modelo 3D – Emília p. 112

Figura 23 Modelo 3D – Visconde p. 112

Figura 24 Modelo 3D – Proposta amb. hipermidiático – Sítio 3D p. 113 Figura 25 Modelo 3D – Proposta amb. hipermidiático – Sítio 3D Opções de navegação habilitadas p. 114

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Elementos presentes no conceito de game por autor p. 47

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10 1 – Construção de conhecimento na obra lobatiana 12 1.1 Monteiro / Lobato 13 1.2 Lobato / Sociedade 18 1.3 Lobato / Obra 22 1.4 Lobato / Interdisciplinaridade 25 1.5 Lobato / Conhecimento 29 2 – O Espaço do Hiperconhecimento 34 2.1 Espaço / Ciberespaço / Hiperespaço 35 2.2 Cultura / Cibercultura / Hipercultura 48 2.3 Mídia / Multimídia / Hipermídia 55 2.4 Texto / Cibertexto / Hipetexto 67 2.5 Link / Ergolink / Hiperlink 85 2.6 Conhecimento / Ciberconhecimento / Hiperconhecimento 91 3 – Do Sítio ao Labirinto do Picapau Amarelo 96 3.1 Sítio / Fantasia 97 3.2 Sítio / Jogo 106 3.3 Sítio / Labirinto 107 Considerações Finais 115 Referências Bibliográficas 117

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Introdução

Pode-se dizer que Monteiro Lobato foi um homem de diversas mídias. Além de escritor,

atuou também com jornalista, ilustrador, pintor publicitário e editor. Mas foi através das

histórias do Sítio do Picapau Amarelo que Monteiro Lobato encontrou a sua verdadeira

vocação: a literatura infantil.

Considerada a obra inaugural desse gênero no Brasil, O Sítio do Picapau Amarelo, objeto

de estudo deste trabalho possui, no mínimo, uma característica singular: o objetivo de

semear o conhecimento através das páginas dos livros. Objetivo este que lobato perseguiu

até os últimos dias de sua vida, com a esperança de transformar o mundo através dos

pequenos leitores, tratando os assuntos de maneira lúdica e, ao mesmo tempo, didática.

Nesta pesquisa foram analisados os volumes da coleção Obras Completas de Monteiro

Lobato sob o enfoque da linguagem hipermidiática, assim como a literatura atual dedicada

ao estudo profundo da hipermídia, do hiperespaço, da realidade virtual e das narrativas

digitais interativas.

Buscou-se, nesta investigação, identificar, num primeiro momento, as motivações que

levaram Lobato a adotar uma abordagem cognitiva e interdisciplinar em sua obra infantil.

Em seguida, foi analisado o processo de construção de conhecimento em hipermídia. Por

fim, o Sítio do Picapau Amarelo foi estudado à luz da linguagem hipermidiática.

Neste aspecto, vale ressaltar a importância da hipermídia:

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Propiciada, entre outros fatores, pelas mídias digitais, a revolução tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente muito mais profunda do que foi a invenção do alfabeto, do que foi também a revolução pela invenção de Gutenberg. É ainda mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com os seus meios técnicos, mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de mensagens. Muitos especialistas em cibercultura não tem cessado de alertar para o fato de que a revolução teleinformática, também chamada de revolução digital é tão vasta a ponto de atingir proporções antropológicas importantes, chegando a compará-la com a revolução neolítica (SANTAELLA, 2001, p. 389).

Pretende-se, portanto, com esta pesquisa, propor um modelo de ambiente hipermidiático

que possibilite, através da interatividade com os personagens e histórias de Monteiro

Lobato, expandir o potencial cognitivo da obra literária.

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1 Construção do conhecimento na obra lobatiana

Saber sentir, saber ver, saber dizer Monteiro Lobato

Vasta é a bibliografia que trata da vida e da obra de Monteiro Lobato. Foram referências

para esta pesquisa os trabalhos de Tadeu Chiarelli, Um Jeca nos Vernissages; Marisa Lajolo,

Monteiro Lobato: Um brasileiro sob medida; Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e

Vladimir Sacchetta, Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia; Cilza Carla Bignotto,

Personagens infantis da obra para crianças e da obra para adultos de Monteiro Lobato:

Convergências e divergências, entre outros.

Embora este trabalho não pretenda aprofundar-se nos aspectos biográficos acerca do autor

ou, ainda, deter-se numa análise crítica sobre a obra lobatiana inserida num contexto

sócio-cultural histórico brasileiro, é impossível dissociar a vida de Monteiro Lobato de sua

obra, como também de suas inquietações sociais.

As três primeiras separações utilizadas neste capítulo — Monteiro/Lobato,

Lobato/Sociedade e Lobato/Obra — pretendem resgatar, de maneira sucinta, a trajetória

do autor, partindo da infância interiorana em Taubaté, passando pela juventude boêmia na

cidade de São Paulo e, por fim, transitando entre o campo e a metrópole na fase adulta.

Nas duas separações finais — Lobato/Interdisciplinaridade e Lobato/Conhecimento — são

analisados aspectos cognitivos nos textos infantis da coleção “Obras Completas”, também

conhecida como “O Sítio do Picapau Amarelo”, em que as vivências do autor são traduzidas

em palavras através de um universo lúdico e interdisciplinar.

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1.1 Monteiro / Lobato

José Bento Monteiro Lobato nasceu em 18 de abril de 1882 na cidade de Taubaté, interior

do estado de São Paulo. Desfrutou boa parte da infância na fazenda Santa Maria, em

Ribeirão das Almas, onde o convívio com a natureza lhe forneceu informações e

experiências que seriam retomadas posteriormente em suas obras, como os bonecos e

bichos de cenoura e chuchu que fazia com as irmãs Teca e Judite. Acostumou-se, desde

cedo, com as brincadeiras e crenças da vida no campo.

Desenvolveu o gosto pela literatura nas constantes visitas à casa do avô materno, José

Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé. Por imposição deste mesmo avô, entrou

para a Academia de Direito com dezoito anos incompletos. Sua vontade era matricular-se

na Escola de Belas Artes, mas tornar-se pintor foi, irremediavelmente, o único sonho

descartado em toda sua vida (AZEVEDO et al., 1997, p.30).

Estreou na letra impressa em 1896, no improvisado jornalzinho estudantil O Guarany, como

colaborador, adotando os pseudônimos de Josbem e Nhô Dito. Na mesma época, colaborou

também com os jornais estudantis paulistas O Patriota e A Pátria, fundando em seguida

seu próprio jornal, o H2O.

Já na faculdade, em 1899, e desinteressado pelo estudo das leis, passou a colaborar com o

jornal Onze de Agosto e com a Arcádia Acadêmica, publicação dos segundanistas de

direito, presidida por Lobato entre 11 de agosto e 15 de novembro de 1901.

O início do século XX significou para Monteiro Lobato período de exaltação cultural e

criativa, favorável à ampliação dos seus horizontes intelectuais e à busca por novos

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desafios. Sem se dar conta, ele já sofria de um inconformismo crônico, responsável pela

renitente mania de querer transformar o mundo (AZEVEDO et al., 1997, p.30).

Este inconformismo o levou a integrar o grupo boêmio O Cenáculo, em 1902, onde se

reunia com colegas e amigos, como Godofredo Rangel, Ricardo Gonçalves, Tito Lívio Brasil,

Lino Moreira, Cândido Negreiros, Albino Camargo Neto e José Antônio Nogueira, para ler,

produzir e discutir literatura, desprendendo-se do enfadonho ambiente da faculdade. As

ambições eram grandiosas. Pretendiam reformar o mundo por meio de uma nova arte, uma

nova ciência e uma nova filosofia.

Das mesas de bar no Café Guarany à república instalada nos altos de um chalé amarelo no

Belenzinho, apelidada de “Minarete”,1 Lobato, Rangel, Negreiros e Gonçalves seguiram

compartilhando o amor à arte e à natureza. Nessa mesma época, Benjamim Pinheiro

convidou Monteiro Lobato e seus companheiros de república a colaborarem na criação do

semanário que, por sugestão do próprio Lobato, fora também batizado de O Minarete.

Nele, os jovens escritores, utilizando pseudônimos, conquistaram a liberdade criativa que

os permitia realizar grandes proezas e escândalos, como o folhetim de rodapé de Lobato,

intitulado “Os Lambeferas”2.

O percurso universitário de Lobato encerrou-se em 1904, ao formar-se doutor e, com o

diploma de bacharel, retornou à pacata Taubaté, onde formalizou o noivado com Maria

Pureza da Natividade, a Purezinha. O ritmo lento da cidade em relação a São Paulo o levou

a mergulhar nas leituras, a reescrever textos e a contribuir intensamente na imprensa,

ainda com o Minarete e com o jornal O Povo, de Caçapava. Apesar da formação em

1 Minarete é uma denominação islâmica. Também conhecido como almádena, o minarete é a torre de uma mesquita onde o almuadem anuncia as cinco chamadas diárias à oração. 2 O folhetim de rodapé “Os Lambeferas” trazia textos curtos, muitas vezes engraçados e sem sentido, mas extremamente talentosos.

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Direito, Lobato atuou profissionalmente como escritor, crítico de arte, ilustrador,

jornalista, professor de Língua Portuguesa e editor. Trazia consigo enorme paixão pela

pintura, fundamentalmente a de estética naturalista. Porém, tendo optado pela literatura

como meio de expressão artística e cultural, dizia pintar com as palavras.

Em 1907, foi nomeado à promotoria de Areias, pequena cidade também do Vale do

Paraíba, onde tentou preencher as muitas horas vagas com pinturas em aquarelas e vários

pequenos contos que, posteriormente, integrariam o livro Urupês. Foi também na cidade

de Areias que ganhou sua primeira e única causa como promotor público, antes de casar-se

com Purezinha em março de 1908.

As preocupações financeiras aumentaram com o nascimento da filha primogênita, Martha,

um ano após o casamento, e com a chegada do segundo filho, Edgard, em maio de 1910.

Ainda descontente com a monotonia da vida interiorana em Areias, Lobato envolvia-se em

várias atividades que lhe possibilitavam ampliar a renda da família. Fazia traduções de

artigos estrangeiros, criava desenhos e caricaturas, colaborava em jornais e produzia contos.

Com a morte do Visconde de Tremembé em 1911, herda enorme propriedade rural na Serra

da Mantiqueira. O empenho em tornar a propriedade economicamente rentável afastava-o

das atividades de escritor, mas permitia que estruturasse variados projetos literários, tendo

o meio rural como fonte de inspiração.

Em maio de 1912, nasce seu terceiro filho, Guilherme. Ampliam-se as dificuldades

financeiras. A convivência com os caboclos o leva a refletir sobre a forma como estes

desrespeitam a natureza que lhes sustenta. Passa a pesquisar a vida do homem do campo,

atribuindo-lhe a culpa pelas numerosas queimadas que invadem suas terras. Tomado pela

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cólera e determinado a tornar público o assunto, redige um irascível protesto intitulado

Uma velha praga e o encaminha à seção “Queixas e Reclamações” do jornal O Estado de S.

Paulo. A matéria, publicada em destaque no dia 12 de novembro de 1914, causou enorme

impacto e repercussão, tornando Monteiro Lobato conhecido e discutido nos diversos

setores da sociedade. Soma-se a este artigo, outro, denominado Urupês. Jeca Tatu, Chico

Marimbondo e Manuel Peroba são os nomes utilizados por Lobato para tornar anônimos os

réus que acusava de prática incendiária. De acordo com Marisa Lajolo (2000, p.26):

Definido em “Velha Praga” como piolho da terra e como orelha de pau, o Jeca contradizia frontalmente não só a retórica patrioteira, mas também o processo de idealização das minorias — índios, caboclos, negros e caipiras — às quais a tradição literária romântica atribuía perfil épico e idealizado. Nessa tradição, o ridículo ficava reservado para a figura do caipira-na-cidade-grande, inevitavelmente canhestro em suas aproximações da metrópole, cena freqüente na comédia romântica (Martins Pena), e em cuja linhagem o próprio Jeca lobatiano se inscreve, quando é retomado na filmografia de Mazzaropi.

Essa imagem do caboclo, personificada na figura do Jeca Tatu, foi ampliada em Urupês,

onde Lobato acentua insensivelmente características como a preguiça e a ignorância do

homem do interior. Além disso, para ele, o Jeca não apresentava sequer vestígios de

criatividade ou imaginação.

Além da intensa polêmica, os dois artigos ampliaram as possibilidades de trabalho para

Lobato, com novos convites para colaborar em diversos jornais e revistas. Sua produção

intelectual e literária ampliava-se à medida que diminuía o interesse pela fazenda. Pouco

depois do nascimento da última filha, Ruth, em 1916, vende a propriedade rural e retorna à

cidade de São Paulo.

Nota-se que, ao longo de sua trajetória, Monteiro Lobato transitou entre dois estilos de

vida completamente distintos: por um lado, a vida no campo, que lhe proporcionava um

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contato maior com sua família, suas origens e com a realidade do homem rural. Em

contrapartida, a cidade grande o aproximava dos amigos, das discussões intelectuais e,

inevitavelmente, do progresso.

É possível que esta relação dicotômica entre cidade e campo tenha levado Lobato a

desenvolver crenças ambíguas, refletidas freqüentemente em seu discurso antagônico, ora

completamente tomado por manifestações de extremo conservadorismo nacionalista, ora

repleto de irreverência e de um caráter inovador incomum e, por vezes, até mesmo

incompreensível para sua época. Por intermédio dessas peculiaridades, Monteiro Lobato

soube, através das palavras, tanto encantar seus leitores quanto provocar seus desafetos.

Uma de suas maiores provocações ocorreu em 20 de dezembro de 1917, quando lançou um

artigo no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado A Propósito da Exposição Malfatti,

criticando duramente a exposição da artista Anita Malfatti, discípula do modernismo

europeu. No texto, Lobato defendia a estética clássica, repudiando as consideradas novas

tendências artísticas — as Vanguardas Européias — que serviam como fonte da técnica

desenvolvida por Anita. O resultado era, para Lobato, uma “arte efêmera”, fruto do que

lhe parecia um processo de paranóia ou de mistificação.

Oswald de Andrade, por sua vez, líder do movimento modernista paulista de 22, elogiou no

Jornal do Comércio o modernismo de Anita. A questão ganhou enormes proporções,

gerando um preconceito contra Lobato que o deixou de fora da Semana de Arte Moderna.

Sérgio Milliet define a hostilidade de Lobato ao modernismo como uma manifestação de

despeito, evidenciada em sua crítica de arte baseada na concepção primária de uma

“pintura fotográfica”, de uma escultura naturalística, originada pela ingênua convicção

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num progresso contínuo, na superioridade de nossa civilização ocidental sobre as demais

(apud AZEVEDO et al., 1997, p.170).

Entretanto, o propósito de Lobato era chamar a atenção para a adoção das escolas prontas

estrangeiras pelos artistas brasileiros, o que, para ele, significava desviar-se ainda mais do

caminho que levaria à independência artística, à consolidação de um caráter estético

nacional. Para ele, tais modernismos eram tão prejudiciais ao nascimento de um estilo

próprio quanto o afrancesamento da elite colonizada (AVEVEDO et al., 1997, p.170).

É evidente a preocupação de Lobato em ampliar a abrangência de sua obra. A estética

naturalista e a maneira simples, direta e irreverente de escrever o aproximavam das

pessoas comuns, sobretudo em relação aos experimentalismos vanguardistas. Nada mais

coerente, portanto, do que, ao dirigir sua produção literária para a grande massa —

extrapolando os círculos eruditos —, ele também elegesse uma estética de fácil apreensão

(Ibid., 1997, p.170).

A estética naturalista aproximava Lobato de seu público. Entregando-se às causas sociais,

pelas quais se demonstrou engajado em toda a sua obra, mantinha-se fiel aos princípios

nacionalistas, segundo os quais acreditava ser possível construir uma sociedade mais

justa e digna.

1.2 Lobato / Sociedade

As décadas situadas em torno da transição dos séculos XIX e XX assinalaram mudanças

drásticas em todos os setores da vida brasileira. Mudanças que foram registradas pela

literatura, e, sobretudo, mudanças que se transformaram em literatura (SEVCENKO, 1983,

p.237). O ano de 1919 significou para a cidade de São Paulo a ruptura com a conjuntura

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catastrófica trazida, nos anos anteriores, pelos “cinco Gês”: a Gripe (espanhola), a Geada,

os Gafanhotos, a Guerra (Primeira Guerra Mundial) e as Greves (de 1917 e 1918).

Falava-se, agora, em algo especial, uma felicidade nova e diferente, que invadia as ruas de

forma intensa e arrebatadora. O Carnaval daquele ano trouxe consigo a exaltação dos

ânimos e a euforia dos foliões, reunidos numa comemoração frenética jamais vista. As

ações coletivas ritualizadas mostravam-se fortalecedoras e libertárias, enquanto que ações

reflexivas ou individualizadas isolavam e constrangiam (SEVCENKO, 1992, p.26). Dessa

forma, a mesma experiência poderia ser compartilhada no tempo e no espaço de maneiras

diferentes, por pessoas diferentes e estranhas entre si, conferindo-lhes uma nova

identidade que, por sua vez, incitava à liberdade e à exaltação.

As revistas da época, influenciadas pelos magazines europeus e americanos, passaram a

refletir e alimentar o estado de espírito que se espalhava pela civilização industrial,

celebrando em suas páginas as mais diversas formas de alegria e prazer, como o esporte e

a dança. Essa atmosfera fremente e desejante, que galvanizava as imaginações e

atravessava as divisões sociais, se tornaria um imperativo de mercado: o que quer que

atendesse aos seus apelos seria favorecido com lucros e sucesso; o que a confrontasse seria

punido com prejuízos e desgraça (SEVCENKO, 2001, p.78).

Por outro lado, as novas condições de vida na grande cidade esfacelavam os grupos,

dispersavam as ações, dissociavam as percepções, precipitavam antagonismos e

interrompiam as comunicações, selando diferenças irredutíveis (SEVCENKO, 1992, p.28-29).

E, inevitavelmente, ampliavam os conflitos sociais. Conflitos contra os quais Lobato

entregou-se de corpo e alma, revendo, paralelamente, suas antigas teorias, principalmente

aquelas sobre o homem da roça, caracterizado na imagem do Jeca Tatu. Com a realidade

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descortinada pelo relatório da campanha higienista de Belisário Pena e Artur Neiva,

Monteiro Lobato concluiu que o atraso do caipira não constituía uma maldição racial. Era,

antes, fruto do subdesenvolvimento, que gera a fome, a doença e a miséria (AZEVEDO et

al., 1997, p.112).

Lobato pede perdão ao Jeca, tendo ignorado sua enfermidade, passando a observar as

origens das dificuldades do país de maneira clara, transparente e imparcial. Percebe,

desta forma, que recuperar a saúde do homem do campo significava recuperar, também, a

saúde econômica e financeira do Brasil. Renova, portanto, seu discurso:

A nossa gente rural possui ótimas qualidades de resistência e adaptação. É boa por índole, meiga e dócil. O pobre caipira é positivamente um homem como o italiano, o português e o espanhol. Mas é um homem em estado latente. Possui dentro de si grande riqueza em forças. Mas força em estado de possibilidade. O caipira não é assim, está assim (AZEVEDO et al., 1997, p.115).

Entretanto, ao elevar o caipira ao nível dos imigrantes, Lobato ainda exibe reflexos de uma

sociedade paulista discriminatória e segregadora, onde os estrangeiros constituíam, em

boa parte, a classe operária. De acordo com Nicolau Sevcenko (1992, p.30-31),

o cosmopolitismo da população adventícia, assinalando um nítido recorte de discriminação social, como um estigma a mais a se acrescentar ao das gentes negras e mestiças, vinha reforçar a disposição de estranhamento intrínseca ao processo de metropolização. O passado escravista, ainda recente, palpitava nos tratos sociais e na atitude discricionária, peremptória, brutal das autoridades, conferindo às relações hierárquicas um acento lancinante, quando não atroz.

Diante de uma sociedade pós-guerra em busca de identidade, surgem jovens líderes,

portadores da “idéia nova”, provenientes e formados no caos metropolitano. Atividades

físicas como esportes, danças e passeios passam a conviver com os novos hábitos sensoriais e

mentais, regados a bebedeira, drogas, tóxicos, estimulantes e jogatina. Os novos costumes,

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provenientes da cultura européia da época, incluem ainda consumismo desenfreado e toda a

sorte de competições, adquirindo um efeito sinérgico, transformando a sociedade numa rede

de experiências centrais no contexto sócio-cultural. A nova identidade é marcada também

por um novo estilo de vida, em que a filosofia é “ser jovem”.

Para Monteiro Lobato, os novos valores eram absolutamente alheios à realidade do país.

Acreditava que o brasileiro das cidades jamais havia olhado para si mesmo, dividindo o país

em duas “zonas”: a plagiária e a outra.

A “zona plagiária”, composta pelos habitantes da cidade [...] se pretendia civilizada, culta, se pretendia seguidora dos valores internacionais e, por isso, mostrava-se sempre envergonhada da “outra”, a única que de fato produzia econômica e culturalmente, e que trazia dentro de si os valores genuínos da brasilidade (CHIARELLI, 1995, p.192).

De acordo com Lobato, a zona plagiária buscava o Brasil ideal — “francês” —, distanciando-

se do Brasil real. Sob tal perspectiva, denunciava a falta de criatividade do brasileiro, que,

produzindo pastiches nas artes plásticas, na arquitetura, no mobiliário, na moda e até

mesmo na literatura, mostrava-se incapaz de ser e de olhar para si mesmo.

Embalada por este cenário, a partir da década de 30, a eletrônica no Brasil dava os primeiros

passos em direção à convergência midiática: salões de baile, teatros e grandes jukeboxes,

instaladas em lugares públicos e de intensa movimentação, executavam os sucessos musicais

provenientes das telas dos cinemas, disponibilizados massivamente pela indústria fonográfica

e divulgados freneticamente nas rádios. Com isso, surgiam também as sessões de fofocas e

os anúncios comerciais que associavam os produtos ao estilo de vida dos astros e estrelas do

cinema e da música.

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Como desdobramento das novas invenções tecnológicas, a noção de que o corpo humano e a

sociedade como um todo eram também máquinas, autênticos dínamos geradores de energia,

evidenciava-se a busca pelo aperfeiçoamento físico através das práticas esportivas, as quais

supostamente permitiriam um desempenho mais efetivo e maior concentração de energia

potencial. Nesse sentido, o antigo hábito de repousar nos finais de semana tornou-se

despropósito ridículo. O descanso já não era mais a melhor maneira de se preparar para a

semana vindoura. Para recarregar as energias era preciso tonificar os nervos, exercitar os

músculos, estimular os sentidos, excitar o espírito (SEVCENKO, 1992, p.33).

Um novo padrão cultural se estabelecia. A cultura popular dissolvia-se no progresso à medida

que as populações camponesas eram atraídas pelos centros urbanos, onde a disciplina da

condição operária sufocava as formas de transmissão das raízes locais dos campos e, desta

forma, de seus simbolismos mítico-poéticos milenares.

Gradativamente, com o passar dos anos, Lobato adota uma postura militante frente às

causas nacionalistas, o que se torna seu traço mais fundamental e mais marcante. O

indisfarçável amor à terra e à gente brasileira fez com que se entregasse de corpo e alma à

solução dos mais diversificados e críticos problemas do país, da subsistência do homem

rural àquela que, provavelmente, tenha sido sua maior obsessão: a exploração do petróleo

em nosso país. E o meio que dispunha para lutar pelo resgate do “verdadeiro” Brasil era,

justamente, o livro.

1.3 Lobato / Obra

As Obras Completas de Monteiro Lobato, publicadas pela Editora Brasiliense, totalizam

mais de dez mil páginas nos trinta volumes da série adulta e infantil. Para a análise do

texto literário realizada nesta pesquisa, foi utilizada a edição de 1977 da série infantil, a

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qual compreende as seguintes obras: Reinações de Narizinho (volume 1A); Aventuras de

Hans Staden e Geografia de D. Benta (volume 1B); Caçadas de Pedrinho, O Saci e Memórias

da Emília (volume 2A); D. Quixote das Crianças e O Minotauro (volume 2B); O Picapau

Amarelo e Peter Pan (volume 3A); A Reforma da Natureza e A Chave do Tamanho (volume

3B); Fábulas, Histórias de Tia Nastácia e Histórias Diversas (volume 4A); Os Doze Trabalhos

de Hércules (volume 4B); Emília no País da Gramática e Aritmética da Emília (volume 5A);

História do Mundo para as Crianças (volume 5B); Viagem ao Céu e O Poço do Visconde

(volume 6A); Serões de D. Benta e História das Invenções (volume 6B).

Cada uma dessas obras compõe a mais bela invenção de Monteiro Lobato, que ficou

conhecida como Sítio do Picapau Amarelo. A idéia inicial surgiu em 1916 com o desejo de

“vestir à nacional” as fábulas de Esopo e La Fontaine, conforme afirma o próprio autor:

[...] Ando com várias idéias Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisa para crianças. Veio-me diante da atenção curiosa com que meus pequenos ouvem as fábulas [...] Guardam-nas de memória e vão recontá-las aos amigos — sem, entretanto, prestarem nenhuma atenção à moralidade [...] Ora, um fabulário nosso [...] se for feito com arte e talento dará coisa preciosa. As fábulas em português que conheço [...] são pequenas moitas de amora no mato — espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre, isto é, habilidade por talento, ando com a idéia de iniciar a coisa. É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos [...]. 3

As afirmações de Lobato revelam que percebera, finalmente, que escrever para o público

infantil, mantendo como pano de fundo os temas nacionais que adotara, sem o sucesso

pretendido em suas obras adultas, seria a maneira perfeita de manter e transmitir as

tradições da cultura popular brasileira, assim como de semear nos jovens o poder da

reflexão acerca dos mais diversos assuntos, entre eles, a própria realidade do país. Além

3 Monteiro Lobato, A Barca de Gleyre, Fazenda, 8.9.1916. In: CHIARELLI, 1995, p.145.

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disso, fica evidente que ao pretender “impingir gato por lebre”, ele, na verdade, buscaria

inspiração em histórias e personagens já consolidados no imaginário infantil. Estava claro

para Lobato que a transformação do mundo e a construção do Brasil do futuro dependiam,

exclusivamente, dos jovens. Influir na formação das crianças significava, portanto,

contribuir para a construção desse futuro, e o melhor meio de fazê-lo era falar-lhes

diretamente à imaginação.

Além das referências dos fabulistas consagrados, Esopo e La Fontaine, Lobato buscou

inspiração em autores clássicos infantis como Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas,

1865), Carlo Collodi (criador do Pinóquio, 1883), J. M. Barrie (Peter Pan, 1904), além de

outros que, presume-se, o tenham influenciado diretamente, dadas as semelhanças, como

L. Frank Baum (de O Mágico de Oz, 1900) e o caricaturista alemão Wilhelm Busch (Max und

Moritz, 1865). Personagens de desenhos animados que habitavam as telas dos cinemas,

como Popeye e o Gato Félix, também aparecem nas histórias. O Sítio tornou-se palco de

encontros inusitados, entre dezenas de personagens do universo literário, onde Peter Pan

convive em plena harmonia com figuras folclóricas genuinamente nacionais, como o Saci

Pererê e a Cuca, e personagens conhecidos por suas maldades, como o Capitão Gancho,

podem ser iludidos pelo Visconde de Sabugosa:

[...] Confundindo o Peninha com Peter Pan, o Visconde iludiu ao Capitão Gancho sem ter necessidade de mentir. Só afirmou que o Peninha não estava... O estúpido chefe dos piratas não percebeu a manha — e resolveu aceitar o convite (LOBATO, 1977, v.3A, p.38).

Através do Sítio do Picapau Amarelo, Lobato recria histórias, atribui novas funções e

características a personagens conhecidos, fazendo com que, em pouco tempo, se tornasse

o parceiro de aventuras das crianças. Seus livros, cada vez mais, adquiriam características

físicas, psíquicas e literárias, capazes de prender, de fato, a atenção do público infantil.

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Após fundar a editora Monteiro Lobato & Cia em 1920, e depois, com a Companhia Editora

Nacional, em 1925, Lobato promoveu uma revolução editorial em seus livros, alterando o

padrão gráfico das obras por meio de uma nova programação visual, mais sofisticada e com

tipografia elegante. Contratou artistas para “substituir as monótonas capas tipográficas

pelas capas desenhadas”, tornando o produto mais atraente aos olhos do consumidor

(AEZEVEDO et al., 1997, p.131).

Escrevendo de modo fácil e agradável, Lobato encantava os leitores, despertando

interesse, divertindo e ensinando através de aventuras interdisciplinares e personagens

inteligentes e cativantes.

1.4 Lobato / Interdisciplinaridade

Além de Monteiro Lobato, diversos escritores consagrados foram críticos do seu tempo,

transmitindo mensagens através de textos que refletem valores, crenças, mitos e

ideologias das sociedades em que atuaram.

Autores como Aldous Huxley (Brave New World — Admirável Mundo Novo), Júlio Verne

(Vingt Mille Lieues Sous lês Mers — Vinte Mil Léguas Submarinas e Le Tour du Monde en

Quatre-vingts Jours — A Volta ao Mundo em 80 Dias), Miguel de Cervantes (El Ingenioso

Hidalgo Don Quijote de la Mancha — Don Quixote), Guimarães Rosa (Grande Sertão:

Veredas e Sagarana), Lewis Carroll (Alice in Wonderland — Alice no País das Maravilhas),

George Orwell (Animal Farm: a Fairy Story — A Revolução dos Bichos), William Gibson

(Neuromancer), J.K Rowling (Harry Potter), C.S. Lewis (The Chronicles of Narnia — As

Crônicas de Nárnia) e J.R.R. Tolkien (The Lord of the Rings — O Senhor dos Anéis) foram

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capazes de invadir a imaginação dos seus leitores através do senso crítico e criaram ficções

que contribuíram para a transformação do mundo moderno.

A indústria cinematográfica, principalmente a partir dos anos 80 com o avanço tecnológico

nas áreas de efeitos visuais e especiais, tem buscado nos livros a inspiração necessária para

criar produções extraordinárias, como a fantástica aventura The Neverending Story

(História Sem Fim), baseada no livro de Michael Ende e dirigida por Wolfgang Petersen, e a

trilogia ciber-filosófica The Matrix, dirigida pelos irmãos Wachowski e que, nitidamente,

estabelece relações com o pensamento e com o livro — não-ficcional, é bom lembrar —

Simulations and Simulacra (Simulações e Simulacros) do filósofo pós-moderno e crítico da

cibercultura Jean Baudrillard, além das inquestionáveis semelhanças com o clássico

cyberpunk Neuromancer.

Portanto, a obra literária ficcional pode, num primeiro estágio de “evolução”, tornar-se

uma produção cinematográfica capaz de conquistar a atenção do público não apenas pelo

enredo, fotografia e demais recursos imagéticos e cinemáticos que o meio permite, mas

também, e principalmente, pela possibilidade de provocar uma reflexão sinérgica capaz de

romper os limites físicos do espaço de exibição. Em um segundo estágio de “evolução”, a

indústria do entretenimento digital agrega a estes fatores a interferência do usuário na

construção da narrativa, através da interatividade, adequando as produções ao formato

dos games de computador, de console e dos dispositivos móveis.

O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien é um exemplo de obra interdisciplinar “evoluída”,

pois surpreende e fascina o público independente do suporte em que é apresentada —

livro, cinema ou game. Ronald Kyrmse (2003, p. 24-27), na análise que realiza acerca desta

obra literária, identifica as três dimensões do mundo tolkeniano: Diversidade de assuntos

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ou modalidades do saber, onde estão inseridos os elementos que compõem a narrativa,

como povos, paisagens, costumes, línguas e crenças; Profundidade de abordagem dos

assuntos, onde cada elemento é analisado minuciosamente; Dimensão temporal, a qual

informa quando acontecem os eventos da narrativa.

Sob o ponto de vista analítico, o aspecto tridimensional da obra de Tolkien pode ser

identificado, também, no Sítio do Picapau Amarelo, mas com uma diferença: a dimensão

temporal, por não ser delineada por Lobato, é substituída pela imersão lúdica, onde a

fluidez da narrativa torna-se capaz de “hipnotizar” o leitor.

A diversidade encontrada no Sítio do Picapau Amarelo rompe com a estrutura literária

infantil tradicional e transforma cada volume de Obras Completas em uma viagem

multidisciplinar rumo ao conhecimento. De acordo com Bignotto (1999, p. 149):

O Sítio torna-se uma escola sem fronteiras; em Viagem ao céu (1932), as crianças aprendem astronomia perambulando pelo espaço; em Geografia de Dona Benta (1935), viajam pelo mundo para conhecer as características de cada continente; em O Poço do Visconde: Geologia para Crianças (1937), depois de aprender geologia em serões com Dona Benta, terminam por encontrar petróleo no Sítio. Nada parece ter ficado de fora no “currículo” da escola do Sítio: matemática (Aritmética da Emília, 1935), história (História do Mundo para Crianças, 1933), ciências exatas (História das Invenções, 1935; Serões de Dona Benta: Lições de física e astronomia, 1937; ciências biológicas — incluindo ecologia — (A reforma da natureza e O espanto das gentes, 1941), política (A chave do tamanho, 1942), literatura ( Dom Quixote das crianças, 1936; Fábulas, lançado em 1922 e reeditado em 1934 dentro do volume Reinações de Narizinho), folclore (Histórias de tia Nastácia, 1937), mitologia grega, filosofia (O minotauro, 1939; Os doze trabalhos de Hércules, 1944) e até um pouquinho de inglês (Memórias da Emília, 1936).

A abordagem de Lobato torna-se interdisciplinar a partir do momento em que insere, no

contexto de suas narrativas repletas de incidentes, surpresas, casos fantásticos e

imaginários, temas nacionalistas ou assuntos do cotidiano, criando, desta forma, muitas

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vezes, mais de uma história dentro da história, mais de um mundo dentro de outro mundo.

O Poço do Visconde é, talvez, o melhor exemplo dessa interdisciplinaridade. Ao mesmo

tempo em que discute a questão da exploração do petróleo no Brasil, ensina química,

geografia e geologia:

Geologia? Pois o Visconde andava a estudar geologia?

Verdade, sim. O Visconde descobrira entre os livros de Dona Benta um tratado dessa ciência e pusera-se a estudá-la — a ciência que conta a história da terra, não da terra-mundo, mas da terra-terra, da terra-chão. E de tanto estudar ficou com um permanente sorriso de superioridade nos lábios — sorriso de dó da ignorância dos outros. “Ele já entende de terra mais que tatu”, dizia a boneca [Emília].

[...] Naquele dia Pedrinho começou a ler o jornal [...]. Em certo momento interrompeu a leitura para dizer em voz alta falando consigo mesmo:

— Bolas! Todos os dias os jornais falam em petróleo e nada do petróleo aparecer. Estou vendo que se nós aqui no sítio não resolvermos o problema o Brasil ficará toda a vida sem petróleo. Com um sábio da marca do Visconde para nos guiar, com as idéias da Emília e com uma força bruta como a do [rinoceronte] Quindim, é bem provável que possamos abrir no pasto um formidável poço de petróleo. Por que não?

[...]

- Primeiro — disse o grande sábio — temos de abrir um curso de geologia. Sem que todos saibam alguma coisa da história da terra, não podemos pensar em poço. Como já li esta Geologia inteira, proponho-me a ser o professor.

— Ótimo! — exclamou Pedrinho levantando-se. Vou avisar o pessoal que as aulas começam hoje mesmo. Otimíssimo...

Foi assim que começou o petróleo no Brasil (LOBATO, 1977, v.6A, p.71-72).

Lobato recorre, portanto, à instância mítica para criar personagens arquetípicos capazes

de falar de algo que está mais além, pois, sendo o arquétipo uma tendência do

inconsciente e do instinto, não da razão e revelada mais fortemente pela fantasia, não

pela realidade, adquire uma forma que passa a ser mais facilmente assumida e aceita por

toda a sociedade. O mito se torna, portanto, a verdade dessa sociedade e nela sobrevive

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não porque lhe explique a sua realidade, mas por refletir um aspecto real dessa mesma

sociedade: os mitos refletem sempre um medo de mudança (FEIJÓ, 1984, p. 13).

O caráter interdisciplinar na obra de Lobato revela-se pela primeira vez em janeiro de

1917, quando, pretendendo resgatar a importância dos mitos populares na sociedade

brasileira — o medo de mudança —, o autor permitiu, pela primeira vez, a interação dos

leitores com sua obra, lançando o “Inquérito sobre o Saci”. Nele, Lobato propunha um

estudo do “duendezinho”, estimulando o trabalho colaborativo, formando uma estrutura

reticular, onde há a participação de co-autores que se tornam, ao mesmo tempo, agentes

criadores e transformadores da obra. O sucesso do Inquérito foi tanto que outras formas de

expressão artística, como pinturas, esculturas e ilustrações foram criadas e incorporadas

na produção final. O conteúdo se transformou, também, numa exposição na qual Lobato

esperava que os artistas brasileiros percebessem a fonte que a mitologia local poderia

tornar-se para que suas produções ganhassem caráter mais nacional (CHIARELLI, 1995, p. 185).

1.5 Lobato / Conhecimento

É na dimensão da profundidade no Sítio do Picapau Amarelo que os heróis se revelam, as

críticas sociais se manifestam e o conhecimento substancial passa a ser delineado. De

acordo com Feijó (1984, p. 51), na criação literária, fruto da imaginação e do

conhecimento, é que vamos encontrar na luta do herói para atingir sua maturidade a nossa

iniciação: a descoberta de nós mesmos.

O leitor descobre-se no sítio ao mesmo tempo em que descobre as facetas de Lobato em

suas personagens míticas e heróicas. Paul Radin (apud FEIJÓ, 1984, p. 18), ao estudar a

tribo dos Winnebagos, identificou que seus mitos heróicos apresentavam quatro estágios

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bem distintos, tendo em cada estágio um tipo de herói: o Trickster é o herói arruaceiro,

infantil, trapalhão e trapaceiro, podendo ser identificado na figura do Saci Pererê; o Hare

é o herói fundador da cultura nativa, aquele que transmite alguma coisa aos homens, como

fazem em relação às crianças Dona Benta e Tia Nastácia, o conhecimento erudito e o

conhecimento popular; o terceiro tipo é o herói valente, fazedor de façanhas, como

Pedrinho e Narizinho; Os Twins são heróis gêmeos, um é tímido, sem iniciativa e

introvertido e o outro é dinâmico, rebelde e extrovertido, como o Visconde e a Emília.

Cada um dos habitantes do sítio compõe uma faceta da sociedade ou do próprio autor. Sob

essa perspectiva, Narizinho e Pedrinho são todas as crianças do mundo. Ávidos de

conhecimento e de aventura, descobrem a vida através da palavra de Dona Benta, da

bondade de Tia Nastácia e de sua própria experiência (SANDRONI, 1987, p.52).

As duas professoras do Sítio transmitem o conhecimento, cada uma à sua maneira. Tia

Nastácia representa os saberes do povo, as culturas regionais, a crendice popular. Dona

Benta, por sua vez, fornece informações científicas ao mesmo tempo em que alimenta a

imaginação, a fantasia e o sonho das crianças. Assim, os personagens adquirem e

transformam o próprio conhecimento ao longo da narrativa. É o que ocorre, por exemplo,

com Emília, que, conforme veremos adiante, adquire, com o passar do tempo, uma espécie

de inteligência artificial, a ponto de “tornar-se” gente. Ela é capaz de aprender e de

transformar seu próprio conhecimento. O mesmo não ocorre com o Visconde de Sabugosa,

detentor de uma vasta “base de dados”, entretanto, definitiva, congelada, onde nada se

retira nem se adiciona. Podemos entendê-lo como um mecanismo de busca: consulta sua

base de dados para responder a tudo que lhe perguntam.

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Mas o universo ficcional de Lobato vai além. Utiliza-se também das personagens para

traduzir os valores e a cultura da sociedade de maneira sutil. Nessa perspectiva, o

personagem mais significativo é a Emília:

Vista por muitos como o alter ego de Lobato, através de quem ele emite os seus pontos de vista, denuncia os absurdos do mundo civilizado, ri da empáfia dos sábios e poderosos. Sendo uma boneca, embora evolua e vire gente de verdade, ela está livre das obrigações sociais impostas pela educação à criança. Ela pode dizer o que pensa sem nenhum tipo de coerção. Representa desse modo os impulsos reprimidos, mesmo em crianças tão livres como Pedrinho e Narizinho (SANDRONI, 1987, p. 53).

Emília e o Visconde de Sabugosa também representam a própria sociedade da época. No

início do livro Viagem ao Céu, há uma explicação sobre uma invenção dos personagens do

Sítio, as férias-de-lagarto. Trata-se do período de “repouso anual”, quando, durante o mês

inteiro de abril, todos permanecem cochilando, sem fazer nada, como lagarto ao sol

(LOBATO, 1977, v.6A, p.7). Emília, entretanto, interrompe o repouso e, inquieta, decide

“ressuscitar” o Visconde de Sabugosa, que morrera após cair no mar, junto com o burro

falante no País das Fábulas. Esta passagem é importante porque resgata a crítica de

Lobato à sociedade paulista e aos novos costumes adotados em função da busca por uma

nova identidade baseada nos preceitos modernistas, onde não havia razão ou tempo para o

repouso. Emília é, portanto, como a nova metrópole: inquieta, divertida, irreverente e,

sobretudo, artificial.

O Visconde “ressuscitado” passa a se chamar Dr. Livingstone, um explorador africano, com

aparência de banqueiro inglês, graças ao fraque xadrez e ao chapéu de cortiça com fitinha

caída atrás (LOBATO, 1977, v.6A, p.11). Há, também neste caso, uma crítica aos novos

costumes da sociedade, onde os jovens desfrutavam as possibilidades criadas pelo convívio

da prática desportiva com o caos urbano, inspirando a confecção de trajes, roupas e

acessórios adequados.

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Em meados de 1921, Lobato passa a investir no gênero didático, lançando livros como

Narizinho Arrebitado, adotado no segundo ano das escolas públicas, após a aprovação do

governo de São Paulo. O livro recebeu elogios da crítica e do professorado e despertou,

definitivamente, o interesse e o gosto pela literatura, conforme afirma Tristão de

Andrade:

Por ele a criança criará o gosto pela leitura, sentirá que o livro não é apenas um instrumento de disciplina, mas um campo maravilhoso para a expansão de um mundo interior, reprimido ou apenas pressentido. É um livro que estimula a vida, que fecunda a imaginação, que desperta a curiosidade (Apud AZEVEDO et al., 1997, p.158).

Lobato não poupou esforços para identificar, satisfazer e até mesmo superar as

expectativas dos seus leitores, buscando sintonia com seu tempo e incorporando às suas

histórias informações diversas que, muitas vezes, coincidiam com o currículo escolar. Mas,

a maior lição de seus livros é a da irreverência, da ironia, da leitura crítica e do

questionamento, da independência e do absurdo (LAJOLO, 2000, p. 61).

Adotando Monteiro Lobato como parceiro de aventuras, as crianças estabeleciam com ele

uma intimidade evidenciada no desejo expresso de se tornarem personagens de seus livros.

Captando a lógica e a estrutura do pensamento infantil, Lobato falava não para elas, mas

como e no lugar delas (AZEVEDO et al., 1997, p. 312).

Essa constatação nos remete à terceira dimensão da obra lobatiana: a imersão lúdica. É

nela que o aprendizado e a brincadeira fundem-se com o propósito de tornar lições

escolares complexas em exposições mais acessíveis e evidentes. Esta dimensão ocorre, na

obra de Lobato, em três níveis:

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O primeiro nível é ficcional-real, no qual, através de um jogo de perguntas e respostas, a

narrativa se desenvolve e o aprendizado ocorre. O leitor, neste caso, assume lugar passivo

e apenas “ouve” aquilo que lhe é contado.

O segundo nível é ficcional-participativo. Aqui, o leitor, após ser apresentado a um objeto

mágico, como o pó-de-pirlimpimpim ou a chave do tamanho, é direcionado a um mundo

onde o conhecimento é adquirido através da interação dos personagens do sítio com o

ambiente, situações e outros personagens, mitológicos, fantásticos, reais ou imaginários. O

leitor entra na brincadeira e se sente membro do grupo.

O terceiro nível é ficcional-onírico e ocorre especificamente quando Pedrinho e Narizinho

“caem” na modorra, ou seja, entram em um estado de consciência intermediário entre o

sono e a vigília que os leva a conhecer os limites entre o real e o imaginário. De acordo com

Bignotto (1999, p. 125), as crianças do sítio “caem” na modorra somente quando estão

distantes de casa, em um ambiente natural e, ainda, após terem recebido de adultos objetos

mágicos — um saci e uma boneca — que serão importantes no desenrolar da narrativa.

É, portanto, através da tridimensionalidade de sua obra que Monteiro Lobato conquista o

público, fazendo com que a obra adquira novo significado a cada releitura. Nas cartas

escritas por seus leitores, tanto se evidencia a confiança estabelecida entre autor e

leitores, como se constata a construção efetiva do conhecimento:

“Agora que você me libertou da rotina mental em que eu vivia oito anos atrás, quero falar-lhe de libertado para libertador. No começo, quando eu lia os livros que o tal Monteiro escrevia, achava muita graça e ria mesmo do que você falava. Agora, entretanto, que sou Emiliano, medito profundamente nas suas palavras. Aquela história do faz-de-conta, por exemplo. Eu creio que não há nenhum absurdo nisso. Ao contrário, há liberdade. É o ser humano que, não contente de ser livre materialmente, ainda quer e pode ser livre no pensamento” (AZEVEDO, et al., 1997, p. 324).

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2 O Espaço do Hiperconhecimento

A Águia paira sobre os píncaros do Céu, O Caçador com seus cães rastreia-lhe o trajeto. Ó perene revolução de estrelas consteladas, Ó perene recorrência de estações determinadas, O mundo de primavera e outono, nascimento e morte! O infinito ciclo da idéia e da ação, Infinita invenção, experiência infinita, Traz o conhecimento do vôo, mas não o do repouso; O conhecimento da fala, mas não o do silêncio; O conhecimento das palavras e a ignorância do Verbo. Todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância, Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte [...] Onde a vida que perdemos quando vivos? Onde a sabedoria que perdemos no saber? Onde o conhecimento que perdemos na informação? [...] T.S. Eliot, Coros de “A rocha” (Choruses from the Rock)

O advento das novas mídias transformou as maneiras de ensinar e aprender, de disseminar

informação, de transformar informação em conhecimento, e instaurou, definitivamente, o

paradigma da inteligência coletiva. Transformou e transforma, inevitavelmente a cada dia,

as próprias mídias, tornando-as cada vez mais, pela mobilidade, parte do nosso corpo,

como pseudo-próteses, onde carregamos toda a informação que necessitamos para nosso

trabalho e nosso lazer. Transformou as relações sociais, a comunicação e as manifestações

artísticas individuais e coletivas, possibilitando interações modulares e rizomáticas.

Transformou o texto, o livro, a leitura, os conceitos de escritor e de leitor, de emissor e de

receptor, criando obras mutáveis, coletivas, randômicas e intermináveis. Transformou e

deverá transformar, significativamente, nossa cultura e nossa noção de tempo e de espaço,

conforme veremos neste capítulo.

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2.1 Espaço / Ciberespaço / Hiperespaço

A palavra espaço possui vários significados, nos mais diversos contextos. O espaço

geográfico é, geralmente, organizado pelas sociedades humanas e apresentado como rios,

planaltos, planícies, etc. O espaço sideral refere-se à porção vazia do universo, onde

existe apenas o vácuo. O espaço arquitetônico é configurado através da forma

arquitetônica de uma construção. O espaço matemático é um conjunto, geralmente com

alguma estrutura adicional.

Sob o ponto de vista cognitivo, Montoya (2005, p.72-73) afirma que o espaço, para o

sujeito que se destaca e se diferencia do mundo exterior, é

o quadro de um universo em que se situam todos os deslocamentos, incluindo aqueles que definem as ações do sujeito como tal. Assim, o espaço é a percepção e a representação de um continente que compreende os deslocamentos dos objetos como os do próprio corpo.

O espaço físico é uma estrutura definida por um conjunto de relações espaciais entre

objetos, em que um ponto representa ausência de dimensão, uma reta equivale a uma

dimensão, um plano encontra-se em duas dimensões, um espaço é representado em três

dimensões e um hiperespaço ocorre em quatro ou mais dimensões.

O prefixo hiper significa acima, posição superior ou além. Foi utilizado inicialmente na

física moderna por Albert Einstein para descrever o hiperespaço, um novo e diferente tipo

de espaço na Teoria da Relatividade, a qual determina a impossibilidade de se ultrapassar

a velocidade da luz.

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Algumas teorias ainda não consolidadas afirmam que o universo seria dotado de um número

maior de dimensões. Usar essas dimensões para deslocar objetos seria um modo de

diminuir o tempo de viagem, isto é, se, de alguma forma, navegar por mais de três

dimensões removesse a restrição imposta pela teoria da relatividade. Este tipo de viagem,

em velocidades superiores à da luz, é chamado de viagem pelo hiperespaço. Ainda de

acordo com a teoria da relatividade, o universo é descrito como possuindo quatro

dimensões, o tempo incluso. Espaço e tempo seriam apenas aspectos de um mesmo

conceito de espaço-tempo. Tal idéia é amplamente utilizada em conjunto com a de

hiperespaço para "explicar" viagens no tempo.

O físico norte-americano John Wheeler criou, em 1968, o termo “buraco negro”. De acordo

com sua teoria, o buraco negro é um ponto dotado de densidade e sucção gravitacional

infinitas, capaz não apenas de distorcer a geometria espaço-temporal em seu interior,

como determinam outras teorias, mas também de funcionar como um portal, um vortex

nodal através do qual seria possível entrar e, de alguma maneira misteriosa, sair. De

acordo com Martin Rosemberg (1994, p.282):

Este portal habilitaria duas possibilidades: primeiro, um buraco negro poderia se tornar um “buraco-mola”, o qual permitiria saltar de um lugar, através do “hiperespaço”, para outro lugar na mesma malha geométrica; a segunda e mais interessante possibilidade é que o buraco negro poderia possuir uma função reversa, e representações matemáticas de “buracos brancos” foram desenvolvidas para descrever como seria possível emergir de um nó na geometria espaço-temporal. Esta teoria evoluiu até o ponto de postular que um buraco negro talvez funcionasse como um buraco branco emergindo em um universo paralelo. Nesta extensão da relatividade geral, poderia haver inúmeros universos paralelos conectados por inúmeras anomalias gravitacionais em suas respectivas geometrias espaço-temporais.

Portanto, o termo hiperespaço também poderia ser utilizado para explicar a navegação

n-dimensional pelo espaço virtual, onde se encontram os conteúdos pertencentes ao

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ambiente digital. O movimento através de links ou nós deste conteúdo composto por

imagens, vídeos, textos e sons, dispostos como uma seqüência de lexias, para outra parte

do conteúdo ou para outro conteúdo totalmente diferente, que também pode ser uma

seqüência de lexias, corresponde ao movimento ou trajetória de partículas através de um

buraco negro, funcionando como buraco-mola ou buraco branco, para uma outra

geometria espaço-temporal. Entretanto, dada a complexidade deste sistema

computacional de redes e links, adota-se o termo ciberespaço para melhor defini-lo.

A palavra ciberespaço deriva do livro (e disciplina) de Norbert Wiener, chamada

Cibernética, definida em 1948 como a ciência de controle e comunicação em animais e

máquinas, incluindo, sob uma mesma perspectiva, sistemas orgânicos e inorgânicos

(AARSETH, 1997, p.1).

Entretanto, somente em 1984 o conceito de ciberespaço foi definido, nas páginas da

novela ficcional de William Gibson, chamada Neuromancer, fundamentando-o como um

terreno habitável de imersão através das conexões de uma rede computacional global — a

Matriz —, um espaço que pode se expandir eternamente, possibilidade de um novo gênero

e de novas expressões artísticas (GIBSON, 1984, p.71).

Massimo Canevacci define o espaço eletrônico através do termo e-space. Segundo ele, no

e-space tudo é simultâneo. O poder da história como lei do passado não tem influência,

assim como as sugestões de utopia como evolução no futuro. Parte-se de um site e se

atravessa (não se chega, não há um ponto de chegada) tudo o que se quer ou o que se

encontra nas rodovias eletrônicas (CANEVACCI, 2005, p.167).

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Jay David Bolter e Diane Gromala (2003, p.120) explicam o ciberespaço como uma

extensão do nosso mundo físico e das nossas relações sociais. Um novo lugar onde

podemos remodelar quem nós somos e o que queremos que pensem que somos. Um lugar

onde nos representamos através de e-mail, salas de bate-papo e websites, que são

adicionados a todas as manifestações físicas da nossa identidade. Navegar no ciberespaço

significa, sob este ponto de vista, participar de uma experiência extracorpórea inoculada

por um estado de embriaguez fluido e infinito.

Por meio do código digital universal, o ciberespaço revolucionou a comunicação, tornando-

a interativa, globalizada, convergente e planetária. Sobre essa questão, Lev Manovich

(2001, p.251-252) afirma que

Pela primeira vez, o espaço se tornou um tipo de mídia. Da mesma maneira que as outras mídias — áudio, vídeo, foto e texto — pode, agora, ser instantaneamente transmitido, arquivado, reduzido, reformatado, fluído, filtrado, computado, programado e interativo.

As características sociais e comunicacionais dos processos virtuais interativos levaram

Pierre Lévy (1999, apud SILVA, M. et al., 2003, p. 204) a afirmar que o ciberespaço,

como suporte da inteligência coletiva, é uma das principais condições do seu próprio

desenvolvimento. Para ele, este “novo meio de comunicação” propõe novas relações com

o saber e eleva ao nível caótico a perspectiva do crescimento exponencial da

informação, onde a concepção de um saber estável e bem definido é substituída pelo

conceito do saber multidimensional, orgânico, em constante movimento, resultado de

uma construção lúdica individual ou coletiva.

Por ser, simultaneamente, um ambiente de aprendizado, de trabalho, de lazer, de

relacionamento e, portanto, de comunicação, o ciberespaço se apropria de todas as

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linguagens pré-existentes. Da narrativa textual às histórias em quadrinhos, dos desenhos

animados ao cinema ou à dança, da arquitetura ao design. Nessa malha híbrida de

linguagens, nasce algo novo que, sem perder o vínculo com o passado, emerge com uma

identidade própria (SANTAELLA, 2004, p. 125).

Embora haja divergências conceituais, podemos dizer que o ciberespaço existe somente

através da rede mundial de computadores — a Internet. Sem ela, a comunicação e,

portanto, a interação entre usuários geograficamente distantes, torna-se inviável. Desta

forma, evidencia-se a questão da interface, pois, através dela, a fronteira entre homem

e máquina se dissolve, minimizando as diferenças entre o espaço newtoniano e o espaço

maquínico — o ciberespaço.

Este espaço tecnologicamente criado e manipulado, mediado pelo computador, simula

ambientes onde humanos podem interagir de diversas formas e em diversos níveis de

imersão, compreendendo a simples utilização da rede mundial de computadores as

simulações interativas e a Realidade Virtual, a qual permite experiências sensório-

motoras.

REALIDADE VIRTUAL

A palavra realidade vem do latim realitas, que significa “coisa” ou tudo o que existe. Em

sentido mais livre, o termo inclui tudo o que é, seja ou não perceptível, acessível ou

entendido pela ciência, filosofia ou qualquer outro sistema de análise. Realidade

significa a propriedade do que é real. A palavra virtual, por sua vez, vem do latim virtus,

que significa força, potência, e associa-se a potencialidade não atualizada, ou seja, uma

utopia, algo ainda por realizar. Etimologicamente, portanto, realidade virtual significa

alguma coisa quase real.

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O termo realidade virtual — ou VR, do original em inglês Virtual Reality — existe desde a

década de 80, mas ganhou notoriedade recentemente, quando se passou a denominar

virtual toda e qualquer experiência realizada no e através do ciberespaço. Creditou-se

aos computadores o poder de criar mundos artificiais e, embora a internet esteja ainda

distante de proporcionar experiências efetivamente tridimensionais, multisensoriais e

imersivas em ambientes interativos, idealizadas pelos promotores da realidade virtual,

projetamos no ciberespaço os sonhos que essa indústria despertou, mas ainda não

conseguiu realizar (RYAN, 2003, p. 25).

Entretanto, o conceito de VR é bastante antigo. O mito da caverna de Platão fundamenta

a concepção de VR, pois os prisioneiros que se encontram dentro da caverna, de costas

para sua entrada, acreditariam que as sombras projetadas ao fundo da caverna — na

verdade cópias imperfeitas de objetos reais — são a única e inquestionável realidade, e

as vozes que escutam ecoar são emitidas pelas sombras, pois não sabem que tais vozes

são, na verdade, dos estudantes que carregam os objetos que, por sua vez, produzem as

sombras. Conforme lembram Jay David Bolter e Diane Gromala (2003, p. 135), de acordo

com Platão, esta é, alegoricamente, a condição da maioria das pessoas, que vivem

figurativamente imóveis e acorrentadas, acreditando na realidade das sombras ̶ uma

realidade virtual.

Filmes como The Truman Show (1998), Vanilla Sky (2001) e a trilogia The Matrix (1999 —

2003) atualizaram o mito da caverna e recriaram o mundo onde as pessoas se tornaram

escravas de uma tecnologia dominante e perpetuada, possibilitando a coexistência de,

pelo menos, três realidades: uma realidade “real”, que verdadeiramente existe; uma

realidade oniricamente incutida, a qual através da tecnologia presume-se de fato existir,

embora não passe de um sonho interminável do qual não se pode acordar sem a

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intervenção direta em uma das outras duas realidades; e a realidade virtual, aquela

conscientemente possibilitada pelo uso dos recursos tecnológicos.

Outros dois mitos são responsáveis por tornar “acreditáveis” as experiências em

ambientes recriados tecnologicamente: o primeiro é o mito da transparência, em que

artistas e designers devem levar em conta, em primeiro lugar, as reais necessidades dos

usuários de um determinado ambiente e, em segundo, o uso do mouse e do teclado para

realizar tarefas nesse ambiente. Devem, portanto, criar interfaces convincentes e

envolventes, aproximando ao máximo a experiência virtual da original (BOLTER e

GROMALA, 2003, p. 48-49). Dessa forma, quanto mais uma interface puder apresentar-se

“invisível” ao usuário, maior será sua imersão no ambiente virtual.

O segundo mito é o mito da interface natural. Neste caso, vivencia-se o mundo natural

em três dimensões, podendo tocar e manipular objetos diretamente, sem a intervenção

do mouse e do teclado, através de dispositivos sensíveis aos movimentos do corpo

humano. Aqui, uma boa interface aproxima o usuário do mundo natural, respondendo

instantaneamente aos seus comandos e movimentos, atingindo, assim, o máximo nível de

imersão no ambiente virtual. (BOLTER e GROMALA, 2003, p. 50). Sendo assim, a interface

deve refletir as necessidades e desejos do usuário em toda a sua complexidade.

Alguns teóricos também utilizam o termo telepresença para designar a existência do

corpo em um ambiente gerado por computador, onde não se está fisicamente, ou seja, é

o estar-se presente à distância. A telepresença pode ocorrer tanto através de uma

conversa por vídeo em tempo real, como num mundo sintético gerado por computador.

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A realidade virtual, ao permitir a transcendência aos limites físicos da tela do

computador, nos leva a um espaço multidimensional que nos permite interagir com os

bancos de dados e, como conseqüência, com as informações neles contidas. Nesse

sentido, cria, através do computador, ambientes em que o usuário pode imergir em

tempo real para interagir com o mundo gerado matematicamente (SANTAELLA, 2004, p. 195).

JOGO

Um jogo, quando disponibilizado através dos meios digitais, é chamado de game.

Entretanto, para que o conceito de game seja bem compreendido, há a necessidade de

entendermos, antes, o conceito de Spiel (jogo).

De acordo com Johann Huizinga (2001, p. 10), o jogo é uma função da vida, mas não é

passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. Limita-se, desta

forma, a descrever as principais características do jogo:

O fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda característica, intimamente ligada à primeira, é que o jogo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. [...] Esta característica de “faz de conta” do jogo exprime um sentimento de inferioridade do jogo em relação à “seriedade”, o qual parece ser tão fundamental quanto o próprio jogo. [...] esta consciência do fato de “só fazer de conta” no jogo não impede de modo algum que ele se processe com a maior seriedade, com um enlevo e um entusiasmo que chegam ao arrebatamento. [...] Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador. Nunca há um contraste bem nítido entre ele e a seriedade, sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de sua seriedade. Ele se torna seriedade e a seriedade, jogo (HUIZINGA, 2001, p.11).

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Há, no jogo, um movimento espontâneo de ir e vir, pois ser jogado também é jogar. É essa

espontaneidade que possibilita um “jogar jogado” mesmo que haja competição no jogo. A

premissa fundamental do ato de jogar é um se deixar levar sem qualquer objetivo ou

finalidade (BAIRON e PETRY, 2000, p.83).

O jogar é, portanto, um ato extremamente imersivo à medida que pode absorver

completamente o jogador. A imersão lúdica encontra sua melhor definição nas palavras de

Hans-Georg Gadamer: “Todo Jogar é um ser-jogado”. (2002, p.181, grifo do autor).

A capacidade que o jogo possui de absorver o jogador, através da interação imersiva,

evidencia o ato de jogar como um processo retórico. Nesse sentido, Sutton-Smith (2001

apud SALEN e ZIMMERMAN, 2004, p.518-519) identifica sete diferentes retóricas do jogar:

O Jogar como Progresso: jogar é uma maneira valiosa de transformar crianças em adultos,

pois educa e desenvolve as capacidades cognitivas dos jovens. Este tipo de retórica

envolve todas as formas de brincadeiras infantis;

O Jogar como Destino: a vida e os jogos humanos são controlados por crenças na forma de

destino, deuses, átomos, neurônios ou sorte, não pelo livre desejo. Inclui os jogos de azar

e de escolhas;

O Jogar como Poder: jogar é um tipo de batalha e, ao mesmo tempo, uma maneira de

fortalecer o prestígio dos jogadores, que podem ser considerados, em alguns casos, heróis.

Atletismo e esportes em geral se encaixam nesta retórica;

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O Jogar como Identidade: neste caso, jogar significa confirmar, manter ou participar de

uma comunidade de jogadores. Considera os festivais e celebrações tradicionais ou de uma

determinada comunidade;

O Jogar como Imaginário: a essência do jogar é a imaginação, a flexibilidade e a

criatividade. Jogar é sinônimo de inovação. Inclui as improvisações divertidas na arte, na

literatura e em outras formas de cultura.

O Jogar como Retórica do Eu: o jogar existe para envolver o espírito, provendo

experiências intrínsecas de prazer, relaxamento e escape, através da satisfação estética e

da participação em performances. Fazem parte deste tipo de retórica as atividades

individuais solitárias, como hobbies, e também atividades de alto risco, como escaladas.

O Jogar como Futilidade: jogar é oposição, paródia e, por vezes, revolução. Esta retórica

opõe-se a uma “obra ética” e refere-se ao jogo como uma atividade inútil. Inclui

atividades ociosas ou insensatas.

MUDs e MOOs

As primeiras experiências de jogos online multiusuários construídas colaborativamente

foram os chamados MUDs e MOOs. MUDs (Multi User Domains, ou Multi User Dungeons) são

mundos imaginários criados em bases de dados onde, através de descrições textuais de

lugares, objetos e personagens, as pessoas podem usar palavras e linguagens de

programação para improvisar melodramas, construir outros mundos visitáveis e todos os

seus objetos, resolver quebra-cabeças, inventar divertimentos e ferramentas, competir

pelo prestígio e poder, ganhar sabedoria (SANTAELLA, 2004, p.119).

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MOOs são MUDs orientados a objetos (MUD Object Oriented). Enquanto os MUDs possuem

regras fixas, os MOOs são mais abertos, permitindo a reconfiguração de espaços, criação de

salas, intercomunicação em tempo real, compartilhamento de recursos de informações das

redes e modificações no nível da codificação.

O avanço das conexões de banda larga e a facilidade de acesso às novas tecnologias uniram

o conceito de MOO com a versatilidade dos RPGs (Role-playing Games), possibilitando o

surgimento dos MMORPGs (Massive Multiplayer Online Role Playing Games), que têm como

representante mais expressivo o jogo Everquest, com mais de 500 mil assinantes habitando

a “terra digital” conhecida como Norrah.

Seguindo a mesma linha, também surgiram os chamados metaversos, ambientes

tridimensionais que representam universos paralelos onde qualquer pessoa pode, através

de um avatar, interagir com um ambiente que pode ser um game, uma comunidade de

relacionamento ou ambos. Entre os metaversos mais populares estão Second Life, There,

Entropia Universe e os games The Sims Online e World of Warcraft.

Figura 1 | O metaverso Second-Life

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GAMES

Quanto mais um sistema é capaz de prender a atenção do usuário, despertando seus

sentidos e bloqueando os estímulos externos, maior é o seu potencial imersivo. Lucia

Santaella (2004, p. 202) define como corpo plugado o corpo que se encontra em um dos

cinco graus de intensidade de imersão por ela definidos:

Imersão por conexão: o corpo permanece conectado ao computador e os sentidos e a

mente do usuário navegam por conexões hipermidiáticas;

Imersão através de avatares: o cibernauta incorpora um avatar4 para se mover em

ambientes bi ou tridimensionais, encontrar outros avatares e comunicar-se com eles;

Imersão híbrida: é o encontro de paisagens, performances, danças ou movimentos reais

com sistemas interativos, visualizações em 3D, ambientes imersivos, mundos virtuais ou

outros sistemas virtuais;

Telepresença: conforme visto acima, é o sentimento de estar presente em um lugar físico

distante, onde é possível ver, tocar e movimentar-se através de conexões com um robô

local ̶ câmeras, microfones, sensores e “efetores”, os braços do robô.

Ambientes virtuais: neles ocorre o nível mais profundo de imersão, quando há coordenação

de instrumentos para a entrada e saída de informação, como joysticks, luvas ou óculos

4 O termo “avatar” foi apropriado do sânscrito, referindo-se originalmente à noção indu de uma deidade que desce a terra em uma forma encarnada. Do mesmo modo, um usuário veste a identidade gráfica dessa entidade virtual, como uma máscara digital, e a utiliza para transitar em um mundo paralelo, o ciberespaço.

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digitais. Cada instrumento de saída, que conecta a ordem sensorial ao mundo exterior, é

planejado com o intuito de iludir os olhos, os ouvidos, as mãos e o corpo do usuário.

A imersão é um fator essencial para o sucesso de um game. Em sua forma plugada, on-line,

um jogo pode ocorrer em qualquer um dos níveis citados acima, mas serão os ambientes

virtuais que propiciarão o surgimento dos games de maior aceitação. Katie Salen e Eric

Zimmerman (2004, p. 74-80) sintetizam as definições de game dos principais teóricos,

filósofos e especialistas da seguinte forma:

Elementos presentes no conceito de game

David Parlett

Clark Abt

Johann Huizinga

Roger Caillois

Bernard Suits

Chris Crowford

Greg Costikyan

Elliot Avedon & Brian

Sutton-Smith

Procede de acordo com regras que limitam a atuação dos jogadores

Conflito ou disputa

Orientado a objetivos / Orientado a resultados

Atividade, processo ou evento

Envolve tomada de decisão

Não-seriedade e absorção

Nunca associado a ganhos materiais

Artificial /Seguro /Isolado da vida comum

Cria grupos sociais especiais

Voluntário

Incerto

Acreditável / Representacional

Ineficiente

Sistema particionado / recursos e símbolos

Uma forma de arte

Tabela 1: Elementos presentes no conceito de game por autor

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A interpretação da Tabela 1 pressupõe que um game pode ser definido como um sistema

no qual os jogadores se envolvem em conflitos definidos por regras, originando um

resultado quantificável. MMORPGs, por não possuírem vencedores ou objetivos finais, não

podem apresentar resultados quantificáveis e, desta forma, não podem ser considerados,

de fato, games.

Entretanto, é justamente por essa característica de não-game que os MMORPGs podem se

tornar grandes aliados da construção do conhecimento no ciberespaço, e contribuir

significativamente para o processo de solidificação da cibercultura.

2.2 Cultura / Cibercutura / Hipercultura

Buscar uma definição para a palavra cultura não é tarefa simples. A cultura está em tudo

que nos cerca e, justamente por isso, por ser tudo, tentar definir cultura poderia resultar

na redução da sua compreensão ao nada. A complexidade da palavra, considerada quanto à

extensão da sua significação, torna comuns interpretações equivocadas, como as que

consideram a própria natureza um derivado da cultura quando, na verdade, é a cultura,

por sua acepção etimológica, que deriva da natureza, pois vem do latim colere, que

significa “cultivar”, “criar” e “cuidar”, no sentido de proteger. Também significa

“lavoura” ou “cultivo agrícola”. Neste sentido, também se subentende a adaptação do

homem ao ambiente natural, ao seu habitat, através do aprendizado, buscando um

processo de socialização.

A palavra cultura pode, portanto, ainda designar um tipo de sociedade. Ela também pode

ser uma forma de alguém imaginar suas próprias condições sociais usando como modelo as

de outras pessoas, quer no passado, na selva ou no futuro político (EAGLETON, 2005, p.41).

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Do ponto de vista antropológico, existem no mundo diversas culturas diferentes, que

refletem os valores de um grupo de pessoas ou comunidades pertencentes a regiões

geograficamente específicas. Por outro lado, na perspectiva humanista, há diferenciação

entre o nível cultural das pessoas, que podem ser mais ou menos cultas. Da mesma forma,

alguns produtos humanos relacionados às artes, como a música ou a literatura, são mais

culturais do que outros, diferenciando a cultura popular da cultura erudita.

É em sociedade que a cultura encontra condições ideais para alastrar-se, adaptar-se e

desenvolver-se de maneiras mais complexas. Mistura-se ao ambiente criado pelo homem e

por ele é aprendida, resultando num conjunto de comportamentos e costumes refletidos

em idéias, ações, crenças, ferramentas, técnicas e artefatos de uma determinada

tradição, podendo intercambiar-se entre outras tradições. Esta troca de valores culturais

resulta no direcionamento das mudanças sofridas pela espécie humana. De acordo com

Santaella (2004, p. 34),

a cultura pode ser pensada como um agente causal que afeta o processo evolutivo através de meios exclusivamente humanos, na medida em que permite a avaliação autoconsciente das possibilidades humanas à luz de um sistema de valores que reflete as idéias prevalecentes sobre o que a vida humana deveria ser.

A cultura é, ao mesmo tempo, aquilo que os homens pensam e aquilo que executam,

podendo ser padronizada por meio da repetição de comportamentos homogêneos,

destacados no grupo ao qual pertencem. Entretanto, somente através da modificação

destes padrões é que a cultura pode evoluir. Do contrário, tende à estagnação.

Um padrão cultural pode ser modificado de duas maneiras: por variações individuais ou de

pequenos grupos dentro de um sistema cultural, resultando na adaptação de novos padrões

aos já existentes nesse sistema, permitindo reproduções através de novas ações; pelo

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contato entre dois ou mais grupos distintos, em que os novos elementos culturais serão

difundidos e absorvidos, resultando no processo denominado aculturação.

A constante transformação da cultura a constitui como um mosaico simbólico formado por

mitos, ritos, religiões etc., abrindo caminho à interdisciplinaridade e buscando expressão

em formas lúdicas. A cultura, que é essencialmente histórica, brinca conosco e não nos

resta outra possibilidade a não ser nos entregarmos à brincadeira (BAIRON, 2002, p.47).

Há, de fato, um fator lúdico em todos os processos culturais, conforme afirma Johan

Huizinga (2001, p. 193):

O espírito de competição lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo que a cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro fermento. O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e nele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas de competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não quer isto dizer que ela nasça do jogo, como um recém-nascido se separa do corpo da mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter.

Culturas são formadas e organizadas, portanto, por processos de comunicação que, por sua

vez, ocorrem, inicialmente, através da língua. Ela é a base de todos os demais sistemas

simbólicos e para toda a produção e reprodução cultural (BAIRON, 2002, p.34).

Historicamente, foi através das mídias que a língua encontrou maneiras de difundir e

estabelecer padrões culturais, dando origem a um percurso gradativo, fecundado no

contexto sociocultural, e que propiciou o surgimento da cultura digital. Este processo pode

ser dividido, de acordo com Lucia Santaella (2004, p. 13), em seis formações

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correspondentes às eras culturais: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a

cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Cada uma dessas divisões foi e

ainda é capaz de moldar, isoladamente ou em conjunto com outras, o pensamento e a

sensibilidade dos seres humanos, além de propiciar o surgimento de novos ambientes

socioculturais.

A cultura age, portanto, como um organismo vivo, em que uma nova formação cultural se

complementa e se origina na anterior, reajustando-se e buscando para si novas

funcionalidades. O surgimento de uma nova mídia e, conseqüentemente, seu uso, deve

implicar, necessariamente, no surgimento de uma nova cultura.

Em uma sociedade baseada na oralidade, praticamente toda a construção cultural é

fundamentada nas lembranças dos indivíduos. É o caso da mitologia na cultura clássica grega e

do folclore nas culturas regionais populares, em que o conhecimento é “contado” através da

fala e da discussão verbal. A inteligência, nessas sociedades, encontra-se muitas vezes

identificada com a memória, sobretudo com a auditiva, já que o oral é o canal habitual de

informação (LÉVY, 2006, p. 77).

Esse modo de transmissão de textos foi profundamente transformado pelo advento da

impressão, a partir do fim do século XV. A invenção de Gutenberg estabeleceu um novo

estilo cognitivo, através do qual se aboliu a prática da discussão verbal, característica dos

hábitos intelectuais da Idade Média, e adotou, definitivamente, a escrita, em suas

características lineares, como modelo lógico para o pensamento moderno e, desta forma,

para uma melhor e mais conseqüente forma de conhecimento da realidade, prevalecente

até os dias atuais.

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Nesse sentido, Sérgio Bairon (2002, p.34) afirma que:

Parece que esquecemos o fato de que o sistema de registro efetuado pela escrita capta somente algumas expressividades do que é dito ou do que pode ser demonstrado. Ora, as montagens da dramaturgia, ao longo dos séculos, têm nos demonstrado quanto um texto pode ser interpretado de várias formas; as artes plásticas têm revelado que a verdade está imersa muito mais no poder de ressignificação do que em qualquer outra característica lógica; o cinema, desde os seus primórdios, demonstra que imagens, mesmo sem áudio, nos oferecem um traço unário de significações, talvez tanto ou muito mais conseqüente que um discurso oral ou escrito; e o rádio fez com que a oralidade se perpetuasse no universo e alcançasse as mais distantes significações [...].

A imprensa foi o primeiro meio de reprodução técnico-industrial e revolucionou a

sociedade da época. Em seguida, foram introduzidos o jornal, a fotografia, o cinema e os

meios eletrônicos de difusão, como o rádio e a televisão. A tradicional divisão entre a

cultura popular e a cultura erudita, delineada nas sociedades ocidentais até meados do

século XIX, foi, gradativamente, sucumbindo à propagação dos meios de comunicação de

massa, dando origem, no século XX, ao fenômeno denominado cultura das massas.

A cultura das massas encontrou seu auge na década de 80, com o surgimento das novas

formas de consumo cultural, marcadas pela disponibilidade e efemeridade das tecnologias

emergentes. Fotocopiadoras, videocassetes, videojogos, controle remoto, CDs, TV a Cabo,

videoclipes atendiam a demandas cada vez mais heterogêneas, fugazes e personalizadas.

A hibridização dos meios de comunicação de massa originou, no início da década de 90, a

cultura das mídias.

Ao contrário da cultura de massas, que é essencialmente produzida por poucos e consumida por uma massa que não tem poder para interferir nos produtos simbólicos que consome, a cultura das mídias inaugurava uma dinâmica que, tecendo-se e se alastrando nas relações das mídias entre si, começava a possibilitar aos seus consumidores a escolha entre produtos simbólicos alternativos (SANTAELLA, 2004, p. 53).

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Por seu caráter simbiótico, as mídias, embora tenham suas funções específicas, combinam-se

com outras, acelerando a circulação diastólica entre suas formas, níveis, setores, tempos e

espaços. A este fenômeno atribui-se o nome de convergência. À medida que essas mídias e

seus conteúdos assumem formas digitalizadas, potencializam-se suas transmissões através

das redes de computadores e ampliam-se as possibilidades de novas conexões e

convergências. A transmissão, o acesso e a troca de informações ocorrem em nível global,

constituindo novas formas de socialização por meio do ambiente digital, no ciberespaço

dão origem ao fenômeno denominado cibercultura ou cultura digital.

Os principais fatores de diferenciação entre a cibercultura e a cultura das mídias são:

• convergência das mídias na era digital, em oposição à sua simples convivência na

era midiática;

• incidência de níveis jamais vistos de produção e circulação de informação, graças

ao acesso às novas tecnologias frente aos antigos processos informacionais

midiáticos, desconectados e lineares;

• individualização do consumo e portabilidade das mídias, refletidas na crescente

utilização de dispositivos “protéticos”, como telefones celulares, mp3 players,

palmtops, smart phones, portable games, mp4 players, pen drives etc.,

favorecendo o acesso a uma informação instantânea, personalizada e

intercambiável, contrapondo-se ao consumo massivo de informação típico dos

padrões culturais anteriores;

• busca individualizada, fragmentada, dispersa e alinear da mensagem e da

informação, decorrente da portabilidade das mídias, contraposta ao padrão

unificado no computador, característico da cultura das mídias.

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A era digital também vem sendo chamada de cultura do acesso, pois, de acordo com

Santaella (2004, p.19):

Uma diferença significante entre informação e bens duráveis está na replicabilidade. Informação não é uma quantidade conservada. Se eu lhe dou informação, você a tem e eu também. Passa-se aí da posse para o acessso. Este difere da posse porque o acesso vasculha padrões em lugar de presenças.

Através dos novos padrões instituídos pela cultura do acesso, a conversão de toda e

qualquer informação ̶ textual, imagética, sonora ou cinética — em uma linguagem

universalmente padronizada, oferece condições para o surgimento de um novo cenário

midiático baseado em modelos comunicacionais e cognitivos diferenciados, fundamentados

na dinâmica da revolução digital.

A este novo cenário poderíamos atribuir a insígnia de cultura da participação, ou

hipercultura, possibilitada pelo uso da linguagem hipermidiática e favorecida pelo seu

poder unificador, onde se dissolvem as barreiras culturais e unificam-se a cibercultura, a

cultura popular, a cultura erudita, a cultura das massas, a cultura das mídias, a cultura

escrita e a cultura oral.

Tal miríade cultural, não-linear e fragmentada, altera nossa maneira viver e de pensar e

resume-se numa arquitetura cíbrida, conectada através de uma estrutura reticular

alternadamente on line e off line, por onde se permeiam comunidades e ambientes

virtuais, como Second Life, ARGs (Alternate Reality Games5), Cosplays6 e, principalmente,

5 Os Jogos de Realidade Alternada (ARGs) misturam a dinâmica dos games on line a ações que interferem diretamente no mundo real, com eventos em espaços públicos, representações teatrais e metanarrativas com simulações em tempo real. 6 A palavra cosplay é uma abreviação para “costume play” (costume = roupa / traje / fantasia, e play = atuação). O cosplayer se caracteriza como um personagem de algum livro, mangá, jogo ou

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a inteligência coletiva. O contato com estas “subculturas” é natural para a geração de

jovens que nasceram a partir de 1980. Apelidados de Screenagers, por estarem adaptados

ao uso das telas dos dispositivos tecnológicos, com os quais interagem boa parte do tempo,

estes jovens também vêem nestas subculturas a oportunidade de instituir contraculturas,

pois, conforme afirma Canevacci (2005, p. 14):

Dentro do conceito de contracultura transita-se [...] de uma oposição radical contra alguma coisa dominante, em relação a propostas criativas, para algo totalmente distinto. Contra a cultura do poder e para as culturas da revolta, para a transformação do mundo, para acender um processo revolucionário nem tanto na estrutura socioeconômica, mas, sobretudo, no cruzamento de novas formas de pensar e velhas ideologias.

A hipercultura resulta, portanto, da multiplicação de uma massa de “velhas ideologias”

pela natureza acelerada das novas formas de pensar. Mas, de acordo com a Segunda Lei de

Newton, força = massa x aceleração (F = m . a). Portanto, é através da hipercultura que

encontramos a força motriz capaz de transformar o mundo.

2.3 Mídia / Multimídia / Hipermídia

O alfabeto foi inventado na Grécia por volta do ano 700 a.C. e tornou-se a base para o

desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência. Possibilitou o preenchimento da

lacuna existente, até então, entre o discurso oral e o discurso escrito, separando o que é

falado de quem fala, originando o discurso conceitual. Esse momento histórico foi

preparado ao longo de aproximadamente 3 mil anos de evolução da tradição oral e da

comunicação não-alfabética até a sociedade grega alcançar um novo estado de mente, “a

mente alfabética”, que originou a transformação qualitativa da comunicação humana

(CASTELLS, 2000, p. 353).

filme que queira homenagear, representa a personalidade deste e, em alguns eventos específicos, pode competir com outros cosplayers em concursos.

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A alfabetização, entretanto, só se difundiu muitos séculos depois, após a invenção e

difusão da imprensa e a fabricação do papel, proporcionando infra-estrutura mental

necessária para a comunicação baseada em conhecimento.

Contudo, se por um lado o advento do alfabeto permitiu a construção de um discurso

racional, por outro, separou a comunicação escrita do sistema audiovisual, estabelecido

pelas importantes relações entre símbolos e percepções, minimizando a capacidade de

expressão plena da mente humana e relegando o universo potencialmente cognitivo dos sons

e imagens aos bastidores das artes. A revanche histórica da cultura visual acontecerá apenas

no século XX, inicialmente com o cinema e o rádio, em seguida, com a televisão, e, por fim,

com a hipermídia, à qual caberá a tortuosa, porém grata, missão de compensar, através do

seu pluralismo conceitual, 2700 anos de conhecimento diluído pelo texto escrito.

De acordo com Dona Benta:

A escrita começou com desenhos. Nas cavernas pré-históricas encontramos desenhos de animais e coisas feitos pelos peludos há milhares de anos. Era o começo. Com aqueles desenhos eles fixavam na pedra acontecimentos que seus filhos e netos entendiam.

Depois vieram os chineses com a invenção dum sinal para cada palavra. Resolvia o problema, mas dava aos estudiosos um trabalho infinito. Os chins possuem mais de 40.000 sinais diferentes ̶ imaginem a trabalheira para um estudante decorá-los todos! Levava a vida inteira.

Os egípcios deram novo passo à frente. Inventaram os hieróglifos, em que há uma combinação de sinais formando palavras, o que tornou inútil haver um sinal para cada palavra.

Depois veio a grande coisa, o alfabeto inventado pelos fenícios, isto é, vinte e tantos sinais que servem para escrever todas as palavras que o homem usa.

[...]

O alfabeto dos fenícios veio permitir a maior perfeição na escrita, isto é, um meio de fixar e perpetuar o pensamento. Foi um progresso gigantesco. Graças ao alfabeto um homem de hoje pode ler o que Platão escreveu há séculos, e os meninos do ano 3000 poderão ler as futuras “Memórias da

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Marquesa de Rabicó”... (Monteiro Lobato ̶ Obras Completas, V. 6b - História das Invenções, 1977, p. 158).

Todos os alfabetos do mundo ocidental derivam dos caracteres greco-romanos,

diferentemente de todas as demais formas de escrita que sempre serviram a uma única

cultura. De acordo com Marshall McLuhan (1969, p. 107),

[...] as escritas pictográfica e hieroglífica ̶ tal como as das culturas babilônicas, maia e chinesa — representam uma extensão do sentido visual para armazenar e facilitar o acesso à experiência humana. Todas essas formas conferiam expressão pictórica a significados orais. Assemelham-se ao desenho e são bastante canhestras, pois requerem numerosos signos para a infinidade de dados e de operações da ação social. Em contraste, o alfabeto fonético, com apenas poucos sinais, pode abranger todas as línguas [...].

A criação da imprensa por Gutenberg revolucionou o meio de transmitir informação e

originou, inevitavelmente, a primeira máquina de ensinar: o livro impresso, baseado na

uniformidade e na repetibilidade.

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, mostrou ao século XIX, através do livro, um

mundo mágico e espantoso, trazendo como norma um espaço-tempo descontínuo, que

invade o espaço euclidiano através de geometrias não-euclidianas, as quais seriam

fundamentadas, posteriormente, pelo conceito do espaço-tempo einsteniano.

Se o alfabeto fonético, como conseqüência do alfabeto escrito, significou a fragmentação

da palavra falada e de seus aspectos sonoros e gestuais, a fotografia veio recuperar o

movimento corporal no registro das experiências humanas. Entretanto, a maior revolução

trazida pelo registro fotográfico foi concebida através da arte, em que pintores, poetas,

escritores e escultores, impossibilitados de reproduzir o que a fotografia já fazia com

perfeição e em larga escala, passaram a apresentar o processo criativo destinado à

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participação pública, fornecendo meios de envolvimento no processo do fazer (MCLUHAN,

1969, p. 220).

Contrário à dinâmica do livro e do jornal, que sempre tiveram como característica

fundamental a capacidade de criar visões unificadas, estendendo os benefícios das

opiniões iluminadas às mentalidades menos letradas, o telégrafo descentralizou o mundo

do jornal, destruindo a perspectiva da informação acessível às “regiões mais atrasadas”.

Como conseqüência, na América, atraiu talentos literários muito mais para o jornalismo do

que para a literatura. Na Europa, em contrapartida, o telégrafo intensificou os diversos

pequenos grupos organizados de forma descontínua, reforçando a posição do livro e

obrigando a própria imprensa a assumir caráter mais literário.

A máquina de escrever representou avanço significativo dos meios de comunicação, pois

unificava, de uma só vez, a escrita, a fala e a publicação. Através dela, a tecnologia criada

por Gutenberg itensificou-se, permeando todas as instâncias culturais e econômicas. Como

fator acelerador da economia e da cultura, surtiu efeito imediato na uniformização da

pronúncia e no uso correto da gramática, provocando aumento na venda de dicionários. Em

pouco tempo, todos os escritórios possuíam pelo menos uma máquina de escrever.

A mesma aceleração que colocou a máquina de escrever em todos os escritórios do planeta

também introduziu, nestes espaços, o telefone que, por sua vez, também suscitou novas

conseqüências,

a introdução de uma “trama inconsútil”, feita de padrões entrelaçados, na administração e nos centros de decisão. A estrutura piramidal da divisão e caracterização do trabalho e dos poderes delegados não pode manter-se ante a velocidade com que o telefone contorna as disposições hierárquicas e envolve as pessoas em profundidade (MCLUHAN, 1969, p. 305).

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A fusão do telefone ao telégrafo elétrico resultou no fonógrafo, uma extensão e

amplificação da voz, que diminuiu a atividade vocal individual.

O casamento da velha tecnologia mecânica com o novo mundo elétrico resultou no surgimento

do cinema. Comparado a outros meios, o filme detém a capacidade de armazenar e de

transmitir grandes quantidades de informação, oferecendo como produto o mais mágico entre

todos os bens de consumo: sonhos. Não é por acaso que oferece, aos pobres, papéis de riqueza

e poder que superam os sonhos de avareza (MCLUHAN, 1969, p. 327).

O surgimento do rádio provocou nova aceleração da informação, extensível a outros meios.

Ao reduzir o mundo a uma aldeia, criou o gosto pelas fofocas e rumores e deu nova vida a

velhas línguas. Com o surgimento da TV, o rádio, que era até então uma forma de

audiência grupal, se voltou para as necessidades individuais, sintonizado com a

multiplicidade de aparelhos espalhados por todos os lugares. Programações diversificadas

surgiram para atender a demandas segmentadas, afastando, por exemplo, adolescentes da

TV grupal para o seu rádio particular. Fenômeno semelhante ocorre, atualmente, com a

febre dos mp3 players.

A televisão, por sua vez, envolve todos os sentidos numa profunda inter-relação

sinestésica, em que a profundidade da experiência que proporciona, desde o seu

surgimento, sugere ser o fator desencadeador de atitudes de passividade, desligamento e

alienação. O problema, entretanto, não é do meio, mas sim da mensagem que é

transmitida através dele. A TV é um meio que exige respostas criativas e atitudes

participativas.

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Conforme é possível perceber neste breve apanhado histórico das mídias, os processos de

hibridização ou de convergência dos meios resultam no surgimento de outros meios mais

avançados.

O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do qual nasce a forma nova. Isto porque o paralelo de dois meios nos mantém nas fronteiras entre formas que nos despertam da narcose narcisística. O momento do encontro de dois meios é um momento de liberdade e libertação do entorpecimento e do transe que eles impõem aos nossos sentidos (MCLUHAN, 1969, p. 75).

Ao processo de hibridização ou convergência dos meios, Bolter & Grusin (2000) denominam

remidiação7:

[...] toda midiação é remidiação [...]. Nossa cultura concebe que cada meio ou constelação de mídias responde, redesenvolve, compete e reforma outra mídia. Em um primeiro momento, poderíamos pensar em algo como uma progressão histórica, onde novas mídias remediam suas predecessoras. Mas, na verdade, este processo é melhor definido como uma árvore genealógica, não como uma história linear, e, nesta genealogia, mídias mais antigas também podem remidiar mídias mais novas. A televisão pode e está se remoldando de uma forma semelhante à World Wide Web, e o filme pode e já permite incorporar recursos da computação gráfica na sua forma linear. Aparentemente, não há mais como algum meio funcionar de forma independente e criar o seu próprio espaço separado e purificado do significado cultural (p. 55).

Desta forma, podemos dizer que os jogos de computador remidiam o cinema, criando

“filmes interativos”; a realidade virtual remidia os filmes sob o olhar da pintura; a

fotografia digital remidia a fotografia analógica. A Internet absorve e repagina a maioria

dos meios visuais e textuais anteriores, incluindo a televisão, os filmes, o rádio e a mídia

impressa (BOLTER, 2001, p. 25).

7 Tradução livre. O termo pode ser encontrado em trabalhos de outros pesquisadores traduzido como remidiatização, remediação ou remediatização.

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Mais uma vez, Dona Benta, sabiamente, pontua:

As invenções vão mudando de tal forma a vida do homem na terra, que o cérebro mal tem tempo de adaptar-se [...]. Hoje vemos e ouvimos tudo sem sair de casa. Antigamente quem queria boa música tinha de ir à cidade em dia de concerto. Hoje temos concertos de graça a toda hora. E escolhemos. [...] se a música nos aborrece, zás! arrolhamos os fazedores de música. Eu, que sou velha e já conheci os tempos em que não havia nada disso, sei dar valor a essas invenções. Vocês, não. Já nasceram dentro delas... (Monteiro Lobato ̶ Obras Completas, V. 6b - História das Invenções, 1977, p. 159).

Antes de prosseguirmos, faz-se necessária a distinção entre os termos multimídia e

hipermídia:

A palavra multimídia se popularizou a partir da década de 80, podendo adquirir

significados diferentes de acordo com o contexto em que é utilizada. A definição adotada

neste trabalho assume que multimídia é o acesso a diversos tipos de mídia, como áudio,

textos, imagens, vídeos e animações, de maneira desconexa, através de uma tecnologia

centralizadora, como um computador, um telefone celular ou um mp3 player sem acesso à

internet.

O uso da palavra hipermídia, por sua vez, refere-se ao uso das mesmas tecnologias

centralizadoras e seus recursos multimidiáticos, entretanto, conectados entre si e entre

outros dispositivos centralizadores através de uma rede, permitindo ao usuário deste

sistema criar, distribuir, receber e consumir conteúdo audiovisual. Ou, em uma definição

mais precisa:

Hipermídia é o conjunto de meios que permite acesso simultâneo a textos, imagens e sons de modo interativo e não-linear, possibilitando fazer links entre elementos de mídia, controlar a própria navegação e, até, extrair textos, imagens e sons cuja seqüência constituirá uma versão pessoal desenvolvida pelo usuário [...]. Hipermídia vai além da multimídia, por trazer ênfase na interatividade e no acesso não-linear promovidos pelos links entre os conteúdos. [...] assim como ocorre com a linguagem

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cinematográfica, o conceito de linguagem hipermídia agrega um conjunto de linguagens como a fotográfica, a sonora, a visual, a audiovisual e a própria cinematográfica (GOSCIOLA, 2003, p. 34-35).

Alguns pesquisadores também adotam a expressão novas mídias para fazer referência às

mídias que compõem a hipermídia. É o caso de Lev Manovich (2001, p. 27-48), que define

os cinco princípios das novas mídias:

1. Representação numérica: trata-se de um código comum de representação com

habilidade de copiar a mídia sem perda significativa na sua qualidade para

reprodução. Através da representação numérica, um objeto da nova mídia pode ser

resumido a uma função matemática e, portanto, torna-se programável. A

programabilidade das novas mídias é o aspecto responsável pela mudança da

natureza das mídias;

2. Modularidade: através da estrutura modular das novas mídias, torna-se possível

deletar ou substituir partes particulares do objeto midiático com mais facilidade.

Possibilita, ainda, a composição de um objeto através da somatória de imagens,

sons e outros elementos criados separadamente, pois cada elemento das novas

mídias é formado por partes ou fragmentos independentes, que podem ser

modificados ou substituídos individualmente;

3. Automação: o código numérico e a estrutura modular permitem a automação de

diversas operações que envolvem a criação e o acesso às mídias. Em um baixo nível

de automação, encontram-se, por exemplo, os softwares utilizados na manipulação

de imagens, com recursos limitados ao seu uso; em um nível intermediário de

automação, podemos considerar os softwares de autoria multimídia, com ampla

diversidade de funções; o nível mais elevado de automação na criação de mídias

reside nos sistemas de redes neurais para games, desenvolvidos com recursos de

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inteligência artificial. As novas tecnologias incorporam bancos de dados, recursos

hipermidiáticos e outras formas de organização das mídias;

4. Variabilidade: um mesmo objeto das novas mídias pode apresentar diferentes

versões, como a opção de uma variante em baixa definição para acesso em

dispositivos com memória limitada. Este princípio segue a condição da arte

conceitual, em que o artista pode alterar, a qualquer instante, a forma e o

conteúdo da obra. Diferentes interfaces podem ser criadas a partir de uma mesma

base de dados, permitindo que tamanho, cor, forma, caminho interativo, duração,

ritmo e ponto de vista sejam variáveis livremente manipuladas e modificadas pelo

usuário, interferindo em seu resultado final. A tecnologia das novas mídias age

como perfeita realização de uma utopia de sociedade essencialmente democrática,

pois garante aos usuários que suas escolhas sejam únicas;

5. Transcodificação: é a transformação da mídia em informação digital. Dependendo

do tipo de arquivo, da compressão utilizada ou do formato, após ser lido pela

máquina, entra em diálogo com outros arquivos. Desta forma, a nova cultura

computacional transcodifica todos os demais conceitos e categorias de cultura, que

são substituídos, no sentido da linguagem e do significado, por outros, derivados da

ontologia, do pragmatismo e da epistemologia informacional.

Estes princípios, quando transcendem a arquitetura estritamente computacional, através

da cibridização das mídias (conforme visto no item anterior), invadem também os espaços

físicos, criando fluxos híbridos entre o real e o virtual, conforme descreve Canevacci

(2005, p. 173):

Para delinear um novo método de leitura da mídia contemporânea, [...] [é preciso] procurar nos desenvolvimentos narrativos, nas percepções visuais, nos panoramas sonoros, nos códigos textuais da nova mídia (ou pós-mídia) tensões dialógicas, estridores híbridos e desordens polifônicas com a comunicação das metrópoles: que despedaça e fluidifica, combate e

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decompõe, compulsiona e desemoldura. A mídia e a metrópole: esse nexo que queremos identificar, verificar e também afirmar. Fluxos da mídia e fluxos da metrópole. Os metro-media-mix-messages.

Os fatores que definem a hipermídia, por meio da combinação das diversas mídias em uma

mesma malha multidimensional, de acordo com Santaella (2004, p. 95), são:

1. Hibridização de linguagens, processos sígnicos, códigos, mídias que ela aciona e,

conseqüentemente, a mistura de sentidos receptores, na sensorialidade global,

sinestesia reverberante que ela é capaz de produzir, na medida mesma em que o

leitor imersivo interage com ela, cooperando na sua realização;

2. Capacidade de armazenar informações que se fragmentam em uma multiplicidade

de partes dispostas em uma estrutura reticular. Através das ações associativas e

interativas do receptor, essas partes vão se juntando, transmutando-se em

incontáveis versões virtuais que brotam na medida mesma em que o receptor se

coloca em posição de co-autor e co-criador. Isso só é possível devido à estrutura de

caráter hiper, não-seqüencial, multidimensional, que dá suporte às infinitas opções

de um leitor imersivo;

3. Para que a imersão compreensiva se dê, a hipermídia prevê a criação de roteiros e

de programas que sejam capazes de guiar o receptor no processo de navegação: a

necessidade de mapeamento, a necessidade de um roteiro que possa ir sinalizando

as rotas de navegação do usuário.

A hipermídia surge, portanto, de uma remidiação fenomenológica de todas as linguagens,

sintetizando, simultaneamente, as matrizes sonora, visual e verbal através de uma

estrutura rizomática e multidimensional. Por todas essas características, a analogia com o

labirinto acompanha a hipermídia desde o seu surgimento.

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A etimologia da palavra labirinto é bastante controversa, mas, em sua versão mais aceita,

tem origem cária ou lídia. De acordo com esta teoria, o termo grego labyrinthos deriva de

lábrys, que significa machado de corte duplo, permitindo duas interpretações: o machado

de corte duplo, ao mesmo tempo em que carrega conotação religiosa, sendo encontrado

em pedras e pilares gravados do período minóico, também tem relação com os caminhos

que se dividem no labirinto (LEÃO, 2001, p. 79).

De acordo com a mitologia grega, Minos, rei de Creta, recebeu de Poseidon, deus dos

mares, um magnífico touro de presente. Poseidon exigiu, entretanto, que o animal fosse

ofertado em sacrifício, posteriormente. O ganancioso Minos negou-se a devolvê-lo e foi

punido por Afrodite que fez com que sua esposa, a rainha Pesífae, se apaixonasse

perdidamente pelo touro. Dessa união, nasce um monstro terrível, metade homem,

metade touro, o Minotauro. Minos decide esconder a criatura no labirinto construído pelo

artesão Dédalo. Teseu, um jovem herói ateniense, sabendo que a sua cidade deveria pagar

a Creta um tributo anual, sete rapazes e sete moças, para serem entregues ao insaciável

Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído entre eles. Em Creta,

encontrando-se com Ariadne, a filha do rei Minos, recebeu dela um novelo que deveria

desenrolar ao entrar no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a

saída. Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio que

desenrolara, encontrou o caminho de volta. Retornando a Atenas, levou consigo a princesa.

Alguns detalhes ocultos nesta breve narrativa mitológica são fundamentais para a

compreensão da dinâmica das hipermídias:

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a. Dédalo, o arquiteto do labirinto era tão habilidoso que se acreditava que suas

esculturas poderiam se mexer. Este detalhe relaciona-se diretamente com o

princípio da modularidade das novas mídias, estabelecido por Lev Manovich;

b. É Dédalo quem ensina a Ariadne a solução do labirinto, para que Teseu possa

encontrar a saída. É papel do arquiteto do labirinto saber solucioná-lo, assim como

o arquiteto da informação, em um sistema hipermidiático, deve indicar ao usuário

os caminhos que pode percorrer e como sair desse sistema.

c. Por todos os caminhos onde passa, Teseu deixa cair uma pedra, sinalizando os

passos que deverão ser seguidos para o retorno. Este recurso também possui

correlato nos sistemas hipermidiáticos, pois a marca deixada significa a

possibilidade de retomar o trajeto percorrido, fundamental para que o usuário não

se perca na trama labiríntica de suas próprias interações.

d. De acordo com historiadores, o labirinto de Creta não tinha teto, sua cobertura era

o céu. Assim também são os sistemas hipermidiáticos. O usuário navega por

caminhos muitas vezes desconhecidos, constrói novas passagens, altera o rumo

inicial. Mas, tendo o céu como limite, não se pode dizer que esteja preso. Pelo

contrário, a saída está sempre disponível e acessível.

O labirinto é, portanto, a imagem universal da busca pelo conhecimento. Perder-se nesta

estrutura multifacetada representa, ao mesmo tempo, a oportunidade de vivenciar novas

experiências cognitivas e de aprender a encontrar novas soluções para velhos problemas.

Conforme afirma Massimo Canevacci (2005, p. 175):

A famosa frase de Walter Benjamin ̶ o elogio do perder-se como algo a ser aprendido, aprender a perder-se — significa que precisamos aprender a afrouxar a presa mnemônica sobre as coisas. Perder-se é a premissa para

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encontrar novos caminhos. Do contrário, somos condenados a refazer por toda a vida sempre e somente o mesmo caminho.

2.4 Texto / Cibertexto / Hipertexto

Dentre todos os elementos que compõem a hipermídia, o texto é, para os propósitos deste

trabalho, o mais complexo e significativo e, portanto, nos deteremos neste item à sua

análise com maior amplitude.

A palavra texto provém do latim textum, que significa tecido de pano, tecer, entrelaçar,

tramar (nos sentidos próprio e figurado). Assim, o texto resulta do trabalho de tecer ou do

entrelaçamento de diversas partes menores, obtendo-se um todo maior e inter-

relacionado. Uma textura - ou tessitura - textual. Podemos, portanto, definir o texto, num

primeiro momento, como uma rede de relações que tem por objetivo gerar unidades

maiores e coesas.

As relações estabelecidas por esta rede ocorrem através de signos, o que nos permite dizer

que o texto não é uma entidade exclusivamente verbal. Segundo Bakhtin (apud FIORIN,

2006, p.178), ele é uma categoria presente em todas as linguagens, em todas as

semióticas. Portanto, o texto é uma unidade que pode manifestar tanto pensamentos e

emoções, quanto sentidos e significados.

Desta forma, a linguagem escrita pode ser definida como um processo de codificação em

segundo nível. Apresenta-se como um sistema de signos que traduz para um nível visual

(representação gráfica) o desempenho oral do código verbal (SANTAELLA, 1996, p. 184).

A invenção da agricultura foi o elemento fundamental da revolução neolítica e representou

a exploração de uma nova relação do homem com o tempo, pois, sendo a agricultura

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condição para a sobrevivência de uma comunidade, tornou-se fundamental conhecer o

período que compreende a lenta maturação dos grãos no solo para que os estoques se

mantivessem suficientes até o momento da colheita seguinte. A escrita também reproduz,

no campo da comunicação, a mesma relação com o tempo e o espaço. Ao intercalar,

através dos processos sígnicos, um intervalo de tempo entre a emissão e a recepção da

mensagem, instaura a comunicação diferida, com todos os riscos de mal-entendidos, de

perdas e erros que isto implica. A escrita aposta no tempo. (LÉVY, 1993, p. 88).

Tomando os termos leitor e texto em sentido mais amplo, podemos dizer que o objetivo de

toda comunicação textual é provocar no leitor certo estado de excitação da grande rede

heterogênea de sua memória, ou então orientar sua atenção para certa zona de seu mundo

interior, ou ainda disparar a projeção de um espetáculo multimídia na tela de sua

imaginação (LÉVY, 1993, p. 24).

Por se tratar de um processo de comunicação, é através do discurso que a mensagem do

texto se materializa. Esse discurso pode ser descritivo, dissertativo ou narrativo. Pela

natureza deste trabalho, interessa-nos apenas a esfera narrativa e é nela que nos

deteremos agora.

De acordo com Lúcia Santaella (1996, p. 198), o texto narrativo ocorre em três níveis

distintos:

1. Texto narrativo qualitativo: em textos desse tipo, a linearidade (começo, meio e

fim) da história é rompida, isto é, os eventos não se encadeiam seqüencialmente.

Em vez de relações de contigüidade linear entre as seqüências do acontecimento,

estabelecem-se relações mais complexas, ou seja, organizações paralelísticas

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(simetrias, gradações e antíteses) responsáveis por uma multiplicidade simultânea

de visões de um mesmo evento. Daí denominar-se qualitativo este tipo de

organização;

2. Texto narrativo sucessivo: neste caso, a relação entre as seqüências da história é

de ordem cronológica. As ações se sucedem no tempo, num encadeamento linear

(umas depois das outras). É o caso típico da maioria das notícias jornalísticas;

3. Texto narrativo causal: aqui, há entre as partes narrativas uma relação de causa e

efeito: ações precedentes provocam ações subseqüentes; uma ação ou uma

seqüência só encontra seu lugar porque houve uma outra que a determinou. É o

caso típico da narrativa de intriga, da qual a literatura de massa (policial,

espionagem, ficção científica) contém exemplos flagrantes.

Mas a literatura não é uma ferramenta inerte, com que se engendrem idéias ou fantasias

somente para a instrução ou deleite do público. É um ritual complexo que, se devidamente

conduzido, tem o poder de construir e de modelar simbolicamente o mundo (SEVCENKO

1983, p. 233).

Desta forma, embora outros meios, como o cinema e o teatro, apresentem muitos aspectos

concretos, não podem por exemplo, como é possível somente através da obra literária,

apresentar diretamente aspectos psíquicos, sem recurso à mediação física do corpo, da

fisionomia ou da voz (CÂNDIDO et al., 2007, p. 15).

O discurso literário possui como característica a habilidade de construir e de materializar-

se no mundo imaginário, ficcional. Tem, portanto, como ponto de partida, a ruptura com o

mundo real, a qual se organiza pela criação de um universo imaginário construído pelo

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autor. O discurso é articulado pela figura de um sujeito-narrador, que conduz o processo

narrativo. Mas o autor, imerso na narratividade, articula-se em um jogo que alterna a

verdade e a ficção, a realidade e a fantasia, o real e o irreal, onde o imaginário não se

reduz ao sujeito-autor e, desta forma, o discurso narrativo, como qualquer outro discurso,

é heterogêneo. Uma narrativa não existe isoladamente, dado que se constitui na relação

com outras, talvez não narradas, entretanto, possíveis.

Uma das diferenças entre o texto ficcional e outros textos reside no fato de, no primeiro,

as orações projetarem contextos objectuais e, através destes, seres e mundos puramente

intencionais, que não se referem, a não ser de modo indireto, a seres também intencionais

(onticamente autônomos), ou seja, a objetos determinados que independem do texto

(CÂNDIDO et al., 2007, p. 15).

É por meio do seu valor estético que a obra ficcional enriquece e aprofunda o mundo

imaginário que apresenta. Prende, desta forma, a atenção do leitor e faz com que as

páginas do livro se tornem interfaces transparentes, permitindo a exploração em planos

mais profundos, imanentes à própria obra que, assim, manifesta todas as virtualidades de

uma revelação quase-explícita. Antônio Cândido et al. (2007, p. 42) explica que tal

revelação

[...] não deve se confundir com qualquer ato cogniscitivo explícito, já que é em plena “imediatez” concreta que o mediado se revela, na individualidade quase-sensível das camadas exteriores e na singularidade das personagens e situações. Neste sentido, a cogitatio pode de certa forma ser contida na apreensão estética, mas ela é ultrapassada por uma espécie de visio, ou visão intuitiva, que é ao mesmo tempo superior e inferior ao conhecimento científico preciso. Também pouco se deve comparar o prazer desta revelação ao prazer do conhecimento. O prazer estético integra e suspende a distância da contemplação, o intenso envolvimento emocional e a revelação profunda; pode manifestar-se mesmo nos casos em que o conteúdo desta revelação se opõe a todas as nossas concepções [...].

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O conhecimento decepcionante e fragmentário que temos dos seres na vida real é

apresentado na obra ficcional de maneira muito mais completa e coerente, pois o autor,

criador da realidade que apresenta, domina-a, delimita-a e mostra-a como um tipo de

conhecimento que se torna, ao leitor, muito mais satisfatório.

Portanto, o ambiente ficcional nos permite contemplar, através dos personagens nele contidos, nossa própria plenitude, como uma espécie de auto-conhecimento. Pela imaginação somos capazes de transpor as barreiras físicas, onde um lugar dá lugar a outros, onde encontramos nossa condição fundamental de seres auto-conscientes e livres, onde nos distanciamos de nós mesmos e nos libertamos pela apreciação estética. É por meio da entrega às virtualidades da obra que esta nos devolve toda a riqueza encerrada em seu contexto. (CÂNDIDO et al., 2007, p. 48-49).

Desta forma, não são as coisas que saltam das páginas do livro em direção ao leitor, mas o

leitor, este sim, que salta às paginas do livro. No caso dos livros infantis, como em

Monteiro Lobato, as ilustrações exercem papel fundamental. Diante do livro ilustrado, a

criança coloca em prática a arte dos taoístas consumados: vence a parede ilusória da

superfície e, esgueirando-se por entre tecidos e bastidores coloridos, adentra um palco

onde vive o conto maravilhoso (BENJAMIN, 2002, p. 69).

O livro se torna, através das possibilidades oferecidas pelo hipertexto e pela hipermídia,

cada vez mais “navegável”. O texto em sua forma cibernética, digitalizada, substitui o

afeltrado de fibras celulósicas do papel pelo conjunto de bits que, se não tornam possível

sua materialização no sentido tátil, o transforma em informação visível e manipulável no

sentido técnico, através da tela do computador. A este tipo de texto, existente apenas no

ciberespaço, nomeamos cibertexto.

O termo hipertexto, por sua vez, carrega consigo um significado maior do que o mero texto

digitalizado e disponível no ambiente virtual. Podemos definir hipertexto como o uso do

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computador para transcender as características lineares, forçadas e fixas do texto escrito

tradicional (DELANY & LANDOW, 1991, p. 3).

Na visão de Burbules (1998, p.102):

O hipertexto é composto de blocos individuais de textos, ou lexias, e de links, ou conexões eletrônicas que os unem e, desta forma, tornam a experiência da leitura na tela do computador em um processo totalmente diferente da leitura que tem o livro como suporte físico. Os pragmatismos do ato de ler - a velocidade de leitura, as pausas, o tempo em que permanecemos concentrados no texto, a maneira que pulamos partes do texto que não nos interessam, a retomada ou releitura de capítulos ou trechos lidos anteriormente — são claramente diferentes, e estas diferenças afetam a maneira que interpretamos, entendemos e lembramos daquilo que lemos.

Estruturas hipertextuais são representadas por nós e links. Os nós podem ser formados por

grupos de textos (palavras, frases, citações, páginas), informações gráficas (fotos,

animações, vídeos, gráficos), seqüências sonoras (músicas, ruídos, discursos digitalizados),

documentos complexos (sites ou outros hipertextos) conectados pelos links. Os itens de

informação não são ligados linearmente, como uma corda com nós, mas cada um deles

estende suas conexões de modo reticular, com vários pontos de nós. Navegar em um

hipertexto significa desenhar um percurso onde cada nó pode conter uma rede inteira de

conexões (LÉVY, 1997, p. 33).

Portanto, é através dessas conexões que o hipertexto permite ao leitor escolher o próprio

centro de investigação ou a experiência, exercendo papel fundamental na integração dos

processos de construção de conhecimento. Todas as suas qualidades, como conectividade,

preservação e acessibilidade, o tornam um incrível e valioso recurso de ensino.

Sobre o aspecto da acessibilidade, Burbules (1998, p. 103) afirma:

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Enquanto textos impressos são naturalmente seletivos e exclusivos, onde cada página, cada volume, cada conteúdo pode apenas conter algumas palavras, e mesmo quando fazem referência a outros textos , o acesso a eles envolve atividades como comprar o livro ou ir a uma biblioteca; atividades que não envolvem o ato da leitura, mas que requerem energia, tempo, e algumas vezes dinheiro que o leitor pode até não ter. Hipertextos na internet são, por natureza, inclusivos: qualquer texto pode ser conectado virtualmente a um número ilimitado de outros textos disponíveis online; o acesso a qualquer um destes links textuais requer mínimo tempo ou esforço.

Espen J. Aarseth (1994, p. 60) define os termos texton (equivalente a lexia) como a menor

unidade do texto, o elemento básico da textualidade, e scripton como o equivalente a uma

seqüência ininterrupta de um ou mais textons ao longo do texto.

Além de textons e scriptons, um texto possui uma ou mais funções navegacionais, que são

as convenções e os mecanismos que se combinam e que projetam um conjunto de textons

na forma de scriptons para o usuário (ou leitor) do texto. Usamos essas funções

navegacionais para distinguir as variantes da tipologia textual. Uma determinada função

navegacional pode ser desde o simples ato de acessar um texto até um complexo conjunto

de instruções compiladas em um scripton de textons.

Considerando que existem infinitas combinações de funções navegacionais, Aarseth (1994,

p. 60) define um conjunto básico de variações destas funções que, juntas, formam um

sistema de coordenadas multidimensionais nas quais todas as funções podem ser

adequadas:

1- Topologia: A diferença entre linear e não-linear. Um texto não-linear é um

processo onde os scriptons não apresentam apenas uma seqüência fixa, mesmo

que ela seja temporal ou espacial. Por outro lado, através da agência

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cibernética (usuários, textos ou ambos), também podem emergir seqüências

arbitrárias;

2- Dinâmica: A diferença entre o texto estático e o texto dinâmico. No texto

estático, os scriptons são constantes. No texto dinâmico, por sua vez, o

conteúdo dos scriptons pode mudar enquanto o número de textons permanece

fixo (dinâmica intratextônica), ou o número de textons também varia (dinâmica

textônica);

3- Determinabiliade: compreende a estabilidade da função navegacional. Um

texto é determinado se os scriptons adjacentes de cada scripton são sempre os

mesmos, e indeterminado se não são;

4- Transiência: se o mero passar do tempo do usuário provoca aparições de

scriptons, o sistema é transiente. Caso contrário, é intransiente. Se a

transiência ocorrer naturalmente em tempo real, é uma transiência síncrona. Se

a relação entre o tempo do usuário e a passagem do tempo ficcional for

arbitrária, chamamos de transiência assíncrona;

5- Manipulabilidade: A facilidade de acesso aos scriptons de um texto pode ser

descrita através das funções transversais e suas combinações. O sistema mais

aberto (ou fraco) é chamado de acesso randômico a todos os scriptons. Então,

há a função navegacional básica do hipertexto — o link, com acesso explícito a

todos os scriptons; o link oculto; o link condicional ou complexo; e, finalmente,

o acesso arbitrário ou completamente controlado;

6- Funcionalidade do usuário: juntamente com a função interpretativa do

usuário, a qual, obviamente, está presente tanto no uso da textualidade linear

como não-linear, o uso de textos não-lineares pode ser descrito,

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resumidamente, através de quatro funções ativas de feedback: a função

explorativa, na qual o usuário decide qual caminho seguir; a função role-

playing, na qual o usuário assume a responsabilidade estratégica por um

personagem em um mundo descrito pelo texto; a função configurativa, onde

textons e/ ou funções navegacionais são, em parte, escolhidas e/ ou

desenhadas pelo usuário; e a função poética, na qual as ações do usuário, o

diálogo, ou o design são esteticamente motivados.

O espaço eletrônico habilitado à escrita pelo usuário pode, portanto, suportar qualquer

uma das coordenadas multidimensionais apresentadas acima, assim como pode também

acomodar qualquer estratégia literária, oferecendo ao leitor diferentes perspectivas em

um conjunto fixo de eventos onde, mesmo que o leitor não possa afetar o curso da

história, pode transitar entre diversos escritores-narradores, o que lhe permite reunir

diversos pontos de vista sobre um único assunto.

Também conhecidos como ambientes colaborativos, os espaços eletrônicos habilitados à

escrita surgem como mais um paradigma do ciberespaço. Um paradigma dentro do

paradigma. Há pouco tempo, ainda no século XX, a palavra usuário foi praticamente banida

dos ambientes virtuais de aprendizagem. O termo carregava conotação altamente

negativa, quase maldita, pois remetia à dependência, ao vício, ao uso compulsivo. Temia-

se que o ciberespaço agisse como uma droga nas mentes dos “utilizadores” e faria deles

zumbis robotizados, alienáveis, sem teor e sem vontade. Com o poder delegado ao usuário,

que pode editar, inserir e excluir conteúdo, a dependência é, hoje, muito maior do

sistema em relação ao usuário do que do usuário em relação ao sistema. Criou-se, na

Internet, uma dependência benéfica de usuários, sem os quais a grande rede de

computadores estaria fadada a permanecer como uma triste e insossa tela em branco,

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como aquela que aguarda as pinceladas multicoloridas e multiformes do artista,

entretanto, mesmo quando se percebe finalizada, ainda permanece na incessante busca

pelo sentido de sua existência.

ENREDO

Uma vez que sem o usuário não pode haver ação (práxis) em um hipertexto, uma história

(fábula) virtual, sem ele, torna-se desprovida de sentido. Na ficção, a história é

determinada e se esconde no enredo, que produz a ação, enquanto que, no hipertexto, o

enredo em si está oculto e, por isso, a casualidade discursiva é invertida: a ação determina

(ou pretende determinar, em vão) o enredo [...]. Embora exista um narrador, em virtude

das significativas interrupções, não pode haver narrativa, apenas narração. (AARSETH,

1994, p. 74).

Da mesma maneira que a conclusão de uma obra de arte é uma espécie de não-final, o

hipertexto é, como a arte, uma espécie de não-morte. O fim de um hipertexto apenas

ocorre quando o usuário deixa o ambiente virtual.

TEMPORALIDADE

Na ficção tradicional, as variações de duração do discurso são fixas e estáveis. Na ficção

hipertextual, por outro lado, o leitor é, em princípio, livre para manipular uma cena,

podendo expandi-la ou comprimi-la em seu aspecto temporal. No ato de leitura, em um

hipertexto, a relação da duração entre ficção, história e discurso é simultaneamente

aberta e fechada. O ato de leitura é, ao mesmo tempo, o ato de escolher e de decidir

entre os diferentes tipos de duração.

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INTERATIVIDADE

Delany & Landow (1991, p. 21) definem dois tipos principais de hipertexto:

Um sistema hipertextual passivo é desenvolvido por especialistas para apresentar, de maneira efetiva, um assunto específico — uma enciclopédia, uma arte clássica ou códigos tarifários — e são, portanto, bloqueados a modificações de usuários. Estes usuários transitam livremente pela rede de blocos e links à sua maneira, mas não podem mudar os textos primários ou, ainda, modificar o modo como estes blocos estão combinados. Um sistema completamente interativo, por sua vez, permite ao usuário editá-lo, adicionar ou deletar blocos de texto e, ainda, modificar os links entre os blocos. Na prática, a liberdade dos usuários interativos provavelmente necessita de restrições, da mesma forma que regras são criadas para organizar seminários ou apresentações. Mas ainda é útil ter em mente a passividade e a interatividade como dois pólos: o hipertexto como uma maneira de apresentar um assunto determinado, em oposição ao hipertexto como ferramenta facilitadora da exploração e da comunicação através de um campo ilimitado de investigação.

A variação do fator interatividade em um hipertexto também influencia no nível de

concentração, ou absorção, do usuário. Quanto mais um hipertexto é interativo, maiores

são as chances de atingir seu público e de transmitir sua mensagem com eficiência. Nos

casos de sistemas que visam essencialmente ao processo cognitivo, este fator é de

fundamental importância.

De acordo com Ryan (2001, p. 98), o ato de leitura no hipertexto pode ocorrer em quatro

níveis de absorção:

1- Concentração: tipo de atenção voltado a trabalhos não imersivos. Neste modo,

o mundo textual oferece muita resistência ao leitor, deixando-o totalmente

vulnerável às distrações e estímulos da realidade externa;

2- Envolvimento imaginativo: ato que consiste no leitor se transportar para o

mundo textual, mas permanece consciente de que se trata de um ato de

contemplação estética ou de epistemologia imparcial;

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3- Encantamento: o prazer não-reflexivo do leitor que é completamente envolvido

pelo mundo textual, perdendo totalmente o contato com o mundo externo;

4- Adição: esta categoria subdivide-se em dois casos: a) a atitude do leitor que

busca escapar da realidade mas não consegue encontrar um lar no mundo textual,

pois sua travessia é tão rápida e tão compulsiva que o impossibilita de fazer parte

do ambiente; b) a perda da capacidade de distinguir mundos textuais,

especialmente os ficcionais, do mundo real (síndrome de Dom Quixote).

Ainda, conforme Ryan (2001, p. 210-212), o texto interativo, também é uma “máquina”

alimentada pelos inputs do usuário. O usuário pode enviar estes inputs das seguintes formas:

• Determinando enredos, decidindo, por exemplo, o destino de um herói;

• Mudando uma perspectiva no mundo textual, buscando outros pontos de vista;

• Explorando possibilidades, testando todas as alternativas possíveis;

• Mantendo a máquina textual agindo, carregando novas informações na tela;

• Recuperando documentos, usando, por exemplo, sistemas de busca;

• Jogando games e resolvendo problemas, através de ações para alcançar objetivos;

• Avaliando textos, discutindo conteúdos nos fóruns ou chats;

• Participando do processo de escrita do texto, ajudando a formar bases de dados;

• Engajando-se em diálogos, com o sistema ou com outros usuários, como nos MOOs;

Do ponto de vista do autor, Ryan (2001, p. 212-213) esclarece que os propósitos de usar o

formato interativo são:

• Controlar o progresso do leitor na descoberta de novos fatos; • Propor e permitir ao leitor explorar versões alternativas de fatos; • Propor e permitir ao usuário explorar todas as possibilidades do mundo textual; • Sugerir relações analógicas entre segmentos;

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• Permitir ao usuário ampliar certas telas ou passagens; • Interromper o fluxo da narração, subvertendo a ordem lógica; • Fornecer informação complementar, como as referências intertextuais.

O potencial narrativo de um texto interativo é uma função da arquitetura do sistema de links.

As possíveis estruturas da narrativa interativa, de acordo com Ryan (2001, p. 246-258) são:

1. O Gráfico Completo: caminhos bidirecionais, com total liberdade de navegação;

2. A Rede: caminhos uni ou bidirecionais, com algumas restrições à liberdade total da

navegação. É a estrutura básica do hipertexto literário;

Figura 2 | Gráfico Completo

Figura 3 | Rede

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3. A Árvore: possui apenas caminhos unidirecionais, criando enredos bem definidos;

4. O Vetor Ramificado: conta uma história em ordem cronológica, mas pode receber

pequenas interferências, através de links, para o aprofundamento em algum

conteúdo que se mostre interessante;

Figura 4 | Árvore

Figura 5 | Vetor Ramificado

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5. O Labirinto: característico dos games de aventura. É preciso encontrar o caminho

certo, a partir de um ponto inicial, e navegar pelo enredo até atingir o objetivo. O

labirinto pode oferecer caminhos “sem saída”. Quando isto ocorre em um game,

recebe o nome de aporia e significa que o jogador falhou em superar um obstáculo.

Em uma história interativa, este momento é nomeado epifania e representa uma

descoberta (através da solução de um enigma, por exemplo) que habilita o usuário

a prosseguir ao objetivo principal;

6. A Rede Direcionada, ou Fluxograma: é uma seqüência cronológica, mas que

oferece ao usuário a possibilidade de escolher, dentro de opções previamente

estabelecidas, o caminho a seguir e, até mesmo, o final da história.

Figura 6 | Labirinto

Figura 7 | Rede Direcionada

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7. A História Oculta: ocorre em dois níveis. Um linear, fixo, e outro que se revela de

acordo com as “pistas” encontradas pelo usuário.

8. O Roteiro Trançado: eventos e/ou personagens se encontram em lugares e/ou

momentos distintos.

Figura 8 | História Oculta

Figura 9 | Roteiro Trançado

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9. O Espaço de Ação, ou Circulação Épica, ou História-Mundo: é possível pensar

neste tipo de narrativa como uma visita a um parque temático. Circula-se

livremente pelo espaço do parque, que possui diversos subespaços, onde cada um

oferece uma aventura diferente, com enredos também diferentes.

A interação entre o texto e o usuário oferece diferentes experiências e, portanto,

diferentes níveis de imersão. Ryan (2001, p. 258-263) define tais níveis como:

1. Imersão Temporal: a experiência do leitor-usuário é envolvida pelo suspense da

narrativa, pelo desejo de saber o que ocorrerá depois;

2. Imersão Espacial: o leitor-usuário desenvolve um senso de lugar, sentindo-se no

ambiente ou na cena onde os eventos são narrados;

3. Imersão Emocional: é o fenômeno que ocorre quando o leitor-usuário desenvolve

conexão pessoal com os personagens, compartilhando com eles sua experiência

humana.

Figura 10 | História-Mundo

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MUNDOS SIMULADOS

Um ambiente de simulação típico é formado por determinado número de agentes, um

ambiente onde estes agentes vivem e algumas regras que devem ser seguidas. A somatória

desses elementos constitui um mundo narrativo completo, com personagens, configurações

e princípios de ação próprios.

A simulação de situações reais tem se mostrado ótima ferramenta cognitiva. Os mundos

simulados, ou metaversos, como o Second Life, já oferecem experiências interativas como

cursos, palestras e simulações que objetivam levar ao usuário a experiência de uso real de

produtos, serviços e ferramentas técnicas.

GAME BOOK

Do ponto de vista narrativo, uma experiência dramática, quando transposta ao ambiente

virtual, pode ser considerada experiência em primeira pessoa (first-person), ou seja, é

uma experiência atuante. Já a experiência épica é uma experiência em segunda pessoa

(second-person), pois o narrador mantém certo distanciamento em relação aos

acontecimentos. Desta forma, em um game ou ambiente em segunda pessoa, é preciso

dizer ao sistema o que fazer, para que ele responda em seguida. Nos games ou ambientes

dramáticos, o usuário vê e age diretamente.

A forma mais comum de jogo — o agon, ou disputa entre adversários — representa a mais

antiga construção narrativa. A oposição é um dos mais amplos princípios de organização da

linguagem e da inteligência humanas. Tempo e espaço são representados através de

opostos (noite/ dia, cima/ baixo, esquerda/ direita), assim como quase tudo que nos

cerca. A palavra grega agon refere-se tanto a competições atléticas como a conflitos

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dramáticos, refletindo a origem em comum dos jogos (artes da guerra) e do teatro (artes

cênicas) (MURRAY, 1997, p. 145).

O hipertexto não representa, portanto, o fim do livro impresso. Embora a cultura da

impressão tenha sido fortemente abalada com o advento das novas mídias, isto não

significa que o papel simplesmente deixará de existir como o conhecemos. Entretanto, não

há como ignorar que o hipertexto marca uma importante fase de transição. É provável que

o computador seja a tecnologia pela qual a alfabetização ocorrerá nas próximas gerações.

2.5 Link / Ergolink / Hiperlink

O hipertexto, em geral, é composto por blocos de informações e por vínculos eletrônicos

(links) que ligam esses elementos. Os blocos de informações costumam ser chamados de

lexias, que correspondem às unidades básicas de informação (LEÃO, 2001, p. 27).

Figura 11 | Experiência “ampliada” por computador (Magic Book)

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No entanto, um link existe não apenas eletronicamente, como alerta Steven Johnson

(2001, p. 84):

Como a palavra sugere, um link — um elo ou vínculo —, é uma maneira de traçar conexões entre coisas, uma maneira de forjar relações semânticas. Na terminologia da lingüística, o link desempenha um papel conjuncional, ligando idéias díspares em prosa digital. [...] como convenção geral de interface, o link deveria ser compreendido [...] como um recurso sintético, uma ferramenta que une múltiplos elementos num mesmo tipo de unidade ordenada [...].

O link é, por definição, um processo associativo, fundamental para o pensamento humano.

Processos mentais como a reflexão e a resolução de problemas são realizados por meio de

conexões internas. Estes processos também podem ser externalizados quando, por

exemplo, viramos uma página ou escolhemos uma imagem, escolhemos uma cena num DVD

ou trocamos os canais da TV. Atualmente, as mídias interativas nos permitem clicar em

uma imagem que nos leva a outra imagem. Anteriormente, era preciso ler uma sentença

de uma história ou a linha de um poema para, em seguida, pensar em outras linhas,

imagens ou memórias. Agora, a mídia interativa nos permite clicar em uma sentença

destacada, nos levando a outra sentença, seguindo objetivamente associações pré-

programadas (MANOVICH, 2001, p. 61).

Buscando definições mais precisas, Burbules (1998, p. 111-117) identifica oito tipos

distintos de links, a saber:

1. Metáfora: trata-se de um link comparativo, pois relaciona conteúdos totalmente

diferentes. Pode apresentar-se na forma de palavra, frase, ícone ou objeto

relacionado ao conteúdo que representa;

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2. Metonímia: associa conteúdos distintos por contigüidade ou afinidade. Apresenta-se

como parte do contexto, compondo um design ou uma imagem na tela;

3. Sinédoque: estabelece relações de compreensão e se apresenta na forma de telas de links;

4. Hipérbole: ocorre pela ampliação das propriedades audiovisuais dos elementos.

Pode variar de tamanho ou executar um som quando clicado;

5. Antítese: termos e conceitos que mudam de significado, dependendo do contexto.

Buscas por palavras-chave são baseadas neste tipo de link;

6. Identidade: funciona como uma rede que conecta conteúdos comuns em contextos

diferentes.

7. Seqüência e causa-efeito: são links que insinuam associações;

8. Catacrese: são padrões, imagens, jargões, trocadilhos ou gírias que se consagram, com

o passar do tempo, no uso da internet, como os ícones do browser, por exemplo.

Entretanto, a definição mais aceita é a de George Landow (2006, p. 13-20), que revela

sete formas de lincar:

1. Lexia-Lexia Unidirecional: é a forma básica de link. Requer pouco planejamento,

mas pode desorientar o usuário em documentos extensos;

Figura 12 | Lexia-Lexia Unidirecional

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2. Lexia-Lexia Bidirecional: permite aos leitores retroceder os passos de navegação.

Eficiente em sistemas com baixa complexidade de conexões;

3. Palavra ou Frase-Lexia: orienta o leitor de maneira simples, permite lexias mais

extensas e encoraja o uso de diferentes tipos de anotações e conexões;

4. Palavra-Palavra: corresponde diretamente ao assunto pretendido, mas exige um

planejamento mais cuidadoso de acordo com o número de lexias;

Figura 14 | Palavra ou Frase-Lexia

Figura 15 | Palavra-Palavra

Figura 13 | Lexia-Lexia Bidirecional

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5. Um-para-Muitos: encoraja a participação do leitor e permite o acesso a

documentos relacionados;

6. Muitos-para-Um: funciona como um glossário ou para textos com múltiplas

referências a textos simples, imagens, tabelas ou dados; estimula o reuso de

informações importantes;

Figura 17 | Muitos-para-Um

Figura 16 | Um-para-Muitos

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7. Links Escritos: quando claramente nomeados, correspondem melhor às

expectativas dos usuários; produzem diferentes tipos de comportamento;

ERGOLINK

A palavra ergódico é formada a partir da fusão dos termos gregos ergon e hodos, que

significam, respectivamente, trabalho e trajeto. Juntas, significam todo e qualquer

“esforço não-trivial” para cumprir um determinado trajeto (AARSETH, 1997, p. 3)

A literatura ergódica é, portanto, aquela que exige do leitor ações durante a leitura que

vão além do simples manuseio das páginas, compreendendo tanto consultas a outros livros,

volumes de uma mesma coleção, enciclopédias ou dicionários, como o desvio da rota de

leitura para consultar as citações de um texto.

O termo ergódico foi bastante discutido desde sua introdução por Espen J. Aarseth no livro

intitulado “Cybertext — Perspectives on Ergodic Literature”, entretanto, seu uso tem se

dissociado, cada vez mais, do ambiente virtual, uma vez que o termo concorrente,

Figura 18 | Links Escritos

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hiperlink, já está consagrado, tanto entre pesquisadores, como entre designers e usuários

desses sistemas.

Assim, para os propósitos deste trabalho, adotaremos o termo hiperlink (ou link) para nos

referirmos às conexões realizadas no meio virtual, reservando ao termo ergolink os links

dependentes de ações estritamente físicas por parte do leitor em relação ao livro (ou aos

livros).

2.6 Conhecimento / Ciberconhecimento / Hiperconhecimento

É pelas duas principais perguntas que Platão lançou à ciência cognitiva que pretendemos

iniciar a última parte deste capítulo: “O que sabemos?” e “Como sabemos?”.

Apesar da amplitude de respostas às quais suscitam tais perguntas, o objetivo desta

investigação não é esgotar o assunto da construção do conhecimento, mas apenas tentar

pontuar os principais fatores que possam elucidar os caminhos da busca cognitiva.

Para buscarmos as respostas a tais perguntas, recorremos, inicialmente, ao funcionalismo,

pois a metateoria dominante da ciência cognitiva afirma que a mente é um programa

rodado pelo cérebro, o qual é composto de um código e de seus comandos de ativação. Na

perspectiva funcionalista,

[...] a computação toma a matéria real (sinais) que representam coisas (tipos verdadeiros/ falsos), arranja e rearranja essa matéria real de maneira eficaz com base apenas em considerações estruturais e produz uma matéria real que também representa coisas. Essa reformulação implica, mais tecnicamente que a computação é tanto sintática (atua sobre as coisas através de suas próprias características estruturais e das características estruturais delas) como semântica (apropria-se de coisas e produz outras que possuem uma verdade) (FRAWLEY, 2000, p. 79).

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A teoria conexionista busca responder a uma outra pergunta, esta de Wittgenstein: Como a

linguagem se enquadra entre máquinas e pessoas?

De acordo com a teoria conexionista, as capacidades computacionais da mente se

desenvolvem em função de uma variedade de recursos especializados para lidar com formas

particulares de informação. O código interno é uma imensa rede de aprendizagem com nós

e conexões (links), construída a partir de unidades simples com níveis de ativação, unidas

umas às outras por conexões ponderadas que inibem ou que ativam outros nós (FRAWLEY,

2000, p. 75).

Portanto, o código interno não só é estruturado como também é o local onde está situado

o conhecimento, sendo coincidente com a mente.

Sob o ponto de vista sócio-interacionista defendido por Vygotsky, mudanças na vida social

e material produzem também mudanças na vida mental, ou seja, o mecanismo de mudança

individual, ao longo do desenvolvimento, tem sua raiz na sociedade e na cultura. De

acordo com Sancho & Hernández (2006, p. 35):

Vygotsky concede grande importância à interação social no processo cognitivo. Estabelece uma relação entre aprendizagem e desenvolvimento, mostrando a impossibilidade de concebê-los e estudá-los de forma separada. Seu conceito de zona de desenvolvimento proximal, entendida como “a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com um colega mais capaz”, é uma ferramenta intelectual e pedagógica de potencial incalculável na hora de planejar os cenários de ensino e aprendizagem.

Ainda, conforme afirmam Sancho & Hernández (2006, p. 76),

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Um dos conceitos fundamentais desta teoria é o de medição cognitiva. O signo (lingüístico ou não-lingüístico), como elemento possuidor de significado, é o eixo sobre o qual circulam os processos de mediação. Por isso, o componente semiótico é transcendental. O reconhecimento de que a natureza da consciência é semiótica implica o reconhecimento de que o pensamento humano se forma pela aquisição, uso e domínio de instrumentos mediadores de origem cultural, dos quais o principal é a linguagem, o que levou a aprofundar a análise que permite conhecer o processo de construção da consciência individual e, portanto, da própria identidade e o papel que desempenham os instrumentos culturais (as tecnologias) nesse processo.

Por sua natureza sócio-cultural, esta teoria também remete ao conceito de Bildung

(Formação). De uma maneira bastante simplificada, podemos dizer que Bildung refere-se à

formação do indivíduo inserido em seu contexto cultural.

A conectividade, a hipertextualidade e a interatividade estão no centro da formação

(Bildung) de um novo indivíduo, cada vez mais adaptado à busca de conhecimento no

ciberespaço e, portanto, de um ciberconhecimento, moldado pelo acesso às novas

tecnologias e ao senso de inteligência colaborativa e coletiva. Esta inteligência resulta do

processo contínuo de construção e do compartilhamento de conhecimento gerado pela

infinita quantidade de informação armazenada nas bases de dados ao redor do mundo.

Nas ciências da computação, bases de dados são definidas como uma coleção estruturada

de dados ou informações. Estas informações são organizadas para que possam ser

rapidamente encontradas e recuperadas através de um sistema computacional (MANOVICH,

2001, p. 218).

Desta forma, conforme afirma LÉVY (1997, p. 40),

os sistemas cognitivos humanos podem, então, transferir ao computador a tarefa de construir e de manter em dia representações que eles antes deviam elaborar com os fracos recursos de sua memória de trabalho, ou aqueles rudimentares e estáticos do lápis e papel. Os esquemas, mapas ou

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diagramas interativos estão entre as interfaces mais importantes das tecnologias de suporte informático.

O indivíduo da cibercultura interage com o mundo da mediação de tecnologias (TV,

videogames e computadores) e tem nas imagens e nos sons (cada vez mais hibridizados) a

base dos processos comunicativos e cognitivos. Esses sujeitos, assim, acabam organizando

sua existência a partir não apenas da lógica da escrita e da linearidade, mas também por

meio de pensamentos hipertextuais e associativos.

Através do ciberespaço, abre-se, portanto, um imenso potencial para a construção do

conhecimento online, na medida em que este poderá trilhar caminhos cognitivos de forma

mais lúdica, conforme visto anteriormente. Este conhecimento, quando potencializado

pelas expressões hipermidiáticas, origina o que neste trabalho denominamos

hiperconhecimento.

O ciberespaço pode ser entendido, desta forma, como um computador monumental com

espantosos bancos orgânicos de memória e processadores paralelos. É um cérebro que

nunca pára de trabalhar, de pensar, de produzir informações, de analisar e de combinar.

(SANTAELLA, 2004, p. 106).

Dessa maneira, a idéia da existência de um hipercórtex pensante, formado a partir dos

mais diversos ambientes virtuais, e por toda a extensão de uma rede interconectada de

computadores sinápticos, se torna nítida.

Resumidamente, compreender é entender-se na coisa (BAIRON, 2002, p. 144). Voltamos,

assim, ao nosso ponto de partida:

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O agir do sujeito é um conhecer em vários planos que une processo (o agir no mundo), produto (a teorização), a valoração (o estético) nos termos de sua responsabilidade inalienável de sujeito humano, de sua falta de escapatória, de sua inevitável condição de ser lançado no mundo e, ter ainda assim de dar contas de como nele agiu (BRAIT, 2005, p. 118).

Por isso que nomeamos ser a experiência com a hipermídia um profundo exercício

palinódico de compreensão, no qual o desdito sempre acompanha o dito. Algo só pode se

transformar em compreensão porque esconde um universo de sentidos não revelados. A

compreensão na hipermídia é, essencialmente, uma presença feita de ausência (BAIRON,

2000, p. 165).

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3 Do Sítio ao Labirinto do Picapau Amarelo

“Já aprendi a língua dos marcianos. Compreendo perfeitamente o que eles falam. E sabem o que o rei está dizendo? Está dizendo a um cara de crocito que o planeta foi invadido por entes estranhos”.

Emília, Viagem ao Céu

Como vimos até agora, a informação, em determinado contexto, pode se transformar em

conhecimento aplicável a diversos outros contextos. Este potencial cognitivo informacional

tem o poder de expandir-se à medida em que lançamos mão de recursos midiáticos que,

em primeiro lugar, devem identificar-se com os receptores para que, em seguida, como

conseqüência direta do seu uso, possam estimular suas percepções e despertar seu senso

crítico-criativo.

Monteiro Lobato com suas Obras Completas — O Sítio do Picapau Amarelo — foi capaz de

perceber este potencial midiático e, à luz de sua época, resgatou, de maneira singular, os

mais diversos assuntos sob uma perspectiva lúdica, divertida e, dentro das limitações do

suporte, interativa (ergódica), despertando o interesse dos leitores sobre os mais diversos

assuntos, da mitologia à geologia, da gramática à astronomia, muitas vezes, misturando

dois ou mais temas em um único, sem inclinar-se à banalidade ou à incoerência.

Tão significativas quanto suas histórias são as personagens que criou, as quais transcendem

as barreiras físicas limitadoras dos livros, ora misturando-se aos leitores, agindo em sua

realidade, ora estendendo-lhes a mão como um convite ao passeio literário entre contos e

fábulas, através das prazenteiras páginas da imaginação.

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Por todas essas características é inegável o potencial cognitivo da obra infantil lobatiana.

Inegável também, é o fato de que mereça ser remidiada na hipermídia, o que lhe

permitiria atingir a máxima interatividade, através de um nível maior de imersão que só

pode ser possível através do ambiente virtual.

Remidiar efetivamente o Sítio do Picapau Amarelo significaria, portanto, realizar algo mais

do que uma simples adequação histórico-evolutiva às novas mídias; significa, também, um

processo de intercâmbio cultural. A obra — que já teve versões remidiadas na TV e na

multimídia — reconfigurada num novo suporte, o hipermidiático, representa, também, a

hipermidiação do próprio Monteiro Lobato. O resgate do lado humano e cordial do autor

mostra-se imprescindível e consolida-se num processo que poderia, até mesmo, ser

denominado como lobatização da hipermídia.

3.1 Sítio / Fantasia

O termo “fantástico” é oriundo do latim phantasticus que, por sua vez, provém do grego

phantastikós - ambas as palavras provenientes de "fantasia". Refere-se ao que é criado pela

imaginação, o que não existe na realidade. É aplicável a um objeto como a literatura, pois

o universo da literatura, por mais que se tente aproximá-la do real, está limitado ao

fantasioso e ao ficcional. Todo texto fantástico tem elementos inverossímeis, imaginários,

distantes da realidade dos homens. Há uma causalidade de caráter mágico ligando os

acontecimentos ao decorrer de uma narrativa desse tipo.

J. R. R. Tolkien, criador da obra-prima que compreende a trilogia O Senhor dos Anéis,

entendia a arte de criar histórias fantásticas ou de reinos encantados como uma espécie de

subcriação, tal como um mundo secundário tão consistente quanto a própria realidade.

Para ele, uma história de reinos encantados não é apenas uma lenda que se refere a seres

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também encantados. O seres são, sob certo sentido, relativos ao outro mundo, com uma

geografia e história que os envolve.

A idéia-chave de Tolkien é que [...] o reino ou estado em que as fadas vivem contém um cosmos inteiro, um microcosmos. Ele inclui a lua, sol, céu, árvores e montanhas, rios, água e rochas, bem como dragões, seres sobrenaturais, duendes, anões, gnomos, elfos, animais falantes e até uma pessoa mortal quando ele ou ela está encantado(a) (DURIEZ, 2005, p. 110).

Todas estas características do mundo tolkeniano também são encontradas no Sítio do

Picapau Amarelo de Lobato. O dragão de São Jorge e o próprio, que surgem em Viagem ao

Céu, representam a categoria dos dragões e seres sobrenaturais; o duende mais famoso da

literatura brasileira é o Saci-Pererê; duendes, anões, gnomos e elfos surgem quando os

habitantes do País das Maravilhas resolvem se mudar para o Sítio; animais falantes são

maioria nas histórias de Lobato, como o Burro Falante, o porco Rabicó, o rinoceronte

Quindim, os besouros fofoqueiros, o Príncipe Encantado que é um peixe e o doutor capaz

de curar todos os males, inclusive de fazer, até mesmo, uma boneca falar, o Dr. Caramujo;

quanto às pessoas, estas estão sempre encantadas no Sítio do Picapau Amarelo.

No volume intitulado O Picapau Amarelo, a narrativa assim se inicia:

O sítio de Dona Benta foi se tornando famoso tanto no mundo de verdade como no chamado Mundo de Mentira. O Mundo de Mentira, ou Mundo da Fábula, é como gente grande costuma chamar a terra e as coisas do País das Maravilhas, lá onde moram os anões e os gigantes, as fadas e os sacis, os piratas como o Capitão Gancho e os anjinhos, como Flor das Alturas. Mas o Mundo da Fábula não é nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões e milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se dá é que as crianças logo que se transformam em gente grande fingem não mais acreditar no que acreditavam (LOBATO, 1977, v.3A, p.11).

Lobato, assim como Tolkien, tem a consciência da “existência” de um outro mundo

fantástico e procura manter acesa a chama desta consciência também nas crianças, seu

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principal público leitor. Ao afirmar, logo no início do livro, que tal mundo existe de fato,

aguça a imaginação e estimula a leitura com a esperança de que se encontre, através dela,

os tais seres encantados.

Criada a espectativa inicial, Lobato utiliza, além do próprio enredo, todas as

características possíveis para manter o leitor imerso na narrativa. Além das ilustrações

coloridas e trabalhadas, um mapa indica ao leitor as opções de conexões e destinos que

poderá escolher enquanto habitante do Mundo das Maravilhas.

Um outro recurso utilzado por Lobato são as sutilezas com as quais trabalha para tornar

suas histórias “acreditáveis". É também no início de Reinações de Narizinho, que o

Figura 19 | Mapa do Mundo das Maravilhas

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narrador descreve as personagens que vivem na “casinha branca, lá no sítio do Picapau

Amarelo” na qual vive Dona Benta:

Na casa ainda existem duas pessoas — tia Nastácia, [...] e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo. Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sombrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso, narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira. (LOBATO, 1977, v.1A, p.11).

Ou seja, Lobato primeiro diz que há mais duas “pessoas” na casa, tia Nastácia e Emília. E

logo em seguida revela que Emília é uma boneca, com todas as características de uma

boneca que, sequer, se parece com uma pessoa, mas sim com uma bruxa. Embora algumas

bruxas sejam — ou tenham sido — pessoas. Fica claro, portanto, que Emília é tratada,

desde o início como uma pessoa, tanto pelo narrador-escritor, quanto para os personagens

que com ela convivem no Sítio.

É com Emília que Narizinho vive sua primeira grande aventura, em Reinações de Narizinho.

Pedrinho, por sua vez, em caçadas de Pedrinho, terá a companhia do Saci. São os dois

eventos formadores (Bildung) dos personagens e são de fundamental importância para a

compreensão da terceira dimensão da obra lobatiana, a imersão lúdica, neste caso, no

nível ficcional-onírico, descrita no capítulo 1. A interpretação de Cilza Bignotto (1999, p.

122) para uma melhor compreensão destes eventos e sua relação com o fator imersivo é

fundamental:

as personagens infantis deixam o sítio de Dona Benta para viverem, sozinhas, uma aventura. Antes de deixar o espaço familiar, porém, Pedrinho e Narizinho receberão de personagens adultas um objeto mágico — um saci e uma boneca — que serão importantes no decorrer da viagem.

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Nos dois casos, os objetos mágicos são fornecidos às crianças pelas mãos das pessoas que

detêm o conhecimento popular, folclórico. Para o menino, além de indicar o objeto, tio

Barnabé transmite a ele conhecimento — a forma de se pegar o saci. Pedrinho procura um

homem adulto para informar-se sobre o modo de capturar sacis; afinal, trata-se de uma

“caçada”, tradicional assunto masculino (BIGNOTTO, 1999, p. 123).

A primeira travessia de Pedrinho dependerá, portanto, da ajuda deste objeto mágico,

pertencente ao imaginário infantil que, ironicamente, iniciará o menino no mundo adulto,

com todos os perigos que ele apresenta. Da mesma forma, ocorrerá com Narizinho:

[...] uma adulta, tia Nastácia, transmite a Narizinho um objeto mágico que ajudará a menina a enfrentar os perigos de sua viagem: a boneca Emília. A ação que faz surgir Emília é a costura, prática feminina realizada dentro de casa; a ação que faz surgir o saci é a caça, prática masculina realizada fora de casa. Mas Pedrinho consegue pegar seu saci no terreiro do Sítio, bem perto da casa. Tanto ele como Narizinho terão de se afastar muito mais do ambiente governado pelas adultas para viverem suas experiências mágicas: é preciso que, como nos contos de fadas, afastem-se da família (BIGNOTTO, 1999, p. 124).

Portando seus objetos mágicos, e amparados pela crença incondicional e indubitável dos

adultos nesses “objetos” como sendo naturalmente dotados de algum encantamento, resta

estabelecer a conexão lúdica com o portal onírico — a modorra, o estado de quase-sono

onde, de acordo com as crendices populares, permite entrar em contato com o

maravilhoso, o sobrenatural. Tio Barnabé explica:

Saci na garrafa é invisível. A gente só sabe que ele está lá dentro quando a gente cai na modorra. Num dia bem quente, quando os olhos da gente começam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que fica perfeitamente visível. É desse momento em diante que a gente faz dele o que quer. Guarde a garrafa bem fechada que eu garanto que o saci está dentro dela (LOBATO, 1977, v.2A, p.57).

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E é desta forma, caindo na modorra, que Pedrinho inicia a aventura:

Encantado com a beleza daquele sítio, o menino parou para descansar. Juntou um monte de folhas caídas; fez cama; deitou-se de barriga para o ar e mãos cruzadas na nuca. E ali ficou num enlevo que nunca sentira antes, pensando em mil coisas em que nunca pensara antes, seguindo o vôo silencioso das grandes borboletas azuis, embalando-se com o chiar das cigarras. De repente notou que o saci dentro da garrafa fazia gestos de quem quer dizer alguma coisa (LOBATO, 1977, v.2A, p.57).

É importante notar a preocupação de Lobato com a descrição do ambiente — no “vôo

silencioso das borboletas azuis”—, do movimento gestual do menino — com as “mãos

cruzadas na nuca”—, e da sua condição psíquica naquele momento — “pensando em coisas

que nunca pensara antes”. É impossível para o leitor imaginar-se neste cenário, com estas

condições e não se sentir, assim como Pedrinho, modorrento. É portanto, através desta

alegoria que Lobato nos insere na história.

Com Lúcia (Narizinho), o processo é o mesmo:

Uma vez, depois de dar comida aos peixinhos, Lúcia sentiu os olhos pesados de sono. Deitou-se na grama com a boneca no braço e ficou seguindo as nuvens que passeavam no céu, formando ora castelos, ora caramelos. E já ia dormindo, embalada pelo mexerico das águas, quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos: um peixinho vestido de gente estava de pé na ponta do seu nariz (LOBATO, 1977, v.1A, p.11).

Nesta história também fica evidente uma das intenções principais da obra infantil

lobatiana: “retirar” dos antigos livros e contos os mais diversos personagens, dando-lhes

nova vida nas histórias do Sítio do Picapau Amarelo. É o caso da intervenção da dona

Carochinha na narrativa, em busca do Pequeno Polegar, o qual havia fugido do livro onde

morava. Ao ser questionada por Narizinho sobre o motivo do desaparecimento, dona

Carochinha desabafa:

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— Não sei, mas tenho notado que muitos dos personagens das minhas histórias já andam aborrecidos de viverem toda a vida presos dentro delas. Quererm novidade. Falam em correr mundo a fim de se meterem em novas aventuras. Aladino queixa-se que sua lâmpada está enferrujando. A Bela Adormecida tem vontade de espetar o dedo noutra roca para dormir outros cem anos. O Gato de Botas brigou com o Marquês de Carabás e quer ir para os Estados Unidos visitar o Gato Félix. Branca de Neve vive falando em tingir os cabelos e botar ruge na cara. Andam todos revoltados, dando-me um trabalhão para contê-los. Mas o pior é que ameaçam fugir, e o Pequeno Polegar já deu o exemplo. [...] Tudo isso por causa do Pinóquio, do Gato Félix e sobretudo de uma tal menina do narizinho arrebitado que todos desejam muito conhecer. Ando até a desconfiar que foi essa diabinha quem desencaminhou Polegar, aconselhando-o a fugir. (LOBATO, 1977, v.1A, p.15-16).

A vontade dos personagens em abandonar os antigos livros não é, senão, a vontade das

crianças em fazer parte deles. O Sítio do Picapau Amarelo é, tanto no sentido literal,

quanto no sentido figurado, um livro que pode abrigar, em suas páginas, todos os

personagens do universo, reais e imaginários, bons e maus, mitológicos e folclóricos,

nacionais e internacionais, vilões ou heróis do passado, do presente e do futuro, estes

últimos representados, principalmente, pela figura das crianças.

A cura é uma característica comum das histórias de reinos encantados e relaciona-se com a

recuperação ou restauração do estado natural das coisas, do restabelecimento da ordem.

Ela se dá depois que o pior ocorreu, quando, por exemplo, o herói ou personagem principal

escapa de um estado de ilusão ou amnésia ou, caindo inevitavenlmente no clichê, das

“garras do vilão”. O retorno de Narizinho do Reino das Águas Claras ocorre desta forma:

Assim que entrou na sala de baile, rompeu um grande estrondo lá fora — o estrondo duma

voz que dizia:

— Narizinho, vovó está chamando!... Tamanho susto causou aquele trovão entre os personagens do reino marinho, que todos sumiram, como por encanto. Sobreveio então uma ventania muito forte, que envolveu a a menina e a boneca, arrastando-as do fundo do oceano para a beira do riberãozinho do pomar. Estavam no sítio de Dona Benta outra vez. (LOBATO, 1977, v.1A, p.23).

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Na narrativa do Sítio do Picapau Amarelo, a imersão lúdica, em seu primeiro nível — o

ficcional-real,— ocorre, conforme explicado no capítulo 1, através de um jogo de

perguntas e respostas. Tomemos, como exemplo, o trecho abaixo em História das

Invenções. Nele, Dona Benta faz uma constatação inicial, introduz os questionamentos

principais, complementa a informação e, então, colhe os frutos do conhecimento

construído junto com as crianças:

As maravilhas da invenção humana acumularam-se de tal maneira que rapidamente nos acostumamos a elas, a ponto de não lhes prestarmos a menor atenção [...] A escrita, por exemplo. Quem pensa, quem reflete sobre esse milagre que é a escrita? E que é a escrita?

— É o meio de fixar e transmitir o pensamento.

— E como apareceu?

— ?

— Os sábios têm quebrado a cabeça no estudo disso. Pensem um pouco. No princípio, o homem desenvolveu a linguagem, isto é, a arte de se entenderem por meio de sons emitidos pela boca. Um grito significava uma coisa; outro grito significava outra. Depois vieram sons que não eram gritos e significavam outras coisas — e o que chamamos de linguagem foi se desenvolvendo.

Mas esses sons que saíam da boca e significavam coisas não eram os mesmos em todas as tribos. Daí a diversidade das línguas, embora em todas as línguas as coisas que os sons significam sejam as mesmas. A arte da tradução veio mostrar como as palavras de línguas diferentes designando uma mesma coisa se correspondem.

— Isso é fácil — disse Pedrinho. — Se eu vejo um inglês apontar para uma pedra e dizer — stone, fico sabendo que stone corresponde à nossa palavra pedra.

— Muito bem. E para fixar essa palavra? E para fixar os conhecimentos que os homens iam adquirindo, de modo que a experiência do passado aproveitasse ao presente e ao futuro? Isso é que foi o milagre.

A escrita. [...] (LOBATO, 1977, v.6B, p.157-158).

As crianças constróem, portanto, o conhecimento, e o leitor, junto com eles.

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Quanto ao conteúdo do texto, onde se institui a escrita como “o grande milagre” para a

fixação dos conhecimentos, sabemos que é uma opinião controversa. Esta questão será

devidamente abordada no final deste capítulo.

A cura para o nível ficcional-real ocorre através das interrupções entre cada um dos itens

do capítulo (catorze, neste caso). Lobato sabe que a imersão neste tipo de história não é

capaz de atingir o seu mais alto índice, pois a narrativa torna-se cansativa. As interrupções

que realiza são claras e estimulam o leitor ao descanso da leitura:

Dona Benta olhou para o relógio. Eram nove e meia.

— Para a cama todos! Amanhã acabaremos. [...]

Como vimos, no segundo nível de imersão lúdica — o ficcional-participativo — o leitor é

apresentado a um objeto mágico, como o pó de pirlimpimpim ou a chave do tamanho, e,

através dele, é direcionado a um mundo fictício, onde se sente parte do grupo.

Dependendo do envolvimento proporcionado pela narrativa, pode ocorrer, neste caso, um

grau de imersão igual, ou até superior, do leitor em relação à obra, daquele que ocorre no

nível ficcional-onírico. O trecho abaixo nos mostra um exemplo:

— Tudo pronto? — perguntou [Narizinho].

— Sim — respondeu Pedrinho. — Já dividi o pó em pitadas. Tome a sua — e deu-lhe uma pitadinha de pirlimpimpim, dizendo: “Temos todos de aspirá-lo ao mesmo tempo, quando eu disser três. [...] — Um... dois... e TRÊS!...

O fiunnn foi agudíssimo — e lá se sumiram todos na imensidão do espaço. [...] Logo que chegaram e abriram os olhos, os três aventureiros celestes sentiram-se desnorteados. Tudo muito diferente [...] do que era na Terra.

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Neste caso, o processo de cura ocorre também através do objeto mágico. Aquilo que os

leva ao mundo fantástico também os trás de volta. Neste caso, o próprio pó de

pirlimpimpim.

3.2 Sítio / Jogo

Por sua característica de espaço lúdico de construção do conhecimento, o Sítio do Picapau

amarelo é jogo (Spiel), uma alegoria criada por Monteiro Lobato que, ao mesmo tempo em

que ensina, brinca, metaforicamente, através da fantasia, com a realidade do nosso país.

Emília surge, em princípio, como a metáfora da metrópole moderna paulista dos anos 20.

Inquieta, desengonçada, costurada por tecidos multiculturais, da lona surrada do interior

do Brasil ao mais fino linho europeu. Emília evoluiu, da mesma maneira que evoluiu a

humanidade. Inicia muda e termina tagarela.

A própria linguagem humana é, assim como todas as grandes atividades arquetípicas da

sociedade humana, desde os primórdios, inteiramente marcada pelo jogo:

Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado da natureza (HUIZINGA, 2001, p. 7).

Está claro, portanto, que a aproximação da narrativa fantástica com a realidade, na obra

lobatiana, como em qualquer outra narrativa desta natureza, ocorre pelo processo do jogo,

potencializando desta forma, seu processo de hipermidiação. De acordo com Hans-Georg

Gadamer (2002, p. 174-213),

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o jogo é a mais conseqüente integração com o mundo. O efeito do jogo no uso da hipermídia interessa principalmente porque pode tornar a convivência com a obra hipermidiática mais próxima da realidade. E não importam somente as possibilidades lúdicas para o usuário de hipermídia, mas principalmente a possibilidade de jogo inerente ao diálogo entre a narrativa textual e a narrativa audiovisual a ser desenvolvida pelo roteirista ou designer de hipermídia.

O ser livre do jogo nos liberta das amarras do real, abrindo nele uma fenda espaço-

temporal onde nos permitimos expandir nossas redes semânticas indeterminadamente

através de um não-espaço e porquanto ocorra o envolvimento no processo do jogar,

encerrado em um não-tempo, pois se a experiência não é real, não há temporalidade,

tampouco espacialidade. É o que, talvez, queira nos dizer Lewis Carroll, através do coelho

branco, em Alice no País das Maravilhas.

3.3 Sítio / Labirinto

Remidiar o Sítio do Picapau Amarelo na linguagem hipermidiática significa converter a

estrutura ergódica narrativa do livro numa estrutura reticular labiríntica da hipermídia,

considerando as três dimensões da narrativa lobatiana vistas no capítulo 1:

1. Diversidade de assuntos ou modalidades do saber, onde estão inseridos os

elementos que compõem a narrativa, como povos, paisagens, costumes, línguas e

crenças;

2. Profundidade de abordagem dos assuntos, onde cada elemento é analisado

minuciosamente;

3. Imersão lúdica, onde a fluidez da narrativa torna-se capaz de “hipnotizar” o leitor.

Desta forma, como no espaço, a quarta dimensão, ou hiperdimensão do Sítio do Picapau

Amarelo é a hipermídia.

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4. Dimensão hipermidiática ou “rocambólica”, pois Monteiro Lobato, muitas vezes,

referia-se à sua trama narrativa como um imenso e infinito rocambole infantil.

REMIDIAÇÕES DO SÍTIO

1. Cinema: Uma das primeiras remidiações da obra infantil de Monteiro Lobato

ocorreu através do cinema. Em 1951, Rodolfo Nanni dirigiu no cinema uma

adaptação de O Saci. Diferentemente da primeira adaptação para TV, os

protagonistas são interpretados por crianças e a boneca Emília segue o padrão de

tamanho original de 40 cm;

2. TV: O seriado infantil O Sítio do Picapau Amarelo foi produzido pela Rede Globo

entre 1976 e 1986. Estreou em 7 de março de 1977 e saiu do ar em 31 de janeiro de

1986. Era dividido em episódios formando histórias fechadas de duração variável.

Essa, a mais conhecida das versões do programa, era a quarta produzida pela

televisão brasileira, tendo sido as anteriores: entre 1951 e 1962, ao vivo, na TV

Tupi; em 1964, na TV Cultura; entre 1967 e 1969, na Rede Bandeirantes;

3. Teatro infantil: As peças teatrais infantis possuem as seguintes características:

devem criar situações e conflitos que necessitem ser resolvidos; deve ter um

caráter educativo; deve considerar o público de acordo com a idade; deve ser

marcado por um final feliz; devem despertar o interesse, estimulando o

envolvimento e a participação;

4. Teatro adulto: possuem um caráter cultural; o personagem teatral, por dispensar a

mediação do narrador, é o modelo que mais se aproxima dos ambientes de

realidade virtual (ação em primeira pessoa);

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5. Multimídias: a falta de conectividade, de participação ativa e de interatividade,

ainda afasta as multimídias do modelo ideal de imersão e do potencial cognitivo na

narrativa do ciberespaço.

HIPERMÍDIA ROCAMBOLIZADA

Abaixo, relacionamos os diversos aspectos dos ambientes hipermidiáticos e suas relações

com o Sítio do Picapau Amarelo de Monteiro Lobato:

1. Hiperlinks: a narrativa no Sítio sempre remete a outros livros, do próprio Lobato ou

de outros autores, onde uma história sempre faz referência a outra, como um

conjunto de livros cuja leitura pode começar em qualquer ponto. Sob o aspecto

hipermidiático, a obra infantil lobatiana possui, simultaneamente, caráter

instrucional (voltado à solução de problemas, como um jogo), ficcional (incorpora

interatividade à escrita), artístico (transmissão de atividades criativas para a

sensibilidade) e conceitual (visa a transmissão de conhecimentos teórico-

cognitivos);

2. Buscador / Banco de dados: representado pela figura do Visconde de Sabugosa.

Responde a tudo que lhe perguntam, mas é incapaz de receber estímulos externos

que resultem na aquisição de novos conhecimentos;

3. Reticularidade e não-linearidade: através de ergolinks, Lobato constrói uma

narrativa reticular, onde as partes do todo encontram-se separadas e, fazendo

referências entre as obras, permite ao leitor realizar as conexões que resultam,

além da compreensão da história, na construção de conhecimento;

4. Avatar: um personagem assume, por algum motivo, uma nova personalidade.

Ocorre, por exemplo, com o Visconde de Sabugosa que, após sofrer um acidente

fatal, assume o avatar chamado Dr. Livingstone;

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5. Game: seguindo o enredo dos jogos de aventura, os personagens exploram o

ambiente, enfrentam inimigos, resolvem problemas e encontram o retorno à base,

à segurança do ambiente familiar;

6. Bloco de anotações: o leitor interage com a obra, colaborando para a criação do

enredo, ou simplesmente, anotando os fatos mais importantes que encontra em sua

jornada para que possa recuperá-los depois;

7. Navegador: quando o desencadeamento dos fatos resulta em situações

intransponíveis, os personagens podem utilizar o “pó-de-pirlimpimpim”, que

funcionará de maneira semelhante ao botão “voltar” do browser, porém podendo

assumir uma forma randômica;

8. Mapa: a multidimensionalidade da hipermídia requer um mapa, uma representação

cartográfica onde o usuário possa encontrar o roteiro possível para sua jornada;

9. Inteligência Artificial: a boneca Emília, ao longo da narrativa lobatiana, desenvolve

uma inteligência artificial que a auxilia na resolução de problemas. Ao contrário do

Visconde de Sabugosa, Emília aprende com as situações e adquire a capacidade

para enfrentar as mais diversas situações.

10. Recursos Imagéticos: através das ilustrações, Lobato procura, ao mesmo tempo,

estabelecer conexões intersemióticas na narração, e prender a atenção do usuário,

mantendo o nível de imersão da história;

11. Tridimensionalidade estética: corresponde à modelagem do ambiente 3D como

recurso poderoso na simulação de ambientes e na representação de idéias e

conceitos;

12. Pop-ups: são palavras, itens de glossários, referências e explicações, que o autor

insere como elementos da narrativa objetivando potencializar o fator cognitivo

através de associações entre as histórias ou trechos de uma mesma história.

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13. Aspectos cognitivos explícitos: é o conhecimento que, declaradamente, o autor

pretende transmitir, como o aprendizado da Língua Portuguesa em Emília no País

da Gramática;

14. Aspectos cognitivos implícitos: é o conhecimento que depende de uma análise

crítica do texto para que seja revelado.

ROCAMBOLE HIPERMIDIADO

Apresentamos, a seguir, algumas telas que pretendem sugerir um modelo de ambiente

hipermidiático que tenha como base as histórias, os personagens e as localidades do Sítio

do Picapau Amarelo. Este ambiente simulado baseia-se na dinâmica dos MMORPGs e

Metaversos, como o Second-Life, para criar um espaço virtual adequadamente e

equilibradamente imersivo, cognitivo e participativo, onde a interação do usuário com o

sistema ocorra em diversos níveis de profundidade, entre eles:

1. Através da simples translação através do ambiente, sem objetivos específicos;

2. Fazendo perguntas e obtendo respostas dos personagens;

3. Fazendo perguntas e obtendo respostas de usuários conectados no Sítio Virtual;

4. Escolhendo temas de aprofundamento oferecidos pelos personagens;

5. Escolhendo entre os volumes de Obras Completas, a história que deseja conhecer;

6. Escolhendo episódios para interação dentro dos volumes;

7. Escrevendo novas histórias a partir das existentes;

8. Colaborando com a construção do conhecimento dos outros usuários;

9. Navegando pelos locais através dos mapas de navegação contextual ou geral;

10. Localizando personagens no mapa e interagindo em suas histórias específicas;

11. Alternando entre as formas de conhecer as histórias (texto, áudio, vídeo ou game);

12. Interagindo através do mesmo ambiente, mas sob a dinâmica dos jogos de aventura.

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Figura 20 | Modelo 3D – D. Benta Baseado na ilustrção original de Manoel Victor Filho (1977)

Figura 21 | Modelo 3D – Tia Nastácia Baseado na ilustrção original de Manoel Victor Filho (1977)

Figura 22 | Modelo 3D – Emília Baseado na ilustrção original de Manoel Victor Filho (1977)

Figura 23 | Modelo 3D – Visconde Baseado na ilustrção original de Manoel Victor Filho (1977)

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Figura 24 | Proposta de Ambiente Hipermidiático – Sítio do Picapau Amarelo 3D

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Figura 25 | Proposta de Ambiente Hipermidiático – Sítio do Picapau Amarelo 3D (Opções de navegação habilitadas)

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Considerações Finais

É inegável o potencial cognitivo do Sítio do Picapau Amarelo de Monteiro Lobato. Trata-se

de uma obra orgânica, mutável, que adquire novas formas a cada releitura.

Monteiro Lobato disse certa vez: “Um país se faz de homens e de livros”, pois considerava

a escrita o meio ideal para a transmissão e o armazenamento de conhecimento.

Entretanto, com esta afirmação, ignorava as potencialidades instrínscecas aos outros meios

na construção do conhecimento.

Tivesse Monteiro Lobato conhecido a linguagem hipermidiática, com todas as conexões e

linguagens que integra em um único suporte, provavelmente diria: “Um país se faz de

homens e e-livros”, ou ainda, “de games”.

A rede mundial de computadores, conforme vimos, trabalha como um hipercórtex onde

cada computador ou nó age como um neurônio e cada conexão, link ou lexia amplia a

capacidade desta rede como um todo e, individualmente, de cada computador ou neurônio

que nela atua.

Tivesse, ainda, Monteiro Lobato participado desta rede, certamente, como homem de

mídia que foi, saberia explorar ao máximo suas possibilidades na construção de

conhecimento.

O Sítio, quando plugado ao labirinto, torna-se um verdadeiro mundo aberto às descobertas

e à exploração de uma nova dimensão pedagógica, onde as barreiras limitadoras da sala de

aula dissolvem-se em caminhos de bits, que por sua vez, indicam as possibilidades para

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uma jornada lúdica e profícua de aprendizado mágico, onde as páginas impressas do livro

não permitem chegar.

No novo ciberambiente de aprendizagem, as redes neurais dos computadores inteligentes,

como se fossem milhares de Emílias, interagem com os computadores e mentes de

milhares de Pedrinhos, Narizinhos, Donas Bentas e Tias Nastácias, estabelecendo novas

conexões a cada segundo e ampliando os horizontes da informação, do conhecimento e da

inteligência.

As possibilidades de conexões do Sítio-Labirinto não se esgotam, entretanto, somente no

plano homem-máquina. Através dos poderosos sistemas de Inteligência Artificial, os

personagens passam a compor este cenário.

Lobato foi capaz de criar, em seu tempo e à luz de sua história, um mundo fantástico de

fábulas e contos educativos que permanecem atuais às novas tecnologias.

Desta forma, podemos dizer que o Sítio-Labirinto é o encontro de Vannevar Bush com

Monteiro Lobato.

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Referências Bibliográficas

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